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Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.51 São Paulo  2019  Epub 29-Ene-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n51.14548 

Dossiê 51 - Qualidade da Educação e Educação de Qualidade

QUALIDADE REGIONAL REVELADA PELO SISTEMA DE ACREDITAÇÃO DE CURSOS UNIVERSITÁRIOS DO MERCOSUL

REGIONAL QUALITY REVEALED BY SYSTEM OF REGIONAL ACCREDITATION OF UNIVERSITY COURSES OF MERCOSUR

Marianne Pereira de Souza, Doutora em Educação, Dourados1 
http://orcid.org/0000-0002-5502-8073

Giselle Cristina Martins Real, Doutora em Educação, Dourados2 
http://orcid.org/0000-0002-8855-4141

1Doutora em Educação - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) Dourados - Mato Grosso do Sul - Brasil

2Doutora em Educação - Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) Dourados - Mato Grosso do Sul - Brasil


RESUMO

O trabalho tem como objeto a concepção de qualidade revelada nos resultados do primeiro ciclo do Sistema de Acreditação de Cursos Universitários do Mercosul. A pesquisa documental realizada busca responder ao seguinte problema: o que os resultados do primeiro ciclo revelam sobre a qualidade dos cursos de graduação acreditados pelo Sistema regional? Em síntese, os resultados revelam que a qualidade regional se constitui a partir de parâmetros diversos, e, portanto, não é possível afirmar sobre a existência de um padrão único de qualidade para todos os cursos acreditados e que esteja acima da qualidade nacional dos países integrantes do Sistema. Pode-se inferir que a dimensão política e social da educação não é prioridade na implementação da acreditação regional, processo que teria como prerrogativa a garantia e a melhoria da qualidade. E, considerando o caráter competitivo da acreditação e do seu modelo de avaliação, alguns países acabam optando por cumprir formalmente os critérios estabelecidos no âmbito regional. Nesses casos, a avaliação passa a ser utilizada para reunir os elementos necessários para atingir os possíveis efeitos regulatórios do Sistema, ou seja, o reconhecimento automático de títulos nos países do Mercosul.

Palavras-chave Arcu-Sul; Avaliação educacional; Regulação.

ABSTRACT

The work has as object the conception of quality revealed in the results of the first cycle of the System of Regional Accreditation of University Courses of Mercosur. The documentary research conducted seeks to answer the following problem: what do the results of the first cycle reveal about the quality of undergraduate courses accredited by the regional system? In summary, the results show that regional quality is based on different parameters, and therefore it is not possible to affirm that there is a single quality standard for all accredited courses that is above the national quality of the member countries of the system. It can be inferred that the political and social dimension of education is not a priority in the implementation of regional accreditation, a process that would have as a prerogative the guarantee and quality improvement. And, considering the competitive nature of accreditation and its assessment model, some countries end up formally meeting the criteria established at the regional level. In such cases, the valuation will be used to gather the elements necessary to achieve the possible regulatory effects of the System, that is, the automatic recognition of titles in Mercosur countries.

KeywordS Arcu-Sul; Educational evaluation; Regulation.

Introdução

O presente trabalho tem como objeto a concepção de qualidade revelada nos resultados do primeiro ciclo do Sistema de Acreditação1 de Cursos Universitários do Mercosul (Arcu-Sul).

A criação de sistemas de acreditação na América Latina foi impulsionada, dentre outros fatores, pela expansão das matrículas e das instituições de educação superior, realizada especialmente no setor privado (DIAS SOBRINHO, 2008; LAMARRA, 2010; VERHINE; FREITAS, 2012) e a heterogeneidade nos níveis de qualidade e nos sistemas de avaliação dos países (LAMARRA, 2010).

Esse movimento ocorre também porque a qualidade é uma das questões fundamentais das políticas educacionais tanto em nível local, como em nível regional (AFONSO, 2013; DIAS SOBRINHO, 2008; KNIGHT, 2004; KRAWCZYK; SANDOVAL, 2012; LAMARRA, 2010; VERHINE; FREITAS, 2012) e, embora a literatura considere o seu conceito complexo, amplo e heterogêneo (REAL, 2009; SOUSA, 2009), de um modo geral, está relacionada à avaliação e à regulação2 de natureza sistêmica.

Assim, diante da importância dos diplomas de graduação para o bloco econômico, os integrantes do Mercado Comum do Sul (Mercosul) instituíram o Sistema Arcu-Sul, que tem como objetivo a execução da avaliação e acreditação de cursos universitários dos países da região. Segundo o Acordo nº 17/20083, por meio do ato de acreditação, os Estados membros e associados reconhecem mutuamente a qualidade acadêmica dos títulos ou diplomas outorgados por instituições universitárias, cujos cursos de graduação tenham sido acreditados pelo Sistema regional (MERCOSUL, 2008a).

Observa-se que os integrantes do Mercosul partem da premissa que os resultados da acreditação atestam a qualidade dos cursos e, portanto, são suficientes para o reconhecimento de títulos nos países da região. Contudo, considerando a complexidade que envolve a avaliação da qualidade, especialmente nos países latino-americanos (LAMARRA, 2010), busca-se responder ao seguinte problema: o que os resultados do primeiro ciclo revelam sobre a qualidade dos cursos de graduação acreditados pelo Sistema regional?

Para responder à pergunta, a pesquisa documental realizada focalizou os documentos do Arcu-Sul e, mais especificamente, as resoluções de certificação expedidas no primeiro ciclo, que ocorreu no período de 2008 a 2015 e contou com a participação de cursos oriundos da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai, Uruguai e Venezuela.

Destaca-se que, neste estudo, a educação é entendida como política social de natureza pública (AZEVEDO, 1997). Portanto, o debate sobre a qualidade educacional “[…] remete à apreensão de um conjunto de determinantes que interferem, nesse processo, no âmbito das relações sociais mais amplas, envolvendo questões macroestruturais” (DOURADO; OLIVEIRA, 2009, p. 202).

Desse modo, a análise dos documentos é realizada considerando que, de acordo com Demo (1994; 2015), a qualidade decorre de duas dimensões, a formal e a política. A qualidade política está ligada aos fins, valores e conteúdos, e significa a competência do sujeito para se fazer e fazer história, diante dos fins históricos da sociedade. Por isso, para o autor, o político é o “[…] espaço de atuação do homem, no qual ele forma a si mesmo e molda as circunstâncias objetivas que o cercam” (DEMO, 2015, p. 43).

Já a qualidade formal refere-se à habilidade de manejar meios, instrumentos, formas técnicas e procedimentos e, em vista disso, convém “[…] colocar o lugar adequado da preocupação com a forma, com a instrumentação técnica, com as condições objetivas” (DEMO, 2015, p. 52).

Os resultados da pesquisa estão organizados em dois tópicos, além da introdução e das considerações finais. O primeiro enfatiza os processos de avaliação e os critérios de qualidade utilizados para a acreditação de cursos no Sistema do Mercosul. O segundo tópico apresenta a concepção de qualidade regional revelada nos resultados do primeiro ciclo do Arcu-Sul.

Avaliação e qualidade na política de acreditação do Mercosul

A acreditação no Mercosul é resultado do “[…] processo de avaliação por meio do qual é certificada a qualidade acadêmica dos cursos de graduação estabelecendo que satisfazem o perfil do graduado e os critérios de qualidade previamente aprovados no âmbito regional para cada diploma” (MERCOSUL, 2008a).

O processo de acreditação regional é gerenciado pela Rede de Agências Nacionais de Acreditação (Rana) que, conforme o Acordo nº 17/2008, possui o papel de coordenar o Sistema, bem como, definir os critérios de avaliação. Para integrar a Rana, cada país indicou uma Agência Nacional de Acreditação (ANA), totalizando oito agências nacionais, conforme apontado no quadro 1.

Quadro 1 Relação das agências nacionais de acreditação integrantes da Rana 

PAÍS AGENCIA NACIONAL DE ACREDITAÇÃO
Argentina Comissão Nacional de Avaliação e Acreditação (CONEAU).
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP).
Brasil Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES). Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES)
Bolívia Comissão Nacional de Acreditação de Carreiras Universitárias (CNACU)
Chile Colombia Paraguai Uruguai Comissão Nacional de Acreditação (CNA).
Conselho Nacional de Acreditação (CNA).
Agência Nacional de Avaliação e Acreditação Superior (ANEAES) Comissão Ad hoc de Acreditação para administrar o ARCU-SUL.
Chile Comissão Nacional de Acreditação (CNA).
Colombia Conselho Nacional de Acreditação (CNA).
Paraguai Agência Nacional de Avaliação e Acreditação Superior (ANEAES)
Uruguai Comissão Ad hoc de Acreditação para administrar o ARCU-SUL.
Venezuela Comitê de Avaliação e Acreditação de Programas e Instituições de Educação Superior (CEAPIES)

Fonte: Elaborado pelas autoras de acordo com dados da página eletrônica do Arcu-Sul (Mercosul, 2016).

De acordo com o Manual de Procedimentos do Sistema, elaborado pela Rana, a participação na acreditação é voluntária e as instituições que desejarem inscrever um curso devem enviar uma solicitação à ANA correspondente, apresentando informações e documentos. Posteriormente, os cursos são submetidos aos processos de autoavaliação e avaliação externa.

Cabe ressaltar que, no primeiro ciclo, o Sistema acreditou cursos nas seguintes titulações: agronomia, arquitetura, enfermagem, engenharia, medicina, odontologia e medicina veterinária. Assim, para cada titulação, foram constituídas comissões consultivas para elaboração de documentos que respaldaram os processos de avaliação.

A autoavaliação requer um conjunto de ações, por meio das quais o curso candidato à acreditação verifica o grau em que se ajusta aos critérios de qualidade estabelecidos e acordados, e indica o grau em que alcança suas próprias metas e propósitos (MERCOSUL, 2008b).

Para tanto, cada curso deve ter como referência as guias de autoavaliação de cursos, elaboradas para cada titulação, e as disposições sobre a sua implementação pela ANA. Os resultados desse processo devem fazer parte do informe de autoavaliação que será enviado pelo curso para a realização dos procedimentos restantes. Segundo as guias de autoavaliação, esse documento deve ser elaborado com as seguintes propriedades:

  1. Técnico: se fundamenta en recursos metodológicos válidos y en información confiable.

  2. Representativo: expresa el trabajo y participación de la comunidad académica correspondiente.

  3. Analítico: va más allá de la mera descripción de las situaciones detectadas y de las estimaciones subjetivas, identificando causas y efectos.

  4. Equilibrado: toma en cuenta tanto los logros cuanto los aspectos deficitarios y los pondera adecuadamente.

  5. Realista: en cuanto al plan de mejoramiento y a las proyecciones futuras (MERCOSUL, 2008c).

Percebe-se que as propriedades estabelecidas para a elaboração do informe preconizam que a autoavaliação tenha um caráter permanente e participativo, e expresse o trabalho da comunidade acadêmica, tanto no que diz respeito aos problemas encontrados, como ao planejamento de melhorias.

Segundo a literatura da área, essas características permeiam a perspectiva formativa e emancipatória da autoavaliação, que precisa ser pensada na interseção entre as intenções e as realizações (BELLONI et al, 2000; DIAS SOBRINHO, 2003).

Para que a autoavaliação tenha um caráter participativo, deve contar com autonomia da comunidade acadêmica, pois os valores fundamentais desse processo pertencem aos participantes. E, para Santos (2011), a própria avaliação também é um processo de aprendizagem política e de construção de autonomias dos atores e das instituições.

Nessa perspectiva, Santos (2011, p. 103) acrescenta que “os modelos de avaliação participativa tornam possível a emergência de critérios de avaliação interna suficientemente robustos para se medirem pelos critérios de avaliação externa”.

Contudo, embora os documentos do Arcu-Sul sinalizem a importância da autoavaliação, uma vez que é a partir desse processo que as etapas de avaliação externa e a emissão da resolução de acreditação são desenvolvidas, observa-se nos documentos a indução de conteúdos e formatos, o que pode comprometer o atendimento às propriedades estabelecidas nas guias de autoavaliação.

Essas informações permitem problematizar o papel desse processo no Sistema e questionar se as reflexões e discussões acerca da autoavaliação estão resultando em ações para resolver os problemas apontados como fragilidades, visando à melhoria da qualidade, como estabelecem os documentos do Arcu-Sul. Ou, se a autoavaliação ocorre como uma ação isolada somente no momento de elaboração do informe.

No Arcu-Sul, a avaliação externa tem como objetivo verificar se o curso cumpre com os critérios de qualidade acordados no âmbito do Sistema, levando em conta, entre outros documentos, o informe de autoavaliação (MERCOSUL, 2008b).

Pode-se verificar que a política regional enfatiza a avaliação externa, definida pelo Manual de Procedimentos do Sistema como o “marco central do processo de avaliação para a Acreditação ARCU-SUL” (MERCOSUL, 2008b).

O Manual de Procedimentos aponta, ainda, que a atividade do Comitê de Pares Avaliadores é chave no processo de acreditação, uma vez que suas opiniões e recomendações, acerca da qualidade do curso, constituem uma colaboração externa e independente, que é fundamental para que a ANA constitua seu próprio juízo e elabore a resolução referente à acreditação do curso (MERCOSUL, 2008b). Cabe realçar que a Rana organiza e mantém um Banco de Avaliadores, por titulação, conforme diretrizes acordadas no âmbito da rede.

A ênfase da avaliação externa na educação superior também é objeto de discussão de autores da área como Neave (2012) e Verhine e Freiras (2012), já que a sofisticação dos procedimentos de avaliação é uma forma de atender as demandas do mercado. Diante desse contexto, Verhine e Freitas (2012, p. 24) consideram que “por mais valorizada que seja a avaliação interna independente e voluntária, ela acaba sendo, em boa parte, determinada pela avaliação externa”.

Ou seja, o protagonismo da avaliação externa em detrimento da autoavaliação pode comprometer os resultados do processo de acreditação no Arcu-Sul, bem como, a sua própria configuração enquanto Sistema.

Conforme o Manual de Procedimentos, mesmo que o processo termine formalmente com o juízo da ANA, a garantia da qualidade exige o controle o acompanhamento das ações de melhoria que foram planejadas desde o processo de autoavaliação. Em outras palavras, a autoavaliação não pode ser utilizada apenas para elaborar um diagnóstico do curso, mas deve definir as estratégias para a melhoria da sua qualidade.

Contudo, o que se verifica no Arcu-Sul é a minimização da perspectiva formativa e do caráter emancipatório da autoavaliação, uma vez que se busca no âmbito da Rana induzir os cursos a utilizarem modelos preestabelecidos por meio de documentos, instrumentos e relatórios padronizados. Além disso, a ênfase na avaliação externa pode afetar características imprescindíveis do processo como a autonomia, a reflexão e a participação de todos os atores envolvidos e, consequentemente, impactar os objetivos da acreditação.

Ao término dos processos de avaliação, a ANA correspondente é responsável pela emissão da resolução que poderá certificar ou não certificar a acreditação dos cursos. Conforme o Manual de Procedimentos do Sistema, as resoluções serão emitidas em um formato comum, acordado para o Arcu-Sul (MERCOSUL, 2008b).

Diante disso e da necessidade de mecanismos para assegurar a validez das resoluções de acreditação, percebe-se o empenho dos integrantes da Rana para padronizar os procedimentos, as técnicas e os documentos, uma vez que embora os documentos assinalem a necessidade de se respeitar as especificidades dos países e a autonomia das instituições, a acreditação no Arcu-Sul objetiva estabelecer um padrão de qualidade regional. Todavia, esse processo se torna conflituoso diante de sistemas nacionais tão heterogêneos (LAMARRA, 2010).

As comissões consultivas formadas pela Rana também elaboraram os critérios regionais de qualidade para cada uma das titulações, entre os anos de 2008 e 2010. Para tanto, consideraram obrigatoriamente quatro dimensões - contexto institucional, projeto acadêmico, comunidade universitária e infraestrutura - sendo que, em cada dimensão, são indicados os componentes a serem avaliados, apresentados no quadro 2.

Quadro 2 Relação dos componentes, por dimensão, definidos pelo Sistema ARCU-SUL 

Contexto institucional Projeto acadêmico Comunidade universitária Infraestrutura
Características do curso e sua inserção institucional Plano de estudos Estudantes Infraestrutura física e logística
Organização, governo, gestão e
administração do curso
Processos de ensino aprendizagem Graduados Biblioteca
Sistemas de avaliação do processo de gestão Investigação e desenvolvimento tecnológico Docentes Instalações, laboratórios, campos e
instalações experimentais
Políticas e Programas de bem-estar institucional Extensão, vinculação e cooperação Pessoal de apoio

Fonte: Elaborado pelas autoras, a partir dos documentos de critérios do Sistema ARCUSUL (2016).

Ressalta-se que a Rana unificou os componentes apenas para a dimensão contexto institucional. No que diz respeito às demais dimensões, para a elaboração do quadro 2, foram considerados os componentes identificados na maior parte dos documentos de critérios analisados. Destacase que a dimensão infraestrutura é a que possui a menor quantidade de componentes comuns às titulações.

Para cada um dos componentes foram estabelecidos os critérios de qualidade por meio dos quais o curso deve formular um juízo sobre o seu grau de cumprimento (MERCOSUL, 2008b). Registra-se que, para as dimensões projeto acadêmico, comunidade universitária e infraestrutura, as comissões consultivas apresentaram, também, indicadores para cada um dos critérios de qualidade.

A definição de critérios e indicadores comuns de qualidade para os cursos da região está prevista desde os primeiros planos do Setor Educacional do Mercosul (SEM). Para tanto, segundo o Acordo que instituiu o Arcu-Sul, os critérios regionais seriam aqueles “requeridos para a promoção do desenvolvimento econômico, social, político e cultural” (MERCOSUL, 2008a, p. 2).

Contudo, Souza (2016) afirma que o Sistema mercosulino prioriza os aspectos formais da qualidade, pois enfatiza os instrumentos e métodos, no sentido de perfeição metodológica, desprendida do conteúdo que busca qualificar. Para a autora, essa evidência está na essência dos critérios próprios do mercado e foi constatada pela autora nos indicadores relacionados à/ao:

  • - gestão institucional, que foi concebida a partir da vertente gerencialista;

  • - avaliação em seu sentido de verificação de dados e informações quantificáveis;

  • - perfil e atuação do egresso, com foco no mercado de trabalho;

  • - projeto pedagógico com predominância nas atividades de ensino, em detrimento da pesquisa e da extensão e

  • - infraestrutura física desassociada dos padrões de acessibilidade (SOUZA, 2016, p. 141-142).

A evidência da relação da qualidade dos cursos universitários com mercado de trabalho é apontada por Enguita (1994) como uma das lógicas associadas ao conceito de qualidade na educação. Entretanto, a política regional também explicita que os critérios regionais devem ser aqueles que promovam também o desenvolvimento social, político e cultural.

De acordo com Souza (2016) aspectos políticos que permeiam as concepções de internacionalização, que subjaz à constituição do bloco, e expressos nos documentos do SEM, como a mobilidade, o intercâmbio, tratados e acordos interinstitucionais, estão ausentes dos documentos de critérios.

Ressalta-se, contudo, que Griboski e Funghetto (2016) consideram que as políticas de mobilidade e intercâmbio dos estudantes e dos docentes são valorizadas nos documentos de critérios. Para as autoras, a implantação de um sistema permanente de acreditação, busca além da mobilidade acadêmica, “[…] a qualificação do processo de ensino, a valorização do egresso na região, a integração universitária por meio de um padrão de qualidade comum a todos os Estados-Membros e o aumento da competitividade e afirmação do SEM” (GRIBOSKI; FUNGHETTO, 2016, p. 256).

Assim, verifica-se que a literatura apresenta opiniões divergentes acerca da concepção de qualidade preconizada no Mercosul, especialmente no que diz respeito aos aspectos políticos necessários para atender as finalidades do SEM.

Essas divergências demonstram a tensão existente entre a necessidade de se estabelecer um padrão de qualidade, baseada em uma lógica de competição de mercado, e o compromisso de elaborar políticas educacionais voltadas para a formação de uma consciência de pertinência à região e de uma identidade regional.

Diante disso questiona-se: qual é a concepção de qualidade revelada nas resoluções de acreditação do Sistema do Mercosul?

A qualidade regional revelada no primeiro ciclo do Arcu-Sul

No primeiro ciclo, o ARCU-SUL acreditou duzentos e quarenta e seis cursos de graduação, conforme dados retirados da página eletrônica do Sistema e informados na tabela 1.

Tabela 1 Quantidade de cursos acreditados no primeiro ciclo do ARCU-SUL, por país e por titulação 

Agronomia Arquitetura Enfermagem Engenharia Medicina Medicina
Veterinária
Odontologia Total de cursos/país
Argentina 8 9 4 16 4 8 2 51
Bolívia 5 5 3 21 7 1 5 47
Brasil 17 8 12 29 1 11 - 78
Chile 4 1 2 - 3 3 2 15
Colômbia 1 - - 6 2 - - 9
Paraguai 1 2 2 7 3 1 1 17
Uruguai 1 1 1 7 1 1 1 13
Venezuela 9 4 - - - 3 - 16
Total de cursos 46 30 24 86 21 28 11 246

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos dados fornecidos na página eletrônica4 do Sistema ARCU-SUL e coletados em novembro de 2015.

Diante da quantidade de cursos acreditados, para análise, foram selecionadas quarenta e seis resoluções, das quais: sete são da Argentina, sete da Bolívia, seis do Brasil, seis do Chile, três da Colômbia, sete do Paraguai, sete do Uruguai e três da Venezuela.

Para subsidiar a análise dos documentos, as referências de qualidade estão resumidas, considerando a perspectiva de Demo (1994; 2015), da seguinte forma:

  • Dimensão formal (meios/técnicas)

    • - formato;

    • - processos avaliativos;

    • - instrumentos;

    • - normatizações;

    • - mínimos quantitativos necessários.

  • Dimensão política (fins)

    • - articulação com a missão, objetivos e finalidades das instituições;

    • - atendimento à missão, objetivos e finalidade do SEM;

    • - atendimento aos objetivos do ARCU-SUL;

    • - relação ensino-pesquisa-extensão.

Importa lembrar que a acreditação regional foi estruturada a partir de um processo de autoavaliação, para que o curso conheça melhor a sua realidade, identifique suas potencialidades e dificuldades e construa projetos para a sociedade. Portanto, o resultado da avaliação requer a relação das dimensões formal e política. Contudo, não se pode deixar de mencionar que há no Arcu-Sul uma tendência para utilização da autoavaliação como diagnóstico do curso, ou seja, uma parte do processo, o que compromete a fundamentação de juízo de valores realizado pelas agências nacionais de acreditação.

Em termos gerais, as resoluções das agências nacionais de acreditação evidenciam a heterogeneidade dos documentos. Algumas diferenças são percebidas já no formato utilizado pelas agências na elaboração das resoluções e estão relacionadas, principalmente, à quantidade de informação disponibilizada. Nesse sentido, foi possível detectar diferenças significativas, especialmente entre os documentos expedidos pela agência argentina e pela agência boliviana.

Para atender ao Manual, as agências nacionais de acreditação devem considerar além do formato das resoluções, o conteúdo do informe de autoavaliação e do Comitê de Pares, bem como outros processos de acreditação e antecedentes legais ou de regulação próprios das disposições nacionais.

O quadro 3 apresenta a síntese dos aspectos formais encontrados nas resoluções de acreditação do primeiro ciclo do Arcu-Sul.

No que diz respeito à dimensão formal, as agências nacionais atenderam em grande medida às obrigatoriedades expressas nos documentos do Arcu-Sul, uma vez que citaram nas resoluções os processos avaliativos desenvolvidos, os instrumentos utilizados e as normatizações. Contudo, a maioria das agências não considerou necessário mencionar em suas justificativas o atendimento, pelos cursos, aos mínimos quantitativos formais necessários, o que para Gramsci (1974) e Demo (1994) é condição essencial para a definição da qualidade. Isso porque, ao optar por critérios imprecisos, a Rana deixou a escolha sobre a indicação dos mínimos quantitativos a cargo das agências.

Quadro 3 Síntese dos aspectos formais encontrados nas resoluções de acreditação do primeiro ciclo do Arcu-Sul (2009-2014) 

Agência de acreditaçáo/país Dimensão formal
Argentina 1.atenção aos aspectos quantitativos do curso
2.atendimento aos componentes, critérios e indicadores definidos pelo ARCU-SUL
3.formato padronizado
4.1egislação nacional e institucional
5. processos de avaliação realizados
Bolívia 1. atendimento às dimensões e critérios definidos pelo ARCU-SUL
2.legislação nacional
3. processos de avaliação realizados
Brasil 1.atendimento aos critérios e indicadores definidos pelo ARCU-SUL
2.formato padronizado
3.atenção aos dados quantitativos do curso
4.1egislação institucional
5. processos de avaliação realizados
Chile 1. atendimento aos critérios estabelecidos pelo ARCU-SUL
2.documentos do ARCU-SUL
3.formato padronizado
4.processos de avaliação realizados
Colômbia 1 . atenção aos aspectos quantitativos do curso
2.formato padronizado
3.processos avaliativos, instrumentos e normatização do ARCU-SUL
Paraguai 1 .características do curso acreditado para cada uma das dimensões
2.formato padronizado
3.normatizações do ARCU-SUL que regulamentam a acreditação
4. processos de avaliação realizados
Uruguai 1. atendimento aos critérios estabelecidos pelo ARCU-SUL
2.documentos do ARCU-SUL
3.formato padronizado
4.processos de avaliação realizados
Venezuela 1. atendimento aos critérios estabelecidos pelo ARCU-SUL
2.documentos do ARCU-SUL
3.formato padronizado
4.processos de avaliação realizados

Fonte: Elaborado a partir das resoluções de acreditação do primeiro ciclo do ARCU-SUL (2009-2014).

Observa-se que as agências argentina, brasileira, chilena, paraguaia, uruguaia e venezuelana organizaram o texto das resoluções em um modelo padronizado. Os documentos contemplaram as normatizações do ArcuSul que regulamentam a acreditação, os processos de avaliação pelos quais o curso passou para a acreditação, as características do curso acreditado e a resolução final da agência.

Desse modo, pode-se inferir que a qualidade formal foi referenciada nas resoluções de acreditação a partir de três aspectos principais: formato dos documentos, atendimento às dimensões e aos critérios definidos pelo Sistema e processos de avaliação realizados.

Apenas a agência boliviana não apresentou um modelo padronizado, entretanto, no que diz respeito ao conteúdo, as resoluções apresentam similaridades que estão relacionadas, principalmente, à dimensão formal da qualidade dos cursos, resumidas na legislação nacional, nos processos avaliativos do Arcu-Sul, no atendimento às dimensões e critérios e na resolução de acreditação.

Já os aspectos políticos da qualidade dos cursos acreditados estão isolados nos argumentos de algumas agências nacionais e, mais especificamente, de algumas titulações, conforme síntese apresentada no quadro 04. Os aspectos considerados com maior incidência foram o intercâmbio e a mobilidade, a participação da comunidade e as políticas de bem-estar e apoio aos estudantes.

Pode-se notar que, nas resoluções analisadas, os aspectos políticos utilizados pelas agências nacionais de acreditação incidiram sobre dois focos principais, a articulação com a missão, objetivos e finalidades das instituições e o atendimento à missão, objetivos e finalidade do SEM. Verificase, entretanto, a ausência de aspectos importantes para o atendimento da missão do SEM, como a pertinência mercosulina, necessária para a formação de identidade e cidadania regional.

Observa-se também pouca atenção das agências para o envolvimento da comunidade acadêmica nos processos decisórios dos cursos e até mesmo na própria avaliação. Na mesma direção, verifica-se que há um descaso das agências de acreditação com a extensão, ainda que, em muitas resoluções, as agências afirmem o compromisso das instituições e dos cursos acreditados com o ensino, a pesquisa e a extensão.

Quadro 4 Síntese dos aspectos políticos encontrados nas resoluções de acreditação do primeiro ciclo do ARCU-SUL (2009-2014) 

Agência de acreditaçáo/país Dimensão política
Argentina 1. acessibilidade na infraestrutura
2.intercâmbio e mobilidade
3.participação da comunidade universitária
4.políticas de bem-estar e apoio aos estudantes
5.planos de cargos e carreiras
Bolívia 1. mobilidade (enfermagem)
Brasil 1. acessibilidade na infraestrutura
2.compromisso social nos documentos institucionais
3.intercâmbio e mobilidade
4.participação da comunidade universitária
5.planos de cargos e carreiras
6.políticas de bem-estar e apoio aos estudantes
Chile 1. acessibilidade na infraestrutura (enfermagem, medicina veterinária, odontologia)
2.intercâmbio e mobilidade (medicina, medicina veterinária, arquitetura)
3.participação da comunidade universitária (medicina veterinária)
4.políticas de bem-estar e apoio aos estudantes (agronomia, medicina veterinária)
Colômbia 1. intercâmbio (engenharia)
2.mobilidade (agronomia e medicina)
3.participação da comunidade universitária (medicina)
4.políticas de bem-estar e apoio aos estudantes (agronomia e medicina)
Paraguai 1.fortalecimento da pesquisa (arquitetura e medicina) e da extensão (arquitetura)
2. plano de cargos e carreiras (enfermagem e medicina)
Uruguai 1. compromisso social nos documentos institucionais (enferma-gem e odontologia)
2.participação da comunidade universitária (arquitetura e enfermagem)
3.acessibilidade na infraestrutura (arquitetura e medicina)
4.biossegurança (medicina veterinária e odontologia)
5.integração ensino-pesquisa-extensão (engenharia)
Venezuela 1. intercâmbio e mobilidade (arquitetura e medicina veterinária)
2. políticas de bem-estar e apoio aos estudantes (agronomia e medicina veterinária)

Fonte: Elaborado a partir das resoluções de acreditação do primeiro ciclo do ARCU-SUL (2009-2014).

Para Cunha (2014), a natureza da educação universitária tem sido explicitada pelo conceito da indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão e, por isso, compreende-se que essa condição se constitui no ponto principal da qualidade. Contudo, essa indissociabilidade não aparece como uma preocupação das agências nacionais de acreditação.

Constata-se, ainda, que há pontos ressaltados por algumas agências que não tiveram o mesmo tratamento por outras, explicitando uma pulverização dos aspectos a serem considerados para a construção de uma concepção comum de qualidade.

Nesse sentido, nota-se nos documentos dos cursos bolivianos e dos cursos paraguaios uma inconsistência sobre os juízos de análise relacionados ao cumprimento dos critérios e dos componentes do Arcu-Sul. Importa mencionar que tanto a Bolívia como o Paraguai constituíram sistemas de avaliação recentemente, para atender ao Mercosul.

Na resolução destinada ao curso boliviano de agronomia é possível identificar a inconsistência na síntese da avaliação, conforme citação a seguir:

Síntese da avaliação

O curso de Engenharia Agrônoma da Universidad Autónoma Juan Misael Saracho, ofertado na cidade de Tarija, apresenta as seguintes características para cada uma das dimensões de avaliação:

  1. Contexto institucional: são cumpridos os critérios para os componentes desta Dimensão.

  2. Projeto acadêmico: nesta Dimensão há critérios cumpridos integralmente e critérios parcialmente cumpridos.

  3. Comunidade Universitária: nesta Dimensão há critérios cumpridos integralmente e critérios parcialmente cumpridos.

  4. Em todas as dimensões observa-se que os aspectos a serem aprimorados são mais relacionados à Universidade e não ao curso (MERCOSUL, 2011d).

Verifica-se nas dimensões projeto acadêmico e comunidade universitária que alguns critérios foram parcialmente cumpridos pelo curso, contudo esses critérios não são explicitados. Percebe-se também que na transcrição que não há informações acerca da avaliação da dimensão infraestrutura, embora conste no documento uma observação sobre a necessidade de aprimoramento de aspectos relacionados à universidade. Nesse sentido, permanecem dúvidas sobre como e em que medida o curso acreditado atendeu aos documentos de critérios do Arcu-Sul.

Essa inconsistência também está presente nas características apontadas para as dimensões projeto acadêmico e comunidade universitária dos cursos paraguaios de engenharia, medicina e medicina veterinária, uma vez que, de acordo com os documentos, esses cursos cumprem com a maioria dos critérios de qualidade das referidas dimensões, no entanto, esses critérios não são especificados. O caso do curso de odontologia pode ser considerado mais complexo, conforme indicado na citação a seguir:

  1. Contexto institucional:

    Teniendo en cuenta los juicios realizados y las acciones encaminadas a garantizar la calidad en forma permanente, entre otros, permiten considerar que cumple con la mayoría de los critérios de calidad de los componentesde la Dimensión Contexto Institucional.

  2. Proyecto académico:

    Teniendo em cuenta las observaciones y juicios realizados se considera que la carrera cumple minimamente con los critérios de calidad estabelecidos para la Dimensión Proyecto Académico.

  3. Comunidad Universitaria:

    Teniendo em cuenta las observaciones y juicios realizados se considera que la carrera cumple com la mayoría de los critérios de calidad estabelecidos para la Dimensión Comunidad Universitaria.

  4. Infraestructura:

    Teniendo em cuenta las observaciones y juicios realizados se considera que la carrera cumple minimamente con los critérios de calidad estabelecidos para la Dimensión Infraestructura (MERCOSUL, 2011a, p. 2-3).

Verifica-se, além da inconsistência sobre quais os componentes e critérios foram cumpridos nos processos de avaliação, que o curso de odontologia paraguaio não atende totalmente às exigências dos documentos do Arcu-Sul em nenhuma das dimensões. E, no que tange às dimensões projeto acadêmico e infraestrutura, o curso cumpriu apenas com o mínimo estabelecido pelo Sistema.

Desse modo, pode-se notar que a agência paraguaia constituiu seus próprios parâmetros de análise, uma vez que a imprecisão dos critérios definidos pelo Sistema, permite interpretações diversas.

Cumpre lembrar que as agências argentina e brasileira utilizaram suas experiências em avaliação e buscaram enfatizar, nas resoluções de acreditação, os potenciais dos seus sistemas, por meio das informações dos cursos e das instituições, o que denotou diferenças importantes nos resultados do processo de acreditação. Nesses casos, a acreditação regional está certificando a qualidade de cursos já avaliados pelos sistemas nacionais, ou seja realizando uma avaliação da avaliação (SOUZA, 2016).

Ressalta-se que as agências dos dois países enfatizaram, nas resoluções, a existência de aspectos políticos importantes para o SEM, como exemplo, a mobilidade e o intercâmbio do curso argentino de medicina e o compromisso social do curso brasileiro de medicina, explicitado no trecho abaixo:

[…] a UFRGS é uma universidade pública, gratuita, plural e comprometida com o Brasil contemporâneo. Além disso, o Plano de Gestão da Administração Central preconiza a construção de um país desenvolvido e socialmente justo através da atividade universitária. A busca da excelência, com inclusão social, deve levar a Universidade a se constituir como elemento de irradiação de formação humana, para além das fronteiras do Brasil (MERCOSUL, 2014, p. 2).

É necessário mencionar que a mobilidade, o intercâmbio e a acessibilidade na infraestrutura são aspectos mencionados nos documentos de critérios, uma vez que são importantes para o atendimento da missão e da finalidade do SEM. Contudo, não constam em todos os documentos analisados.

Desse modo, é necessário problematizar o fato de cursos que não atendem nem mesmo aos critérios definidos pelo Arcu-Sul receberem um resultado positivo do processo de acreditação e, dessa forma, representarem a qualidade regional.

Registra-se também que o Manual de Procedimentos do Sistema afirma que a garantia da qualidade exige o controle e o acompanhamento das ações de melhoria que foram planejadas desde o processo de autoavaliação. Entretanto, as agências de acreditação não priorizaram, nos documentos, os problemas detectados e as sugestões de melhoria dos cursos.

Essas constatações mostram que a Rana encontrou dificuldades para coordenar o Sistema e definir a qualidade regional. Assim, seu conceito é estabelecido pelos processos de avaliação realizados, considerados suficientes para justificar a certificação da qualidade pelo Mercosul.

Os dados evidenciam a predominância do caráter técnico e instrumental da avaliação no processo de acreditação realizado por algumas agências, como a boliviana, que considera apenas a dimensão formal da qualidade. A dimensão política da qualidade aparece isolada nos argumentos de algumas agências de acreditação e de algumas titulações, a exemplo do que ocorre com os critérios estabelecidos pelo Sistema.

Em síntese, os resultados do primeiro ciclo revelam que a qualidade regional se constitui a partir de parâmetros diversos, e, portanto, não é possível afirmar sobre a existência de um padrão único de qualidade para todos os cursos acreditados e que esteja acima da qualidade nacional dos países integrantes do Sistema, conforme preconiza o SEM.

Considerações

Para atender às finalidades do Mercosul, especialmente aquelas voltadas à capacitação de recursos humanos para impulsionar o desenvolvimento do bloco, o Arcu-Sul adota uma concepção de qualidade vinculada à competição de mercado. Diante desse conceito, foram estabelecidos os parâmetros de qualidade regional, que refletem os propósitos da educação superior e, consequentemente, o projeto de sociedade que se busca construir.

Nos documentos do primeiro ciclo do Sistema, pode-se apreender que existem variações na acreditação que perpassam desde a ênfase na dimensão formal até a dimensão política da qualidade. Desse modo, percebem-se concepções distintas entre o preconizado pela política regional e os resultados divulgados pelas agências nacionais de acreditação, o que pode explicar algumas incongruências apontadas na implementação do Sistema, como a heterogeneidade das resoluções de acreditação, no que diz respeito não só ao modelo e à quantidade de informações, mas, principalmente, ao conteúdo dos documentos.

Pode-se inferir que a dimensão política e social da educação não é prioridade na implementação da acreditação regional, processo que teria como prerrogativa a garantia e a melhoria da qualidade. E, considerando o caráter competitivo da acreditação e do seu modelo de avaliação, alguns países acabam optando por cumprir formalmente os critérios estabelecidos no âmbito regional. Nesses casos, a avaliação passa a ser utilizada para reunir os elementos necessários para atingir os possíveis efeitos regulatórios do Sistema, ou seja, o reconhecimento automático de títulos nos países do Mercosul.

Notas

1 Registra-se que, para este trabalho, considera-se a acreditação como a “[…] ação ou resultado de acreditar, de atestar oficialmente a boa qualidade de algo: certificado de acreditação” (GEIGER, 2012, p.15).

2 Barroso (2005) expõe que a regulação enquanto modo de coordenação dos sistemas educativos é um processo que tem por principal função assegurar o equilíbrio, a coerência, mas também a transformação desse mesmo sistema. Na análise do autor, “o processo de regulação compreende, não só, a produção de regras (normas, injunções, constrangimentos etc.) que orientam o funcionamento do sistema, mas também o (re) ajustamento da diversidade de acções dos actores em função dessas mesmas regras” (BARROSO, 2005, p. 733).

3 O Acordo sobre a criação e implementação de um sistema de acreditação de cursos de graduação para o reconhecimento regional da qualidade acadêmica dos respectivos diplomas no MERCOSUL e Estados Associados foi assinado em San Miguel de Tucumán, na República Argentina, em junho de 2008, e homologado pela Decisão CMC nº 17/2008.

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Recebido: 05 de Agosto de 2019; Aceito: 17 de Dezembro de 2019

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