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Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.51 São Paulo  2019  Epub 29-Ene-2019

https://doi.org/10.5585/eccos.n51.8703 

Artigos

RELAÇÃO TEORIA E PRÁTICA NA ELABORAÇÃO DE SABERES DOCENTES NO CURSO DE LICENCIATURA EM FÍSICA

THEORY AND PRACTICE RELATIONS IN THE PROCESSES OF TEACHEREDUCATION IN BASIC EDUCATION

Priscila Juliana da Silva, Doutoranda em Educação, Mestre em Educação, Pedagoga1 
http://orcid.org/0000-0002-1672-6143

Joana Paulin Romanowski, Doutora em Educação, Professora2 
http://orcid.org/0000-0001-7043-5534

Pura Lúcia Oliver Martins, Doutora em Educação, Professora3 
http://orcid.org/0000-0003-0300-8318

1Doutoranda em Educação na Universidade Federal do Paraná. Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pedagoga no Instituto Federal de Santa Catarina. Jaraguá do Sul -SC.

2Doutora em Educação - Universidade de São Paulo - USP. Professora do Centro Universitário Internacional - UNINTER e Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR. Bolsa Produtividade em Pesquisa - CNPQ, 1D.

3Doutora em Educação - Universidade de São Paulo - USP. Professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR. Bolsa Produtividade em Pesquisa - CNPQ, PQ2.


RESUMO

Este artigo analisa a relação teoria e prática no processo de elaboração de saberes na formação do professor de Física. A finalidade é compreender as concepções dessa relação expressas nas práticas formativas. Toma por base os resultados de uma pesquisa qualitativa realizada em um curso de Licenciatura em Física, no uso de metodologia de abordagem qualitativa vazada em dados obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas com professores do curso e análise documental do Projeto Pedagógico de Curso e do Regulamento da Prática Pedagógica. A análise dos dados toma a proposta de Bardin (1999), atendendo os passos de pré-análise, descrição analítica e interpretação referencial. As conclusões apontam que as práticas formativas na Licenciatura em Física expressam contradições entre o projeto do curso e os saberes elaborados.

Palavras-chave Formação de Professores; Licenciatura em Física; Relação Teoria e Prática; Saberes Docentes.

ABSTRACT

This article analyzes the relation theory and practice in the process of elaboration of knowledge in the formation of the physics teacher. The purpose is to understand the conceptions of this relationship expressed in the formative practices. It is based on the results of a qualitative research carried out in an Undergraduate in Physics. The methodology is qualitative approach with data obtained through semistructured interviews with course teachers and documentary analysis of the Pedagogical Course Project and the Pedagogical Practice Regulation. The analysis of the data takes the proposal of Bardin (1999) taking the steps of pre-analysis, analytical description and referential interpretation. The conclusions point out that the formative practices in the Undergraduate in Physics express contradictions between the project of the course and the elaborated knowledge.

Keywords: Teacher Education; Undergraduate in Physics; Theory and Practice Relationship; Teacher Knowledge.

Introdução

Nos cursos de licenciatura, o desenvolvimento da formação inicial de professores se materializa no processo formativo que, por sua vez, abrange a proposta do curso e as práticas de modo a produzir os saberes de formação. As concepções expressas nas finalidades, nos objetivos, nos conhecimentos abordados e, em especial, na prática formativa realizada no curso, indicam qual a abordagem do processo na elaboração dos saberes docentes. Considerando essa conjuntura, este texto tem por enfoque o processo de formação quanto à relação entre teoria e prática, para compreender a(s) concepção(ões) que orientam e se expressam nas práticas formativas na perspectiva da produção dos saberes docentes.

O cotejamento entre teoria e prática tem sua raiz histórica e epistemológica na construção do saber no Ocidente e está vinculado ao contexto da sociedade organizada em classes e às relações sociais de poder. Desde a Grécia Antiga, a relação teoria e prática têm sido discutida, examinada para compreender como ela se estabelece. Para os gregos clássicos, a teoria é um sistema explicativo e, portanto, uma atividade intelectual que analisa a prática (OLIVEIRA, 2016). Na atualidade, tal articulação, conforme proposta por Karl Marx, tem sido examinada considerando-se duas vertentes fundamentais. Na educação, e na formação de professores, a referida relação teoria-prática se expressa nas diversas vertentes do pensamento pedagógico, influenciando as práticas pedagógicas, as organizações curriculares e a produção dos saberes docentes.

No Brasil, as políticas educacionais têm impulsionado articulações dessa relação, a qual está presente também na estrutura das instituições de ensino e de seus currículos para a formação de professores, incentivandose, dessa forma, as práticas pedagógicas seja pelo estágio obrigatório, seja pela adoção de práticas como componente curricular nas diferentes disciplinas do itinerário formativo - o que orienta a produção dos saberes dos professores (BRASIL, 2015). Além de fomentar mudanças nas estruturas curriculares, as políticas educacionais nacionais têm incentivado a criação de cursos e vagas de licenciaturas em todo o país, em especial na rede federal de educação profissional e tecnológica, com o objetivo de suprir a carência histórica de professores das ciências exatas. Tais políticas estão presentes na lei de criação dos institutos federais de educação, ciência e tecnologia, que estabelecem significativa de oferta cursos e vagas, das quais pelo menos 20% devem ser destinadas à formação inicial e continuada de professores. (BRASIL, 2008)

Diante desse cenário de novas possibilidades para a formação de professores nos institutos federais, esta pesquisa, realizada no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), tem como objeto a relação entre teoria e prática no processo de formação de professores de física em um instituto de educação, ciência e tecnologia do estado de Santa Catarina. Assim, este artigo define por objetivo examinar a relação teoria e prática na formação do professor de Física para compreender quais as concepções acerca dessa relação que são expressas nas práticas formativas na perspectiva da produção dos saberes docentes. Para isso, examina as práticas formativas realizadas no curso de Licenciatura em Física ofertado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia.

Concepções da relação entre teoria e prática na constituição dos saberes docentes

Na teoria marxista, as concepções da relação teoria e prática se apresentam nas vertentes epistemológicas denominadas: o materialismo histórico e a luta de classes (CASTORIADIS, 1982 apud MARTINS, 2009). O materialismo histórico ou marxismo ortodoxo concebe a teoria como instrumento que gera a prática revolucionária. Nessa interpretação do pensamento de Marx, a classe trabalhadora tem um destino traçado: fazer a revolução e constituir um novo modo de produção. Entretanto, nessa perspectiva, para realizar a revolução é preciso que a classe trabalhadora seja educada, ou seja, a prática revolucionária é consequência da teoria revolucionária. Portanto, a transformação social acontece na educação dos trabalhadores a partir de conteúdos críticos, chamada por Martins (2009) de teoria como guia da ação prática.

A luta de classes, ou marxismo heterodoxo, por sua vez, concebe a prática como o ponto de partida para a teorização, nomeada por Martins (id.ib.) de teoria como expressão da prática. Tal concepção entra em conflito com a anterior ao defender a autonomia da classe operária, mostrando, especialmente nos estudos sobre a classe trabalhadora, que ela não é uma vítima passiva do sistema capitalista e a sua autonomia é o que cria contradições e impasses nas relações sociais. Portanto, nesse sentido, a classe trabalhadora é sujeita de sua própria história. Se na primeira concepção os sujeitos são determinados pelo modo de produção capitalista, na segunda eles têm autonomia e resistem às pressões econômicas em movimentos contraditórios que se estabelecem nas lutas entre os diversos grupos sociais.

Vázquez (1977) defende, com base nos escritos de Marx, que a filosofia pode transformar o mundo. Assim, para o autor o pensamento e ação encontram-se, pois a atividade teórica não pode por si mesma mudar o mundo: é preciso que a transformação aconteça na prática. Apesar de a transformação social ser o principal objetivo do materialismo histórico em sua concepção de que os trabalhadores precisam ser educados para que possam ter uma prática revolucionária, é possível verificar uma certa mecanização do processo de transformação, tirando do sujeito sua capacidade de transformação na prática para torná-lo um executor de uma teoria. Dessa forma, a consequência do materialismo histórico é uma hierarquização entre teoria e prática, ou seja, mesmo que a prática seja fundamental para a transformação social, ela é guiada pela teoria e, assim, o conhecimento teórico antecede a prática, sendo, de certo modo, mais valorizado nos processos de formação. Ainda conforme Vázquez (1977), é possível afirmar que, quando a prática é tomada como critério para a verdade, ela se torna um teste para a teoria dentro da perspectiva do materialismo histórico. Sempre há uma teoria ideal e uma prática ideal que precisam se aproximar o máximo possível. Como consequência, ao analisar a história a partir dessa perspectiva, a classe trabalhadora é passiva e subjugada pelo capitalismo.

Pimenta (1995), ao desenvolver a fundamentação sobre a relação teoria e prática na disciplina de Didática, destaca a importância do estudo dessa relação na pedagogia e, especificamente, afirma que a didática é uma teoria que oferece uma orientação segura para uma prática docente que possibilite a transformação social. A autora salienta que a Didática, enquanto atividade teórica, antecipa a realidade não existente, tornando-se um instrumento para a práxis transformadora na produção dos saberes docentes.

Gadotti (2006), por sua vez, ao explicar a relação entre teoria e prática no materialismo histórico, afirma que ambas não estão separadas e que a teoria não é um dogma, mas, sim, um guia para a ação. A prática não é desconsiderada nessa concepção, pois ela é revolucionária e é nela que a mudança acontece. Contudo, a teoria ainda é o guia da transformação social, o que, em última instância, prioriza a teoria, subtraindo os sujeitos e a experiência dos processos de mudança social e orientado a primazia da teoria na constituição dos saberes docentes.

Essa relação hierarquizada entre teoria e prática, apontada por Vázquez (1977), Pimenta (1995) e Gadotti (2006), é contestada pelos autores que defendem a concepção marxista da luta de classes. Para compreender essa visão, Thompson (1987), no prefácio do livro A Formação da Classe Operária Inglesa, diferencia ‘classes’ de ‘classe’. Para o autor, ‘classes’ é um termo genérico que pode se tornar evasivo e não mostrar o processo ativo do fazer-se da classe, no qual interagem a ação humana e seus condicionantes. Ele defende ‘classe’ como o termo mais adequado, pois exprime um fenômeno histórico e não uma categoria ou uma estrutura, evidenciando, assim, acontecimentos aparentemente desconectados que ocorrem nas relações humanas.

A classe acontece quando alguns homens, como resultados de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (geralmente se opõem) dos seus. A experiência de classe é determinada em grande medida, pelas relações de produção em que os homens nasceram - ou entraram involuntariamente. (THOMPSON, 1987, p. 10)

O autor argumenta sua concepção sobre as lutas sociais ao discutir a experiência como o termo silencioso em Marx no livro “A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser.” (THOMPSON, 1981) Esse livro é, notadamente, uma crítica ao marxismo estruturalista do filósofo Louis Althusser. Teórico da teoria da reprodução, Althusser atribuiu ao capitalismo o poder de submeter os sujeitos de forma a indicar que o movimento da história e mesmo das lutas de classes tem pouca existência no processo de transformação social. Althusser fez críticas à História como ciência, afirmando que tal campo do conhecimento se funda no empirismo e, por isso, não teria rigor. Thompson rebate essas e outras proposições de Althusser e nos fornece elementos centrais para compreender a teoria como expressão da prática na elaboração dos saberes docentes.

Entre esses elementos se destaca a experiência que, para Thompson (1981, p. 16) não surge nas relações sociais de modo espontâneo, mas como pensamento. O autor entende que “homens e mulheres (e não apenas filósofos) são racionais, e refletem sobre o que acontece a eles e ao seu mundo.” (1981, p. 16) Reforça que “não podemos conceber nenhuma forma de ser social independentemente de seus conceitos e expectativas organizadores, nem poderia o ser social reproduzir-se por um único dia sem o pensamento.” (1981, p. 16) Portanto, afirma que não há mecanicismo na vida cotidiana, pois, em nossas experiências sociais, nos construímos de forma ativa, temos a capacidade de refletir, ou seja, de pensar sobre nossas vivências, tomar decisões, elaborar saberes - “O que queremos dizer é que ocorrem mudanças no ser social que dão origem a experiência modificada; e essa experiência é determinante, no sentido de que exerce pressões sobre a consciência social existente, propõe novas questões e proporciona grande parte do material sobre o qual se desenvolvem os exercícios intelectuais mais elaborados.” (THOMPSON, 1981, p. 16 - Grifo do autor)

Nesse sentido, a relação entre teoria e prática na formação de professores defendida neste artigo é aquela que altera as relações sociais na escola na perspectiva da teoria como expressão da prática, viabilizada pela sistematização coletiva do conhecimento, conforme Martins (1995). Assim, a prática pode ser o ponto de partida para a construção do conhecimento e dos saberes docentes, processo em que a teoria se transforma em elemento poderoso para analisar tal prática - a última, uma vez analisada rigorosamente, pode favorecer a geração de nova teoria.

Salienta-se que todos os envolvidos no processo educativo passam a ser produtores de conhecimentos nessa concepção. Por isso, a formação docente passaria a priorizar problemas reais e as vivências na e da Educação Básica. Nesse sentido, todos os envolvidos na prática social educativa vivenciam um processo de sistematização coletiva do conhecimento, tomando como ponto de partida a caracterização da prática pedagógica com base em aproximações com a escola. Em seguida, tais atores analisam essa prática tomando por referência a teoria existente, apontando os pontos críticos por meio da análise, na qual são obtidos indicadores de compreensão da prática.

Metodologia da investigação realizada

A abordagem metodológica desta pesquisa é qualitativa, visto que a investigação teve o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento no processo de pesquisa (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Os dados coletados foram predominantemente descritivos e o significado atribuído pelos sujeitos da pesquisa aos elementos de investigação foi foco especial de atenção. Por isso, a análise dos dados seguiu um processo indutivo, visto que, ao longo do estudo, as categorias da pesquisa foram construídas, observando os objetivos e os referenciais teóricos dialogando com os dados empíricos.

O objeto de estudo são as concepções da relação teoria e prática nos processos de formação docente e seu espaço de pesquisa é um curso de Licenciatura em Física ofertado em um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, localizado em Santa Catarina. Esse curso tem 15 professores e atende a, aproximadamente, 90 estudantes. A primeira turma de licenciatura ofertada por essa instituição iniciou as aulas em 2009, em um curso de Licenciatura em Ciências da Natureza com Habilitação em Física. Ao longo do tempo, problemas na dupla diplomação proposta (Licenciatura em Ciências e Licenciatura em Física) fizeram a instituição rever sua proposta pedagógica e iniciar, em 2014, a primeira oferta do curso de Licenciatura em Física com uma única habilitação. Esse curso formou sua primeira turma em 2018.

Para investigar o curso, foram definidos para a coleta de dados os seguintes procedimentos: (i) entrevistas semiestruturadas com professores que atuam no curso; (ii) observações participantes das reuniões do Núcleo Docente Estruturante; e (iii) análise documental do Projeto Pedagógico de Curso e do Regulamento da Prática Pedagógica como Componente Curricular.

A primeira fase da pesquisa foi exploratória e realizada por meio de observações participantes das reuniões do Núcleo Docente Estruturante. Segundo Minayo (2015) o objetivo da fase exploratória de uma pesquisa é definir e delimitar o objeto de pesquisa, além de desenvolver e operacionalizar o trabalho de pesquisa. Nesta pesquisa, a observação participante foi realizada no acompanhamento de duas reuniões do Núcleo Docente Estruturante da Licenciatura em Física, visto que nessa instância foi discutido e construído o regulamento da Prática Pedagógica como Componente Curricular. As reuniões foram gravadas em áudio e transcritas posteriormente. O limite de duas reuniões se deve à organização institucional, que prevê poucas reuniões do Núcleo Docente Estruturante. Assim, foi necessária a realização de entrevistas com professores.

A segunda fase da pesquisa é a de análise documental que, para Triviños (1987), é um estudo descritivo que possibilita ao investigador de informações provindas de leis, regulamentos e documentos oficiais. Nessa técnica de coleta de dados, são escolhidos documentos significativos para o problema de pesquisa. No caso desta pesquisa, foi examinado o Projeto Pedagógico de Curso (PPC) e o Regulamento da Prática Pedagógica como Componente Curricular (RPPCC) como documentos significativos. A relevância do PPC justifica-se pela sua representatividade enquanto projeto, plano e expressão de ideias e decisões do grupo de professores que atua no curso. Já o significado do RPPCC para a pesquisa está justificado pelas observações participantes das reuniões do NDE, pois esse documento foi construído nas reuniões observadas nesta pesquisa.

Quanto à entrevista, as questões da entrevista semiestruturada foram abertas e direcionadas, segundo Flick (2009), tendo sido respondidas com a vivência e conhecimentos dos entrevistados e direcionadas por observações participantes das reuniões do Núcleo Docente Estruturante. Foram entrevistados três professores do curso (professor A, professor B e professor C) que participam do Núcleo Docente Estruturante. Para a escolha desses docentes e a construção do roteiro de entrevista, foram utilizados dados da fase exploratória da pesquisa, que aconteceu por meio de observações participantes de duas reuniões do Núcleo Docente Estruturante. Foram critérios de escolha desses professores entrevistados formação e atuação no curso em diferentes áreas do conhecimento. Assim, o professor A tem formação em física e ocupava no momento da pesquisa o cargo de coordenador de curso. O professor B tem formação em Biologia e nas observações participantes teve pouca participação nas discussões. Por sua vez o professor C tem formação em pedagogia e participou da elaboração do Projeto Pedagógico de Curso da Licenciatura em Física.

Na análise de dados, foram seguidos os passos da Análise de Conteúdo, conforme sugeridos por Triviños (1987), Bardin (1999) e Lüdke e André (1986). No primeiro passo, chamado pré-análise, buscouse, nos documentos citados, visualizar seu conjunto e extrair particularidades para a primeira categorização e classificação. No segundo momento, foi realizada a problematização desses documentos, visando a extrair deles sentidos mais amplos. Por fim, realizou-se a interpretação referencial.

As concepções da relação teoria e prática no processo de formação e a relação com os saberes docentes

As concepções da relação teoria e prática na Licenciatura em Física são apresentadas em três tópicos, nas subseções a seguir, que discutem essas concepções e suas expressões na Licenciatura em Física.

a) O projeto pedagógico de curso de Licenciatura em Física

Nos dados de pesquisa há indicadores no Projeto Pedagógico de Curso que apontam para a preocupação do curso de Licenciatura em Física com a relação teoria e prática na formação do professor de física, de modo que haja constituição de saberes docentes que estabeleçam essa relação. O termo ‘relação teoria e prática’ se repete dez vezes ao longo do

Projeto Pedagógico de Curso e foi explorado na pesquisa em dois conjuntos. O primeiro conjunto de elementos indica seis passagens do Projeto Pedagógico de Curso em que a concepção da relação teoria e prática aponta para a teoria como expressão da prática. O segundo conjunto indica quatro passagens do Projeto Pedagógico de Curso em que a relação teoria e prática predominante é a teoria como guia da prática.

A primeira indicação do termo relação teoria e prática no Projeto Pedagógico de Curso aparece quando estão sendo estabelecidos os objetivos do curso. No trecho em questão, é ressaltada a relação teoria e prática como princípio básico para a atuação do educador. Evidencia-se aí que essa relação é um princípio base para a formação de professores, estabelecendo na palavra “atuação” a importância da prática como geradora de reflexão, de pesquisa e de teorias. Essa relação também está presente nos saberes das quatro disciplinas de Estágio Obrigatório e em suas competências, reforçando que a prática pedagógica tem um papel fundamental na construção das teorias e na formação do licenciado em Física. Em ‘Estágio I’, há indicações de que o professor de física terá de articular a teoria e a prática, relacionando as práticas pedagógicas observadas com os contextos em que elas se inserem. Portanto, o enfoque principal do Estágio I é conhecer a realidade escolar e compreendê-la em seus diversos aspectos. Nos demais estágios, repete-se essa mesma competência, na qual a articulação teoria e prática acontece na reflexão do licenciando, em que é exigida a escrita e a oralidade para sua expressão. Por fim, a relação teoria e prática aparece relacionada ao mundo do trabalho, como prática enquanto componente curricular.

Nas citações da relação teoria e prática apresentadas acima, a prática é o ponto de partida para a reflexão teórica, pois são as atividades que colocam o licenciando diante de sua atuação profissional e diante da atividade pedagógica e que, consequentemente, permitem que se realize a relação entre a teoria e a prática pedagógica numa perspectiva contextualizada. Entretanto, em outras passagens do Projeto Pedagógico de Curso, aparece também a expressão da teoria como guia da prática. Nesse sentido, algumas palavras presentes nas citações abaixo permitem essa interpretação e estão ligadas aos verbos utilizar e aplicar, pois seus significados levam à interpretação de uma ação no sentido de executar uma teoria, um funda mento e/ou um instrumento, uma perspectiva de racionalidade técnica na elaboração dos saberes docentes.

A relação teoria e prática, quando colocada como saber ou competência aprendido na prática e quando considera a prática como ponto de partida para a construção e reconstrução da teoria, possibilita a transformação social, pois possibilita aos sujeitos rever e recriar suas teorias e práticas. Por isso, o fundamento da concepção marxista da realidade social é a transformação social. A transformação social pode ser compreendida como a possibilidade de a docência ser um ato de compreensão, raciocínio, reflexão e transformação ao tomar a prática social como ponto de partida para teorizar e transformar as relações sociais. Trata-se de um movimento dialético em que se constrói e se reconstrói a teoria, para retornar à prática. Portanto, transformar a realidade social por meio da docência é possibilitar, na formação de professores, a realização de experiências em que o fazer educacional seja contextualizado, intencional, humanizado e cotejado com a teoria.

O Projeto Pedagógico de Curso da Licenciatura em Física não assume de modo explícito a transformação social como um princípio norteador da formação docente. Contudo, de certa forma o indica, sobretudo nos objetivos traçados para o perfil profissional do egresso e em disciplinas como as de História da Educação, Sociologia e Educação, Filosofia e Educação e Cultura e Sociedade. Os objetivos das referidas disciplinas priorizam conhecimentos que contextualizam a educação em seus aspectos históricos, filosóficos e sociais. Entretanto, fica evidente no texto que as competências do egresso acabam por receber definições restritas à reflexão teórica. Desse modo, o perfil do egresso não prevê uma formação para a transformação social, mas o ensaia ao contextualizar os conhecimentos sobre Física e Educação, direcionados para uma formação docente humanizada e cidadã. Ressalta-se que as disciplinas que discutem a educação e a escola dentro das perspectivas sociológica, histórica, cultural e filosófica têm um papel importante na formação pedagógica do licenciado, pois auxiliam na construção dos conhecimentos e saberes sobre finalidades, concepções e práticas na composição da formação pedagógica.

A relação da instituição formadora com as escolas da educação básica torna-se fundamental para garantir uma formação contextualizada com a realidade social na qual a instituição está inserida e as esco las nas quais o licenciado irá atuar. No Projeto Pedagógico de Curso de Licenciatura em Física, essa relação é evidenciada em dois momentos e na forma como ela será realizada no texto da descrição das atividades dos Núcleos Problematizadores. Ao propor a articulação com as redes públicas de ensino, a constituição dos Núcleos Problematizadores assume, de certa forma, a concepção da relação teoria e prática da luta de classes, pois a prática profissional e a realidade social são fonte de conhecimento.

Assim, a proposta do Projeto Pedagógico de Curso contém concepções e práticas que estão vinculadas às concepções marxistas da relação teoria e prática, mas sem assumir a transformação social, o que, portanto, evidencia concepções contraditórias. Com efeito, é importante ressaltar que há um esforço na defesa da concepção da relação teoria e prática, em que a teoria é expressão da prática. As PPCCs e os Núcleos Problematizadores permeiam a proposta do curso como um todo, pois buscam, por meio da pesquisa e da prática profissional, que o licenciando esteja em contato com as escolas da Educação Básica, de modo a estabelecer os saberes docentes articulando as práticas realizadas nas escolas com as práticas e teorias abordadas no curso.

b) O regulamento da prática pedagógica como componente curricular

A Prática Pedagógica como Componente Curricular conta com um regulamento próprio discutido e elaborado nas reuniões do Núcleo Docente Estruturante, que foram acompanhadas nas observações participantes. Das discussões, destaca-se, nas falas dos docentes, que esse processo foi de adequação do Regulamento da Prática como Componente Curricular. A instituição já ofertava o curso de Licenciatura em Ciências da Natureza com habilitação em Física e existia um regulamento, alvo de revisão durante aquelas reuniões. Apesar de ser uma adequação, os professores C e D expressaram a importância de uma discussão coletiva sobre o documento. Contudo faltou tempo hábil para discutir profundamente o que são e quais são os objetivos da prática pedagógica como componente curricular na formação docente. Nas reuniões, foram levantados pontos importantes, mas o tempo foi insuficiente para o aprofundamento de algumas questões. O documento final relativo à Prática Pedagógica, aprovado na instituição, contém concepções da relação teoria e prática diferentes da proposta no Projeto Pedagógico de Curso.

De acordo com o Projeto Pedagógico de Curso, as Práticas Pedagógicas como Componente Curricular estão organizadas “mediante aproximações com os espaços educativos formais e não formais” e são desenvolvidas “por meio das tecnologias da informação e da comunicação, narrativas, produções de alunos, situações simuladoras, atividades em laboratório e estudo de caso, entre outros.” (INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2014)

No Regulamento da Prática Pedagógica como Componente Curricular, as práticas são descritas como um conjunto de atividades que “[…] proporcionam experiências de aplicação de conhecimentos teóricos e práticos.” (id.ib.) Estão exemplificadas como atividades que “[…] envolvam situações relacionadas ao exercício da docência na educação básica e ao processo de ensino e aprendizagem.” (id.ib.) Portanto, pode-se afirmar que o regulamento tem a predominância da concepção da relação teoria e prática em que a teoria é guia da prática. Além disso, o regulamento especifica as atividades com ênfase em situações simuladoras.

Para Nóvoa (1991), a competência docente não o torna um técnico nem um improvisador, mas sim “[…] um profissional que pode utilizar seu conhecimento e sua experiência para se desenvolver em contextos pedagógicos preexistentes.” (NÓVOA, 1991, p.74) Dessa forma, o currículo para a formação de professores articula três saberes: experiencial, pedagógico e disciplinar. Assim, o Projeto Pedagógico de Curso da Licenciatura em Física aponta as práticas profissionais como articuladoras desses saberes. São consideradas práticas profissionais: Prática Pedagógica como Componente Curricular, Estágio Curricular Supervisionado, Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e Atividades Acadêmico-Científico-Culturais (AACCs). Entende-se que essas atividades estão inseridas diversas disciplinas, mas há um destaque especial para as que têm sua carga horária voltada para a Prática Pedagógica como Componente Curricular, tais como: Prática Científica em Educação I (PCEI) e II (PCEII), Projetos de Gravitação e Termodinâmica, Projetos de Astronomia, Projetos de Eletromagnetismo, Projetos de Mecânica Geral, Projetos de Ótica e Física Moderna e Tópicos de Física Contemporânea. Na análise do Regulamento da Prática Pedagógica como Componente Curricular foi encontrado apenas um artigo sobre a relação teoria e prática. Nesse documento evidenciase, que a teoria é guia para a prática.

O Regulamento das PPCCs, por sua vez, explicita uma predominância da teoria como guia da prática expressa em seu conceito do que é PPCC e também de como ela deve ser realizada. Nesse ponto, destaca-se que o regulamento está organizado de acordo com a legislação que orienta as PPCCs e é visível que alguns trechos são transposições dos documentos orientadores dos órgãos reguladores desses cursos. A carga horária das PPCCs está distribuída ao longo do curso e em diversas disciplinas. Isso mostra a busca de desenvolver um curso de licenciatura em física em que a articulação dos conhecimentos específicos e pedagógicos ocorra durante toda a formação do licenciando.

c) As práticas pedagógicas dos professores da licenciatura em física

As contradições da relação teoria e prática são destacadas no desenvolvimento das atividades de Prática Pedagógica como Componente Curricular. Portanto, ao exemplificar essas atividades os professores D, E e F relatam ações pedagógicas que eles utilizam para ensinar aos estudantes os saberes da sua disciplina e não intervenções pelas quais o licenciando articula os saberes específicos e pedagógicos para vivenciar o ensino de física. Revela-se um paradoxo, pois essa prática não expressa o objetivo da Prática Pedagógica como Componente Curricular estabelecido no Projeto Pedagógico de Curso. Não é realizado um vínculo das Práticas Pedagógicas como Componente Curricular com a prática profissional do professor e, em algumas práticas, evidencia-se a aplicação dos conhecimentos aprendidos em planos de aula e/ou sequências didáticas, orientando a produção dos saberes do professor da educação básica e valorizando a teoria em detrimento da prática.

Professor E (OP)1: […] segue um roteiro, aí ele sempre tem que fazer um gráfico. É o que eu normalmente anoto de PPCC é o relato disso. Se a gente não considerar a elaboração de um slide para que ele apresente aquilo que ele fez ou um resumo daquela atividade como PPCC, então tem que tirar.

Professor F (OP): Embora a experiência que eu tenho tido e o que eu considero no registro do PPCC é uma apresentação de um trabalho que eles fazem, elaborados no PowerPoint para apresentar este trabalho. Isto é uma prática pedagógica e uma micro experiência de como se colocar diante de uma turma falar isso, não dá para negar isso.

Professor B (ES): Eles discutem isso fazendo leituras, eles selecionam textos escrevem um texto apresentam, então, na forma de seminário, painel e discutem e depois a gente tem bastante debate. As turmas também favorecem isso. Eles são muito dinâmicos eles gostam do debate da discussão, então, as aulas caminham nesse sentido. Ou então eu seleciono um texto para eles lerem e a gente discute também.

No relato das práticas do professor A, estão descritas atividades que evidenciam a preocupação com a formação pedagógica em uma disciplina que desenvolve conhecimentos específicos da física. Assim, considera-se que o professor busca desenvolver atividades de Prática Pedagógica como Componente Curricular por meio da análise de livros didáticos e da construção de uma sequência didática. No trecho destacado abaixo, ressalta-se a predominância do aprendizado das teorias do conteúdo específico para a elaboração dos saberes docentes desde o planejamento à execução em sala de aula em forma de simulação.

Professor A (ES): Nessa unidade curricular […] a gente apresenta o conteúdo, os conceitos da física moderna e tenta mostrar para eles como eles podem trabalhar isso em sala de aula. Um primeiro passo: vamos ver como esse conteúdo está trabalhado e apresentado no livro didático de Ensino Médio. Trazemos vários autores ali de Ensino Médio e vamos fazer uma análise. Esse é um primeiro passo: eles vão analisar os livros […] vão relatar se em cada um deles está contemplado ou não está e se da forma que está ali é adequada ou não. Daí gera uma discussão sobre isso. Depois, prepararam uma sequência didática ou um plano de aula.

O professor B descreveu na entrevista as atividades que considera Prática Pedagógica como Componente Curricular e que desenvolve em sala de aula. Em seu relato, percebe-se a preocupação em ensinar de forma significativa e contextualizada, instigando os estudantes a refletir sobre as questões ambientais. Aqui se evidencia que as estratégias pedagógicas como leitura e discussão de textos são consideradas Prática Pedagógica como Componente Curricular.

Professor B (ES): No semestre passado, trabalhei com metodologias de painel, de seminário, de análise de projetos em educação ambiental. A partir desses estudos que os alunos fazem de temas como processos antrópicos e impactos ambientais, história da educação ambiental, dos tratados internacionais, como os países discutem o tema, o surgimento da educação ambiental formal, eles discutem isso fazendo leituras, selecionam textos, escrevem um texto, apresentam, então, na forma de seminário, painel e discutem e depois temos debates.

Durante as observações participantes, algumas Práticas Pedagógicas como Componente Curricular e mesmo as práticas pedagógicas foram descritas, mas sem o detalhamento necessário para compreensão da relação teoria e prática que elas expressam. Por isso, nas entrevistas, um dos pontos discutidos com todos os entrevistados dizia respeito às ações do curso e da sala de aula que eles consideram como aquelas que relacionam teoria e prática no curso de Licenciatura em Física, que orientam a elaboração dos saberes dos professores da educação básica priorizados no processo de formação. De forma geral, o foco ocorre nas práticas que acontecem durante as aulas e em atividades extracurriculares, como o Programa de Iniciação, o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência e o clube de astronomia da instituição. Outro destaque são os Núcleos Problematizadores, que são estratégias de interdisciplinaridade previstas no Projeto Pedagógico de Curso para relacionar as disciplinas de cada fase em torno de uma temática, para desenvolver a interdisciplinaridade no curso e, consequentemente, a relação teoria e prática. Além disso, são +destacadas as disciplinas de Física organizadas no curso de modo que, no mesmo semestre, ocorra, por exemplo, a disciplina de Mecânica Geral e de Projetos de Mecânica Geral. Assim, é realizada a articulação entre a teoria e a prática no ensino de física. A pesquisa se insere como forma de articular os conhecimentos com os estágios. Percebe-se nos depoimentos as práticas que estão presentes no curso e na sala de aula, mas também indicam as possibilidades postas pelo Projeto Pedagógico de Curso da Licenciatura em Física.

Professor A (ES): É que pensando na mecânica geral o professor que está explicando a teoria para sempre estar fazendo essa ligação com Ensino Médio. Pelo menos a cada passo da matéria, sempre estou fazendo a ligação de como seria explicado isso no Ensino Médio. […] Surge uma notícia sobre ondas gravitacionais, essa informação, como vai ajudar eles a entender o que está sendo feito. Tem um clube de astronomia se formando dentro do campus […]. Dentro dessa disciplina, eles vão desenvolver material didático também e isso pode ser levado para comunidade. A teoria que a gente acaba explicando se torna algumas ações.

Professor B (ES): […] eu percebo que o Núcleo Problematizador é uma situação para se desenvolver isso de modo interdisciplinar. De selecionar um tema a partir de um assunto geral, um eixo, que busque dialogar com várias disciplinas dessa reflexão e promover uma ação que pode ser um produto e, por fim, a sua socialização.

Professor C (ES): Acho que tem uma questão legal da pesquisa como princípio educativo. Em estágio de regência, os alunos têm que fazer uma intervenção pedagógica com os conteúdos que o professor definir, mas ele tem que fazer uma pesquisa e a pesquisa tem que ser totalmente atrelada à prática pedagógica. Eles vão pesquisar uma metodologia ou o processo de aprendizagem. O resultado final para aprovação é o artigo da pesquisa […]. A pesquisa não é só acadêmica, pois ela está no dia a dia.

Na análise das práticas desenvolvidas pela Licenciatura em Física, as concepções da relação teoria e prática apontadas para a formação de professores no PPC do curso demonstraram não estarem consolidadas. Os Núcleos Problematizadores não têm atingido seu potencial interdisciplinar de articulação de conhecimentos e saberes de aproximação com a Educação Básica. Evidenciou-se que eles não são realizados por todos os professores e, quando realizados, não se articulam com a Educação Básica, pois têm um caráter de pesquisa mais geral, para geração de saberes científicos da área específica. Entre as dificuldades para sua concretização está o excesso de reuniões administrativas que impedem momentos de discussão e construção coletiva das práticas. No entanto, as práticas também demonstram que os docentes do NDE têm preocupação com a prática profissional do licenciando e constroem em suas práticas de ensino estratégias para auxiliar os professores na elaboração dos saberes docentes.

Considerações finais

Este artigo propôs analisar a relação teoria e prática no processo de formação do professor de Física para compreender as concepções expressas nessas práticas formativas na perspectiva da produção dos saberes docentes. Para isso examinou o curso de Licenciatura em Física ofertado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia. Uma primeira constatação é de que esse curso atende às proposições das novas Resoluções CNE nº 1/2002, nº 2/2002 e nº 2/2015, pois propõe um processo de formação dos professores que define um novo movimento de superação do esquema ‘3 + 1’. As proposições da reformulação buscam uma articulação intensa entre teoria e prática e tendem a aproximar os cursos de formação do professor da educação básica.

As análises do Projeto Pedagógico de Curso, das observações de reuniões do NDE e as entrevistas com os professores evidenciam para a formação docente avanços essenciais a seguir destacados.

O curso examinado busca por alternativas em que a formação pedagógica se articula ao conhecimento específico, para fomentar práticas pedagógicas contextualizadas e inovadoras na composição dos saberes docentes.

No que concerne à organização do conhecimento, privilegia-se a articulação entre conhecimentos específicos e pedagógicos. Para garantir essa articulação, são fundamentais as abordagens interdisciplinares e a realização de pesquisa como princípio educativo. Os Núcleos Problematizadores, ao desenvolverem a interdisciplinaridade e a pesquisa, buscam um curso coeso em que não haja uma relação hierarquizada entre os conhecimentos para a elaboração dos saberes docentes.

Nesse contexto, a relação teoria e prática é assumida no PPC do curso como uma diretriz em que é valorizado o espaço escolar como ponto de partida enquanto fonte de conhecimento. Isso expressa a predominância da concepção da relação teoria e prática em que a teoria é expressão da prática.

A proposta busca indicar a aproximação do curso com a escola básica, objetivando construir um currículo orgânico. Essa aproximação, aliás, tem sido alvo de discussão entre os professores nas reuniões do colegiado do curso e do Núcleo Docente Estruturante. Além disso, também compõe iniciativas de projetos de trabalho a serem desenvolvidos pelos estudantes, nas disciplinas dos Núcleos Problematizadores.

Contudo, na análise do Regulamento da Prática Pedagógica como Componente Curricular, há pontos que expressam concepções contraditórias da relação teoria e prática para a composição dos saberes docentes. Nas práticas pedagógicas dos professores do curso de Licenciatura em Física, a metodologia de abordagem da disciplina se direciona para a superação de modelos centrados na transmissão de conteúdos. Essas práticas apontam para a inserção da pesquisa como processo didático, ainda que não ocorra no conjunto das disciplinas. Entretanto, essas práticas evidenciam a predominância da concepção da relação teoria e prática em que a teoria é guia da prática.

Com efeito, a proposta do curso e os professores investem na articulação de teoria e prática. É possível constatar que, desde a primeira até a última fase do curso, os licenciandos desenvolvem um processo de formação na direção de se tornarem professores e de constituírem saberes relacionados com as práticas escolares. Para isso, o processo de formação de práticas pedagógicas dos professores procura o desenvolvimento da relação teoria e a prática. No entanto, ainda que a proposta do curso assuma uma perspectiva direcionada à teoria como expressão da prática, no processo de formação realizado nas práticas formativas a concepção predominante ainda é da teoria como guia da prática. Assim, os saberes teóricos se sobrepõem aos saberes práticos.

Nota

1 Estão assinalados com (OP) os relatos obtidos nos registros das observações participantes e com (ES) os registros das entrevistas semiestruturadas.

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Recebido: 22 de Maio de 2018; Aceito: 19 de Dezembro de 2019

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