Introdução
A intenção deste artigo é tornar visível a narrativa de si como matéria estruturante para a reflexão e análise de percursos estéticos e artísticos de alunos da Pós-Graduação do Programa de Pós-Graduação em Artes. Na Escola de Belas Artes da UFMG, no âmbito da disciplina “Narrativas de Si e Aprendizagem em Arte”, abrimos espaços e tempos para os modos próprios de dizer dos alunos, envoltos em múltiplas linguagens e materialidades. Durante essas aulas, testemunhamos narrativas estéticas que reverberam potentes elementos para se refletir sobre sua travessia no processo de criação como artista-professor-pesquisador.
A disciplina tem como foco a pesquisa autobiográfica e a aprendizagem em Arte a partir da abordagem de conceitos e de métodos desses diferentes campos, estabelecendo uma relação entre a narrativa de si e a aprendizagem em Arte.
Durante o semestre, essa experiência docente permitiu que os alunos se debruçassem sobre o seu próprio processo na Arte e na docência, trazendo para o contexto da disciplina narrativas que foram (e vão) além da palavra. São narrativas constituídas de imagens, de elementos pictóricos e do corpo em movimento, em que o debruçar-se sobre o vivido, numa perspectiva estética, materializam-se como forma de compreender, refletir e questionar a sua própria existência.
Nesse contexto, a disciplina teve como eixo fundante o ‘ateliê biográfico’, formulado pela pesquisadora Christine Delory-Momberger e compreendido como sendo
[...] um procedimento que escreve a história de vida em uma dinâmica prospectiva que liga o passado, o presente e o futuro do sujeito e visa fazer emergir o seu projeto pessoal, considerando a dimensão do relato como construção da experiência do sujeito e da história de vida como espaço de mudança aberto ao projeto de si (DELORY-MOMBERGER, 2006, p. 359).
Na disciplina, em busca de querer dizer de si e revelar-se ao outro, os alunos trouxeram suas histórias de vida pelas mãos, olhos, pelo corpo e coração. Nesse processo, observamos uma forma muito singular de narrar, de falar de si, marcada por diferentes modos de fazer. São caminhadas que trazem repertórios de suas experiências feitas de memória, que se desdobram em seu ser de agora. São tessituras de diferentes momentos que fazem da narrativa de si um campo de investigação e reflexão sobre si próprio e sua travessia no existir sensível. Assim, caminharam no exercício de se narrar como uma forma de compreender quais foram as suas experiências essenciais que ainda reverberam e / ou modificam seus corpos (sujeito) quando revivem e alimentam-se de experiências vividas no passado para ressignificar o presente.
É nesse fluxo intenso entre o objeto, imagens e movimento que a reflexividade da experiência biográfica permite ativar processos de ‘biografização’, ou seja,
[...] a reflexão sobre as experiências vividas, engendradas na parada para pensar sobre os tempos, espaços, e acontecimentos que nos constituem, abre, canais para um movimento singular de intervenção sobre os percursos formativos e artísticos. (DELORY-MOMBERGER, 2006, p. 369).
Nos aventuramos, deste modo, a propor como uma das etapas da disciplina a vivência intitulada “Espaços poéticos: luz, sombra e movimento”, ancorada no conceito de automedialidade de Delory-Momberger:
As noções de “medialidade”, de “automedialidade”, de “práticas mediais” trazem uma renovação muito fecunda na maneira de pensar as mediações da relação a si. Mostrando o papel determinante do “meio”, de sua materialidade e de suas formas específicas de constituição da relação a si (self fashioning), elas levam a reconhecer que o sujeito se constitui em práticas que, longe de serem simples “suportes”, são aquilo pelo qual e no qual uma subjetividade encontra sua forma. Aliás, a noção de “práticas automediais” permite englobar todas as formas de expressão e de linguagem: faladas e escritas, fotográficas, audiovisuais, gráficas, plásticas, digitais, corporais e gestuais, teatrais, etc. Entre outras consequências, a reflexão ligada à “medialidade”, alargando o campo das possibilidades, abre as práticas de formação a novas abordagens mais conscientes da interpenetração constitutiva do dispositivo medial, da reflexão subjetiva e do trabalho sobre si nos processos de construção do sujeito (DELORY-MOMBERGER, 2019, p. 3).
Portanto, o conceito de automedialidade relaciona-se a todas as expressões artísticas, configurando-se como uma dimensão particular do processo (auto)biográfico, pois parte da experiência estética e tem na Arte o processo de autoformação dos alunos.
Na condução do processo da disciplina, o ato de narrar o vivido foi um procedimento que possibilitou inscrever a história de vida em uma dinâmica que liga o passado, o presente e o futuro do sujeito, fazendo emergir o seu projeto pessoal e profissional como construção da experiência do sujeito e da sua trajetória de vida. Delory-Momberger (2006) aponta que:
[na] apresentação de si mesmo por meio do relato, o indivíduo se faz intérprete dele mesmo: ele explicita as etapas e os campos temáticos de sua própria construção biográfica. Ele também é intérprete do mundo histórico e social que é o dele: ele constrói figuras, representações, valores [...], considerando que é no relato que ele faz suas experiências de que o sujeito produz categorizações que lhe permitem apropriar-se do mundo social e nele definir seu lugar (2006, p. 369).
No contexto do ateliê autobiográfico refletir sobre os processos de formação e pensar nas experiências vividas permite um movimento singular de investigação sobre os percursos pessoais dos alunos que ajudam a dar visibilidades aos saberes e fazeres adquiridos ao longo das suas trajetórias pessoais. Nessa proposta de ateliê,
[a] utilização de diferentes suportes e materialidades expressivos potencializa o caminho que conduz a tal releitura do vivido; caminhos que, pelo convite à imaginação criadora, acolhem sentido e significados, como que sinalizando indícios da história que cada um fez e das histórias que fizeram a cada um nas suas trajetórias existenciais, intensificando a compreensão da sensibilidade. (OSTETTO; KOLB-BERNARDES, 2015, p. 271).
A próxima parte deste texto tratará dessa perspectiva de priorizar a importância da dimensão estética no processo de formação dos alunos, utilizando diferentes linguagens expressivas.
Ateliê luz, sombra e movimento: construção de um espaço poético
Nossa primeira provocação: iniciamos o primeiro momento tirando os sapatos e sentando-nos em círculo no chão numa sala vazia, sem cadeiras, reservando um tempo para ouvir e olhar uns para os outros. Em seguida, mostramos alguns livros do campo da narrativa e da autobiografia, com a intenção de despertar e motivar os alunos para suas próprias pesquisas. Tal dinâmica faz parte da nossa aula; também apresentamos livros da biblioteca e de nosso acervo pessoal. O relato de um dos alunos ressalta o que foi observado nesse momento:1
Imprimimos nesse primeiro momento uma escuta atenta, com a possibilidade de olhar, de folhear e pegar na mão os livros que fazem parte do nosso objeto de pesquisa. Ressaltamos a fala de uma das estudantes por seu entusiasmo com este momento, destacando seu encantamento com a possibilidade de tocar o livro. Ela nos diz que a experiência de pegar o livro nas mãos, é como trazer para mais perto de si o autor do livro. “Até parece que ele está presente na nossa aula. [...] Gosto de passar a mão na capa do livro.” (G. C. O., 2019).
Acreditamos que compartilhar e ter acesso às referências teóricas que nos acompanham nas aulas e em nossas pesquisas nos provoca a pensar que o ofício da docência tem um encantamento. Segundo Ostetto,
Antes de tudo é preciso que encante a si mesmo. Não seria este também o caminho do professor? Fazer para si para poder fazer ou propor aos educandos, encantar-se para poder encantar; criar para poder seguir [...] a aventura da criação; ousar para poder encorajar? (OSTETTO, 2010, p. 40).
Nesse contexto, apresentamos a proposta: Ateliê Luz, Sombra e Movimento, que proporcionou ações de movimentos e imagens que perpassaram pelos elementos corpo, espaço, luz e sombra.
A proposta do ateliê foi vivenciada em diferentes momentos apresentados a seguir.
Ouvir, caminhar e encontrar
O encontro foi se moldando e ampliando pela força impulsora de cada estudante quando trouxemos o ato de caminhar como uma experiência estética, o ato de deslocar-se como uma ação artística. Segundo Sandra Rey:
O ato de caminhar foi largamente experimentado durante as primeiras décadas do século XX: em um primeiro momento, enquanto forma de antiarte, depois, enquanto ato primário de transformação simbólica do território e, posteriormente, como uma forma de Arte autônoma (2010, p. 109).
Dessa forma, tomamos o conceito de Walkscape, de Francesco Careri (2013), que propõe o andar como um ato cognitivo e criativo capaz de transformar simbólica e fisicamente o espaço e criar paisagens. Incluir o caminhar e o deslocar-se corresponde à intenção de retirar os alunos da ‘zona de conforto’ e provocá-los com ações que fazem parte de uma experiência estética, como olhar, procurar, catar, juntar, recolher, escolher, guardar um objeto encontrado na caminhada.
O caminhar foi entendido e relatado pelos alunos:
O convite era caminhar pelos arredores do prédio sem rumo definido olhando para o tempo sem a pretensão de mudar nada, deixando-se levar pelo movimento de se deslocar, desse encontro, levar algo achado por acaso ali no chão durante o trajeto de volta (L.C., 2019).
As caminhadas à deriva fora da sala de aula, por diferentes trajetos individuais, resultaram em relatos sobre as suas percepções:
Normalmente as coisas é que me chamam, apresentam uma força capaz de me fazer até me curvar diante delas ora para pregar, ora para ver de perto, só para admirar. É como se os objetos tivessem voz (M.S.A., 2019).
Não era preciso “fazer algo com eles”, eles não precisavam “servir de nada”, não precisavam ser “úteis”. Eu estava lá totalmente disponível para contemplar e ser tocada por aqueles detalhes (J.A.M., 2019).
Na volta da caminhada pelos espaços da universidade, os alunos retornam trazendo consigo os seus objetos escolhidos. Sentados em círculo nos organizamos para escutar as histórias de cada um sobre os objetos escolhidos.
Inspiradas em Warchauer (1993), que considera a roda como uma construção própria de cada grupo e onde se acolhem diferentes histórias de vida, diferentes maneiras de pensar e sentir, movemo-nos nesse momento para escutar as histórias dos alunos. Faz parte das nossas aulas a escuta como um elemento norteador, entendida como
[...] sensibilidade aos padrões que conecta, ao que nos conecta aos outros; entregando-nos à convicção de que nosso entendimento e nosso próprio ser são apenas pequenas partes de um conhecimento mais amplo, integrado, que mantém o universo unido. A escuta, portanto, como metáfora para abertura e a sensibilidade de ouvir e ser ouvido - ouvir não somente com as orelhas, mas com todos os nossos sentidos (RINALDI, 2012, p. 124).
Trazer os seus objetos e falar sobre a sua escolha exigiu de cada estudante uma retomada do percurso vivido. Alguns relataram sobre os cheiros, falaram do barulho da rua e do som de crianças na escola. Outros ativaram a memória da infância, das casas do interior de Minas, do sítio onde gostariam de morar. Outros ficaram atentos ao tempo atual, fazendo conexão com a vida corrida, com a falta de tempo. Outros se expressaram dizendo que:
[e]ssa experiência reforça a ideia de que o eu tenho para dizer é potente e o que o outro tem a dizer também, criando, assim, um sentimento de generosidade para comigo mesma e com o meu semelhante na escuta (J.A.M., 2019);
[p]or meio da reflexão sobre este mesmo objeto, abrimos o olhar para o despercebido, que por sua vez passamos por ele muitas vezes e não dávamos a atenção, ou talvez não dávamos importância a certas coisas por acharmos desnecessário, que seja o excesso de ocupações ou até mesmo esquecimento, acabamos deixar passar as coisas simples, que por sua vez, delas pode ser o início de uma nova história ou até trazer nós o que fora esquecido, de alguma forma tem um determinado valor em nossa vida (C.R.S., 2019).
Finalizamos esse dia com a materialidade dos objetos que serviriam de disparadores para a próxima etapa de formação dos alunos na proposta do ateliê autobiográfico.
Espaços de criação: objetos, corpos em movimento
Para dar ainda mais sentido à nossa proposta da aula e trazer para mais perto dos alunos um espaço de criação e a nossa busca de ativar a sua sensibilidade, o grupo foi estimulado a explorar o movimento dos objetos a partir de alguns questionamentos: o seu objeto tem movimento?; qual movimento?; qual é a interação do seu corpo com o objeto encontrado?; é possível criar uma composição, uma sequência de movimentos a partir do objeto? Essas questões nortearam esse momento e permitiram uma junção de movimentos, como destacado no trecho: “O objeto simbólico como ferramenta potencial para a composição do movimento” (G.F.D., 2019).
Inicialmente eram movimentos individuais. Na sequência, é introduzido o momento em que os alunos deixam o objeto e permanecem com as sensações e os movimentos explorados a partir deste.
Em uma relação íntima e orgânica com o objeto encontrado, os alunos criaram formas, ritmos e volumes para os seus corpos, encontrando com o movimento do outro ao longo do processo. São movimentos que se encontram em um cenário complexo, em função da diversidade de materiais que apresentam texturas e durabilidades diferentes.
Para que isso pudesse ocorrer, exigiu-se um olhar cuidadoso para perceber a sintonia e a harmonia na criação e junção dos movimentos. O desafio era este: criar uma sequência de movimentos em grupo, na qual a palavra não tinha vez. Ela não fazia parte disso. Tudo deveria ser surpresa: o não saber, o desconhecido, o imprevisto e improviso. Era um convite para ver as coisas de outro modo, de um outro lado (viés) para surpreender-se, estranhar-se e encantar-se com o desconhecido. Um mistério da criação? Talvez. Afinal, como observa Albano (2007, p. 88): “existe um mistério da criação-mistério que deve permanecer mistério”.
O relatos seguiram esse curso:
[a] partir da junção de movimentos, criou-se [...] uma espécie de performance, cuja linguagem dos gestos, mesmo sem combinar entre si, ao final, formaram um diálogo ordenado e harmonioso. O que me surpreendeu bastante. Além disso, a música de fundo deu um tom suave que era capaz de emoldurar o gesto, como se guiasse para a amplitude da ação, que antes estava presa ao objeto (M.S.A., 2019);
[e]ssa parte, certamente foi a mais difícil. Sair de uma experiência única, tão individual de exploração da natureza e criação de uma sequência que é significativa para seu próprio corpo, compartilhá-la e aprender o movimento e intenções de outros corpos, certamente não é uma tarefa fácil (J.A.M., 2019);
[e]sse processo durou o suficiente para conhecer o tempo do movimento de cada um e criamos uma “célula coreográfica” utilizando a colaboração que cada objeto trazia naquele momento. Percebi uma comunicação entre o grupo apenas por olhares e gestos na qual cada indivíduo iniciava sua composição e terminava com movimentos que pareciam o complemento do próximo. (G.F.D., 2019).
Assim, envolvidos em um processo de exploração, de criação, de escutar e olhar para seu corpo, os alunos deixam aflorar suas experiências com o corpo em movimento, dialogando com o espaço e a imaginação. É na ação do movimento do corpo que incorporam o movimento do objeto, que eles navegam no espaço da sala de aula em busca de uma construção pessoal.
O conexão com Christine Delory-Momberger nos ensina que
[u]ma prática reflexiva e afetiva em relação ao espaço nos constituí, pois ele é parte de nossa construção pessoal, “os homens habitam o espaço, e o espaço os habita; eles constroem o espaço, e o espaço confere sentido ao seu ser e à sua ação” (DELORY-MOMBERGER, 2012, p. 70).
O próximo passo trata de explorar o corpo a partir da percepção de diferentes objetos que se apresentaram como um território de passagem. Essa experiência sensível foi fundante para o trabalho de criação a partir da composição de elementos como o corpo, os objetos e a luz no processo autoral.
Projetar para encontrar: experiência estética, luz, sombra e movimento
A última etapa do ateliê trouxe uma nova questão e um outro espaço quando introduzimos a luz, a sombra, as sobreposições e a transparência como elementos plásticos. Por meio da projeção de imagens criadas com os corpos e os objetos, novas composições plásticas foram exploradas. São composições projetadas, que provocam cenários luminosos. Possibilidades táteis, a vibração, o espaço, o contato, o movimento, a consistência, o duro, o frio, o úmido, o macio, o seco e o quente entraram no cenário da aula como elementos da percepção e sensação. Dois relatos a seguir exemplificam esse passo:
[o]utro desafio nos foi proposto: transformar nossas leituras corporais dos objetos em uma sequência, numa coreografia única, que seria mostrada para o restante do grupo. Agora o que ia narrar era o meu gesto, meu corpo em interação com a imagem e com as pessoas do grupo (L.C., 2019);
[n]ada de palavras. Agora o que ia narrar era o meu gesto, meu corpo em interação com a imagem e com as pessoas do grupo (L.C., 2019).
A partir desses elementos, luz, sombra e movimento, o grupo cria um outro cenário, que transborda em uma narrativa subjetiva, repleta de sensações e impressões vividas:
[s]ão impressões vividas através da projeção de luz e sombra dos objetos, fundindo objetos com objetos, histórias com histórias, objetos com experiências, experiências com histórias, experiências com experiências (C.R.S., 2019).
Esse foi um processo criativo que promoveu o encontro, a escuta e a troca. Provocou olhar para si como protagonista da sua própria história de vida. Talvez tudo não passasse de um convite para uma experiência de parar e atentar-se para a percepção do olhar, do escutar e do sentir mais devagar. Uma experiência que, para Bondia (2002), requer
[...] parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, escutar mais devagar, parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, dar-se tempo e espaço (BONDIA, 2002, p. 24).
Desse modo, compactuando com a proposição de Bondia (2002) de que “o saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna”, trazemos a seguir fragmentos de depoimentos dos alunos registrados nos relatos de experiências.
As narrativas são como a estrada da vida, aquela reta que escolhemos seguir, mas em algum momento se alarga ou estreita, se ramifica, se expande em demasiados caminhos, para que possamos chegar ao fim e contar nossa história, com as poéticas dos movimentos, do nosso corpo, das construções imagéticas, das paisagens sonoras que nos circundam, das emoções, da minha autobiografia (O.N., 2019).
Ganhando mais vida, e mais relevância, quando colocados com outros objetos, podendo ser contada de forma conjunta, causando, assim, a fusão de novas histórias interagida entre si, passando de uma para a outra de forma sutil ligando as experiências, fazendo tornar se uma só história. Fenômeno vivenciado através da projeção de luz e sombra dos objetos, fazendo que com eles tomem forma mais ampliada e, assim, traçando a experiência vivida, fundindo objeto com objeto, história com história, objetos com experiências, experiências com histórias, experiência com experiência. Tendo como o produto final a narração contada de forma simbólica, entrelaçada com o que achamos, por muitas vezes, coisas insignificantes, que neste contexto passa a fazer parte da nossa história e experiência vivida através do objeto (C.R.S., 2019).
Essa dinâmica de narrar e ouvir os processos me auxiliou na compreensão daquela metodologia, bem como de seu potencial dentro dos processos de formação em Arte. De fato, esse exercício provocou uma diversidade de pequenas experimentações que se desenvolvidas, certamente podem vir a ser uma verdadeira e profunda investigação em Arte (G.C.O., 2019).
A mente, apesar das provocações estéticas e teóricas que o exercício traz, termina quieta e tranquila, como se houvesse ainda muito espaço para pensar naquela tarde, sem pressa. (J.S.M., 2019).
Esses relatos nos revelam a importância do saber da experiência sensível em um processo criativo que fortalece as narrativas autobiográficas no contexto de formação em arte.
A existência revelada numa perspectiva estética
Em nossa proposta, desenvolvemos um processo de criação como etapa da metodologia na disciplina descrita: “Narrativas de Si e Aprendizagem em Arte”, abordando conceitos e métodos desses diferentes campos, estabelecendo uma relação entre a narrativa de si e a aprendizagem em Arte.
Seguimos vivenciando (alunos e nós professoras), por alguns meses, experiências estéticas para buscar fios e tecidos sobre o vivido, para poder fazer delas matéria para a própria existência de ser artista-professor-pesquisador.
As experiências vividas no ateliê pelos alunos a partir de narrativas em imagens, com elementos pictóricos e com o corpo em movimento, amplificaram lembranças do vivido para compreender as práticas de si na existência revelada nessa perspectiva estética.
Ao reler os relatos de experiência dos alunos, deparamo-nos com muitas histórias. Histórias de paisagens imaginárias, o simples caminhar como alimento para um processo de criação, envolvendo elementos como as trilhas perseguidas, os cheiros da terra molhada, o tijolo encontrado, a maçã, a coragem que faltava para ser artista. São imagens capturadas de ontem e de hoje a partir das histórias de cada um para reafirmar que é no movimento de pensar e viver que o exercício autobiográfico de expressar o vivido vai se revelando, conferindo sentido para sua obra e a si mesmo, implementando uma fábrica de si “automedial” (DELORY-MOMBERGER, 2019), amplificando possibilidades nos modos de falar de si, utilizando-se de diferentes linguagens e materialidades expressivas.
Acompanhar esse grupo durante um semestre na sua experimentação estética e autobiográfica nos aponta que “a essencialidade reside em apontar como se pode dar forma e trazer à luz uma poética alojada nos sentimentos” (OSTETTO; KOLB-BERNARDES, 2015, p. 176). São sentimentos que perpassam o território da sala de aula, ultrapassam contornos e seguem navegando, às vezes, em águas ainda desconhecidas por nós. Nessa proposta, guiada pela concepção do ateliê biográfico, utilizamo-nos de outras linguagens e materialidades, sobretudo elementos da linguagem corporal e das artes plásticas. O corpo, o movimento, a luz, os objetos, as formas, as sombras, as sobreposições, a composição visual, corporal e sonora, foram utilizados para criar um espaço de narrativas estéticas e autobiográfica.
Finalizamos o semestre com esse grupo de alunos acreditando que o processo de formação vivido na disciplina proporcionou o reconhecimento do saber da experiência de cada um com possibilidade de empoderamento do sujeito, o que lhe permite a reafirmação da sua trajetória no campo da arte.