SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número52¿QUÉ PUEDE EL PENSAMIENTO DE PAULO FREIRE EN TIEMPOS OSCUROS? PROBLEMAS ACTUALES EN TORNO A LA OSADÍA Y ALGUNOS MODOS DE EX/RES/ISTENCIA EN BRASIL Y ARGENTINA índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.52 São Paulo jan./mar 2020  Epub 29-Jan-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n52.14458 

Resenhas

Revolutionary Pedagogy. Primer for Teachers of Black Children, de Molefi Kete Asante. New York, Universal: Write Publications LLC, 2017.

Maurício Silva, Doutor1 
http://orcid.org/0000-0002-9609-4579

1Doutor, Universidade Nove de Julho (UNINOVE) São Paulo, SP - Brasil

Asante, Molefi Kete. Revolutionary Pedagogy. Primer for Teachers of Black Children. New York, Universal: Write Publications LLC, 2017.


Com o avanço do reconhecimento das minorias étnicas no âmbito da educação nacional - movimento estimulado pela aprovação de marcos normativos legais, especialmente voltados para essa questão -, tem-se assistido, no Brasil, à incorporação de teorias e métodos destinados não apenas à adoção de temas caros a esses mesmo estratos cuturais (temáticas afro-brasileira e indígena), mas também à formação de professores que se encontram á frente de todo esse processo. São modos de pensar e modos de fazer uma realidade social - que se reproduz intramuros escolares - cada vez mais diversificada, cada vez mais marcada por uma perspectiva intercultural, expediente que, como explica Catherine Walsh (2005), não se reduz a uma simples mescla de elementos culturais distintos, mas, antes, representa processos dinâmicos que não dispensam nem renegam as tensões e as desigualdades, mas procuram nelas intervir de modo categórico.

A reflexão sobre uma realidade tão complexa requer, no mínimo, um entendimento da dinâmica social brasileira, no sentido de compreender as tensões raciais que aqui se reproduzem quase que incoercivelmente, naturalizando a discriminação e o racismo. Salvaguardadas as devidas peculiardades socioculturais e políticas, nao é diferente em outras regiões do mundo occidental: na Europa como nos Estados Unidos, na América Latina como no continente africano, a dialética entre fluxos e refluxos sociorraciais que se sucedem na socialidade multiforme (MAFFESOLI, 1984) do cotidiano alimenta nosso decantado melting pot étnicoracial.

Advém daí o fato de não nos parecer exótico ou estranho a consideração, para nossa vida escolar prática, algumas teses provenientes da “educação afrocêntrica” (Afrocentric education), tal como tem sido defendida e veiculada por uma parcela da intelectualidade norteamericana nas últmas décadas, ainda sem grande afluxo no Brasil. Seu principal porta-voz, o professor afro-americano Molefi Asante, da Temple University (Philadelphia) e fundador do Institute for Afrocentric Studies, tem sido pródigo na defesa do que considera uma verdadeira Teoria da Afrocentricidade, por meio de publicações que - embora ainda sem tradução no Brasil - têm causado significativa discussão nos meios acadêmicos (ASANTE, 1990; 1998; 2003).

Em seu mais recente livro (Revolutionary Pedagogy. Primer for Teachers of Black Children, 2017), Asante propõe-se discutir, como o próprio título sugere, uma conceção relativamente singular de pedagogia revolucionária, considerando-na uma prática educacional voltada para a centralidade e a valorização de referenciais culturais próprios dos estudantes, sobretudo dos estudantes afrodescendentes, num diálogo amplo e contínuo com a diversidade contemporânea, sendo seu locus de realização mais apropriado - de acordo com a proposta de uma “ideia afrocêntrica” (Afrocentric idea) - a escola frequentada majoritariamente por crianças negras.

O autor começa lembrando, ainda em seu prefácio, que a educação tem, sistematicamente, suprimido dos estudantes afro-americanos sua motivação, criatividade, identidade cultural e autoafirmação, motivo pelo qual um dos grandes desafios do educador seria como ensinar o professor a não bloquear o potencial de seus alunos. Nesse sentido, lembra também, já em seu primeiro capítulo, que há um consenso entre educadores, políticos e público de que, nos Estados Unidos, a educação é um fracasso, fenômeno que se deve tanto à questão da pobreza quanto à atuação docente, que, muitas vezes, não reconhece o conhecimento prévio dos estudantes, além de vitimizar os estudantes negros e latinos por privilegiar a realidade cultural branca. É preciso considerar que muitas das observações feitas por Asante a respeito dos estudantes e do sistema escolar norte-americanos servem, de modo bastante apropriado, à realidade escolar brasileira.

Considerando que a educação está no centro das transformações, devendo as informações passadas aos alunos estar adequada a sua realidade, já que “culture and learning are deeply intertwined in the process of socializing young people to understanding their reality” (p. 5), Asante defende o que considera ser um caráter revolucionário do ensino, a Revolutionary Pedagogy do título de seu livro. A ideia de uma pedagogia revolucionária pressupõe, portanto, formas diferentes de pensar e variados componentes estruturais na configuração escolar, com ênfase em cinco aspectos: ética, valores, letramento, relacionamento e raciocínio, os quais estão subentendidos nos objetivos mais gerais da pedagogia revolucionária: “the purpose of education for de revolutionary pedagogist is to prepare students to live in an interconnected global world with personal diginity and respect for all other people as human beings with the same privileges that one seeks for oneself while preserving the Earth for those who will come afterwards” (p. 9).

Nesse diapasão, o autor defende a necessidade de se entender o ensino escolar num sentido que envolva não apenas alunos e professores, mas a escola por inteiro (“the entire school system”), e a pedagogia revolucionária, tal como ele a apresenta neste livro, seria uma ferramenta fundamental nesse processo, já que se trata de uma pedagogia que propõe uma completa reforma do sistema educacional, dependendo, sobretudo, de educadores ousados e corajosos. Além disso, nesse processo, faz-se necessário um radical programa cultural que atinja a todos aqueles que estão envolvidos no sistema educacional (estudantes, professores, diretores, superintendentes etc.), desviando a escola contemporânea do prevalente pensamento ocidental moderno (“modern Western thinking”). Trata-se, finalmente, de uma pedagogia que deve se basear num amplo conjunto cultural (e, não, numa perspectiva individualista), que envolva a história, a política, a sociedade etc. Desse modo, o objetivo do ensino deixa de ser apenas o conteúdo, partindo, antes, do conhecimento e reconhecimento da cultura dos estudantes, em especial no que ela se relaciona com os estudos africológicos: “Revolutionary pedagogy is neither reality pedagogy nor critical although it shares some aspects of both ideas but principally is an advance on the teaching and learning in the classroom based on an Afrocentric infusion” (p. 14).

Este último é um aspecto de sua proposta pedagógica que dialoga de perto com o que o próprio Asante e outros autores definem como sendo uma Afrocentric ideology, um conjunto de procedimentos, métodos e valores próprios da cultura africana/afrodescendente, que se baseia numa tradição que passa tanto pelo panafricanismo, de Marcus Garvey (2004), e pela autoconscientização do negro, de Du Bois (1999), quanto pela defesa de um ensino baseado no legado africano na América, de Woodson (2011), sem nos esquecermos da tentativa monumental, de Diop (1991), de tornar o "Egito Negro" um conceito científico operacional.

Embora se baseie na pedagogia crítica (em Paulo Freire, inclusive), a pedagogia revolucionária não é uma variante dela, mas representa, segundo Asante, uma fase nova no movimento por justiça, considerando o ensino como um processo tanto político (como quer a pedagogia crítica) quanto cultural. Assim, diferentemente daquela - que se apoia, entre outras coisas, na ideia de educação como ato político e na emancipação do oprimido por meio da conscientização -, a pedagogia revolucionária é uma filosofia da educação que busca subverter o pensamento, os métodos e as práticas educacionais, empregando técnicas relacionadas à africologia. Para aplicar adequada e eficazmente a pedagogia revolucionária, inclusive combatendo a resistência dos próprios professores e do corpo administrativo das escolas, o autor propõe cinco teses gerais: 1. não existe uma história universal que tenha a Europa como centro; 2. o processo educacional relaciona-se a uma herança cultural transpassada por questões raciais, de classe e de gênero; 3. faz-se necessário um acurado exame nos conceitos de tempo e espaço, no plano do conhecimento veiculado pelos currículos; 4. a educação é um campo de lutas entre o status quo e as forças progressivas de transformação; 5. deve-se criticar e reconstruir a infraestrutura da educação contemporânea, direcionando-a para uma adequada formação dos afro-americanos, dos americanos nativos e dos latinos.

Desse modo, o autor propõe a educação afrocêntrica (Afrocentric education) como o principal caminho para a pedagogia revolucionária, na medida em que a afrocentricidade emerge como “the process in education that seeks to locate or relocate African people and phenomena within the context of African historical and cultural agency” (p. 20). Daí a necessidade de um modelo de pedagogia que descolonize a educação ocidental, oferecendo ao alunado afrodescenente condições de efetivamente se incorporarem ao ambiente educacional. Nesse sentido, o autor lembra que, além da questão racial, que deve ser enfrentada por um outro modelo pedagógico, há ainda uma questão socio-educacional mais ampla, motivo pelo qual a pedagogia revolucionária enfrenta esse desafio tanto no nível da escola (que deve se tornar uma versão de um lar afrocêntrico) quanto no nível do professor (que deve ter uma boa formação, mas também empatia com seus alunos). Sobre o primeiro, destaca: “a true Afrocentric school has at his core revolutionary pedagogy that emphasizes the agency of African Americans in their own narrative as well as expansion of social justice” (p. 41). Sobre o segundo, deve-se atentar para o fato de que “students are motivated to learn when they have teachers who are transformative in their pedagogy” (p. 40).

Portanto, para o autor, a ideia afrocêntrica (Afrocentric idea) é o principal desafio revolucionário para uma educação que é, geralmente, baseada na supremacia branca, num triplo sentido: questionando a imposição de uma visão suprematista branca como universal; atacando as teorias racistas sobre o multiculturalismo e revelando sua indefensabilidade; projetando um ponto de vista humanístico e pluralístico que se articula com a Afrocenticidade, numa perspectiva cultural não hegemônica. Em suma, “a true revolutionary pedagogy will be different from a racist education, that is, a white supremacist education” (p. 67). Desse modo, uma pedagogia revolucionária abarca todas as crianças, lutando contra o racismo e a hegemonia branca no currículo escolar e promovendo maior integração nacional, já que toma como um dos objetivos centrais da educação a promoção de valores comuns (common values). Daí o fato de a educação afrocentrada defender a introdução de conteúdos africanos no currículo - num sentido mais amplo de integração de informações - o que coloca a Afrocentric infusion como o centro da pedagogia revolucionária.

No que compete à questão da supremacia branca, não há como deixar de observar a interação entre o pensamento afrocêntrico de Asante e as teorias defendidas por bell hooks, ao discutir a relação entre raça e representação. Segundo a autora, a luta antirracista passa, necessariamente, pelo combate à "dominação supremacista branca institucionalizada" (HOOKS, 2019, p. 54), o que sugere, entre outras coisas, a urgência de uma educação que valorize o legado africano nas comunidades diaspóricas.

Finalmente, uma pedagogia revolucionária pressupõe, entre outras coisas, uma mudança na concepção da natureza dos objetivos educacionais em nossa sociedade, devendo, portanto, desafiar a visão educacional perpetrada pelo racismo, defender os estudantes do autoódio, desempenhar um papel de apoio à agência dos que foram marginalizados pelo sistema educacional. Isso demonstra o aspecto político da educação: “Any idea that education is neutral is nothing more than political posturing. All education is political and has lifestyle and policy implications. In a revolutionary pedagogy we seek to expose all myhs of education neutrality promoted by those who control the reins of power. In effect, a revolutionary pedagogy is subversive to the oppressive curriculum that is meant to mold the minds of children to be consumers, clients, and victims” (p. 88).

Não há como discordar dessa afirmação, se pensarmos no modo excludente como o sistema educacional brasileiro tem tratado seus alunos, sobretudo numa época em que o esvaziamente ideológico e o silenciamento político da escola e das universidades têm sido a tônica.

Referências

ASANTE, Molefi Kete. Kemet, afrocentricity and knowledge. New Jersey, Africa World Press, 1990. [ Links ]

ASANTE, Molefi Kete. The Afrocentric Idea. Philadelphia, Temple University, 1998. [ Links ]

ASANTE, Molefi Kete. Afrocentricity. The Theory of Social Change. Chicago/Illinois, African American Images, 2003. [ Links ]

DIOP, Cheikh Anta. Civilization or Barbarism. An Authentic Anthropology. New York, Lawrence Hill Books, 1991. [ Links ]

DU BOIS, W. E. B. (William Edward Burghardt). As almas da gente negra. Rio de Janeiro, Lacerda, 1999. [ Links ]

GARVEY, Marcus. Selected Writings and Speeches of Marcus Garvey. Ed. Bob Blaisdell, New York, Dover, 2004. [ Links ]

HOOKS, Bell. Olhares negros. Raça e representação. São Paulo, Elefante, 2019. [ Links ]

MAFFESOLI, Michel. A Conquista do Presente. Rio de Janeiro, Rocco, 1984. [ Links ]

WALSH, Catherine. La Interculturalidad en la Educación. Lima, Ministerio de Educación, 2005. [ Links ]

WOODSON, Carter Godwin. The Mis-Education of the Negro. Kentucky, SoHoBooks, 2011. [ Links ]

Recebido: 18 de Julho de 2019; Aceito: 13 de Maio de 2020

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons.