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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.64 São Paulo  2023  Epub 12-Fev-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n64.21810 

Artigos

REFORMAS NO FINANCIAMENTO DO ENSINO SUPERIOR EM MOÇAMBIQUE: DO FINANCIAMENTO PÚBLICO À PARTILHA DE CUSTOS

HIGHER EDUCATION FUNDING REFORMS IN MOZAMBIQUE: FROM PUBLIC FUNDING TO COST SHARING

REFORMAS EN EL FINANCIAMIENTO DE LA EDUCACIÓN SUPERIOR EN MOZAMBIQUE: DEL FINANCIAMIENTO PÚBLICO A LA REPARTICIÓN DE COSTES

José Amilton Joaquim, Doutor em Sociologia Econômica e das Organizações1 
http://orcid.org/0000-0003-2574-2644

Luísa Cerdeira, Doutora em Ciência da Educação2 
http://orcid.org/0000-0002-2217-7822

Belmiro Gil Cabrito, Doutor em Ciências de Educação3 
http://orcid.org/0000-0003-0420-5639

1Doutor em Sociologia Econômica e das Organizações, Faculdade de Educação da Universidade Eduardo Mondlane - FACED-UEM, Maputo - Moçambique

2Doutora em Ciência da Educação, Instituto de Educação da Universidade de Lisboa - IEUL, Lisboa - Portugal

3Doutor em Ciências de Educação, Instituto de Educação da Universidade de Lisboa - IEUL, Lisboa - Portugal


Resumo

O financiamento do ensino superior tem desafiado os governos de todos os países, e os desafios têm se mostrado ainda maiores para os países africanos. As mudanças de regimes políticos em Moçambique influenciaram os modelos de financiamento no ensino superior. A partir da análise documental e de dados empíricos, procura-se refletir sobre as características do financiamento público no período socialista, que culminaram na mudança para um financiamento partilhado (público e privado) no período de economia de mercado. Pode-se concluir que, apesar de a atual política de partilha de custos apresentar algumas marcas do período socialista, as perspectivas revelam que se pretende romper com esse modelo dual de financiamento para um modelo de cobrança de mensalidades por estudante. Isso remete a uma reflexão sobre que modelo seria ideal para o contexto social e econômico do país, de forma que sejam salvaguardadas as questões de acesso e equidade para a maioria das famílias moçambicanas.

Palavras-chaves acesso ao ensino superior; Moçambique; políticas de partilha de custos; reformas no financiamento de ensino superior.

Abstract

The higher education funding has been challenging all countries governments, and the challenges bare to be even greater for African countries. The changes in political regimes in Mozambique have influenced higher education funding models. From document analysis and empirical data, it aims to reflect upon public funding characteristics in the socialist period, that culminated in the shift to shared funding (public and private) in the market economy period. It can be concluded that, despite the current cost sharing policy presents some socialist period marks, the prospects reveal that the intention is to break with this dual funding model into a per-student tuition billing model. This leads to a reflection on which model would be ideal for the social and economic context of the country, so that access and equity issues are safeguarded for the majority of Mozambican families.

Keywords: cost sharing policies; higher education access; higher education funding reforms; Mozambique.

Resumen

El financiamiento de la educación superior ha sido un desafío para los gobiernos de todos los países, y los desafíos han sido aún mayores para los países africanos. Los cambios de regímenes políticos en Mozambique han influido en los modelos de financiamiento de la educación superior. A partir del análisis documental y de datos empíricos, se busca reflexionar sobre las características del financiamiento público en el período socialista, el paso al financiamiento compartido (público y privado) en el período de la economía de mercado. Se puede concluir que, si bien la actual política de repartición de costes presenta algunas marcas del período socialista, las perspectivas revelan que se pretende romper con este modelo dual de financiamiento por un modelo de cobro de mensualidades por alumno. Esto lleva a reflexionar sobre qué modelo sería ideal para el contexto social y económico del país, a fin de salvaguardar las cuestiones de acceso y equidad para la mayoría de las familias mozambiqueñas.

Palabras clave acceso a la educación superior; mozambique; políticas de repartición de costes; reformas en el financiamiento de la educación superior.

1 Introdução

Moçambique é um país localizado na costa sudeste da África, com um número total de população acima de 28 milhões de habitantes. O país alcançou a sua independência de Portugal em 1975 e, nos primeiros anos de independência, passou por uma guerra civil que durou 16 anos. O conflito armado terminou em 1992 e, com esse marco histórico em 1994, o país realizou as suas primeiras eleições multipartidárias.

Segundo os dados do Banco Mundial (THE WORLD BANK, 2022), cerca de dois terços da população moçambicana é meramente rural. O país possui recursos amplos de terra arável, água e energia, bem como recursos minerais e o recém-descoberto gás natural ao longo da costa, três portos marítimos de águas profundas e um potencial reserva relativamente elevada de mão de obra.

Em relação à educação, dados do Plano Estratégico da Educação (2020-2029) indicam que o Sistema Nacional de Educação (SNE) em Moçambique integra seis subsistemas: Pré-Escolar; Educação Geral; Educação de Adultos; Educação Profissional; Educação e Formação de Professores; e Ensino Superior (MOÇAMBIQUE, 2020).

O novo Plano Curricular do Ensino Primário, ao abrigo da Lei nº 18/2018 (MOÇAMBIQUE, 2018a), preconiza um ensino primário de seis classes, organizado em dois ciclos. O primeiro ciclo de 1ª a 3ª classe, e o segundo ciclo de 4ª a 6ª classe (MOÇAMBIQUE, 2003).

No âmbito das reformas do SNE e de forma a garantir o acesso que foi comprometido no período da guerra civil, em 2005, foram abolidas as taxas de acesso direto à escola e, atualmente, a gratuidade do acesso vai até o 9º ano de escolaridade.

No concernente ao ensino superior, a história das Instituições de Ensino Superior (IES), desde a ascensão do país até a independência, apesar de algumas mudanças políticas, a adoção do socialismo e a mudança para a economia de mercado permitiram que o financiamento do ensino superior, que numa primeira fase era meramente público, passasse para um financiamento público e privado com a introdução de IES privadas e cobranças de mensalidades nas IES públicas.

Nesse último modelo de financiamento, questões relacionadas com a sustentabilidade para permitir o acesso, a equidade e a qualidade constituem motivos de debates e reflexões. Várias são as razões que levam a esse questionamento, uma vez que se começa a assistir a alguma limitação do próprio Estado em fazer face às despesas reais de formação de um estudante. Estas constatações têm aberto espaço para estudos, reflexões e propostas de modelos que sejam adequados, tendo em consideração as experiências internacionais de financiamento do ensino superior com intuito de reformar o modelo de financiamento vigente.

Este texto pretende refletir sobre as tendências de financiamento do ensino superior em Moçambique, tendo em conta a realidade do regime político pelo qual o país passou, desde o regime marxista leninista/socialista até a economia de mercado e as perspectivas de financiamento do ensino superior em face à realidade atual.

A estratégia metodológica para este estudo consistiu na análise de informação secundária proveniente de fontes escritas e documentais e de dados empíricos sobre o financiamento do ensino superior em Moçambique.

O artigo divide-se em seis partes, sendo a primeira a introdução. A segunda parte apresenta o financiamento público do ensino superior no período socialista, e a terceira aborda a mudança do financiamento público para o financiamento partilhado. A quarta parte trata do contexto do primeiro financiamento do Banco Mundial em Moçambique, e a quinta traz a análise da proposta de financiamento do ensino superior que se pretende adotar no país. Por fim, apresentam-se as considerações finais, tendo em conta os pontos em reflexão.

2 O financiamento do ensino superior no período da economia centralizada (socialismo)

Em Moçambique, à semelhança da maioria dos países africanos, o ensino superior surgiu no período colonial. Iniciou-se com a publicação do Decreto-lei nº 44.530/1962 (PORTUGAL, 1962), que criou os Estudos Gerais Universitários: uma extensão dos programas universitários portugueses para as colônias, que, para além de Moçambique, abrangeu também Angola (CHILUNDO, 2010; LANGA, 2013; MÁRIO et al., 2003; DIAS, 1998).

Desde 1962 até a independência do país, em 1975, o objetivo pelo qual a Universidade foi criada em Moçambique era servir principalmente os filhos de colonos portugueses e integrar alguns estudantes moçambicanos, considerados assimilados, em programas que pudessem efetivar a dominação colonial.

Após a independência de Moçambique, sob as políticas socialistas adotadas pelo governo moçambicano, iniciou-se um período de reestruturação do ensino superior, a começar pela designação da própria Universidade, que passou de Universidade Lourenço Marques para Universidade Eduardo Mondlane (UEM).

Mosca (1999), em seu livro intitulado A experiência socialista em Moçambique, refere que, naquela época,

[...] a economia do país assentava-se na quase-ausência da propriedade privada, pelo menos sobre os principais meios de produção, na direção da economia pelo plano que deveria cumprir os objetivos políticos e que substituiria o mercado na afetação dos recursos. (MOSCA, 1999, p. 83)

Dentre as várias realidades que caracterizavam o momento, com a nacionalização dos setores sociais como a saúde e a educação, o Estado consagrou-se como guardião da educação que fora recusada aos moçambicanos no tempo colonial, e o ensino foi caraterizado como sendo totalmente estatal ou público.

Essa política permitiu que, naquela fase até, como refere Dias (1998), antes de 1991, os estudantes fossem admitidos automaticamente em um curso universitário, e depois passassem a ser submetidos aos exames de admissão para o acesso às IES públicas.

Como resultado, mostram Mário et al. (2003) que a muito pouco candidatos potenciais foi negado o acesso ao ensino superior durante os anos socialistas, porque o número de graduados do ensino médio era muito pequeno.

O processo de expansão de ensino superior em Moçambique teve o seu início na década 1980, com a criação da então extinta Universidade Pedagógica (UP) em 1985, que tinha como vocação a formação de professores. Em 1986, foi criado o Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI), atual Universidade Joaquim Chissano, que surgiu a partir da fusão do ISRI e o Instituto Superior de Administração Pública, passando de uma Instituição de Ensino Superior para três instituições públicas.

Posteriormente, no período que marca a rotura com as políticas socialistas, em 1992, com os acordos gerais de paz em Moçambique, passou-se de uma economia centralizada para uma economia de mercado livre. Com essa mudança de orientação política e econômica, as implicações foram para além das políticas estratégicas educacionais, introduzindo um conjunto de instrumentos de regulação do ensino superior em particular.

Com base na introdução da Lei nº 1/1993 (MOÇAMBIQUE, 1993), revista em 2003 e, atualmente, Lei nº 27/2009, Lei do Ensino Superior (MOÇAMBIQUE, 2009), conseguiu-se que a década de 1990 fosse marcada pela abertura de muitas outras instituições não só na capital provincial Maputo, mas também nas duas maiores capitais provinciais: Beira e Nampula.

Para além das instituições públicas, a lei veio permitir que houvesse, conforme Beverwijk, 2005, p. 15, “[...] múltiplos fornecedores de ensino superior, incluindo a possibilidade de as instituições privadas participarem na oferta do mesmo ensino”, marcando, assim, a fase da liberalização, da democratização do ensino superior e da mudança no modelo de financiamento em que os estudantes e suas famílias são chamados a pagar pelo ensino superior.

Várias foram as razões que levaram o Estado moçambicano a abandonar as políticas marxistas-leninistas, dentre elas, a fragmentação do bloco soviético e o fato de as políticas econômicas e sociais da própria linha de organização e administração do Estado não apresentarem os resultados que se esperavam.

3 O financiamento do ensino superior no período da economia de mercado

Para contornar os resultados da máquina administrativa do Estado em face da política anterior, “[...] com a crise económica sem precedentes” (TAIMO, 2010, p. 130) com que o Estado moçambicano se deparava, Moçambique teve de recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Segundo o The World Bank (1998), tendo-se iniciado com o apoio para a estabilização econômica nos anos 1980, depois da reconstrução do país no pós-guerra civil, que durou 16 anos, esse apoio acabou por ser uma estratégia de um auxílio mais vasto no final dos anos 1990.

Assinalava-se, assim, a entrada de Moçambique em uma economia de mercado, deixando para trás uma política em que tudo era planeado ao nível central decorrente da política socialista. Nessa nova política, a lógica que se afigurava como o único caminho a ser adotado, mais para o neoliberalismo, em que o Estado emancipou para o privado quase todas as áreas sociais que estavam sob sua exclusiva tutela e atuação, trouxe mudanças nas políticas públicas e sociais em que o ensino superior estava inserido.

O desafio que se impunha, em vez de ser somente de acesso, como foi aquando da independência, passou a ser também de expansão e, para o efeito, o Estado contava com a proliferação de IES privadas. Conforme reconhece Chilundo (2010), as instituições privadas complementam o esforço do Estado em termos de geração de acesso ao ensino superior, embora com alcance limitado.

Para garantir que os desafios que se estabeleciam fossem acautelados e que o Estado pudesse desempenhar o seu papel de administrar melhor e legislar o ensino superior, sentiu-se a necessidade de haver um setor que pudesse coordenar, ao nível nacional, as atividades inerentes às IES sem colocar em causa a autonomia institucional delas. Assim, em janeiro de 2000, foi criado o Ministério do Ensino Superior, Ciência e Tecnologia, atualmente, Ministério de Ciência e Tecnologia e Ensino Superior.

Com aquele ministério, que marcou uma nova fase do ensino superior, para Beverwijk (2005), novas políticas foram introduzidas para enfrentar os problemas existentes, criando-se um ambiente favorável a novas oportunidades.

Conforme Rosário (2013), diferentemente do que havia no período do regime socialista, no período de economia de mercado, passou-se para uma lógica dos objetivos de um ensino superior que visava responder aos desafios do desenvolvimento do país, a partir do reforço à investigação e das mudanças na estrutura curricular dos cursos.

A expansão, que também constituía um dos desafios nesse período, foi acompanhada de vários erros considerados estratégicos, como tem sido referido por vários autores, como Mário et al. (2003), Beverwijk (2005), Taimo (2010), Matos e Mosca (2010) e Langa (2013): quer fossem as IES públicas, quer fossem privadas, abriram polos de ensino superior e cursos por outros pontos do país sem condições consideradas básicas, como o corpo docente, as infraestruturas adequadas e outras condições acadêmicas e científicas.

Indica Beverwijk (2005) que, ao mesmo tempo que se sentia a necessidade de expandir para atender a uma procura sem precedentes de acesso, à semelhança de outros países da África Subsariana, Moçambique não dispunha de recursos financeiros adequados, com consequentes impactos negativos nos recursos físicos e humanos.

Como consequência, configurou-se um ensino superior que, na maior parte dos casos, não possuía corpo docente formado, com poucos docentes em tempo integral, sem massa crítica para o debate e a investigação, com condições pedagógicas de funcionamento precárias, com projetos científicos e pedagógicos difusos, segundo Matos e Mosca (2010).

Para Fonteyne e Jongbloed (2018), essa situação é resultante da falta de ligação entre financiamento e resultados, o que cria uma conjuntura em que o governo exige às instituições que se expandam, sem financiar adequadamente a mesma expansão, fazendo com que o gasto por estudante diminua rapidamente e afete a qualidade do ensino superior.

Com a criação das IES privadas, uma das distinções importante em relação às IES públicas prende-se com a questão do financiamento. Segundo a Lei do Ensino Superior, em seu artigo 13 - Definição e Classificação -, enquanto as IES públicas têm o apoio direto da fonte principal de receita do orçamento de Estado, as privadas dependem das receitas advindas, em sua maioria, das mensalidades cobradas aos alunos (MOÇAMBIQUE, 2009).

As IES privadas foram abraçadas por várias entidades, como organizações privadas, nomeadamente, as empresas e as organizações religiosas, quer islâmicas, quer cristãs, e os partidos políticos, umas com fins lucrativos e outras nem por isso (LANGA, 2013). No entanto, o autor mostra que, pelos valores que se cobram de propinas, que variam de USD 100 a USD 300 por mês, se não mais, pode-se argumentar que todas elas têm fins lucrativos e tendem, quase todas, para uma lógica corporativa.

Os orçamentos anuais das IES privadas não são divulgados publicamente; essa lacuna é reconhecida pelas instituições que tutelam o ensino superior no país, que também têm alguma dificuldade em obter os dados e reconhecem constituir um desafio que deve ser ultrapassado.

Uma pesquisa realizada com os estudantes do ensino superior em Moçambique, revelou que as propinas pagas anualmente por eles nas IES privadas, rondam em 42.202.90 MT (USD 654)1 para o ensino Universitário e 56.700.00 MT (USD 879) para o ensino Politécnico, que corresponde a uma média anual de 49.451.00 MT (USD 767) (JOAQUIM, 2020).

Considerando este último valor da média anual das propinas e multiplicado pela média do número dos estudantes das IES privadas abrangidas pelo estudo, segundo uma amostra de 230 estudantes, pode-se inferir que as IES privadas têm um orçamento anual para a sua funcionalidade, em valores acima de 11.000.000.00 MT (USD 170.649), pois, nessa simulação, só foi tomado em consideração o número de estudantes do segundo e do terceiro ano.

Os custos altos para ter o acesso ao ensino superior vão tender a aumentar cada vez mais, principalmente porque o desafio que se impõe hoje, para além do acesso e da expansão, está relacionado com a qualidade. E a receita advinda das propinas, segundo Mosca (2009, p. 6),

[...] constitui um imperativo de sobrevivência económica para as instituições de ensino superior privada e ter qualidade implica aumento de custos para o acesso. E como se não bastasse, o custo alto do ensino a partir de propinas nem sempre está ao alcance da maioria das famílias Moçambicanas. Assim, como as IES privadas dependem da quantidade de alunos para a sua sobrevivência, as propinas passam a ser a factura de um título e não o pagamento do acesso à formação, numa clara alusão de falta de comprometimento com a qualidade ou um atentado com o mesmo.

A tendência para lucratividade, conforme Langa (2013), para além das IES privadas, também já se faz sentir, hoje, nas IES públicas, em que os programas de ensino pós-laboral custam, em termos de pagamento de propinas, quase o mesmo valor que nas instituições privadas.

As taxas de pagamento de propinas foram introduzidas nas IES públicas para o regime de pós-laboral, segundo Taimo (2010), a partir de um despacho do Ministério das Finanças em meados de 1980, que, para além disso, permitia que as IES passassem a cobrar pelos serviços de restauração e alojamentos dos estudantes. Simultaneamente, essas instituições começaram a introduzir algumas atividades que geravam rendimentos, como a formação e a consultoria.

Os estudantes do ensino superior, além das despesas de estudo, têm tido outras despesas de vida ou de subsistência. Segundo Joaquim (2020), as despesas dos estudantes, quer de estudo, quer de vida, durante o período em que frequentam o ensino superior (vide o Quadro 1 a seguir), ficam acima de 100, 000, 00 MT ao ano (USD 1.551), e superam os rendimentos das famílias moçambicanas a partir do PIB per capita, que ronda 31, 627, 00 MT (USD 500.44).

Quadro 1 Despesas totais anuais (de Educação e de Vida) por setor e tipo de ensino 

Despesas de Educação Totais (MT) Despesas correntes 12 meses (MT) Despesas totais anuais (Correntes + Educação) (MT)
Média Média Média
Universitário Público 15.534.04 67.445.46 82.979.51
Politécnico Público 21.993.4 56.773.16 78.766.56
Universitário Privado 50.102.89 102.549.4 152.652.29
Politécnico Privado 66.144.00 106.080.00 172.224.00
Total 28.232.25 75.946.09 104.178.34

Fonte: Adaptado de Joaquim, 2020.

Como se pode constatar, enquanto numa primeira fase a universidade era concebida como um serviço social e público, a fase em que procederam as políticas do socialismo começou a parecer mais uma oportunidade de negócio. Assistiu-se, a partir desse período, a tendência de um financiamento diferente: para além de os estudantes e suas famílias poderem coparticipar, as IES públicas passaram a buscar outras fontes privadas de financiamento a partir de consultorias e prestação de outros serviços, como forma de fazer face ao défice orçamental público.

Com essa transformação, passou a não haver uma priorização de ensino superior de qualidade, segundo Matos e Mosca (2010), e parece que tudo foi entregue e deixado à mercê do mercado. Para os autores, várias são as causas dessas constatações, dentre elas, o fato de o Estado não esclarecer sobre as áreas prioritárias de formação e investigação; as diferenças entre ensino superior universitário e politécnico; o financiamento do ensino e a disponibilidade de bolsas de estudo; a aplicação de uma carreira docente e de investigação, e a democraticidade das instituições, entre muitos aspetos.

Em função disso, sendo o Estado responsável por regularização, fiscalização e avaliação para a preservação da qualidade e, de forma geral, do funcionamento do próprio ensino, para salvaguardar as questões que se impunham mormente relacionadas com a qualidade do ensino, criou o Sistema Nacional de Avaliação, Acreditação e Garantia de Qualidade do Ensino Superior, por meio do Decreto nº 63/2007 (MOÇAMBIQUE, 2012a), que teria a função de zelar pelas últimas questões que se impunham (relevância e qualidade).

No entanto, a questão da qualidade remete sempre para a questão do financiamento, uma vez que a garantia de qualidade no ensino superior implica um investimento acrescido no mesmo ensino.

4 A primeira injeção financeira do Banco Mundial ao ensino superior em Moçambique

Para Brossard e Foko (2007, p. 15), “[...] o sector da educação no geral em África tem recebido em média, 21% do orçamento desde 1991 que supera os países em desenvolvimento fora da África com uma proporção de apenas 19%”. Por isso, o documento Reformes de l’enseignement superieur en Afrique: elements de cadrage justifica que o declínio do financiamento público por aluno nos últimos 15 anos deve-se mais ao aumento acentuado no número de alunos do que a uma prioridade insuficiente do orçamento público para o ensino superior nos países africanos (UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION, 2008).

Essa procura massiva pelo ensino superior começa a fazer-se sentir em Moçambique a partir, principalmente, do ano 2000. Para fazer face a essa situação, percebe-se, a partir do Plano Estratégico do Ensino Superior 2000-2010, referenciado por Chilundo (2010), a centralidade da necessidade de diversificar as fontes de financiamento no ensino superior.

É de referir que o mesmo plano estratégico mereceu o apoio e o interesse do Banco Mundial. Para Cerdeira (2008), o Banco Mundial, que faz parte das consideradas instituições da Bretton Woods, na sua atuação ao nível global, sempre pautara, numa primeira fase, por políticas monetaristas, financiando mais projetos de investimentos e não de consumo. No entanto, a partir de 1960, sob a influência da teoria de Capital Humano, o Banco Mundial abriu janelas de financiamento para setores sociais com um especial enfoque para a educação.

A autora refere que, a partir do Relatório Constructing knowledge Societies: new challenges for tertiary education (THE WORLD BANK, 2002), houve uma mudança de visão e de políticas do Banco Mundial para os países em desenvolvimento, em que se passou a dar maior primazia ao investimento no ensino superior (CERDEIRA, 2008).

Foi mesmo nesse período de 2002, dois anos depois da elaboração do Plano Estratégico do Ensino Superior 2000-2010, que Moçambique teve o primeiro financiamento do Banco Mundial para o desenvolvimento do ensino superior. Este financiamento reforçou ainda mais o debate sobre a mudança de paradigma no financiamento do ensino superior, mais para uma lógica mercantil do mesmo ensino.

Mosca (2022), num artigo sobre a possível retomada do FMI no apoio ao Orçamento do Estado em Moçambique depois de sete anos sem o fazer por causa das dívidas consideradas ocultas, afirma que o Banco Mundial e o FMI, antes de serem instituições financeiras, são instituições políticas com interesses próprios.

Segundo o autor, o condicionalismo, em todos os acordos feitos entre Moçambique e essas organizações internacionais, que duram já algumas décadas, foi sempre uma questão central, mormente nas questões macroeconômicas, de gestão do orçamento do estado, de estabilidade financeira e de reformas do mercado, com o sentido de privatizar o ensino (MOSCA, 2022).

Num dos relatórios do Banco Mundial sobre o diagnóstico da reforma de financiamento do ensino superior, leem-se as seguintes recomendações:

Quando o governo transfere custos para os estudantes, ele deve introduzir um sistema paralelo de assistência financeira para manter a acessibilidade e fornecer equidade. A seguir estão os cinco principais veículos dessa suplementação, ou mudança na partilha de custos: (a) introdução ou aumento substancial de propinas e taxas completas ou quase custos totais em sectores de ensino superior até então apoiados principalmente ou integralmente por receitas públicas, (b) introdução de subvenções e empréstimos, (c) encorajamento do ensino superior privado apoiado principalmente através de propinas, (d) o encorajamento de atividades empresariais por parte do corpo docente e/ou universidade e (e) o encorajamento da filantropia para doação, para operações e bolsas de estudos para estudantes. (WORLD BANK, 1988, p. 5, tradução nossa)

O documento mostra a necessidade de o Estado interferir menos no ensino superior, deixando-o à mercê do mercado. Esses paradigmas podem ser vislumbrados no projeto do Banco Mundial sobre o financiamento do ensino superior em Moçambique, nos objetivos da primeira componente, intitulada Reforma e desenvolvimento de todo o sistema, no ponto (v):

As atividades incluirão assistência técnica, pequenos trabalhos de reabilitação, treinamento, estudos e workshops para o desenvolvimento de: (i) novas estruturas reguladoras, fiscais e de prestação de contas; (ii) novos métodos e programas pedagógicos de ensino; (iii) o uso do TIC no ensino superior; (iv) um sistema de acreditação; (v) fontes novas ou alternativas de financiamento; e (vi) prevenção e apoio de HIV para os estudantes. (THE WORLD BANK, 2002, p. 10, tradução nossa)

No mesmo relatório do Banco Mundial, consta um subprojeto que constituía uma inovação no financiamento do ensino superior em Moçambique a partir dos fundos competitivos, quer fosse para IES públicas, quer fosse para privadas, no projeto intitulado Mecanismo de Melhoria da Qualidade e Inovação, com a sigla em inglês QUIF (THE WORLD BANK, 2002).

O projeto inovador tinha como objetivo conceder apoio a programas de desenvolvimento institucionais a partir de doações competitivas ou empréstimos reembolsáveis, quer às instituições públicas, quer às privadas, para permitir o aprimoramento e a capacitação de pessoal (por meio de bolsas e outros treinamentos para docentes e gestores) e inovações para melhorar a qualidade e a eficiência dos programas existentes (por meio do desenvolvimento de currículo, do fornecimento de equipamentos e materiais didáticos, etc.).

Na área de apoio aos estudantes, o projeto que contemplava três áreas de ação, no terceiro e último ponto, apresentava o subprojeto de bolsas de estudos provinciais com uma verba correspondente a 2.6% do valor total, conforme o Quadro 2, a seguir.

Quadro 2 As componentes do projeto de desenvolvimento do ensino superior em Moçambique 

Componentes Custos indicativos
(US$)
% Total Financiamento bancário
(US$)
% do Financiamento bancário
1. Reforma e desenvolvimento em todo o sistema 7.17 10.1 6.09 10.2
2. Investimento e desenvolvimento institucional 62.10 87.3 52.06 86.8
3. Bolsas provinciais 1.85 2.6 1.85 3.1
Custo total do projeto 71.12 100 60.00 100.0
Total do financiamento necessário 71.12 100 60.00 100.0

Fonte: Adaptado de The World Bank, 2002.

Passados três anos após a implementação do projeto do Banco Mundial, em 2005, a partir do Ministério do Ensino Superior, Ciência e Tecnologia, dando continuidade com a expansão de IES públicas pelo país, e ao abrigo do Decreto nº 30/2005 (MOÇAMBIQUE, 2005), o governo abriu os primeiros Institutos Superiores Politécnicos (ISPs) públicos em três províncias, dois ISP´s na região centro de Moçambique, nas províncias de Manica e Tete, e um na região sul, na província de Gaza, tendo em atenção as potencialidades que caracterizam cada uma das províncias, nomeadamente em termos de recursos naturais, minerais e agrários.

Os institutos de ensino superior abertos, para além de serem diferentes em termos de estilo de ensino, politécnicos, com mais aulas práticas, dissemelhantes do ensino tradicional universitário, apresentavam também diferenças nos requisitos para o acesso, feito a partir de pagamento de mensalidades nos dois períodos: laboral e pós-laboral.

A justificação para o efeito está assente no fato de os ISPs apresentarem uma filosofia de ensino que requer mais recursos por causa das aulas práticas. Vale salientar que o valor cobrado de propinas mensais, que são fixadas pelo ministério que tutela o ensino superior, é considerado simbólico, correspondente a quase 40 USD mensais.

No entanto, a realidade tem contrariado o simbolismo dos valores cobrados, pois os ISPs têm tido algumas dificuldades em cobrar essas mensalidades, por um lado, pelas condições sociais de muitos dos estudantes que têm optado pelo mesmo sistema de ensino e, por outro lado, pelo fato de os estudantes ainda não terem incorporado essa nova realidade de comparticipação que acontece em algumas IES públicas.

A resistência dos estudantes em pagar mensalidades nas IES públicas leva os gestores dos ISPs a encontrem diversas medidas de coerção que obriguem aos estudantes a pagá-las. Essa resistência ficou ainda mais notória nos últimos tempos, com a pandemia da COVID-19, que obrigou o próprio Estado a proibir a cobrança forçada das propinas nessas IES.

Atualmente, em Moçambique, há uma dualidade de financiamento no ensino superior, com uma tendência mais para a lógica de mercado, pela existência de mais instituições privadas do que públicas, 34 e 22, respectivamente. Todavia, as IES públicas continuam sendo as que têm maior número de estudantes matriculados, conforme o Quadro 3, a seguir, pelo número maior de cursos que oferecem em relação às IES privadas.

Quadro 3 Número de estudantes por tipo de instituição, matriculados e graduados em 2020 

Tipo de IES Estudantes Matriculados Graduados
Homem Mulher Total Homem Mulher Total
Público 76559 56276 132835 3641 2918 6559
Privado 46984 53686 100670 5409 5869 11278
Total 123543 109962 233505 9050 8787 17837

Fonte: Adaptado de Moçambique, 2021.

Em termos de financiamento indireto, a partir de apoio social aos estudantes, a Lei do Ensino Superior, em seu artigo 5º, sobre as bolsas de estudos, refere: “Para permitir a frequência do ensino superior e para atenuar os efeitos discriminatórios decorrentes de desigualdades económicas e sociais, o Estado garante bolsas de estudo com quotas pré-estabelecidas e outras formas de apoio” (MOÇAMBIQUE, 2009, p. 3).

No entanto, os dados do Ministério de Ciências e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional (MOÇAMBIQUE, 2018b) mostram que a bolsa de estudo é o único meio de apoio social concedido aos estudantes do ensino superior e que tem sido disponibilizado, por um lado, diretamente para as instituições públicas do ensino superior e, por outro, a partir das bolsas de estudo provinciais geridas pelo Instituto de Bolsas de Moçambique, que podem ser acedidas pelos estudantes do ensino superior público e privado.

5 Perspectivas de financiamento do ensino superior em função do financiamento atual

Não obstante algumas reflexões apresentadas anteriormente, relacionadas com as mudanças no financiamento do ensino superior em Moçambique e as suas consequências para o acesso dos estudantes, principalmente no período da economia de mercado, alguns trabalhos têm sido levados a cabo, e algumas propostas apresentadas para o efeito.

Nas estratégias referentes ao financiamento no antigo Plano Estratégico do Ensino Superior 2012-2020, logo no primeiro ponto, lê-se: “Aprovar uma estratégia de financiamento das IES que assegure a redução, ao Estado, dos custos unitários de formação do graduado” (MOÇAMBIQUE, 2012b, p. 47).

Nessa senda, conforme Cabrito (2004, p. 980),

[...] o diferenciar as proveniências de financiamento surge, para as instituições de ensino superior, como o último “mandamento” dos governos liberais e significa buscar fundos para além dos públicos, seja por meio da venda/prestação de serviços, da investigação “vocacionada” para o mercado ou do aumento das contribuições dos estudantes.

Assim, o plano estratégico, em função de alguns estudos feitos, propõe o seguinte modelo de financiamento composto por três mecanismos:

(i) financiamento de base - financiamento direto que visa assegurar o funcionamento corrente das IES, (ii) financiamento institucional - financiamento direto, baseado em projetos competitivos de investigação e afins, e (iii) financiamento dos estudantes - financiamento indireto através de bolsas de estudo e propinas dos estudantes. (MOÇAMBIQUE, 2012b, p. 45)

A propósito, explica Chilundo (2010) que, no financiamento de base, o Estado financia com 30% a 60% as IES públicas. Já no financiamento institucional - um fundo mais competitivo -, financia com 10%, com maior prioridade para as instituições públicas e de forma condicional às privadas.

O primeiro financiamento seria determinado pelos fatores de custos dos programas de cada instituição e pelo fator de desempenho em termos de taxa de rendimento e taxas de graduação. Já no modelo indireto, que prevê um financiamento em 50%, as IES, públicas ou privadas, teriam que concorrer para obtê-lo.

Para a materialização do previsto no plano estratégico, a proposta organizada pelo Ministério de Educação (MOÇAMBIQUE, 2013), referente ao financiamento do ensino superior, prevê a introdução de propinas em todas as instituições de ensino e em todos os períodos em que elas não eram cobradas.

Nesse novo modelo de partilha de custos que está sendo proposto, como explicam Fonteyne e Jongbloed no relatório sobre a implementação da estratégia para a reforma financeira do ensino superior em Moçambique,

[...] a proposta de partilha de custos seria introduzida de forma progressiva, iria começar de forma baixa e aumentando a base de partilha de custos ao longo do tempo. Inicialmente foram determinados 500 USD como uma base razoável para a partilha de custos. Isso significa que, do total de gastos médios por aluno, o governo financiaria 2.000 dólares para todos, e colocaria os 500 dólares restantes como base para dividir os custos em um grau baseado na segmentação socioeconômica. (FONTEYNE; JONGBLOED 2018, p. 81)

Na proposta, pode-se ler que o modelo de financiamento que está sendo sugerido, de propinas pagas por pessoa, diferente do modelo atual, que é de duas vias (dual treck) em todas as IES públicas, irá permitir corrigir os atuais desequilíbrios financeiros no ensino superior, na medida em que se espera uma maior comparticipação dos beneficiários diretos (estudantes e suas famílias) de acordo com as suas condições sociais e econômicas, e incentiva as IES a atraírem mais recursos para si por via de melhoria da qualidade e do desempenho.

Dessa proposta de financiamento, percebe-se a ênfase aos benefícios privados da formação no ensino superior, defendidos ao nível da teoria do Capital Humano, e em nenhum momento se faz menção aos benefícios públicos advindos da mesma formação. Entretanto, existem muitos benefícios públicos para a sociedade mais educada, conforme Bloom et al. (2014). E deve ser levado em conta que eles tenham alguma ponderação nas propostas de valores de propinas e outros custos a serem cobrados aos estudantes.

Na mesma proposta, o apoio social aos estudantes está dividido em apoio a partir de pagamento de propinas, que variam de 25% a 100%, e apoio de subsistência. Contudo, em face a essas perspectivas de financiamento do ensino superior e tendo em conta que pesquisas têm evidenciado gastos enormes por parte dos estudantes, que não são tomados em consideração nas propostas que estão sendo discutidas, segue uma questão. De quanto é que vai ser o aumento da comparticipação das famílias moçambicanas para verem os seus filhos a continuar com os seus estudos no ensino superior?

Quando faz menção aos dilemas financeiros no cenário do ensino superior internacional, Johnstone (2015, p. 23) refere que “[...] há pressões financeiras sobre estudantes e famílias à medida que os governos se voltam cada vez mais para propinas para complementar receitas governamentais inadequadas”.

Zeleza (2016) reconhece que, no geral, a partilha de custos tendia a ser mais aceita em países que adotavam formas agressivas de capitalismo de livre mercado, com um setor privado de educação que cobrava altas taxas de frequência ao ensino superior, em oposição aos países ligados às políticas do Estado de bem-estar social, em que o setor de ensino superior era predominantemente público ou as taxas de matrícula eram baixas.

Assim, enfatiza-se que, quando se pensa na capacidade para pagar pela educação e garantir a acessibilidade financeira, segundo clarifica o estudo realizado em Angola, financiado pelo Banco Africano de Desenvolvimento sob a adjudicação da agência de consultoria e desenvolvimento, com a sigla CESO, é preciso ter informação de quais são os gastos reais com os estudantes em diversas áreas e diversos domínios do ensino superior. De forma a não se correr o risco de recuos, segundo Ogachi (2011), que se manifestam a partir da privatização, da competição de mercado, da retirada da engenharia social e da proliferação de mercados, mesmo em setores sociais como saúde e educação, reveladores das características neoliberais.

E para além do fator custo do ensino superior, Cerdeira (2017) acrescenta ser necessário compreender as razões que estão por detrás das diferenças de custos, que podem ser de diversa ordem: geográfica, de acessibilidade urbana e rural; do nível de formação e contrato do corpo docente; do impacto e da relevância das IES na comunidade inserida; de estrutura e carreira do corpo técnico administrativo; da dimensão da instituição de ensino; das infraestruturas, dos meios didáticos e dos equipamentos; da organização e do grau de eficiência; e do público estudantil.

6 Considerações finais

O financiamento do ensino superior em Moçambique no período pós-independência, a partir de 1975, era meramente público, com a introdução do modelo político socialista. Os primeiros indícios de um financiamento privado começaram com a abertura das IES privadas ao abrigo da primeira Lei do Ensino Superior, Lei nº 1/1993 (MOÇAMBIQUE, 1993). Posteriormente, houve um segundo estágio, em que as propinas começaram a ser cobradas no período pós-laboral nas IES públicas.

O processo de partilha de custos no financiamento do ensino superior culminou com a abertura dos ISPs públicos, com a qual se passou a cobrar propinas nos dois períodos, quer no laboral, quer no pós-laboral, para além dos serviços de consultorias, no âmbito da autonomia que fora concedida no período que procede ao socialismo no país.

Com as propinas cobradas em algumas das instituições públicas e em todas as privadas, fica clara a comparticipação dos estudantes e de suas famílias no financiamento da educação nas IES, havendo, assim, uma dualidade de financiamento público e privado.

O período socialista que procedeu à independência do país foi muito curto, de 1975 a 1984. No entanto, foi muito marcante para diversos domínios sociais políticos. Como resultado disso, volvidos mais de 30 anos, pode-se constatar que ainda persistem algumas características de financiamento do ensino superior daquele período, pelo fato de não se cobrarem ainda propinas em algumas IES públicas. Como tem sido constatado por Johnstone (2015), quando diz que os países que sofreram a influência do socialismo a partir da antiga União Soviética tendem a ser menos agressivos em termos de políticas de financiamento do ensino superior que estejam totalmente viradas para o mercado, ao contrário de países que optam pelas políticas capitalistas mais agressivas.

Contudo, a política de financiamento com uma tendência mercantilista e corporativa a partir de partilha de custos em Moçambique tem acontecido mesmo que de forma lenta e com um certo estágio de evolução que pode ser ainda mais crítico com a introdução de propostas que estão sendo preparadas para sua implementação. Chama-se, pois, a atenção para a necessidade de uma reflexão mais efetiva sobre políticas de financiamento do ensino superior que estejam em consentâneo com o contexto social e econômico da maioria das famílias moçambicanas, que venham a permitir o acesso e a equidade, de forma que elas consigam pôr os seus filhos a prosseguir nos estudos ao nível do ensino superior.

1As conversões da moeda moçambicana Metical para o Dólar Americano, USD, foram feitas a partir do conversor on-line em www.oanda.com no dia 21 de dezembro de 2022, às 11:39 horas de Moçambique.

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Recebido: 14 de Março de 2022; Aceito: 23 de Dezembro de 2022

Editor Chefe: Prof. Dr. José Eustáquio Romão

Editora Científica: Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista

Editora Científica: Profa. Dra. Marcia Fusaro

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