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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.51 São Paulo  2019  Epub 29-Jan-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n51.14974 

Dossiê 51 - Qualidade da Educação e Educação de Qualidade

O CRESCIMENTO DO ENSINO SUPERIOR NO PORTUGAL DEMOCRÁTICO: EVOLUÇÃO DA PÓS-GRADUAÇÃO E DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA

PORTUGUESE HIGHER EDUCATION GROWTH: EVOLUTION OF POSTGRADUATION AND SCIENTIFIC PRODUCTION

Luísa Cerdeira, Doutora em Ciências, Professora Auxiliar1 
http://orcid.org/0000-0002-2217-7822

Belmiro Gil Cabrito, Doutor em Ciências da Educação, Professor Associado2 
http://orcid.org/0000-0003-0420-5639

Pedro Ribeiro Mucharreira, Doutor em Educação, Professor Auxiliar Convidado3 
http://orcid.org/0000-0003-0059-0576

1Doutora em Ciências da Educação pela FPCE da Universidade de Lisboa, Portugal, Professora Auxiliar, UIDEF, Instituto de Educação, Universidade de Lisboa

2Doutor em Ciências da Educação pela FPCE da Universidade de Lisboa, Portugal, Professor Associado Aposentado, UIDEF, Instituto de Educação, Universidade de Lisboa

3Doutor em Educação pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, Portugal, Professor Auxiliar Convidado, UIDEF, Instituto de Educação, Universidade de Lisboa


RESUMO

De entre as inúmeras alterações que Portugal conheceu decorrentes da Revolução de Abril, as educativas foram avassaladoras. Desde 1974 assistiu-se a mudanças significativas em todo o edifício educativo, nomeadamente o estabelecimento de uma escolaridade obrigatória e um ensino básico e secundário unificado, a explosão da procura de educação, a criação do ensino superior politécnico, a privatização do ensino superior, a promoção da investigação científica, a ratificação da Declaração de Bolonha ou novas leis de financiamento e de governo e autonomia das instituições públicas de ensino superior. No quadro do ensino superior, a adoção da Declaração de Bolonha obrigou a grandes alterações do enquadramento jurídico da estrutura da formação superior dos países que a ratificaram e, no caso português, concretizou-se num enorme crescimento da pós-graduação e do número de diplomados. Neste artigo, os autores sustentam a sua análise com recurso às estatísticas oficiais de Portugal e de organismos internacionais, analisando a expansão da pós-graduação e da investigação, particularmente no quadro pós-Bolonha. Apresenta-se, ainda, o caminho percorrido pelo sistema científico português e contextualiza-se a situação portuguesa no quadro internacional. Terminarse-á o artigo com algumas reflexões que poderão ajudar a formular políticas públicas conducentes à melhoria do estado do ensino superior público em Portugal, mormente no financiamento da pós-graduação e da produção científica.

Palavras-chave Declaração de Bolonha; Ensino Superior; Financiamento; Investigação Científica.

ABSTRACT

Among the many changes that Portugal knew from the April Revolution, the educational ones were overwhelming. Since 1974, there have been significant changes in the whole educational system, namely the establishment of compulsory schooling and unified middle and high school education, the explosion of demand for education, the creation of polytechnic higher education, the privatization of higher education, promotion of scientific research, ratification of the Bologna Declaration or new laws on funding and governance and autonomy of public higher education institutions. In the framework of higher education, the adoption of the Bologna Declaration has led to major changes in the legal framework of the structure of higher education in the countries that have ratified it, and in the Portuguese case, it has resulted in enormous growth in postgraduate studies and in the number of graduates. In this article, the authors support their analysis using official statistics from Portugal and international organizations, analyzing the expansion of postgraduate and research, particularly in the post-Bologna context. It is also presented the path taken by the Portuguese scientific system and contextualizes the Portuguese situation in the international context. The article will be finished with some reflections that may help to formulate public policies conducive to improving the state of public higher education in Portugal, especially in the financing of postgraduate and scientific production.

Keywords Bologna Declaration; Higher Education; Financing; Scientific Research.

Introdução

Nas últimas décadas, Portugal testemunhou inúmeras mudanças de natureza política que trouxeram a democratização do país. Depois de 48 anos de ditadura, a Revolução de Abril de 1974 marcou a mudança. O processo de democratização trouxe, entre outras realidades, a implementação de um estado previdência e o consumo em massa de bens e serviços públicos dos quais a educação é exemplo paradigmático.

De facto, de entre as inúmeras alterações que Portugal conheceu decorrentes da Revolução Democrática de 25 de Abril de 1974, as educativas foram avassaladoras e que se podem “resumir” em dois factos incontroversos: a explosão da procura social de educação, em todos os níveis educativos e a resposta do sistema educativo a essa procura. Após 48 anos de ditadura durante a qual o acesso à educação para a maioria da população era quase impossível, os portugueses viveram a Revolução, educando-se.

O Quadro 1 apresenta os números que demonstram a natureza explosiva da procura de educação, em todos os níveis educativos, evidenciando a vontade de um país consciente do papel da educação no desenvolvimento (LOPES, 2013; PSACHAROPOULOS; WOODHALL, 1985).

Quadro 1 Evolução da procura de educação, em Portugal, em todos os níveis educativos entre 1961 e 2017 

Anos Total Educação Pré-escolar Ensino Básico Ensino Secundário Ensino Superior
Total 1º Ciclo 2º Ciclo 3º Ciclo
1961 1110264* 6528 1066471 887235 78064 101172 13116 24149**
1970 1407921* 15153 1316279 935453 193912 186914 27028 49461**
1980 1873559 80373 1538389 927852 305659 304878 169516 80919
1990 2160180 161629 1531114 715881 370607 444626 309568 157869
2000 2260745 228459 1240836 539943 276529 424364 417705 373745
2005 2172853 259788 1153057 504412 267742 380903 376896 380937
2010 2406098 274387 1256462 479519 273248 503695 483982 383627
2015 2061813 264660 1041698 418145 238582 384971 393618 349658
2016 2027483 259850 1013397 408041 230842 374514 391538 356399
2017 2020494 253959 1000006 404010 225794 370202 399775 361943

Fonte: DGO/MF, PORDATA (Última atualização: 2018-07-02).

*calculado pelos autores;

** Barreto (1996)

Apesar do indesmentível crescimento da procura de educação, cumpre registar a quebra que se reconhece nessa procura na última década para o que terá concorrido particularmente dois fatores:

  • a crise demográfica, que se traduz no facto de Portugal ser um dos países mais envelhecidos e que apresenta as menores taxas de natalidade e de fecundidade na Europa;

  • a crise económica e financeira global de 2008 que, em Portugal, se concretizou num “pedido de resgate” a instâncias monetárias internacionais (Banco Central Europeu, União Europeia, Fundo Monetário Internacional) que impuseram fortíssimas políticas de austeridade conduzidas pelo governo liberal em funções e se traduziram numa forte diminuição do investimento público, no despedimento de milhares de funcionários públicos, na falência de milhares de empresas bem como na quebra de rendimentos na mão dos trabalhadores em geral com consequências na procura interna, nomeadamente na procura de educação superior.

Naturalmente, a democracia instalada em 1974 respondeu à explosão da procura de educação, através de importantes alterações no edifício educacional português. De entre as inúmeras alterações do/no sistema no sentido de responder àquela procura destacam-se, nomeadamente:

  • o estabelecimento de um ensino básico (ensino fundamental) e secundário (ensino médio) unificado para os jovens de idades compreendidas entre os 6 e os 17 anos, rompendo com a educação elitista que caracterizou o país até 1974 (MÓNICA, 1978) e que reproduzia as desigualdades sociais (BOURDIEU; PASSERON, 1964, 1970; BAUDELOT; ESTABLET, 1971, 1977; BOUDON, 1973) ao disponibilizar o ensino liceal destinado a preparar os “herdeiros” para a universidade e o ensino técnico (comercial e industrial) frequentado por jovens em geral oriundos dos estratos portadores de menor capital cultural e que os preparava para funções executivas no mercado de trabalho, assim assegurando a reprodução do status quo;

  • o estabelecimento da escolaridade obrigatória, sucessivamente de 6, 9 e 12 anos, respetivamente em 1974, 1986 e 2008, alteração de primordial importância para uma população com elevados níveis de analfabetismo que queria educar-se e que acreditava na educação como instrumento fundamental de desenvolvimento e de democratização; na verdade, se no final dos anos de 1970 Portugal tinha uma taxa de analfabetismo de cerca de 50%, hoje tem um valor que não chega aos 5% e que cobre basicamente a população idosa (PORDATA, 2019); de registar, todavia, que, no que respeita ao ensino superior, uma análise das políticas públicas de financiamento deste nível de ensino e da origem social de estudantes que o frequentam, permitem questionar a hipótese de o ensino superior se ter realmente democratizado (CABRITO; CERDEIRA, 2018; CABRITO et al., 2019);

  • a criação de uma nova via de ensino superior, o ensino superior politécnico que passou a ser disponibilizado com o ensino universitário bem como a criação de 7 universidades públicas e de 15 institutos politécnicos públicos de ensino superior, a partir de meados da década de 1970;

  • a formação científica e académica de milhares de docentes do ensino não superior e superior e a promoção da investigação científica contando, em grande parte, com o apoio financeiro da União Europeia através do programa PRODEP - Programa de Desenvolvimento da Educação em Portugal (a partir do ano de 1990);

  • a produção de legislação visando, nomeadamente, novas formas de governo e de financiamento das instituições públicas de ensino superior e a garantia da sua autonomia administrativa, académica, científica e financeira (Lei da Autonomia Académica de 1988, Leis de Financiamento de 1993, 1997 e 2003, RJIES de 2007), bem como a abertura do ensino superior à iniciativa privada a partir de 1986;

  • a ratificação da Declaração de Bolonha, em 1999 e sua implementação a partir de 2006, que pretendia promover a livre circulação e alargar a mobilidade dos estudantes de estudos superiores no Espaço Europeu de Ensino Superior ao “abolir” os títulos académicos e estabelecer um sistema de créditos transferíveis e acumuláveis reconhecidos pelos signatários (ECTS) bem como as exigências daquela implementação constantes na Estratégia de Lisboa (ANTUNES et al., 2018).

A adoção da Declaração de Bolonha obrigou a grandes alterações do enquadramento jurídico da estrutura da formação superior dos países que a ratificaram nomeadamente na sua estrutura. Nos anos anteriores à adoção da Declaração de Bolonha, o ensino superior em Portugal estruturavase da seguinte forma:

  • licenciatura, com a duração genérica de 4/5 anos (alguns cursos, como medicina, medicina veterinária, agronomia, arquitetura, advocacia, tinham uma duração de 6 ou mais anos);

  • mestrado, com a duração de 3 anos;

  • doutoramento, praticamente sem duração explicitada.

Para além dos cursos/diplomas acima apresentados, havia ainda “cursos superiores curtos”, cursos oferecidos pelos institutos superiores politécnicos; eram cursos com a duração de 2/3 anos que concediam o diploma de “bacharel”. Aquando da implementação da Declaração de Bolonha estes cursos encontravam-se já em extinção.

Com a Declaração de Bolonha, no caso português, o ensino superior passou a concretizar-se em três ciclos de estudos:

  • 1º ciclo, de graduação, com a duração de 3 anos, ao qual correspondem 180 créditos (60 por ano de estudos de ensino superior) e atribui o diploma de graduado;

  • 2º e 3º ciclos de pós-graduação; o 2º ciclo, com a duração de 2 anos, ao qual correspondem 120 créditos e atribui o título de mestre; o 3º ciclo, com a duração mínima de 3 anos, atribui o título de doutor.

No que respeita aos cursos de mestrado, é de salientar que em algumas situações o mestrado é obrigatório para o exercício da profissão (caso dos professores do ensino não superior, psicólogos, médicos, advogados, etc.), dando origem ao denominado “mestrado integrado” (MUCHARREIRA et al., 2018). Nos restantes casos, os 1º e 2º ciclos são “independentes”, isto é, existe uma profissão/carreira profissional para os portadores do 1º ciclo do ensino superior pelo que a realização de mestrado nessa área depende da decisão voluntária do estudante. Aliás, findo o 1º ciclo do ensino superior, os estudantes podem candidatar-se a um mestrado em área científica diferente da sua anterior formação, assim alargando as suas possibilidades no mercado de trabalho.

Apesar de os jovens poderem entrar no mercado de trabalho apenas com o diploma de graduação, a contínua exigência de qualificações superiores pelo mercado e a garantia de condições de empregabilidade justifica o prosseguimento generalizado de estudos pelos estudantes após terminarem a graduação, explicando o aumento vertiginoso do número de mestres nas últimas décadas, como de seguida se irá mostrar.

Do exposto pode, assim, afirmar-se que nos últimos anos no Portugal Democrático muito se tem caminhado no intuito de responder à procura de educação e à necessidade de dotar o país de mão de obra altamente qualificada e de se aproximar dos níveis de desenvolvimento dos países mais desenvolvidos da Europa (CABRITO; CERDEIRA, 2018).

Neste artigo, os autores dão conta da evolução que o sistema de ensino português conheceu nas últimas décadas, particularmente de nível superior, e situam, sempre que possível, Portugal no quadro internacional partindo de uma análise às estatísticas oficiais de Portugal e de organismos internacionais no sentido de analisarem a expansão da pós-graduação e da investigação, particularmente no quadro pós-Bolonha, bem como a diminuição do financiamento público do ensino superior público, decorrente do facto de o Estado passar a financiar, basicamente, apenas o nível de graduação (1.º ciclo) pois o 2º ciclo, como acima se referiu não é, em geral, exigido pelo mercado para o exercício da profissão, o que permite questionar até que ponto a Declaração de Bolonha não terá tido, também, razões marcadamente económicas (CABRITO, 2005; CABRITO, CERDEIRA 2008; CERDEIRA, 2009).

É intenção dos autores ainda apresentar o caminho percorrido pelo sistema científico português, contextualizando a situação do país no âmbito da União Europeia. O artigo terminará com algumas reflexões que, poderão ajudar a formular políticas públicas conducentes à melhoria do estado do ensino superior público em Portugal, mormente no financiamento da pós-graduação e da produção científica.

1 Evolução do número de diplomados de nível superior, 1995-2017

O Quadro 2 apresenta a evolução do número de graduados e de pósgraduados nas últimas décadas, em Portugal.

As informações do Quadro 2 permitem perceber a forma como evoluíram os cursos de graduação e pós-graduação em Portugal, entre 1995 e 2017. Em primeiro lugar, destaque-se o crescimento significativo do número de graduações e de pós-graduações, no período. Em 2017, esse número era mais do que o dobro do número correspondente em 1995, mesmo tendo em conta o decréscimo que se observa nos últimos anos e que acompanhou a crise económica e financeira que assolou o país e que só depois de 2015 parece estar a diminuir de intensidade.

Por outro lado, e decorrente da implementação da Declaração de Bolonha, destaque-se a descontinuidade dos cursos de bacharelato e das licenciaturas pré-Bolonha, surgindo a partir de 2007 os primeiros graduados nas licenciaturas pós-Bolonha e nos mestrados integrados. De salientar, também, o aumento do número de mestres. Aliás, é interessante registar que o número total de mestres (integrados e não integrados) aumentou de forma significativa na sua relação com o número de diplomados do 1º ciclo, revelando uma procura crescente de qualificação académica. Observese os valores do Quadro 3.

Quadro 2 Evolução do número de graduados e de pós-graduados, em Portugal, entre 1995 e 2017 

Anos Total (No) Bacharelato (No) Licenciatura (No) Licenciatura Pós-Bolonha (1.o Ciclo) (No) Mestrado Integrado (2.o Ciclo) (No) Mestrado (No) Doutora-mento (3.o Ciclo) (No)
1995 35.939 10.311 21.695 // // 1.407 X
1996 39.216 10.756 23.561 // // 1.704 X
1997 42.796 11.120 25.067 // // 1.884 232
1998 46.478 12.172 27.254 // // 2.117 375
1999 51.336 12.732 31.492 // // 1.979 379
2000 54.255 12.169 33.958 // // 1.953 551
2001 61.140 11.465 36.273 // // 2.207 585
2002 64.098 10.626 39.179 // // 2.326 665
2003 68.511 10.897 43.394 // // 2.885 838
2004 68.668 12.155 43.886 // // 3.068 895
2005 69.987 13.035 45.771 // // 3.152 998
2006 71.828 12.762 47.131 // // 4.248 1.094
2007 83.276 8.748 42.939 19.061 984 5.323 1.269
2008 84.009 3.230 24.485 40.010 4.831 6.274 1.285
2009 76.567 762 12.426 42.514 6.782 9.369 1.267
2010 78.609 19 2.853 50.727 7.029 12.515 1.414
2011 78.785 3 237 51.267 7.420 14.733 1.608
2012 81.410 1 46 50.906 7.797 18.367 1.859
2013 80.899 // 3 51.467 7.698 17.316 2.463
2014 75.906 // 1 47.592 7.831 16.202 2.503
2015 76.892 // // 47.194 8.166 16.746 2.351
2016 73.086 // // 46.522 8.469 15.553 2.344
2017 77.034 // // 47.280 8.386 16.020 2.135

Fonte: Pordata (2018) (elaboração dos autores).

Quadro 3 Peso do número total de mestres no número total de licenciados, em 2007 e 2017, em percentagem 

2007 2017
N° de Licenciados (1) 62000 47280
N° de Mestres (2) 6307 24406
N° de Mestres/N° de Licenciados* 100 10,2 51,6

(1) Somatório dos licenciados das licenciaturas antes de Bolonha e pós-Bolonha

(2) Somatório dos mestrados integrados e não integrados

Fonte: Pordata (2018), elaboração dos autores.

O Quadro 3 mostra bem a procura de habilitações superiores por parte dos estudantes portugueses, ao longo da década sendo que em 2007 o número de mestrados ascendia a 10,2% do número de licenciados e que essa percentagem já é de 51,6% em 2017, isto é, o número de mestres registado nas duas datas, quadruplicou e o seu peso em relação ao número de diplomados do 1º ciclo, quintuplicou.

Os dados permitem afirmar que a procura de habilitações superiores é uma realidade efetiva nas últimas décadas em Portugal. Todavia, pode argumentar-se que o ritmo intenso de crescimento dos mestrados decorre, não de uma maior procura de educação superior, mas da necessidade de os jovens que terminam atualmente o 1º ciclo prosseguirem estudos pelo facto de esse ciclo ter uma duração bastante menor (3 anos) do que as licenciaturas pré-Bolonha (4/5 anos, em geral). O mestrado, assim, seria a forma de os diplomados se apresentarem no mercado com um número maior de anos de ensino superior, como se o mestrado atual fosse equivalente às anteriores licenciaturas em número de anos de educação de nível superior.

A fim de se perceber a validade daquele argumento, analisou-se a evolução dos cursos de licenciatura e de mestrado ao longo do mesmo período, procurando perceber se existiria uma transferência líquida dos licenciados para os mestrados ou para os novos mestrados integrados. Observe-se o Quadro 4.

Quadro 4 Evolução e Ritmo de Crescimento das Licenciaturas e Mestrados Pré e Pós-Bolonha, em Portugal, 1995-2017 

Anos Licenciatura (Pré e Pós- Bolonha) (N°) Taxas de Variação - Licenciaturas (%) Mestrado (Pré e Pós-Bolonha) (N°) Taxas de Variação - Mestrados (%)
1995 21.695 - 1.407 -
1996 23.561 8,60 1.704 21,11
1997 25.067 6,39 1.884 10,56
1998 27.254 8,72 2.117 12,37
1999 31.492 15,55 1.979 -6,52
2000 33.958 7,83 1.953 -1,31
2001 36.273 6,82 2.207 13,01
2002 39.179 8,01 2.326 5,39
2003 43.394 10,76 2.885 24,03
2004 43.886 1,13 3.068 6,34
2005 45.771 4,30 3.152 2,74
2006 47.131 2,97 4.248 34,77
2007 62.000 31,55 6.307 48,47
2008 64.495 4,02 11.105 76,07
2009 54.940 -14,82 16.151 45,44
2010 53.580 -2,48 19.544 21,01
2011 51.504 -3,87 22.153 13,35
2012 50.952 -1,07 26.164 18,11
2013 51.470 1,02 25.014 -4,40
2014 47.593 -7,53 24.033 -3,92
2015 47.194 -0,84 24.912 3,66
2016 46.522 -1,42 24.022 -3,57
2017 47.280 1,63 24.406 1,60

Fonte: Elaboração própria - dados obtidos em Pordata (2018).

A partir da análise dos valores do Quadro 4 é possível perceber que o Processo de Bolonha terá potenciado um forte crescimento da conclusão de licenciaturas e mestrados, mas de forma mais evidente entre 2006 e 2013. A partir de 2013, e muito provavelmente também justificado pelas fortes medidas de austeridade que se vivenciaram em Portugal, a conclusão destes níveis foi decrescendo gradualmente. De notar que em 2017 o número de licenciados se fixava na ordem dos 47 mil, precisamente o mesmo valor registado em 2006.

Relativamente aos mestrados, verificaram-se taxas de crescimento bastante acentuadas, explicadas em grande medida pelo prosseguimento de estudos dos alunos de licenciatura que, com a Declaração do Bolonha, passaram a ter a possibilidade de concluir este nível em 3 anos (para a generalidade dos cursos).

Todavia, a diferença do ritmo de crescimento das licenciaturas e dos mestrados, sendo o dos mestrados grande e positivo, mesmo em anos em que a taxa de crescimento das licenciaturas foi negativa, evidencia uma procura crescente de qualificações superiores que não é, apenas, consequência direta da diminuição do número de anos para concluir uma licenciatura. Os dados não provam, pois, que exista uma transferência líquida da licenciatura para o mestrado pelo que parece lícito aceitar o voluntarismo que caracteriza a procura de qualificações superiores em Portugal Democrático.

No entanto, os números mostram claramente que as quebras na procura de ensino superior, 1º e 2º ciclos acompanharam as políticas de austeridade que assolaram o país e que implicaram uma quebra enorme do poder de compra das populações.

Aliás, o mesmo aconteceu com a diplomação doutoral, sendo de sublinhar que também a conclusão de doutoramentos tem apresentado uma clara tendência decrescente nos anos da crise económica e financeira do país e correspondentes políticas de austeridade. Observe-se o Quadro 5.

Como se pode perceber, também ao nível dos doutoramentos, nota-se uma contração recente do número de doutoramentos que é mais evidente a partir de 2014 mas que é já uma realidade quando se comparam as taxas médias de crescimento do número de doutorados antes e depois da crise. De facto, enquanto que entre 1997 e 2006 houve um crescimento médio de doutoramentos na ordem dos 20,2% ao ano, entre 2006 e 2017 esse valor ficou-se pelos 7,1%. Comparando diretamente os doutorados em 2006 com os verificados em 1997 e realizando a mesma taxa de variação entre 2006 e 2017, constata-se, respetivamente, um crescimento na ordem dos 372% e 95% denunciando uma quebra substantiva no número de doutoramentos no segundo período.

Quadro 5 Evolução e Ritmo de Crescimento dos Doutoramentos Pré e Pós-Bolonha, em Portugal, 1995-2017 

Anos Doutoramento (3.° Ciclo) (N°) Taxas de Variação (%) Taxas de
Variação Média 1997-2006 e 2006-2017 (%)
Taxas de Variação 1997-2006 e 2006-2017 (%)
1995 X - 20,2 % 371,6 %
1996 X -
1997 232 -
1998 375 61,6
1999 379 1,1
2000 551 45,4
2001 585 6,2
2002 665 13,7
2003 838 26
2004 895 6,8
2005 998 11,5
2006 1.094 9,6
2007 1.269 16 7,1 % 95,2 %
2008 1.285 1,3
2009 1.267 -1,4
2010 1.414 11,6
2011 1.608 13,7
2012 1.859 15,6
2013 2.463 32,5
2014 2.503 1,6
2015 2.351 -6,1
2016 2.344 -0,3
2017 2.135 -8,9

Fonte: Elaboração própria - dados obtidos em Pordata (2018).

2 Evolução da Investigação e da produção científica em Portugal, 1995-2017

2.1 Evolução do número de investigadores e da produção científica, 1995-2015

Do exposto ficou claro que nas últimas décadas a procura de educação de nível superior e as taxas de conclusão dos três ciclos de ensino superior em Portugal, aumentou de forma continuada e significativa, excetuando-se o período de crise económica e financeira que terá conhecido uma inversão da tendência após 2015.

Todavia, o desenvolvimento do país bem como a melhoria da qualidade da educação disponibilizada exige o desenvolvimento da investigação científica. Por esse facto, é importante perceber como tem evoluído a investigação científica no país, bem como conhecer os setores que conduzem essa atividade. Nesse sentido, apresentam-se, de seguida, alguns indicadores que podem esclarecer acerca do volume e qualidade da investigação científica no país, nas últimas décadas.

Assim, o Quadro 6 apresenta a evolução do número total de investigadores no período 1995-2017 bem como os setores que a desenvolvem. Dos valores do Quadro 6 pode perceber-se, nomeadamente:

  • o crescimento contínuo do número de investigadores no período, ainda que se perceba alguma irregularidade de crescimento nos últimos anos; de destacar que a tendência crescente parece ser uma realidade a partir de 2015 acompanhando a evolução anteriormente percebida quer do número de estudantes quer do número de diplomados;

  • a quebra registada do número de investigadores, quer no setor Estado, quer nas Instituições Privadas Sem Fins Lucrativos, particularmente nos últimos anos, em virtude dos cortes no investimento público;

  • a participação crescente das empresas privadas no emprego de investigadores, particularmente nos últimos anos, evidenciando uma alteração do paradigma anterior da maior participação do Estado na investigação científica;

  • a participação crescente, ainda que irregular, das instituições de ensino superior que, desde sempre foram as entidades onde mais se faz investigação quer por obrigações da carreira académica quer pelo facto de as atividades de extensão-serviços à comunidade serem parte da missão das universidades.

Quadro 6 Número de Investigadores por Setores de Execução, em Portugal, 1995-2017 

Anos Total (Nº) Empresas (Nº) Estado (Nº) Instituições de Ensino
Superior (Nº)
Instituições
Privadas sem fins Lucrativos (Nº)
1995 11.599,2 1.075,5 2.740,7 5.850,1 1.932,9
1997 13.642,3 1.192,8 2.929,5 7.475,1 2.044,9
1999 15.751,6 1.994,3 3.444,9 8.242,5 2.069,9
2001 17.725,1 2.721,9 3.646,4 8.941,6 2.415,2
2003 20.242,0 3.793,9 3.439,6 10.062,4 2.946,1
2005 21.126,3 4.013,6 3.337,6 10.956,4 2.818,7
2007 28.175,9 8.477,0 3.158,7 13.113,9 3.426,3
2008 40.408,0 10.311,5 3.202,8 23.138,4 3.755,2
2009 39.834,1 10.160,0 2.764,7 23.242,1 3.667,3
2010 41.523,4 10.571,8 2.440,0 23.858,5 4.653,1
2011 44.056,0 12.198,2 2.531,4 23.754,4 5.572,0
2012 42.498,2 11.931,1 1.682,2 23.824,8 5.060,1
2013 37.813,4 10.024,8 1.386,4 25.760,1 642,1
2014 38.155,4 11.203,2 1.447,5 24.977,6 527,2
2015 38.671,3 11.784,3 1.351,2 25.043,2 492,6
2016 41.349,4 13.425,9 1.340,0 26.105,7 477,8
2017 (*) 44.321,8 14.948,4 1.453,3 27.434,7 485,5

(*) Previsão

Fonte: Elaboração própria - dados obtidos em Pordata (2018).

Quadro 7 Investigadores por Setores de Execução, em Portugal, 19952017, em percentagem 

Anos Empresas (%) Estado (%) Instituições do
Ensino Superior (%)
Instituições
Particulares sem fins lucrativos (%)
1995 9,3 23,6 50,4 16,7
2001 15,4 20,6 50,4 13,6
2005 19,0 15,8 51,9 13,3
2010 25,5 7,9 57,3 9,3
2015 30,5 3,5 64,8 1,3
2017 (*) 33,7 3,3 61,9 1,1

(*) Previsão

Fonte: Elaboração própria - dados obtidos em Pordata (2018).

O Quadro 7 destaca de forma elucidativa o papel das empresas e das instituições de ensino superior no emprego científico.

Como se pode verificar, o ensino superior é o maior empregador de investigadores, vendo o seu papel crescendo ao longo do período; inversamente, o Estado vê o seu papel a diminuir de forma intensa ao mesmo tempo que se assiste ao crescimento do papel que a investigação assume no mundo empresarial.

A evolução positiva do número de investigadores acima registada, independentemente do seu setor de execução, deverá ter contrapartida na atividade de investigação propriamente dita, a qual é dada a conhecer ao público através de diversas dimensões e indicadores, nomeadamente através do número de publicações científicas. Observe-se, neste âmbito, o Quadro 8.

Quadro 8 Publicações Científicas em Portugal, por tipo de documento, 1995-2015 

Anos Total de Publicações (N°) Artigos (N°) Resumos de Comunicações (N°) Atas (N«) Outros (No)
1995 2.404 1.581 191 425 207
1996 2.699 1.904 151 530 114
1997 3.170 2.193 251 608 118
1998 3.674 2.422 320 781 151
1999 4.104 2.989 365 555 195
2000 4.474 3.215 350 667 242
2001 4.874 3.548 386 713 227
2002 5.537 3.964 530 757 286
2003 6.130 4.451 536 877 266
2004 6.942 5.020 805 806 311
2005 7.476 5.270 872 962 372
2006 9.164 6.481 1.144 1.089 450
2007 10.013 6.346 1.319 1.812 536
2008 11.950 7.437 1.720 1.980 813
2009 13.173 8.328 1.768 2.188 889
2010 14.403 9.077 2.147 2.099 1.080
2011 15.518 10.277 1.955 2.080 1.206
2012 17.631 11.497 2.310 2.464 1.360
2013 19.616 12.747 2.532 2.776 1.561
2014 20.421 12.962 2.399 3.355 1.705
2015 21.333 13.452 2.195 3.772 1.914

Fonte: Elaboração própria - dados obtidos em Pordata (2018).

Os dados apresentados no Quadro 8 testemunham bem a evolução fortemente positiva da produção científica nacional. Em 20 anos, o número de publicações científicas quase decuplicou. Este dinamismo da produção científica do país sai mais reforçado quando se percebe que a maior parte das publicações diz respeito a artigos e em atas de eventos científicos, considerando que estes tipos de publicação são extremamente exigentes não só no que se refere à qualidade da publicação como à dificuldade de os investigadores dos pequenos países penetrarem o “mercado científico internacional”.

Para uma melhor constatação deste progresso, observe-se o Quadro 9, que evidencia o peso de cada tipo de publicação no total das publicações, no período 1995-2015.

Quadro 9 Publicações Científicas em Portugal, por tipo de documento, 1995-2015, em percentagem 

Anos Artigos (%) Resumos de comunicações (%) Atas (%) Outros (%)
1995 65,8 7,9 17,7 8,6
2000 71,9 7,8 14,9 5,4
2005 70,5 11,7 12,9 5,0
2010 63,0 14,9 14,6 7,5
2015 63,1 10,3 17,7 9,0

Fonte: Elaboração própria - dados obtidos em Pordata (2018).

De igual modo, o dinamismo da investigação científica do país mede-se, também, pelo número de citações de publicações nacionais bem como pela sua internacionalização que pode ser medida pelo número de publicações realizadas em coautoria de investigadores nacionais e internacionais. Observe-se o Quadro 10.

Os valores do Quadro 10 testemunham bem o crescimento do número de citações de publicações de autores nacionais. Por outro lado, a evolução do número de publicações em coautoria com instituições de outros países, que mais que decuplicou em 20 anos, testemunha bem a internacionalização da investigação científica portuguesa e o dinamismo do setor. Observe-se o Quadro 11 que apresenta o peso do número de citações e de citações em coautoria no total das citações científicas.

Dos valores do Quadro 11, destaque-se o progressivo crescimento das citações de publicações em coautoria com instituições de outros países revelando bem o crescimento da internacionalização da investigação científica portuguesa.

Quadro 10 Publicações Científicas em Portugal, 1995-2015 

Anos Total de Publicações (N°) Publicações Citadas (N°) Publicações em coautoria com instituições de outros países (N°)
1995 2.404 1.749 827
1996 2.699 1.988 982
1997 3.170 2.313 1.140
1998 3.674 2.593 1.314
1999 4.104 3.093 1.638
2000 4.474 3.422 1.749
2001 4.874 3.768 2.022
2002 5.537 4.206 2.265
2003 6.130 4.611 2.538
2004 6.942 5.255 2.969
2005 7.476 5.583 3.157
2006 9.164 6.804 3.844
2007 10.013 7.129 3.908
2008 11.950 8.460 4.676
2009 13.173 9.358 5.166
2010 14.403 10.062 5.759
2011 15.518 11.063 6.690
2012 17.631 12.167 7.534
2013 19.616 12.998 8.535
2014 20.421 12.322 9.570
2015 21.333 9.828 10.582

Fonte: Elaboração própria - dados obtidos em Pordata (2018).

Quadro 11 Publicações Científicas em Portugal, 1995-2015, em percentagem do total 

Anos Total de citações (Nº) Publicações citadas (%) Publicações em coautoria com instituições de outros países
(%)
1995 2576 67,9 32,1
2000 5171 66,2 33,8
2005 8740 63,9 36,1
2010 15821 63,6 36,4
2015 20410 48,2 51,8

Fonte: Elaboração própria - dados obtidos em Pordata (2018).

2.2 A investigação científica portuguesa no contexto internacional

O dinamismo do setor científico português dos últimos anos tem, naturalmente, reflexos em termos internacionais. Se, no Quadro 11 já foi possível perceber esse dinamismo bem como o processo de internacionalização da produção científica do país através da produção em coautoria de investigadores portugueses com investigadores de outros países, esse dinamismo também é visível quando se analisa o crescimento dos sistemas científicos no quadro internacional.

Observe-se os valores do Quadro 12 que apresenta os países cuja produção científica medida pelo número de artigos publicados em revistas científicas conheceu um crescimento anual acima dos 8%.

Quadro 12 Sistemas Nacionais de Ciência com crescimento médio mais rápido, 1995-2011 

Países Artigos em Revistas Científicas (Nº) Taxa de Variação Média Anual (1995-2011)
1995 2011
Irão 280 8176 23,5%
China 9061 89894 15,4%
Tunísia 143 1016 13%
Coreia do Sul 3803 25593 12,7%
Tailândia 340 2304 12,7%
Malásia 366 2092 11,5%
Turquia 1715 8328 10,4%
Portugal 990 4626 10,1%
Paquistão 313 1268 9,1%
Singapura 1141 4543 9%
Brasil 3436 13148 8,7%

Fonte: Marginson (2016).

De acordo com os estudos de Marginson (2016), entre 1995 e 2011 a taxa de variação média anual da produção científica portuguesa situou-se nos 10,1%, colocando o sistema científico português em 8º lugar, à frente dos sistemas nacionais de ciência da generalidade dos países desenvolvidos.

Todavia, se dermos atenção ao período mais recente de 20062016, e também em conformidade com Marginson (2018), a taxa de variação média anual dos artigos publicados em revistas científicas, aquela taxa desce para os 6,8% mas, ainda assim, bem superior à taxa homóloga relativa aos valores mundiais (3,9%), conforme se pode observar no Quadro 13.

Quadro 13 Sistemas Nacionais de Ciência com crescimento médio mais rápido, com mais de 10000 publicações em 2016, 2006-2016 

Países Artigos em Revistas Científicas (Nº) Taxa de Variação
Média Anual
(2006-2016)
2006 2016
Malásia 3230 20332 20,2%
Irão 10073 40974 15,1%
Roménia 3523 10194 11,2%
Índia 38590 110320 11,1%
Egipto 3958 10807 10,6%
China 189760 426165 8,4%
África do Sul 5636 11881 7,7%
Rússia 29369 59134 7,2%
Portugal 7136 13773 6,8%
Brasil 28160 53607 6,6%
MUNDO 1.567.422 2.295.608 3,9%

Fonte: Marginson (2018).

De destacar, ainda, que o sistema científico português continua no conjunto dos 10 sistemas científicos de crescimento mais rápido do mundo, situando-se em 9º lugar, com uma taxa de variação média anual muito superior à sua homóloga quando se consideram países mais desenvolvidos como a Dinamarca (4,7%), a Itália (3,3%), a Alemanha (2,0%), a Holanda (2,0%) a Suécia (1,8%), a França (1,1%), o Reino Unido (1%) ou os EUA (0,7%).

3 Financiamento da educação e da investigação científica

Uma das questões que se colocam ao decisor político é, sempre, a do financiamento. Como financiar determinada política social é, certamente, um dos problemas mais complexos para os governantes, dado que desse financiamento depende a implementação de uma medida de política.

Num país com uma enorme despesa pública e dependente do exterior como Portugal, a questão do financiamento é, definitivamente, um grave problema a resolver. E é mais grave quando o investimento é sobre bens ou serviços cujos resultados só são percebidos a longo prazo. Assim acontece com serviços como a segurança, a saúde ou a educação que, em tempos de crise, têm tendência para ser perspetivados como despesas e não como investimento de que decorre, em geral, o seu subfinanciamento (MUCHARREIRA et al., 2019a; MUCHARREIRA et al., 2019b).

Neste quadro, não espanta que as despesas em educação sejam preteridas quando é necessário ratear os recursos existentes, particularmente em tempo de depressão e crise económica. É exatamente isto que tem vindo a acontecer em Portugal com a prestação de serviços públicos, incluindo a educação.

O Quadro 14 informa-nos sobre o financiamento do ensino superior público em Portugal e enquadra-o em termos internacionais.

Quadro 14 Peso relativo dos Recursos Públicos no Orçamento das Instituições Públicas de Ensino Superior, Portugal, UE e OCDE, 1995-2014 

Anos Portugal (%) Média OCDE (%) UE-21 (%)
1995 96,5 76,7 86
2005 68 70 80
2008 62 70 80
2011 69 70 80
2013 58 71 80
2014 62 70 78

Fonte: OCDE (2017).

O que poderá concluir-se desde logo é o forte desinvestimento que sucessivos governos têm realizado no ensino superior.

Como pode observar-se, a quebra da participação do Estado no orçamento das instituições públicas de ensino superior em Portugal foi brutal e muito maior do que o ocorrido, em média, nos países da UE e da OCDE, organizações que incluem países mais desenvolvidos do que Portugal.

A situação que o Quadro 14 retrata é tanto mais grave quanto é certo que:

  • as despesas públicas em educação em percentagem do PIB, sempre baixas, também têm diminuído fortemente, como se pode verificar em PORDATA (2019, última atualização em 3 de julho): 4,8% do PIB em 2000; 3,7% do PIB, em 2018;

  • a despesa pública em investigação (somatório das despesas do Estado e das instituições públicas de ensino superior) não atinge, sequer, os 1% do PIB, como pode verificar.se em PORDATA (2019, última atualização em 23 de junho): 0,80% do PIB, em 2009; 0,69% do PIB, em 2018.

Considerações finais

O exposto, dá a conhecer um país que, nas últimas décadas, tentou “apanhar” os países mais desenvolvidos, quer no que respeita a procura de educação, nomeadamente de nível superior, quer no que respeita o número de diplomações ou o sistema de ciência do país.

Indubitavelmente, a democratização do país trouxe mudanças significativas na “educação”, aproximando-se a situação de Portugal da situação que apresentam países mais desenvolvidos, democracias consolidadas cujo investimento em educação e investigação remonta a finais do século XIX, princípio do século XX.

Pode, pois afirmar-se que a “juventude” da democracia portuguesa não tem constituído obstáculo ao desenvolvimento do sistema científico - educação e investigação - do país. O Portugal democrático é, certamente, um caso de sucesso.

E é por ser um caso de sucesso que não podemos deixar de questionar se o caminho percorrido não poderia já ser mais longo e consolidado, se houvesse uma vontade maior por parte do poder político no desenvolvimento do sistema científico português.

De facto, a evolução registada tem sido acompanhada, no início da década em curso, por medidas de política de financiamento da educação, nomeadamente do ensino superior e da investigação, fortemente restritivas.

Em conclusão, podemos afirmar que Portugal tem feito um enorme esforço no sentido do desenvolvimento da educação e da investigação cujos resultados não são, ainda, apesar de tudo, suficientes para o país “apanhar” os seus parceiros mais desenvolvidos, situação que exige maiores níveis de investimento no setor por parte do Estado.

Referências

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Recebido: 17 de Setembro de 2019; Aceito: 17 de Dezembro de 2019

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