SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número53DIÁLOGOS ENTRE ARTE LITERÁRIA E ARTE VISUAL - LYGIA CLARK: LINHAS VIVAS, DIÁLOGOS POSSÍVEIS índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.53 São Paulo abr./jun 2020  Epub 31-Jan-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n53.16637 

Resenhas

MONTE, Domingas. A canção kongo e ovimbundu: tradições e identidades. Luanda: INICC, 2019. 140 p.

Alexandre António Timbane, Doutor em Linguística e Língua Portuguesa, Professor1 
http://orcid.org/0000-0002-2061-9391

1Doutor em Linguística e Língua Portuguesa, Professor da Universidade de Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB/Bahia) São Francisco do Conde (BA), Brasil

MONTE, Domingas. A canção kongo e ovimbundu, : tradições e identidades. Luanda: INICC, 2019. p. 140


O livro em resenha é, sem dúvidas, uma bibliografia de referência para os estudos socioculturais dos povos africanos, para além de ser um registro escrito de tradições que ao longo dos séculos vêm se apagando devido ao caráter oral na qual os conhecimentos são transmitidos. É um livro feito com capa dura de qualidade e com informações necessárias para convidar o leitor. A autora convidou para o prefácio o Professor Doutor Petelo Nginamau Ne-Tave, da Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto, que abriu caminhos para a compreensão da presente obra.

A autora divide a obra em duas partes. Essas partes estão postas de forma coerente e coesa, tanto na forma como nos debates que dialogam de forma harmônica usando uma linguagem acadêmica e respeitando os termos peculiares dos povos kongo e ovimbundu. O grande mérito deste livro é o uso de estrangeirismos lexicais de línguas bantu como uma forma de respeitar os significados semânticos que essas unidades lexicais carregam junto das línguas autóctones. Em muitos momentos, as palavras são insubstituíveis, daí a existência de empréstimos linguísticos em qualquer língua em uso.

A primeira parte intitulada “a tradição oral nas sociedades africanas: contextualização das culturas kongo e o ovimbumdu” apresenta 4 subseções, sendo que, na primeira, a autora descreve as relações entre as tradições orais dos povos kongo e ovimbumdu e as culturas, assim como a relevância da transmissão e preservação dessas práticas, buscando sustentação teórica em Zumthor (1997), Bâ (1982) e Altuna (2006) para demonstrar a necessidade urgente da preservação da “memória coletiva” por forma a que não se perca as identidades desses povos. Nesta perspectiva, ela chama atenção aos mais velhos para tomar suas responsabilidades de ser a fonte de conhecimentos. A canção, a literatura oral, os jogos, as brincadeiras, as cerimônias tradicionais são algumas das práticas que devem ser preservadas por estarem ligadas à cultura.

A subseção seguinte faz uma descrição dos grupos étnicolinguísticos de Angola, dando maior ênfase para os grupos Kongo e Ovimbumdu que constituíram objeto de estudo. Nessa subseção, os mapas da localização geográfica desses povos fazem com que o leitor viaje virtualmente para a realidade cultural compreendendo as línguas daqueles povos e suas variantes, os seus hábitos alimentares e as características identitárias. Seguidamente, a autora abre uma subseção onde estabelece a relação entre o poder da palavra e dos líderes locais, os chamados “mestres da palavra”. Esses “mestres” funcionam como um poder local e têm responsabilidades para preservar as tradições e a sobrevivência da etnia. Os ritos de iniciação, de puberdade, de casamento, de nascimento e fúnebres são orientados e supervisionados pelos “mestres” (conhecedores da tradição dos povos). São eles que em algum momento podem assumir as tarefas de orador, de mediador de conflitos, de juízes, de conselheiros ou assumir outras tarefas da socialização. Em todas estas práticas, a canção acompanha os rituais atribuindo valores socioculturais.

A última subseção da primeira parte do livro revela como a canção carrega elementos da performance que vão desde a voz, ritmo, a dança, o gingado, os instrumentos que tornam a canção mais significativa, para além das roupas usadas pelo grupo que canta. A autora tem o cuidado de apresentar a letra das músicas originais seguidas da interpretação em português, porque, na realidade, é quase impossível traduzir a canção de uma língua para outra, devido a elementos abstratos que circulam em volta da cultura. Há canção para cada atividade social: canção para caça, para ritos, para pesca, louvores até as secretas.

A segunda parte do livro, “Estudo das canções Kongo e Ovimbundu”, subdivide-se em três subseções: a primeira subseção fala das canções que são utilizadas em festas das etnias Kongo e Ovimbundu. A autora faz uma descrição sobre as características das canções e o tipo de canção para cada situação da vida em sociedade: canção de celebração de nascimento, de casamento tradicional, de celebração da natureza, de alegria, de educação dos filhos, de aconselhamento, satíricos e cômicos. Domingas Monte tem o cuidado de trazer algumas fotos para que o leitor tenha ideia sobre como as mulheres se vestem. Na segunda subseção, a autora apresenta canções de óbito nas etnias Bakongo e Ouvimbundu, descrevendo a importância dessas canções para o ritual e os elementos socioculturais que elas carregam. Nesta subseção, a autora coloca o papel das mulheres nessas práticas tradicionais no canto e na dança que é acompanhado de batuque, do chocalho e de palmas. As seis canções apresentadas mostram ao leitor como a canção de óbito é um instrumento de conforto para a família enlutada, mas também de esperança na continuidade da vida. Na terceira e última subseção, a obra faz uma análise comparativa das canções Kongo e Ovimbundu mostrando que dentro da canção existem elementos socioculturais muito profundos que desempenham funções importantes na sociedade.

A obra termina sublinhando que a canção nas duas etnias é um “canal poderoso de transmissão, conservação e perpetuação da tradição secular” (p.90) da cultura. A função das canções é de formar, informar, educar, orientar ou mesmo consolidar conhecimentos adquiridos no grupo por meio da oralidade.

Os anexos do livro colecionam as letras das diversas canções das duas etnias estudadas, permitindo que o leitor leia e observe os elementos descritos nos debates realizados ao longo das 96 páginas.

Recomendo vivamente a leitura desta obra para que possamos conhecer a cultura dos povos Bakongo e Ovinbumdo por meio das canções. É um momento de descobrir como a cultura de um povo pode ser expressa por meio da estratégia expressiva do canto acompanhado de instrumentos tradicionais que acompanham as identidades do povo.

Referências

MONTE, Domingas. A canção kongo e ovimbundu: tradições e identidades. Luanda: INICC, 2019. 140 p. [ Links ]

Recebido: 22 de Fevereiro de 2020; Aceito: 26 de Junho de 2020

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons.