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Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.64 São Paulo  2023  Epub 12-Feb-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n64.22717 

Artigos

A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO COMO CAMPO DE PESQUISA NO BRASIL: UMA HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

THE HISTORY OF EDUCATION AS A RESEARCH FIELD IN BRAZIL: A HISTORIOGRAPHY OF BRAZILIAN EDUCATION

LA HISTORIA DE LA EDUCACIÓN COMO CAMPO DE INVESTIGACIÓN EN BRASIL: UNA HISTORIOGRAFÍA DE LA EDUCACIÓN BRASILEÑA

Aleksandra Nogueira de Oliveira Fernandes, Mestra em Educação1 
http://orcid.org/0000-0002-6625-7963

Stenio de Brito Fernandes, Mestre em Educação2 
http://orcid.org/0000-0001-6300-9561

Marlúcia Menezes de Paiva, Doutora em Educação3 
http://orcid.org/0000-0002-1123-342X

1Mestra em Educação, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte - IFRN. Mossoró, Rio Grande do Norte, Brasil.

2Mestre em Educação, Secretaria da Educação, da Cultura, do Esporte e do Lazer - SEEC/RN. Mossoró, Rio Grande do Norte, Brasil.

3Doutora em Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC. Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN


Resumo

O estudo tem como objetivo analisar a constituição da História da Educação como campo de pesquisa. Tal adensamento decorreu em razão da proliferação dos Programas de Pós-Graduação em Educação a partir dos anos de 1970, de Grupos de Estudos vinculados à essa área, bem como eventos científicos, que vêm se firmando como veículos de divulgação dos debates e discussões travados, de forma direta ou indireta, entre os membros da comunidade interpretativa da História da Educação Brasileira. A investigação é de abordagem qualitativa e utilizou como fontes a pesquisa bibliográfica e histórica. Os resultados destacam o reconhecimento e a consolidação desse campo de estudo.

Palavras-chave: história da educação; campo de Pesquisa; historiografia.

Abstract

The study aims to analyze the constitution of the History of Education as a research field. This densification was due to the proliferation of Graduate Programs in Education from the 1970s onwards, of Study Groups linked to this area, as well as scientific events, which have been establishing themselves as vehicles for disseminating the debates and discussions held, directly or indirectly, among the members of the interpretive community of the History of Brazilian Education. The investigation has a qualitative approach and used bibliographic and historical research as sources. The results highlight the recognition and consolidation of this field of study.

Keywords: history of education; research field; historiography.

Resumen

El estudio tiene como objetivo analizar la constitución de la Historia de la Educación como campo de investigación. Esta densificación se debió a la proliferación de Programas de Posgrado en Educación a partir de la década de 1970, de Grupos de Estudio vinculados a esta área, así como de eventos científicos, que se han ido consolidando como vehículos de difusión de los debates y discusiones que se realizan, directa o indirectamente, entre los miembros de la comunidad interpretativa de la Historia de la Educación Brasileña. La investigación tiene un enfoque cualitativo y utilizó como fuentes la investigación bibliográfica e histórica. Los resultados destacan el reconocimiento y consolidación de este campo de estudio.

Palabras clave: historia de la educación; campo de investigación; historiografía.

Introdução

A História da Educação revela-se como um campo de divisa, uma vez que contempla objetos e temas da Educação, ao passo que é conduzido pelas teorias e métodos advindos da História. Da junção dessas duas relevantes áreas, emergem múltiplas possibilidades de trabalho para o historiador da educação.

Segundo Vidal e Faria Filho (2003) a partir do fim dos anos 1960 e início dos 1970, com o surgimento dos Programas de Pós-Graduação em Educação no país, a exemplo da Pontifícia Universidade Católica (PUC)-Rio, em 1965, e da PUC-SP, em 1969, e dos anos 1980, com a criação do Grupo de Trabalho “História da Educação” da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), em 1984, e do Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” (HISTEDBR), em 1986, cresceu, consideravelmente, a produção de trabalhos em História da Educação no Brasil. Consequentemente, foi se moldando uma certa identidade, ainda que plural do historiador da educação.

Dito isto, temos como objetivo analisar a constituição da História da Educação como campo de pesquisa. O estudo1 é de abordagem qualitativa, referendada nas proposições de Flick (2009). Esse autor destaca alguns aspectos essenciais da pesquisa qualitativa, como: apropriabilidade de métodos e teorias, perspectivas dos participantes e sua diversidade, reflexibilidade do pesquisador e da pesquisa e variedade de abordagens e de métodos na pesquisa qualitativa.

Para o corpus do estudo, fizemos uso de fontes bibliográficas e históricas, necessárias para conhecermos a formação do campo da História da Educação. Essas fontes, foram gestadas dentro de um contexto de interesses e pontos de vista de uma época situada historicamente. Para tanto, nos embasamos nas ideias de alguns estudiosos, como: Hayashi e Ferreira Junior (2010), Monarcha (2007), Pinheiro (2019; 2020), Luchese (2017), Vidal e Faria Filho (2003), dentre outros.

Sobre as fontes históricas, Barros (2012, p. 130) faz ponderações relevantes e explica que fonte é tudo aquilo que é produzido pelo homem, ou que revela vestígios de sua interferência e viabiliza acesso ao entendimento do passado. São fontes históricas, tanto os documentos textuais, como também quaisquer outros documentos que “[...] possam nos fornecer um testemunho ou um discurso proveniente do passado humano, da realidade um dia vivida e que se apresenta como relevante para o Presente do historiador”.

Em face desses objetivos, organizamos o artigo em três seções. Na primeira, enfocaremos a História da Educação brasileira: formação do campo. Na segunda, discutiremos sobre as gerações de historiadores da educação brasileira: a ‘história em sanfona’. E na terceira seção, abordaremos algumas limitações para a constituição da História da Educação como campo de pesquisa. Na sequência, apresentaremos algumas considerações sobre o estudo empreendido.

História da Educação brasileira: formação do campo

Monarcha (2007) apresenta resultados de estudos que realizou sobre a constituição e institucionalização da História da Educação como domínio do conhecimento disciplinar. No Brasil, a prática de interpretar e reinterpretar o passado, se intensificou nos anos 1930, aprofundando-se com isso, a institucionalização dos “estudos brasileiros” e/ou “estudos sociais”, conforme a terminologia da época.

Nos anos 1930, o processo de industrialização das ciências humanas ganhou maior visibilidade, emergindo a configuração de campos disciplinares e temáticas de investigação. Consequentemente, os interesses pelos estudos brasileiros, ocorreu num contexto de unificação política e cultural modernizador e autoritário, em que o Estado, reforçava seu poder institucional e simbolizador, desse modo, consolidou-se uma consciência historiográfica nacional.

Nesse seguimento, entre os anos 1930 a 1950, houve um esforço em oferecer visibilidade e sentido à História da Educação brasileira na Colônia, Império e República. Com isso, foram instituídos conteúdos de História da Educação geral e do Brasil, nos currículos acadêmicos das Escolas Normais, Institutos de Educação e Faculdades de Filosofia, contando com manuais didáticos para o ensino dessa matéria.

Nesse contexto, estruturou-se um sistema institucional de dimensões nacionais destinado à investigação e aos estudos em educação, em que teve papel relevante o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), criado em 1938, como órgão do Ministério da Educação e da Saúde Pública, sob o comando de Gustavo Capanema.

O INEP foi dirigido inicialmente por Lourenço Filho, sendo uma das instituições responsáveis pelo processo de modernização do Estado brasileiro. Esse órgão pretendia estabelecer bibliografias e eleger fontes históricas para o estudo da educação. Nesta perspectiva, Primitivo Moacyr publicou diversos títulos na série Brasiliana, dirigida por Fernando de Azevedo (MONARCHA, 2007).

Durante os anos 1930 e início dos anos 1940, a consolidação do Estado Nacional, as discussões sobre os estudos brasileiros, a estruturação e expansão da educação nacional e a centralidade do tema da educação nacional no âmbito político-social, favoreceu o surgimento de uma consciência sociológica e histórica do passado cultural e educacional do país.

Desse modo, as inciativas do INEP, a obra de Primitivo Moacyr e de Fernando de Azevedo, buscavam promover uma fusão entre ciência do passado e ciência da nação, a fim de dotar a nação de um sentido, de formar uma consciência nacional. Acresce a esse contexto, o Manual bibliográfico de estudos brasileiros, dirigido por Rubens Borba de Morais e William Berrien, subdiretor dos Serviços Bilbiotecários da Organização das Nações Unidas (ONU) e professor da Universidade de Harvard.

O Manual trata de arte, direito, educação, etnologia, filologia, folclore, geografia, história do Brasil, literatura, música, sociologia e teatro, assinados por autores representativos do sistema intelectual. A seção "Educação" encontrava-se organizada em dois tópicos: "(De 1500 a 1889) - Brasil Colônia - Brasil Reino", de autoria de Raul Briquet e "(De 1889 a 1941) - Brasil República", de autoria de Lourenço Filho (MONARCHA, 2007).

Nesse contexto, o historiador José Honório Rodrigues, no final dos anos 1940, ao analisar esses trabalhos afirmou que a produção do conhecimento histórico não havia atingido ainda a sua forma científica e propriamente universitária. Um pouco mais tarde, em pleno clima do nacional-desenvolvimentismo2, aprofundou-se o processo de institucionalização das ciências humanas e sociais, em que o tema da educação nacional, e sua reforma, passa a ser central.

É desse período, a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), em 1955 e do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), em 1956. O CBPE foi idealizado por Anísio Teixeira, diretor do INEP, como centro de pesquisa e assessoria técnica. Integrava antropólogos, sociólogos e educadores, objetivando equacionar os problemas brasileiros de educação mediante articulação da perspectiva nacional com as singularidades regionais. Vale ressaltar, que existia filiais da CBPE, localizados no Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul, tendo como objetivo intervir e reorientar os rumos da educação nacional (CAPUTO; MELO, 2009).

O CBPE também viabilizou projetos editoriais que tinham como destino a divulgação de bibliografias pedagógicas e fontes históricas. Essa fase da institucionalização dos estudos históricos em educação, e de construção de fontes, encontrava-se em sintonia com às transformações do âmbito da cultura política. É o que esclarece Monarcha (2007, p. 61 e 62):

No caso do estado de São Paulo, desde a criação da Escola Livre de Sociologia e Política, em 1932, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em 1934, as ciências humanas e sociais cristalizaram-se, desde o ponto de vista institucional e universitário, colocando em cena profissionais com formação acadêmica dotada de graus de excelência.

Nesta perspectiva, durante os anos de 1950 e 1960, havia questões relativas ao processo de modernização urbano-industrial e a Campanha de Defesa da Escola Pública, a qual culminou com a edição do "Manifesto dos educadores. Mais uma vez convocados" (1959), redigido por Fernando de Azevedo e assinado por 189 pessoas, a saber: acadêmicos, professores, cientistas, escritores e educadores, contrárias ao substitutivo apresentado pelo deputado Carlos Lacerda, ao projeto de Diretrizes e Bases da Educação, então em fase de tramitação no Congresso Nacional. Todo esse debate, trazia à tona a degradação do sistema público de ensino e os altos índices de analfabetismo da população brasileira (ROMANELLI, 2014).

Durante essas décadas supracitadas, a Sociologia se torna disciplina e passa a ter como pauta a defesa da escola pública, o desenvolvimento nacional, a democracia e a melhoria da educação popular. Porém, a Sociologia não era concebida como uma ciência da educação, mas como uma disciplina. Nesse emaranhado de discussões, professores pesquisadores começaram a se dedicar à produção do conhecimento histórico em educação, com a finalidade de, entre outras, avaliar e intervir nas políticas educacionais da época; ou seja, a retomada dos estudos históricos, estava em correspondência com as reformas de ensino, no Brasil, e a elaboração de políticas públicas alternativas. Sobre essa questão, Monarcha (2007, p. 67, grifo do autor) esclarece:

[...] nos anos 60, ladeado por Casemiro dos Reis Filho, Heládio César Gonçalves Antunha, Jorge Nagle, Maria de Lourdes Mariotto Haidar, Rivadavia Marques Júnior e alunos da Seção de Pedagogia, Ramos de Carvalho converteu-se em figura central na empresa intelectual que resultou na retomada dos estudos históricos, em moldes tipicamente científicos e universitários. Com efeito, Ramos de Carvalho empenhou-se na teoria e na prática historiográfica, com o objetivo de organizar e concretizar uma "ampla pesquisa sobre a educação nacional, de 1930 a nossos dias", conforme assinalava Maciel de Barros. Um dos resultados dessa retomada diz respeito à elaboração de um extenso levantamento de "fontes primordiais", assim se dizia, intitulado "Bibliografia referente à História da Educação Brasileira de 1925/1935 existente nas bibliotecas de S. Paulo (Capital)", texto datilografado inédito, datado de 1961. Formou-se assim um valioso e inédito corpus documental, que viria a suster a produção do conhecimento histórico em educação nas décadas seguintes.

Luchese (2017) ao discutir sobre a História da Educação como campo, afirma que essa disciplina, tradicionalmente ligada aos cursos de formação de professores, em nível médio e superior, em diferentes países, tem diminuído quer seja em relação à carga horária, ou quanto ao número de disciplinas ministradas. Em muitos países, a História da Educação, tem procurado justificar-se para manter-se nos cursos, pois outros campos considerados mais úteis ao fazer docente, tem ocupado espaço dentro do currículo. Isso ocorre com todas as demais disciplinas denominadas “fundamentos da educação”.

No que se refere à esse campo de investigação, o processo de pós-graduação alavancou, após os anos 1970 do século XX, uma ampliação do campo, tendo contribuído para isso: a criação do Grupo de Trabalho (GT) História da Educação, na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), em 1984; a disseminação de grupos de pesquisa vinculados ao Grupo de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação no Brasil (HISTEDBR), coordenado por Dermeval Saviani, desde 1986; a fundação da Associação Sul Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação (ASPHE) (1995); a fundação da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE), em 1999; a constituição de grupos de pesquisas nos Programas de Pós-Graduação e centros de memória da educação em vários estados brasileiros; a publicação de periódicos, tais como, Revista História da Educação, (ASPHE/1996), Cadernos de História da Educação (UFU-Uberlândia/2002), Revista eletrônica da HISTEDBR (2000); a Revista Brasileira de História da Educação da SBHE/2001, a realização de inúmeros congressos, nacionais e internacionais; e a publicação de livros e coleções.

Como parte importante desse processo, também destacam-se, o GT História da Educação (2015) e a revista eletrônica História e Historiografia da Educação (2016), na Associação Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH), criada em 1961 e a presença da disciplina História da Educação nos currículos dos Programas de Pós-Graduação em Educação (LUCHESE, 2017).

Hayashi e Ferreira Junior, (2010) corroboram com a relevante contribuição de grupos de pesquisas para o fortalecimento da História da Educação como campo. Para isso, realizaram um estudo sobre a temática no Brasil, tendo como base a análise dos grupos de pesquisa que integram o Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Utilizaram software de análise bibliométrica com o objetivo de identificar as características desses grupos.

Os resultados obtidos na base censitária 2004, do Diretório de Grupos de Pesquisa/CNPq identificaram a existência de 108 grupos e 317 linhas de pesquisa em História da Educação. Entre as temáticas de pesquisa se destacaram História da Educação, formação de professores e História da Educação em temas específicos.

A propósito do conceito de campo científico, Bourdieu (1983) o define como um espaço social como outro qualquer, cheio de relações de força e disputas, que visa beneficiar interesses específicos dos participantes deste campo. Deste ponto de vista, a capacidade de “produzir ciência”, por parte de um determinado indivíduo, está agregada a certo poder social. Assim, os pesquisadores estão vinculados a um campo científico, em que exercem seu trabalho e suas escolhas científicas, formando uma comunidade, onde valores, crenças e práticas comuns são compartilhados. Sobre isso Hayashi e Ferreira Junior (2010, p. 170, grifo dos autores) explicitam:

[...] Com base nesta visão, Bourdieu (1983) mostra que os cientistas quando trocam novos conhecimentos o fazem utilizando um modelo que está fundado na noção de capital, de tal forma que o cientista acumula o chamado “crédito científico”. Assim, os recursos adquiridos pelos cientistas são os seus conhecimentos acumulados, os quais são utilizados em uma espécie de mercado, em troca do crédito científico. Por sua vez, este crédito científico adquirido pode, posteriormente, ser reinvestido para conseguir mais crédito. Assinale-se, no entanto, que o conhecimento produzido pelo pesquisador é um bem que não possui muito valor em si mesmo. Ele precisa ser valorizado por outros produtores em sua troca e o reconhecimento que os outros lhes dão é que dá a medida de sua importância [...].

Outro conceito relevante nessa discussão é a noção de credibilidade, apresentada por Latour em 1994, em que o reconhecimento do cientista passa similarmente por outras formas mais tangíveis, as bolsas, os cargos, dentre outros, que não são somente os “sinais visíveis do capital simbólico”. Portanto, os cientistas investem nos domínios e assuntos que garantem o maior retorno de credibilidade e esses investimentos podem se traduzir em publicações, formação de alunos, equipamentos e etc. Denominado por Latour como ciclos de credibilidade. A busca de legitimidade, leva o pesquisador a ter uma produção científica: um artigo conduz ao reconhecimento pelos pares, gera subvenções (HAYASHI e FERREIRA JUNIOR, 2010).

O levantamento feito por Hayashi e Ferreira Junior (2010) sobre o campo da História da Educação no Brasil, teve como critério para o reconhecimento de grupo integrante da massa crítica em História da Educação o desenvolvimento, pelo menos, de uma linha de pesquisa nessa área. O estudo identificou 108 grupos de pesquisa que atuam no campo “História da Educação”.

No período de 1970-1991, foram criados apenas 9 grupos e no período 1992-2000, emergem 40 grupos. A partir do ano 2001 até 2004, há um crescimento significativo no número de comunidades. Neste período foram organizados 59, sendo que no ano de 2002, há um ápice no número de agrupamentos (27). Entre os 106 líderes dos grupos de pesquisa 69 (65,1%) são mulheres e 37 (35,9%) homens, indicando que a presença feminina na área de Educação é superior.

As regiões Sul e Sudeste apresentam a maior concentração dos grupos de pesquisa em “História da Educação”, com 58 e 20, respectivamente, totalizando 72,2%. Os 30 demais grupos de pesquisa (27,8%), estão distribuídos nas regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte. As instituições de ensino superior públicas concentram o maior número (65,1%), de coletivos de pesquisa em “História da Educação”.

As temáticas mais abordadas na produção científica no campo da “História da Educação”, são: “Intelectuais, pensamento social e educação”, com 23,2% do total, seguida por “Arquivos, fontes e historiografia” (22,5%) e “História Regional da Educação” (19,2%), totalizando 64,9% dos artigos, capítulos e livros (HAYASHI e FERREIRA JUNIOR, 2010).

Os resultados desse trabalho, nos levaram ao entendimento de que a produção científica em História da Educação concentra-se em alguns autores que estabelecem parcerias científicas. Ou seja, poderíamos inferir que neste campo, há determinados autores e grupos de pesquisa que são hegemônicos na produção do conhecimento da área.

Nesta linha de raciocínio em tempos de velocidade, consumo, utilitarismo, eficácia/eficiência, o que justifica a História da Educação como estudo de relevância? O que pretendem de nós? O que temos a oferecer? Qual a nossa função social? Para que serve a História? Entre tantas questões, Luchese (2017) salienta que consultamos arquivos, selecionamos e compilamos documentos, ordenamo-los, reescrevemos, revisamos os problemas do presente, transformamos os documentos em monumentos, produzimos sentido.

O passado em si não é um documento, é preciso compreender a trama histórica, os indícios e pistas envolvidos e isso só é possível com o saber histórico e sua contextualização. Desse modo se constrói a história no cruzamento de diferentes processos, que não segue uma linearidade, é uma história do singular, do diferente. Para isso, é preciso fugir dos lugares comuns, saber perguntar, escrever e pensar (LUCHESE, 2017). Na próxima seção, teceremos algumas abordagens sobre as gerações de historiadores da educação brasileira.

Gerações de historiadores da educação brasileira: a ‘história em sanfona’

Pinheiro (2019) analisa os aspectos relacionados com a formação inicial dos historiadores da educação brasileira. Para tanto, identifica 731 pesquisadores que se encontram distribuídos em cinco gerações, quais sejam: a primeira, de 1838 até 1910; a segunda, de 1911 até 1965; a terceira, de 1966 até 1980; a quarta, de 1981 até 2000 e a quinta geração, que vai de 2001 a 2019. Ao discutir o processo de regulamentação da profissão do historiador, relata que em 2010, o professor Durval Muniz Albuquerque Júnior, presidente da Associação Nacional de História (ANPUH), à época, afirmou ter vencido a primeira batalha, o passo inicial para ter a profissão de historiador reconhecida.

A Lei nº 4.699/2012 restringia o exercício da profissão de historiador àqueles que são portadores de diploma de graduação, de mestrado e de doutorado em história. Isso suscitou uma discussão por outros profissionais que também realizam trabalhos de história e que não dispõem dos diplomas mencionados na Lei, como por exemplo, aqueles que estudam História da Educação, da arte e das ciências, dentre outros. Essa discussão envolveu a ANPUH, a Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE), a Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC) e o Comitê Brasileiro de História da Arte (CBHA).

Diante disso, como identificar quem são os historiadores em educação? Inicialmente, Pinheiro (2019) discute sobre os autores de livros de história que escreveram manuais para o ensino e que acabaram se constituindo em clássicos da História da Educação brasileira, que são lidos e consultados por professores, pesquisadores e por alunos que desejam integrar esse campo do conhecimento. De acordo com critérios estabelecidos, Pinheiro (2019, p. 6, grifo do autor) chegou às seguintes periodizações:

Partindo dessas indicações conceituais e interpretativas acerca da ideia de geração como peça da ‘engrenagem do tempo’, chegamos as seguintes periodizações: primeira geração, de 1838 até 1910, marcadamente ‘influenciada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB’ e que teve a duração de 72 anos, com oito estudiosos. A segunda geração foi delimitada considerando o período de 1911 até 1965 no qual consideramos que foi nele que ocorreram ‘as primeiras conformações de constituição de um campo de estudo’, ou seja, o da história da educação brasileira e que teve a duração de 54 anos. Nela identificamos 26 estudiosos. A terceira geração, de 1966 até 1980, aqui considerada como aquela que vivenciou o processo de ‘implementação da pós-graduação’ em educação no Brasil, durando, aproximadamente, 14 anos, com 34 pesquisadores identificados. A quarta geração de 1981 até 2000, foi aquela que acompanhou a ‘expansão da pós-graduação’ em educação no Brasil, efetivada em 19 anos, com 195 pesquisadores identificados. E, finalmente a quinta geração, iniciada em 2001 até os dias atuais, ou seja, até março de 2019, a qual consideramos um momento de ‘estabilidade da pós-graduação’ em educação no Brasil. Nessa última geração foram identificados 468 pesquisadores de história da educação. Totalizando, portanto, uma amostragem de 731 produtores de saberes e conhecimentos históricos educacionais.

Verifica-se um aumento de estudiosos na área de História da Educação, principalmente, a partir do início do processo de implantação e de expansão da pós-graduação em educação no Brasil, ou seja, a partir da terceira geração. Mas, o que Pinheiro (2019) está entendendo por gerações de estudiosos e pesquisadores em História da Educação brasileira? Toma como referência o estudo realizado por Jean-François Sirinelli (2001), que entende a geração como uma peça da engrenagem do tempo, ou seja, como uma escala móvel de tempo, que pode ser de curtas ou de longas durações. Explica que a história ritmada pelas gerações é uma ‘história em sanfona’, dilatando-se ou encolhendo-se, ao sabor da frequência de fatos inauguradores.

A primeira geração, vai de 1838 até 1910, inicia com um dilema, se os intelectuais e homens letrados do século XIX, e início do século XX, foram os primeiros historiadores da educação brasileira. Qual seria a formação daqueles homens letrados? Escreveram tratados sobre a História da Educação brasileira?

Na segunda geração, de 1911 até 1965, percebe-se as conformações de um campo de estudo, a partir disso foi possível encontrar René de Oliveira Barreto, em 1914, intitulado História da Pedagogia, compilada por um professor e o estudo realizado por Primitivo Moacyr que publicou em 1916 o livro, O ensino público no Congresso Nacional: breve notícia. Sobre isso, Pinheiro (2019, p. 11) arremata:

Consultando o estudo realizado pela professora Maria Leonor Tanuri (2005), que discute sobre a década de 1950 que antecedeu a implementação dos cursos de pós-graduação em educação e da consequente produção historiográfica que foi delineando a constituição do campo da história da educação brasileira, verificamos que com o processo de introdução das disciplinas formadoras tais como a de psicologia, a de sociologia e da biologia, a história e a filosofia da educação passaram também a ser relevantes para a formação do educador.

Desta forma, um quarto dos estudiosos e produtores do conhecimento histórico educacional da segunda geração foi realizada por bacharéis em direito e/ou das ciências jurídicas e sociais, uma tradição que perpassa desde a primeira geração. Foi a partir dessa geração, que apareceram as primeiras historiadoras da educação: Francisca Peeters, Maria Augusta de Cooman, Maria José Garcia Werebe, Maria Thétis Nunes, Maria do Carmo Tavares de Miranda e Josephina Chaia Pereira. Destaca-se Maria Thétis Nunes e Josephina Chaia Pereira, como as primeiras historiadoras formadas em história, ou seja, historiadoras de ofício que produziram nesse campo de pesquisa.

A terceira geração vai de 1966 até 1980, em que ocorreu a implementação da pós-graduação em Educação no Brasil, em 1966 na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC-Rio e em seguida, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC - SP, em 1971. Foi um grande marco, se constituindo num espaço privilegiado para a formação de novos historiadores da educação brasileira. Anos depois, igualmente foram criados os primeiros cursos de doutorado em educação nessas já mencionadas universidades. Outro aspecto relevante, foi a fundação da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), fundada em 16 de março de 1978.

Em um primeiro momento, os formados nos cursos de Pedagogia passaram a ser os maiores produtores de saberes de conhecimentos históricos educacionais no Brasil. Nessa terceira geração, identicamente ocorreu um crescimento significativo de pesquisadoras em História da Educação Brasileira.

A quarta geração, vai de 1981 até 2000, quando há a consolidação da pós-graduação em educação no Brasil. Nesse contexto, em 1984 foi criado o Grupo de Trabalho em História da Educação, a criação do Grupo de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação no Brasil, em 1986 e a fundação da Sociedade Brasileira de História da Educação, em 1999. Acresce a isso, quatro periódicos brasileiros que foram importantes, sendo: História da Educação, de 1997; Revista Histedbr On-line, de 2000; Revista Brasileira de História da Educação, de 2001 e os Cadernos de História da Educação, de 2002. Na quarta geração, ainda prossegue o processo de feminização do campo da História da Educação brasileira e há um crescimento da presença dos historiadores de ofício.

A quinta geração, de 2001 até 2019, se apresenta como estabilidade da pós-graduação em educação no Brasil. Isso advém de três aspectos, a saber: a) a consolidação dos Programas de Pós-Graduação; b) a consolidação das linhas de pesquisas das pós-graduações e c) a consolidação dos grupos de pesquisa.

Do universo de 468 pesquisadores(as) que compõem a amostragem da quinta geração, Pinheiro (2019) verificou que 313 são mulheres e 155 são homens. Do total de 313 historiadoras da educação, 146 fizeram o curso de Pedagogia, além de 19, que fizeram o mencionado curso como uma segunda, ou terceira graduação.

Nesse sentido, a partir da constituição da terceira geração, os formados em Pedagogia assumiram de forma crescente a posição de liderança ao se tornarem quantitativamente, os principais produtores de saberes e conhecimentos relativos ao campo de estudo e pesquisa aqui em discussão. Nas palavras de Men e Neves (2009, p. 9, grifo das autoras):

Em síntese, pode-se concluir que o campo da História da Educação é uma “massa” heterogênea, ou melhor, não há um discurso homogêneo sobre os procedimentos técnicos, metodológicos e teóricos, comumente utilizados pelo pesquisador em seu ofício. O próprio pensamento dos intelectuais não estava definido ou “congelado”, mas, em constante movimento, sendo construído e reconstruído, a todo o momento.

A História incorporou alternativas de investigação e ensino antes não consideradas. Vieram à tona novos objetos, tais como: instituições escolares, disciplinas, questões de gênero, cultura escolar, imprensa, legislação, dentre outros e foram desenvolvidos métodos e abordagens das quais resultou uma diversidade na informação e produção historiográficas.

Há também um grupo denominado por Pinheiro (2020, p. 63), de outros “historiadores”, alguns de ofício, outros não, mas que produziram e produzem conhecimentos históricos-educacionais. Porém, não se autodefinem como historiadores da educação em seus currículos Lattes:

Então como se autodefinem esses pesquisadores (as)? Regra geral, como aqueles (as) que atuam a partir das abordagens que variam entre a História Política e/ ou da Nova História Política, História Social e História Cultural, ou ainda a partir das relações estabelecidas entre a cultura e a ação política e dos movimentos políticos e intelectuais. Nesse sentido, as questões da cidadania, do republicanismo, da história intelectual e dos intelectuais (homens letrados), da formação superior nos períodos colonial, imperial e republicano estão bem presentes nos estudos realizados por esses historiadores aqui em discussão. Há também estudos que ressaltam a importância da instrução no processo de organização e de fortalecimento da nascente Nação (império) brasileira. Como importantes referências sobre esse tema, tem-se o livro A construção da ordem, de José Murilo de Carvalho, publicado em 1980, o último capítulo, intitulado “A formação do povo”, do livro O tempo Saquarema: formação do estado Imperial, de Ilmar Rohloff de Mattos, publicado em 1985, e o livro de Sérgio Adorno, publicado em 1988, intitulado: Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira [...].

Além desses, Pinheiro (2020) identifica estudos realizados por Bárbara Freitag Rouanet, Escola, Estado e Sociedade, publicado em 1980, por Luiz Felippe Perret Serpa, História da Educação Brasileira e Currículo de Licenciatura, publicado muito provavelmente em 1984, e o livro de Leonardo Trevisan, Estado e Educação na História Brasileira (1750/1900). Como diversos outros, escritos por historiadores da Educação brasileira, a saber: Miriam Jorge Warde, Carlos Roberto Jamil Cury e Barbara Freitag.

Há aqueles que, se dedicam à História do livro e da literatura e à da imprensa, considerando ainda as questões da circulação dos livros, da censura nas obras; das publicações licenciosas e a importância da literatura para a História, além da História das bibliotecas. Dentro desse grupo, destacam-se os livros de Tania Regina de Luca A “Revista do Brasil”: um diagnóstico para a (N)ação, 1998, o livro de Lilia Moritz Schwarcz, A longa viagem da Biblioteca dos Reis: do terremoto de Lisboa à independência do Brasil, 2002, e o livro de Márcia Abreu, Os Caminhos dos Livros, 2003.

Por tudo isso, cada geração aqui identificada esteve condicionada a formas muito próprias e específicas do seu tempo de como produzir saberes e conhecimentos no âmbito da História da Educação brasileira, ou seja, a escritura e a publicação de livros, especialmente os manuais, foi o principal mecanismo adotado no sentido, mesmo que involuntariamente, de constituir um determinado campo de conhecimento (PINHEIRO, 2020). Na seção a seguir, trataremos sobre as limitações para a constituição da História da Educação como campo de pesquisa.

Algumas limitações para a constituição da História da Educação como campo de pesquisa

Ao longo do tempo, a Educação passou por diversas mudanças em diferentes períodos históricos. Para tanto, na atualidade, ela apresenta possibilidades e limites. Desse modo, a educação tem uma história e está nela. Os projetos e as políticas educacionais não surgem “do nada”, mas emergem de proposições de uma multiplicidade de grupos sociais inseridos em circunstâncias de tempo específicos. Segundo Vidal e Faria Filho (2003, p. 60) hoje, presenciamos:

[...] o alargamento da interlocução com uma variada gama de disciplinas acadêmicas - sociologia, lingüística, literatura, política, antropologia, geografia, arquivística -, bem como para o fato de a história da educação ser, ao mesmo tempo, uma subárea da educação e uma especialização da história. Para os historiadores da educação isto tem significado uma forma de marcar o seu pertencimento à comunidade dos historiadores, e uma maneira de reafirmar a identificação de suas pesquisas com procedimentos próprios ao fazer historiográfico, [...].

Importante realçar que segundo Pinheiro (2019), a partir da constituição da terceira geração de historiadores em Educação, de 1966 até 1980, em que ocorreu a implementação da pós-graduação em Educação no Brasil, os formados em Pedagogia, assumiram de forma crescente a posição de liderança ao se tornarem quantitativamente os principais produtores de saberes e conhecimentos relativos ao campo de estudo e pesquisa aqui em discussão.

Diante disso, visualizamos o estudo da área de História da Educação como um elemento relevante na formação docente. Ademais, consideramos que essa área do conhecimento deveria ser o eixo da organização dos conteúdos curriculares dos cursos de Licenciatura em Pedagogia. A história da Didática no Brasil, por exemplo, mostra que sua trajetória buscou atender às necessidades educacionais de cada época e contexto social. Faz-se necessário esse aprofundamento para a formação emancipada do professor que leciona essa disciplina, assim como dos discentes, futuros professores.

É fato que, a História da Educação é um campo de contornos fluentes, estabelecendo relações com vários outros. Essa interpretação do campo corresponde muito fortemente ao que ocorre no Brasil onde a História da Educação, é uma seara aberta no qual atuam pesquisadores de vários outras áreas.

Em detrimento do que foi discutido até aqui, cabe-nos a seguinte reflexão: em que medida a perda de espaço (material e simbólico) da disciplina de História da Educação nos Cursos regulares de Licenciaturas no Brasil contribuem para a hegemonia de uma ideologia dominante na sociedade atual?

À guisa dessa situação descrita, é mister considerar que nada surge casualmente, pois os fatos estão interligados e para tal é importante estar em constante interrogação, considerando que os acontecimentos históricos não são naturais. Segundo Ciavatta (2014) na dialética da totalidade, seres humanos e objetos existem em situação de relação, e jamais isolados, como alguns processos analíticos podem fazer acreditar. A totalidade é um conjunto de fatos entrelaçados ou o contexto de um objeto com suas múltiplas relações. É fato que, em cada momento, a educação atendeu a determinados objetivos, que correspondia a visões de homem e de sociedade, deixando indícios para nos auxiliar na interpretação dos fatos que aqui realçamos.

Por tudo isso, infere-se que o conteúdo de História da Educação, contribui teórica e metodologicamente para a formação de futuros professores, ao mesmo tempo, que fortalece a constituição da História da Educação como campo. Segundo Nóvoa (1996, p. 417), a função de historiador e simultaneamente a de professor, conduz esse profissional a transitar entre essas duas áreas: História e Educação e adverte:

O mínimo que se exige de um historiador é que seja capaz de refletir sobre a história da sua disciplina, de interrogar os sentidos vários do trabalho histórico, de compreender as razões que conduziram à profissionalização do seu campo acadêmico. O mínimo que se exige de um educador é que seja capaz de sentir os desafios do tempo presente, de pensar a sua ação nas continuidades e mudanças do trabalho pedagógico, de participar criticamente na construção de uma escola mais atenta às realidades dos diversos grupos sociais.

É fato que, o professor que leciona a disciplina de História da Educação deve ser pesquisador, investigador, reflexivo e crítico, que contextualiza os conteúdos ministrados, provoca, questiona e diverge. É urgente estabelecer o nosso processo identitário, nossa relação de pertença com o campo da História da Educação e para tal, as associações, os eventos, os periódicos e os grupos de pesquisa, são essenciais nessa relação. Outro aspecto fundamental, é ampliar a nossa presença nas redes e espaços de discussão científica. Interessante nos questionar: Qual a ressonância das nossas pesquisas? De que maneira o que pesquisamos é considerado e levado em conta nos espaços formativos de docente, como também nos rumos das políticas e práticas educativas? (LUCHESE, 2017).

Não menos relevante, é a necessidade de avançarmos na organização dos grupos de pesquisa, na interlocução com diferentes pesquisadores, por meio de intercâmbios e estágios, e para isso, o caminho da internacionalização é fundamental. Outro desafio, é concentrar os bancos de memória virtuais, tornando-os mais visíveis e acessíveis para comunidade científica, educadores e sociedade como um todo.

Em se tratando do ensino de História da Educação, é recomendável inventar práticas significativas de aprendizagem, que fujam dos velhos manuais. Mobilizar os estudantes para a aprendizagem desse campo é um dos grandes desafios. É o que aponta Luchese (2017, p. 124):

[...] Diversos autores como Escolano Benito, Nóvoa, Nunes, Bastos, Carvalho e Gatti Júnior e Gatti Júnior para mencionar apenas alguns, tem justificado a importância do ensino de História da Educação na formação de professores. Nóvoa elenca quatro respostas que sinteticamente afirmam: 1) a História da Educação nos ajuda a «cultivar um saudável ceticismo» permitindo sinalizar os processos de constituição, as mudanças e permanências no tempo/espaço de práticas, modos de fazer e pensar a educação; 2) nos ajuda a compreender a «lógica das identidades múltiplas» permitindo aos estudantes que compreendam o sentido do trabalho educativo, a partir de memórias, tradições, pertenças, filiações, dentre outras; 3) para «pensar os indivíduos como produtores de História»; 4) por fim, «para explicar que não há mudança sem história» [...].

Destarte, é pertinente diversificar os materiais mobilizados nas aulas de História da Educação. Utilizar documentos, memórias, acervos patrimoniais, filmes, músicas, documentários, trechos literários, bancos virtuais, entre outros recursos, para que o estudante questione o passado educacional com mais criticidade. Compreender, com Freire (1997), que toda prática pedagógica é uma ação política. Pois, para esse autor, separar educação e política, é uma ação perigosa. Não há como pensar a educação independente do poder que a constitui.

E ainda, o ensino de História da Educação deve constituir-se num espaço em que os discentes se percebam como sujeitos históricos, sensíveis ao seu entorno. Não banalizar o pensar, o refletir, o criticar, o pesquisar, o dialogar e o afirmar-se eticamente. Ir além das aparências. Pois esse é o nosso compromisso como intelectuais, pesquisadores e professores da História da Educação.

Algumas considerações

Pelo exposto, depreendemos que o campo de pesquisa História da Educação no Brasil, está vinculado ao desenvolvimento da universidade brasileira. É paulatinamente estimulado a partir de iniciativas coletivas, de instâncias universitárias e de órgãos públicos ligados ao Ministério da Educação do Brasil.

Como vimos, o que temos hoje em termos de História da Educação advém exatamente da fundamentação e iniciativa de cursos de pós-graduação na criação de revistas científicas, congressos e seminários, como similarmente de muitos meios acadêmicos de circulação nacional ligados à educação, ou a própria historiografia sobre a mesma, estão de algum modo se abrindo e possibilitando que mais trabalhos neste ramo sejam conhecidos e divulgados no meio acadêmico.

Pode-se, contudo afirmar que a História da Educação como pesquisa faz essa interlocução com a Sociologia, Antropologia, Psicologia, Economia, Filosofa, Ciências Políticas, entre outras, o que tem sido pertinente para ampliar e subsidiar as análises nesse campo de estudo. Porém, isso pode ser visto como fortalecimento ou como dispersão acadêmica e atomização de linhas de pesquisa, fragmentação do objeto de estudo, sendo urgente a necessidade de reinventar a História da Educação, a fim de justificar a sua existência nos currículos universitários.

Consideramos que a pesquisa em História da Educação precisa ter rigor teórico-metodológico, não perdendo de vista o compromisso ético, a fim de fortalecer o campo, é viável fomentar a continuidade/qualidade da formação de pesquisadores. Daí a necessidade de consolidarmos as linhas de pesquisa nos Programas de Pós-Graduação e atentarmos para a formação de jovens pesquisadores, a partir da graduação.

1Essa pesquisa é parte dos estudos empreendidos na nossa proposta de tese de doutorado em andamento, intitulada: “A Lei nº 5.692/1971 e as ações do Estado para a formação docente no Ensino Profissionalizante”. A tese encontra-se vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional (PPGEP), do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN).

2A literatura considera a política econômica praticada após 1930 como desenvolvimentista, em especial, nos governos de Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954) e Juscelino Kubitschek (1956-1961), política frequentemente, associada ao desenvolvimentismo. Por isso, de maneira recorrente, relaciona-se desenvolvimentismo à Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), criada em 1948, a qual contribuiu para embasar as políticas econômicas adotadas a partir dos anos 1950 (BIELSCHOWSKY, 2012).

Referências

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Recebido: 12 de Agosto de 2022; Aceito: 02 de Março de 2023

Editor Chefe: Prof. Dr. José Eustáquio Romão

Editora Científica: Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista

Editora Científica: Profa. Dra. Marcia Fusaro

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