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Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.54 São Paulo jul./sept 2020  Epub 03-Feb-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n54.18404 

Dossiê 54 - Decolonialidade e geopolítica do conhecimento

Apresentação

Manuel Tavares, Doutorado em FILOSOFIA, Professor1 
http://orcid.org/0000-0003-2463-7383

1Doutorado em FILOSOFIA, Universidade de Sevilha, US, Professor na Universidade Nove de Julho (UNINOVE), Programa de pós-graduação em Educação (PPGE)


O dossiê incluído neste número de EccoS, Revista Científica, sobre decolonialidade e geopolítica do conhecimento, surge da necessidade de ampliar as discussões acadêmicas sobre a problemática da decolonialidade, como forma de militância e projeto político, tendo em vista a construção de uma outra geopolítica do conhecimento. A uma geopolítica monoparadigmática, propomos a construção de uma geopolítica pluriparadigmática, que inclua a riqueza da diversidade de saberes que existem no mundo. Este dossiê é de iniciativa da linha de pesquisa Políticas Educacionais, do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Nove de Julho (UNINOVE). A referida linha de pesquisa, com os grupos de pesquisa que a constituem, tem-se dedicado ao estudo e ao debate do pensamento latino-americano, do que têm resultado análises e reflexões de cunho epistemológico e político-educacional que, de um lado, consubstanciam críticas às modalidades hegemônicas do pensamento colonial na cultura e nos modelos epistemológicos em que se fundamentam os sistemas educativos do continente americano e, de outro, avançam posições nativas buscando implementar a criatividade, a originalidade e a autonomia dos modos de pensar e ser locais/regionais. Partem da premissa de que a superação da situação de alienação cultural e epistêmica em que vivem as sociedades ainda colonizadas é condição sine qua non para a emancipação de suas populações. Isso exige a crítica à dominação, não só política e econômica, mas também à dominação cultural, causadora do silenciamento das racionalidades locais mediante um processo de epistemicídio que inibiu o pleno exercício de sua capacidade de criação em todas as dimensões da produção simbólica. O processo colonizador, ao lado de sua condição hegemônica nos âmbitos econômico e político, impôs às sociedades conquistadas a sua própria expressão cultural, desqualificando, sufocando, reprimindo e até mesmo destruindo as manifestações das culturas locais/regionais. Foi o que ocorreu com a colonização na América Latina, na África e na Ásia, ao longo dos últimos séculos.

Depois de tantos séculos de colonização externa e interna, as populações locais vêm-se conscientizando e tomando decisões no sentido de se libertarem, igualmente, desse monoculturalismo e etnocentrismo europeus, de afirmarem suas próprias criações culturais. Os povos colonizados dão-se conta da alienação de sua condição e se conscientizam da sua posição de subjugação histórica e subalternidade, questionando e reivindicando o seu direito à existência e à afirmação das suas culturas, dos seus saberes, das suas memórias e dos seus imaginários. Redinamizam suas experiências de agir, de pensar e de sentir e cobram seu direito de ser, nesse passo afrontando e dessacralizando o paradigma hegemônico que tem sufocado todos os seus direitos e as suas formas de manifestação.

O projeto decolonialidade, enquanto proposta política e compromisso com os povos colonizados e silenciados ao longo da história e com a riqueza das suas culturas, visa contribuir para o aprofundamento e ampliação do processo de libertação de todas as formas de colonialidade (epistémica, ontológica, étnica, das mentes, social e política), aprisionantes e alienantes. Conferir dignidade epistémica aos saberes fronteiriços, surgidos nos entre-lugares das sociedades colonizadas e reconhecer o direito a ser dos respectivos povos, é mais do que um compromisso político, é uma obrigação ética. Ligada ao projeto decolonialidade está a Interculturalidade a ser entendida como uma postura que vai além da aceitação tolerante e da convivência passiva entre culturas diferentes, que avança, conscientemente, para uma interação intencionada, a partir da identidade de cada uma, sem isolar-se sobre si mesmas. A perspectiva intercultural e decolonial ganha, em primeiro lugar, espaços de discussão no mundo académico e também no âmbito dos movimentos sociais de insurgência e resistência a uma globalização neoliberal que pretende uniformizar os povos, as diferenças e o pensamento sob um único modelo cultural. O projeto decolonial e intercultural repudia todas as formas de hierarquização epistémica que, derivada de um pretenso sucesso econômico e de uma suposta superioridade da cultura ocidental, invade e inibe o plano da criação simbólica latino-americana. É nesta nova perspectiva que pretendemos formar as novas gerações e é essa a nossa responsabilidade perante o futuro, um futuro extemporâneo, tendo em vista a construção de sociedades mais justas, mais solidárias e menos desiguais.

A diversidade de propostas de reflexão aqui apresentadas, provenientes das diversas regiões brasileiras e também do exterior, revela a importância que o mundo acadêmico atribui à temática.

Práticas decoloniais em educação a partir de uma Educação Centrada em Estudantes, de Juliana Crespo Lopes, Fernanda Fochi Nogueira Insfran & Lúcia Helena Cavasin Zabotto Pulino, é o primeiro artigo do presente dossiê. As autoras propõem traçar possibilidades de uma releitura latino-americana decolonial das teorias e posturas educacionais fundamentadas na Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), entendendo esta como proposta para uma educação decolonial ou que, pelo menos, colaboraria para práticas decoloniais em educação.

O segundo texto, Novos desafios para uma geopolítica do conhecimento. O caso do Espaço Europeu de Educação Superior (EEES) e a metodologia de Aprendizagem-Serviço como recurso, M. Carmen Villarino Pardo é uma reflexão sobre o Espaço Europeu da Educação Superior (EEES) e sobre uma nova visão do processo de ensino e aprendizagem, com repercussões no nível da planificação, da(s) prática(s) docente(s) e dos modelos hegemônicos. O objetivo traçado pela autora é a elaboração de um projeto de possível aplicação da metodologia de Aprendizagem-Serviço, no âmbito da Universidade de Santiago de Compostela, partindo da hipótese de que se trata de uma ferramenta de utilidade social e inclusão cultural em âmbitos pedagógicos diversos.

Sentidos sociais para a educação brasileira a partir do pensamento decolonial, de Adriana Santiago Rosa Dantas é o terceiro artigo. O estudo apresenta os sentidos sociais da educação formal, na perspectiva decolonial, a partir do conceito de colonialidade do poder, propondo uma atualização do conceito para o contexto brasileiro. Essa atualização implica, segundo a autora, pensar a educação brasileira considerando as questões raciais como estruturantes das desigualdades sociais desde o tempo da Colônia.

O quarto artigo, de Márcia Alves da Silva incide sobre o Pensamento decolonial feminista do Sul: uma experiência de educação popular a partir de trajetórias de vida de mulheres assentadas do MST. O texto é o resultado de uma pesquisa realizada com um grupo de mulheres camponesas assentadas do Sul do Brasil, participantes do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), que busca contribuir para um processo de emancipação das mulheres envolvidas, por meio da implementação de cursos de artesanato com o grupo.

O quinto artigo, de Renata Meira Veras, versa sobre A democratização do acesso ao ensino superior no Brasil é um instrumento de justiça social? Possibilidades e desafios na formação de professores. O texto tem por objetivo explorar os significados atribuídos pelos estudantes à experiência de estar no ensino superior, evidenciando os desafios da justiça social nesse processo inclusivo. Mais de 50% dos estudantes participantes do estudo (74) possuem renda familiar menor ou igual a 1,5 salários mínimos, a maioria é negra e estudou em escola pública. A autora destaca a importância das ações afirmativas no processo de democratização ao acesso do ensino superior no Brasil, principalmente nos cursos de formação inicial de professores que possui grande representatividade das classes menos favorecidas.

O sexto artigo, Educação escolar diferenciada, formação de professores indígenas e currículo, de Alcioni da Silva Monteiro e Suely Aparecida do Nascimento Mascarenhas, é o resultado de uma pesquisa bibliográfica e tem por objetivo analisar as temáticas da educação diferenciada, formação de professores e currículo, no contexto da Educação intercultural e específica a ser ofertada às diferentes etnias do Brasil.

O sétimo artigo, de Kellyane Lisboa Ramos, Eulina Maria Leite Nogueira & Zilda Gláucia Elias Franco é um estudo sobre A interculturalidade crítica como alternativa para uma educação crítica e decolonial. O objetivo é explicitar, com base em uma abordagem de pesquisa bibliográfica e crítica, a construção do termo intercultural e sua importância para uma educação crítica e decolonial. Tendo em consideração as diversas discussões sobre a diversidade cultural, torna-se necessário decolonizar a formação inicial de professores, de modo a que possam construir uma prática docente que contribua para um ensino crítico e emancipador em relação às questões culturais da diversidade.

Finalmente, o artigo de Júlia Figueredo Benzaquen, incide sobre Política e formação continuada de educadores: um olhar para a docência universitária a partir da decolonialidade da educação. O artigo analisa a percepção de docentes universitários sobre práticas de formação continuada de professores da educação básica. Refletindo a respeito das suas ações enquanto formadores nestes cursos, os docentes do ensino superior revelam que os cursos de formação de professores da educação básica são espaços privilegiados para se pensar formas de descolonizar o ensino.

Acreditamos que o dossiê que se apresenta contribuirá para uma apropriação crítica dos conceitos trabalhados, possibilitando a construção de outras formas discursivas, práticas pedagógicas decoloniais e, simultaneamente, a criação de espaços institucionais de discussão e reflexão que ampliem as possibilidades emancipatórias e contribuam para a decolonialidade do poder, das mentes, do ser e do saber.

Linha de Políticas Educacionais

PPGE- UNINOVE

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