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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.64 São Paulo  2023  Epub 12-Fev-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n64.21826 

Artigos

ENTRE O TEXTO E A VIDA: A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL NA REGIÃO DO ALTO SERTÃO DA PARAÍBA

BETWEEN TEXT AND LIFE: CONTINUING EDUCATION OF CHILDHOOD EDUCATION TEACHERS IN ALTO SERTÃO DA PARAÍBA REGION

ENTRE EL TEXTO Y LA VIDA: FORMACIÓN CONTINUA DE MAESTROS DE LA EDUCACIÓN INFANTIL EN LA REGIÓN DEL ALTO SERTÃO DA PARAÍBA

Hellyegenes de Oliveira, Doutorando em Educação1 
http://orcid.org/0000-0002-4143-0117

Luciane Pandini-Simiano, Doutora em Educação2 
http://orcid.org/0000-0001-8378-2359

1Doutorando em Educação, Universidade Estácio de Sá - UNESA. Rio de Janeiro, RJ - Brasil

2Doutora em Educação, Universidade do Sul de Santa Catarina- UNISUL. Tubarão, Santa Catarina - Brasil


Resumo

O texto tem por foco analisar as iniciativas e estratégias na formação continuada de professores da Educação Infantil. A pesquisa, desenvolvida em uma perspectiva quanti-qualitativa, foi realizada no âmbito do Mestrado em Educação. Teve como sujeitos treze secretários municipais de Educação que atuam nos municípios da região de Sousa, no Sertão da Paraíba. Como instrumento de pesquisa foi utilizado um questionário contendo perguntas fechadas e uma aberta. A análise do material produzido foi realizada por meio da técnica de análise de conteúdo de Bardin. A partir do diálogo com a legislação educacional brasileira e entre diferentes autores, como Campos, Kramer, Tardif e Lessard, e Dourado, o resultado permitiu observar que, embora todos os municípios relatem desenvolver formação continuada com os professores, ainda se evidenciam lacunas quanto à especificidade da formação na área da Educação Infantil. Do texto à vida, as políticas da Educação Infantil parecem imprimir a garantia do direito à formação continuada de professores nessa etapa da educação básica, contudo seus efeitos no contexto da prática ainda permanecem invisíveis, despercebidos. A organização, a forma e o conteúdo das formações remetem à necessidade de (re)pensar um percurso formativo que possibilite aos professores dialogar, refletir, questionar, ampliar sua leitura da educação e cuidado na primeira infância e de mundo.

Palavras-chave formação continuada; professores; educação infantil.

Abstract

The text has as focus analyzing initiatives and strategies in continuing education of Childhood Education teachers. The research was carried out in a qualitative-quantitative perspective, and it took place in the Master’s in Education scope. It had thirteen municipal education secretaries who works in towns of Sousa region, in Sertão da Paraíba. As research instrument, a questionnaire with an open and closed questions was used. Analysis of collected material was performed through the content analysis technique by Bardin. From a dialogue with Brazilian Educational legislation and among different authors, such as Campos, Kramer, Tardif and Lessard, and Dourado, findings allowed observing that despite all the municipalities report developing continuing education with teachers, some gaps were made evident regarding the education specificity in the Childhood Education area. From text to life, Childhood Education policies seem imprint an assurance of right to teachers’ continuing education in this stage of the Basic education, nevertheless its effects in the practice context remain invisible, unnoticed. Organization, form, and content of continuing education remit to the need for (re)think a training path which make possible teachers dialogue, question, enlarge their education reading and care in early childhood and in the world.

Keywords continuing education; teachers; childhood education.

Resumen

Ese texto tiene su foco en analizar las iniciativas y estrategias en la formación continua de maestros de la Educación Infantil. La investigación, desarrollada en perspectiva cuantitativa-cualitativa, ha sido realizada en ámbito de la Maestría en Educación. Tuvo como sujetos trece secretarios municipales de Educación que trabajan en las municipalidades de la región de Sousa, en el Sertão da Paraíba. Como instrumento de investigación fue utilizado un cuestionario conteniendo preguntas cerradas y una de ellas abierta. El análisis del material fue realizado por medio de la técnica de análisis de contenido de Bardin. Desde el diálogo con la legislación educativa brasileña y entre diferentes autores, como Campos, Kramer, Tardif y Lessard, y Dourado, el resultado ha permitido observar que, aunque todas las municipalidades reporten desarrollar formación continua con los maestros, aún se hacen evidentes lagunas acerca de la especificidad de la formación en el área de la Educación Infantil. Del texto a la vida, las políticas de la Educación Infantil parecen imprimir la garantía del derecho a formación continua de maestros en esa etapa de la Educación Básica, pero sus efectos en el contexto de la práctica aún permanecen invisibles, desapercibidos. La organización, la forma y el contenido de las formaciones remiten para la necesidad de (re)pensar una ruta formativa que haga posible a los maestros dialogar, reflexionar, cuestionar, ampliar su lectura da educación y cuidado en los primeros años de la niñez y del mundo.

Palabras clave formación continua; maestros; educación infantil.

Educação. Infância. Palavras que tecem grandes desafios contemporâneos nas políticas públicas, na organização dos serviços educativos e na formação de professores. Na Educação Infantil, seus fios-sentidos tramam uma complexa e delicada rede que envolve, entre outros aspectos, o direito à educação.

No Brasil, há um conjunto de legislações que buscam discorrer sobre tal questão. A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988 traz a educação como direito social fundamental. O artigo 208, IV, determina o direito à Educação Infantil em creches e pré-escolas a todos os meninos e meninas até 5 (cinco) anos de idade.

Com a implementação da Lei nº 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a Educação Infantil é considerada a primeira etapa da educação básica. Apresenta como função a educação e cuidado de crianças até seis anos de idade em complementaridade à família e dispõe, em seu artigo nº 62, a necessidade de um profissional docente capacitado para atuar nessa etapa educativa.

A temática da formação continuada de professores de Educação Infantil está presente no Plano Nacional da Educação (PNE), em sua meta 16, que busca “formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por cento) dos professores da educação básica [...] e garantir a todos (as) profissionais da educação básica formação continuada em sua área de atuação”. (BRASIL, 2014, p. 51)

Nessa perspectiva, considerando os dispositivos legais e compreendendo a formação continuada como um “processo dinâmico e complexo, direcionado à melhoria permanente da qualidade social da educação” (DOURADO, 2016, p. 33), pesquisas como as de Nóvoa (1995), Campos (1999, 2008) e Kramer (2005, 2006) alertam para a necessidade de pensar nas condições em que se dá tal formação. Aspecto primordial, considerando que em muitos casos a formação continuada de professores na Educação Infantil “vem se dando de forma aligeirada em cursos esporádicos e num sistema de repasses consecutivos, sem continuidade e sem uma linha ideológica que a norteie” (KRAMER, 2005, p. 166). Ou seja, embora haja um conjunto de legislações e produções teóricas que defendem a formação continuada como direito que possibilita a melhoria da qualidade educacional, em alguns estados e municípios brasileiros, seus efeitos no contexto da prática ainda permanecem invisíveis, despercebidos... Nesse âmbito, é fundamental criar visibilidades para o “entre”... entre o texto (da lei) e a (experiência da) vida...

O presente texto aborda tais temáticas ao analisar as iniciativas e estratégias na formação continuada de professores da Educação Infantil nos municípios da região de Sousa, no sertão da Paraíba. As indagações e reflexões são frutos de uma pesquisa de Mestrado em Educação, realizada em 2021, que contemplou um conjunto de 17 municípios da região imediata do Alto Sertão da Paraíba: Aparecida, Cajazeirinhas, Condado, Lastro, Malta, Marizópolis, Nazarezinho, Paulista, Pombal, Santa Cruz, São Bentinho, São Domingos de Pombal, São Francisco, São José da Lagoa Tapada, Sousa, Vieirópolis e Vista Serrana (OLIVEIRA, 2021).

O ponto de partida da pesquisa foi a seguinte questão: como é desenvolvida a formação continuada das professoras de Educação Infantil na região do Alto Sertão da Paraíba e quais iniciativas e estratégias no âmbito das Secretarias Municipais de Educação estão sendo realizadas para a garantia desse direito? A pesquisa, de cunho empírico, foi desenvolvida com foco quanti-qualitativo. Como recurso metodológico apresenta um questionário, contendo 41 questões fechadas e 1 aberta1. Como sujeitos de pesquisa, 13 treze secretários(as) municipais de Educação que atuam nos municípios de região de Sousa.2

A análise do material produzido foi realizada a partir da técnica de análise de conteúdos da Bardin (2011). Buscou-se compreender as características, estruturas e modelos que estão por trás dos fragmentos de mensagens tomados em consideração. Como eixo de análise destacam-se, neste texto, as iniciativas e estratégias na formação continuada das professoras de Educação Infantil na região do Alto Sertão da Paraíba.

Entre o texto... Notas sobre a formação continuada de professores da educação infantil

A Constituição Federal de 1988 e a LDB (Lei n.º 9.394/96, art. 29) trouxeram importantes deliberações para a Educação Infantil, entre as quais se encontra a inclusão da Educação Infantil como primeira etapa da educação básica a partir da definição de sua função de “[…] educar e cuidar de forma indissociável e complementar as crianças de 0 a 6 anos complementando a ação da família e da comunidade. Ou seja, faz parte da Educação básica, mas não tem como objetivo o ‘ensino’ e, sim, a ‘educação’ das crianças pequenas” (ROCHA, 1999).

A escolha pelas palavras “educar e cuidar” está relacionada à busca pela garantia da especificidade da Educação Infantil, que tem como centralidade uma proposta educativa que assegure a educação em sua integralidade, entendendo o cuidado como algo indissociável do processo educativo e em compartilhamento com a família.

Considerar a especificidade desta etapa educativa requer pensar na formação dos profissionais que atuam na Educação Infantil. Na Constituição Federal de 1988, encontra-se, no artigo 206, inciso V, a valorização dos profissionais da educação como um direito. Tal proposição, associada à LDB, Lei nº 9.394/96, permitiu avanços na educação no país, garantindo aos professores aperfeiçoamento profissional continuado. Tal como estabelece o artigo 67 da LDB:

Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público: I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim; III - piso salarial profissional; IV - progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho; V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho; VI - condições adequadas de trabalho. (BRASIL, 1996, grifo nosso)

Assim, na legislação educacional brasileira a formação continuada é direito do professor. Daí a importância para o encaminhamento de discussões que tratem, de maneira ampla, simultânea e integrada, das condições de trabalho e da formação continuada dos docentes. Estes princípios estão explicitados na LDB/96:

Art. 62-A. A formação dos profissionais a que se refere o inciso III do art. 61 far-se-á por meio de cursos de conteúdo técnico-pedagógico, em nível médio ou superior, incluindo habilitações tecnológicas. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)

Parágrafo único. Garantir-se-á formação continuada para os profissionais a que se refere o caput, no local de trabalho ou em instituições de educação básica e superior, incluindo cursos de educação profissional, cursos superiores de graduação plena ou tecnológicos e de pós-graduação. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013). (BRASIL, 1996, grifo nosso)

O texto da lei estabelece como contexto formativo o lócus de trabalho em que o(a) professor(a) está atuando. Kramer (2006, p. 804) considera “formação continuada (em serviço ou em exercício, como se tem denominado a formação daqueles que já atuam como professores)”. Portanto, o percurso de formação continuada do professor, realizado dentro da sua própria unidade de trabalho, torna-se um contexto de intensa importância, “pois o processo formativo coloca o sujeito-professor no lugar do fazer-se/desfazer-se” (KRAMER; LEITE; NUNES; GUIMARÃES, 1999, p. 160). A apropriação de “fazer-se/desfazer-se”, dentro desta perspectiva, convida o professor a um processo de reflexão e desfragmentação entre a teoria e a prática, visto que construir o saber supõe multiplicidade de caminhos teóricos e práticos.

Embora se observe um conjunto de dispositivos legais que defendem a formação continuada de professores, a formação em serviço no contexto brasileiro ainda se apresenta como campo intrínseco, genérico e distante das especificidades da área da Educação Infantil. Nas palavras de Campos (2008, p. 124), a formação de professores na Educação Infantil:

[...] parece bastante próxima a dos professores da escola elementar, correspondente às nossas primeiras séries do ensino fundamental. É uma formação de professora polivalente, generalista, ou seja, que se encarrega do trabalho com diferentes conteúdos - linguagem, matemática, ciências, estudos sociais, artes - de forma integrada, com um grupo de crianças. (CAMPOS, 2008, p. 124)

As propostas de formação continuada voltadas à Educação Infantil precisam contemplar as especificidades da primeira infância, colocando o educar e o cuidar no centro educativo. No entanto, o que se observam, em alguns estados e municípios brasileiros, são (form)ações, com modelos pautados na transmissão de conteúdos descontextualizados da organização do trabalho pedagógico. Nessa perspectiva, o professor é visto como um receptor, aplicador de conhecimentos e não como sujeito produtor de conhecimentos e organizador dos processos educativos.

O processo da formação continuada não pode ser dissociado da prática educativa. Ele precisa se relacionar com a área de atuação, com a prática do professor, possibilitando, assim, pensar e repensar o cotidiano educativo. A esse respeito, Alvarado Prada (2007) explica que os conteúdos da formação continuada não podem ser:

[...] isolados do cotidiano escolar, nos quais o coletivo se constitui como tal em um processo de aprendizagem mediante o confronto de conhecimentos derivados das experiências com os conhecimentos universalmente sistematizados. É mais que uma soma de horas de formação fragmentada em ações de sequência. É um projeto que, no mínimo, ultrapassa o previsto no ano anterior e continua no seguinte. É mais que a soma de pontos ou créditos adquiridos em cursos ou outros eventos por presença de x horas. (ALVARADO PRADA, 2007, p. 12).

Nessa direção, a formação precisa ser entendida como um processo de aprendizagem que se dá no diálogo entre o conhecimento universalmente sistematizado e a experiência cotidiana. Portanto, muito além de algo pronto e estático, deve-se entendê-la como algo dinâmico, contínuo, em constante transformação e que servirá de base para o professor ressignificar o seu trabalho. Na concepção de Campos (1999, p. 127):

Talvez pela primeira vez em nosso país, começamos a pensar a formação de um perfil de educador adequado às características e necessidades de alunos em diferentes fases de seu desenvolvimento. Ou seja, começamos a pensar na criança, no adolescente, no jovem, no adulto que se encontra escondido atrás da palavra ‘aluno’. Ao fazer isso, fica mais fácil também pensar no menino e na menina, na criança de diferentes origens sociais, étnicas, regionais, na criança do campo e na criança da cidade, e assim por diante. Podemos pensar nos alunos em sua diversidade e em suas contínuas mudanças, as quais refletem as transformações nas condições de vida da população e nos valores que informam a socialização das novas gerações nos diversos espaços fora da escola: na família, na cidade, nos meios de comunicação, nos grupos de pares, no trabalho.

O perfil de profissional apresentado pela autora vem ao encontro das necessidades apontadas pela área da Educação Infantil, que apresenta um currículo multifacetado, pluralizado e descentralizado, em que as especificidades e diferentes realidades das crianças precisam ser levadas em consideração nos contextos de aprendizagem. A esse respeito, Campos (2008) enfatiza a importância de estudos e pesquisas que contemplem a formação de professores nessa área, com vistas à complexa e urgente missão de constituir um novo perfil profissional para atuar na educação e cuidado de crianças bem pequenas.

Neste sentido, é fundamental atentar ao processo da formação continuada dos professores, considerando que esse é um dos fatores de maior relevância nas questões de melhoria da educação e premissa para a oferta de um contexto de qualidade. A formação de profissionais da Educação Infantil se constitui como um grande desafio inscrito entre o texto da lei e a experiência vivida. Um desafio de muitas facetas, necessidades, possibilidades e atuações. Tais questões levam a querer olhar...

E a vida.... A formação continuada de professores nos municípios no Alto Sertão da Paraíba

No âmbito das políticas públicas, a formação continuada é um dos incentivos de valorização que constam nos planos de carreira dos professores da educação básica brasileira. É direito do professor e elemento fundamental para a qualificação da educação.

Em busca de conhecer quando é ofertada a formação continuada e se é desenvolvida dentro da carga horária de trabalho do professor que atua na Educação Infantil, lança-se um olhar para os municípios da região do Alto Sertão da Paraíba, conforme o gráfico que segue:

Fonte: Elaborado pelo autor, 2021.

Gráfico 1 Quando acontecem as formações em serviço/continuadas nos municípios pesquisados? 

Pela leitura do gráfico é possível observar que, dos 13 municípios que realizaram a devolutiva do questionário, 04 informaram que realizam formação continuada no início do ano letivo em horário extra de trabalho, 04 municípios relataram que realizam as formações durante todo o ano letivo, 01 município relatou que realiza a formação continuada no início do ano, incluindo o período da sua carga horária de trabalho, 01 município comunicou que realiza a formação durante todo o ano em horário extra de trabalho e, por fim, 03 municípios relataram que não possuem nenhum tipo de projeto de formação continuada para a Educação Infantil.

De modo geral, percebe-se que 10 dos 13 municípios ofertam algum tipo de formação continuada, seja no início do ano letivo, no final ou durante todo ele. Pode-se verificar ainda que 03 municípios informaram que não realizam formação específica na área da Educação Infantil, no entanto ela acontece juntamente com os anos iniciais da educação básica. Esse fato compromete significativamente o percurso formativo dos professores, considerando que a Educação Infantil tem especificidades próprias e que precisam ser contempladas na formação ofertada pelo município.

No que tange à oferta de período de formação e inclusão na carga de trabalho, a maioria dos municípios oferece formação no início do ano letivo ou no meio do ano, em período extra de trabalho. Assim, elas ocorrem esporadicamente, fato que compromete as necessidades e demandas existentes no cotidiano ao longo do ano. Algo que ainda merece atenção é a oferta de formação continuada aos professores em período fora do horário de trabalho, o que fere o direito dos professores, pois vai contra a legislação educacional brasileira. De acordo com o art. 67 da LDB/96:

Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação assegurando-lhes inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público: I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; II - Aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim; III - Piso salarial profissional. IV - Progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho; V - Período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho; VI - Condições adequadas de trabalho. (BRASIL, 1996, p. 21, grifos nossos)

Com relação à formação contínua, com licenciamento periódico remunerado e com períodos reservados para estudos, planejamentos e avaliações incluídas na carga horária de trabalho, percebe-se que os municípios pesquisados atendem parcialmente esse quesito. Somente 04 municípios realizam a formação continuada durante todo o ano de forma regular e frequente na carga horária de trabalho do professor, o que demonstra uma fragilidade quanto à garantia efetiva desse direito.

Em busca de lançar um olhar para o quadro de profissionais que atuam na Educação Infantil nos municípios pesquisados, buscou-se conhecer os participantes da formação continuada oferecida pelas Secretarias de Educação.

Fonte: Elaboração do autor, 2021.

Gráfico 2 Profissionais que participam das formações continuadas nos municípios pesquisados 

Observa-se que, dos municípios pesquisados, 05 não responderem a essa pergunta, ocasionando uma grande lacuna que leva a indagar: se efetivamente estão ocorrendo formações nos municípios, por que não mencionar quem são os sujeitos participantes delas? Pode-se notar ainda que 08 municípios apresentam como participante destas formações a equipe pedagógica e apenas 01 município apresenta convênio com unidades conveniadas. Em 75% dos municípios, os auxiliares também participam das formações continuadas e em nenhum dos municípios foi relatada a participação de estudantes da Rede de Ensino Superior nestas formações.

Considerando o alto índice de participação dos auxiliares, importa tecer alguns comentários. Os monitores e/ou auxiliares de classe, nos municípios da região do Alto Sertão da Paraíba, são profissionais que trabalham diretamente com crianças na Educação Infantil. Os dados relativos ao número de auxiliares na Educação Infantil comprovam a presença significativa desta categoria profissional que atua em instituições educativas na região, pois mais da metade dos municípios declarou contar com o trabalho de auxiliares.

O auxiliar de classe (AC) é um profissional que recebe diversas nomenclaturas, tais como: auxiliar de sala, auxiliar de desenvolvimento infantil, monitor de sala, dentre muitas outras. Ao longo do território brasileiro, os primeiros registros desta categoria datam de 1982, quando o “auxiliar de sala” foi um cargo criado com vistas à manutenção da limpeza das salas. (CHAMARELLI, 2013). O Ministério da Educação (MEC) (BRASIL, 1998) assume que não existe um reconhecimento específico e merecido acerca destes profissionais:

Embora não existam informações abrangentes sobre os profissionais que atuam diretamente com as crianças nas creches e pré-escolas do país, vários estudos têm mostrado que muitos destes profissionais ainda não têm formação adequada, recebam remuneração baixa e trabalham sob condições bastante precárias. Se na pré-escola, consta-se ainda hoje, uma pequena parcela de profissionais considerados leigos, nas creches ainda é significativo o número de profissionais sem formação escolar mínima cuja denominação é variada berçarista, auxiliar de desenvolvimento infantil, monitor e etc. (BRASIL, 1998, p. 39)

Os monitores/auxiliares fazem parte de uma categoria profissional que desenvolve um trabalho de significativa importância juntamente às crianças no cotidiano da Educação Infantil. No entanto, há uma invisibilidade destes profissionais nas legislações e produção teórica. Considerando o importante papel que eles desenvolvem na docência, atendimento e acompanhamento das crianças, precisam ser valorizados e respeitados dentro do seu campo de trabalho e atuação, principalmente quanto à questão salarial.

Neste aspecto, Cerisara (1999, p. 112) informa que:

No caso das auxiliares de sala e das professoras, estas diferentes perspectivas em que ambas se encontram precisam ser analisadas levando em consideração tanto a forma como estas duas funções e essas profissionais, considerando as mudanças sociodemográficas ocorridas nas últimas duas décadas. A dinâmica das relações estabelecidas entre as auxiliares de sala e professoras da creche que trabalham junto ao mesmo grupo de crianças pode ser analisada levando em consideração a existência de uma hierarquização oficial entre as duas. Esta hierarquização tem sido evidenciada através de indicadores concretos, tais como carga horária semanal de trabalho, salário, formação, divisão de tarefas.

Os profissionais auxiliares de sala e os professores desempenham um trabalho em comum acordo, um processo em que ambas as categorias são responsáveis pela educação e cuidados com o bem-estar e a segurança das crianças. Esse contexto de trabalho, com categorias distintas, evidencia uma perspectiva não unificadora dos eixos: cuidados e educação. Ressalta-se que os municípios pesquisados apresentam um número significativo de profissionais que são auxiliares, por diversos fatores, dentre os quais se destacam as questões salariais. O baixo salário recebido gera uma economia grande na folha de pagamento, tendo em vista que a remuneração básica de cada um não ultrapassa um salário mínimo. Além disso, há um viés de contratação rápida, sem plano de carreira. A pesquisa não contemplou o tipo de formação que cada profissional possui, mas se entende que em geral a grande maioria apresenta formação em nível médio, não sendo exigida licenciatura para atuação.

Considerando as especificidades da Educação Infantil, a docência, muitas vezes, se dá de forma compartilhada. As auxiliares fazem parte de uma categoria que trabalha diretamente com as crianças na Educação Infantil, porém não possui reconhecimento e uma definição sobre sua profissão. No entanto, essas profissionais devem ser reconhecidas como corresponsáveis na ação docente a partir da compreensão de uma docência compartilhada, como denominam Duarte (2011) e Gonçalves (2014), ao demarcarem a especificidade da docência na Educação Infantil que possui dois adultos responsáveis pela educação e cuidado de um grupo de crianças. Adultos compartilham a mesma turma e assumem a responsabilidade conjunta de ações de cuidado e educação das crianças. Nesse sentido, há necessidade de pensar uma formação continuada que traga conhecimentos para o exercício da docência compartilhada.

O processo da docência compartilhada é uma tarefa bastante complexa e difícil, pois “[...] a dois, exige reinventar-se continuamente como professor” (TRAVERSINI et al., 2012, p. 158). Consequentemente, exige um processo de formação e transformação de princípios da comunidade educativa que levem a adotar uma postura de construção em relação ao novo modo de parceria.

Sobre este assunto e a sua importância, Traversini et al. (2012, p. 57) ressaltam:

A docência compartilhada exige um movimento de alteridade, é necessário mais do que enxergar o outro, é necessário lidar com as diferenças e exercitar a generosidade. Cada sujeito deve expor suas ideias e através do olhar do outro, seja nas crenças mútuas ou nas ideias distintas, buscar a construção da prática docente.

Entende-se que esse conceito ainda é pouco discutido na área, portanto, em estudos futuros seria importante discutir tais aspectos, assim como enfatiza Cerisara (1996), sobre a necessidade de a categoria auxiliar de sala receber um tratamento próprio nas futuras pesquisas para evidenciar questões relativas à sua especificidade, a fim de não correr o risco de ficarem agrupadas com profissionais que assumem funções indiretas junto às crianças (de limpeza, cozinha, etc.). É importante destacar que a professora e a auxiliar precisam desempenhar um trabalho em conjunto, ou seja, uma docência compartilhada, na qual ambas são responsáveis pela educação e cuidados com a alimentação, higiene, bem-estar, proteção e segurança das crianças. Cabe frisar, ainda, a necessidade de cuidar para que não haja hierarquização das ações educativas na configuração das categorias de profissionais que atuam com as crianças. É fundamental uma articulação cotidiana de saberes e fazeres entre profissionais no trabalho com o mesmo grupo de crianças (KRAMER, 2005), no bojo da luta por melhorias nas políticas de valorização dos professores.

Diante dessas situações, enfatiza-se a importância da realização de pesquisas que tratem destes profissionais, desta área e principalmente em torno das suas condições de trabalho, acesso e condições financeiras dignas mediante o seu esforço e importância para as modalidades da Educação Infantil.

Outro aspecto relevante que ainda cabe destacar é que em 31% dos municípios pesquisados a equipe pedagógica não participa das formações continuadas oferecidas pelas Secretarias Municipais de Educação, o que de certo modo representa um descaso, pois esta equipe representa um setor de fundamental importância na gestão das instituições educativas.

Isso ainda pode indicar uma falta de diálogo entre as equipes e os professores, ou ainda, na pior das hipóteses, entre este grupo e a própria Secretaria de Educação. Fato que pode levar a um distanciamento e divisão de trabalho entre aqueles que coordenam e os professores que realizam a prática, como se as duas atribuições não estivessem intimamente articuladas. Neste sentido, Libâneo (2001, p. 179) explica que “a coordenação é um aspecto da direção, significando a articulação e as convergências do esforço de cada integrante de um grupo visando a atingir objetivos. Quem coordena tem a responsabilidade de integrar, reunir esforços, liderar, concatenar o trabalho de diversas pessoas”.

A equipe pedagógica precisa ser e estar próxima das instituições de Educação Infantil, conhecendo o trabalho desenvolvido pelos profissionais, bem como as realidades que as famílias e as crianças que compõem esse espaço vivenciam no seu cotidiano. Portanto, esta equipe deve agir como um elo entre os pares, principalmente com o trabalho desenvolvido nas creches e pré-escolas que tem como função a complementaridade na educação e cuidado das crianças.

Ao longo da pesquisa, considerando a função da Educação Infantil de educar e cuidar de modo indissociável e complementar à família, buscou-se compreender quais temas/conteúdos vêm sendo abordados na formação continuada destes profissionais nos últimos anos. Para melhor compreensão dessas temáticas/conteúdos, apresenta-se o quadro abaixo.

Quadro 1 Temas abordados na formação de professores nos últimos três anos 

Temas sugeridos no questionário Quantidade de municípios que destacaram os temas sugeridos
Fundamentos (Psicologia, Filosofia, Sociologia e etc.) 01
Aspectos didático-pedagógicos (práticas cotidianas) 12
Aspectos ligados à arte e à cultura (literatura infantil, teatro e música) 04
Aspectos administrativos 00
Relações com a família e a comunidade 07
Saúde e alimentação (práticas cotidianas) 06

Fonte: Elaborado pelo autor, 2021.

Por meio do quadro acima, é possível visibilizar os temas/conteúdos da formação continuada de professores da Educação Infantil nos últimos três anos, na região do Alto Sertão da Paraíba. Observa-se que os temas trabalhados se organizaram da seguinte maneira: Fundamentos (Psicologia, Filosofia, Sociologia e etc.) foi um tema ofertado em apenas 01 município de todos pesquisados. Um dos temas mais trabalhados e explorados durante a realização das formações foi: Aspectos didático-pedagógicos (práticas cotidianas), abordado por 12 dos municípios durante as suas formações. Em relação aos aspectos que dizem respeito à cultura e à arte (literatura infantil, teatro e música), apenas 04 municípios destacaram que já trabalharam com essas práticas em determinado momento das suas formações. Ainda chamou a atenção, durante as análises, que 07 municípios relataram trabalhar com questões que abordam as relações com a família e a comunidade, enquanto a temática saúde e alimentação somou um quantitativo de 06 municípios. No que tange a questões relativas aos aspectos administrativos, nenhum dos municípios citou que trabalha com esse tipo de tema durante as suas formações com os professores. Fato que mais uma vez evidencia um distanciamento e uma separação das questões de gestão administrativa e aspectos pedagógicos.

Para se ter uma melhor compreensão das respostas dos municípios, faz-se necessário buscar amparo nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEIs), que apontam aspectos importantes a serem considerados nas formações continuadas na Educação Infantil.

Nas DCNEIs de 2009, além do cuidar e educar de modo indissociado, outra especificidade marcada e reivindicada é a garantia de que o processo de educação das crianças pequenas se dê por meio das interações, das linguagens e das brincadeiras, que se constituem modos próprios das crianças pequenas, desde bebês, conhecerem o mundo. Segundo esse documento norteador, a Educação Infantil deve oferecer experiências que:

Promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança; Favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical; Possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos; Recriem, em contextos significativos para as crianças, relações quantitativas, medidas, formas e orientações espaço-temporais; Ampliem a confiança e a participação nas atividades individuais e coletivas; Possibilitem situações de aprendizagem mediadas para a elaboração da autonomia das crianças nas ações de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar; Possibilitem vivências éticas e estéticas com outras crianças e grupos culturais, que alarguem seus padrões de referência e de identidades no diálogo e conhecimento da biodiversidade e da sustentabilidade da vida na terra, assim como o não desperdício dos recursos naturais; Propiciem a interação e o conhecimento pelas crianças das manifestações e tradições culturais brasileiras; Possibilitem a utilização de gravadores, projetores, computadores, máquinas fotográficas e outros recursos tecnológicos e midiáticos. (BRASIL, 2010, p. 25-26)

Observa-se, pelo quadro 1, que um grande número dos municípios informou que trabalha com aspectos didático-pedagógicos, porém, por meio do questionário, esta prática não fica bem especificada, o que, de certa forma, inviabiliza conhecer se as orientações das diretrizes estão sendo contempladas. Quais os aspectos didáticos-pedagógicos estão sendo abordados? Em que concepções estão pautados?

Outro aspecto mencionado pelos municípios são temáticas focadas nas relações com a família e comunidade. A Diretriz Curricular da Educação Infantil evidencia a necessidade de “participação, diálogo e escuta cotidiana das famílias, o respeito e a valorização de suas formas de organização”. (BRASIL, 2009, p. 19). O diálogo com as famílias é fundamental para evitar o distanciamento nas relações creche e famílias. Considerando que a Educação Infantil é direito das crianças e suas famílias, e a função da Educação Infantil de complementariedade às famílias na educação e cuidado de seus filhos, essa temática é importante e necessária na formação de professores da infância.

Em relação aos aspectos que dizem respeito à cultura e à arte (literatura infantil, teatro e música), 04 municípios destacaram que já trabalharam com essas práticas em determinado momento das suas formações. A arte e cultura, nas DCNEIs são de fundamental importância; assim, nas formações continuadas para os professores da Educação Infantil, deve haver uma ampliação dos repertórios dos professores que envolvem essas experiências.

Outro ponto abordado durante a realização da pesquisa foi saber se as Secretarias Municipais de Educação elaboram documentos que norteiam a formação continuada de profissionais que trabalham nas creches e pré-escolas (propostas pedagógicas, textos legais, publicações e outros materiais). Neste contexto, constatou-se que todos os municípios relataram que não desenvolvem nenhum tipo de documento específico para este segmento da Educação Infantil. Sabe-se que os documentos legais servem como suporte e apoio aos direitos adquiridos pelos professores da Educação Infantil. Os municípios alegaram que utilizam documentos comuns a toda a rede de ensino, tanto na creche quanto na pré-escola e estes documentos não são elaborados pela própria rede, mas sim são utilizados documentos norteadores da esfera nacional. No entanto, embora se tenham como eixo orientador os documentos nacionais, é fundamental que sejam desenvolvidos materiais locais para atender às especificidades locais.

Quanto à temática da formação que diz respeito aos Fundamentos (Psicologia, Filosofia, Sociologia e etc.), apenas 01 município declarou ter trabalhado essas concepções durante as suas formações sem mencionar que tipo de abordagem é realizada ou que tipo de prática é levada em consideração, seja na área da Psicologia, Sociologia ou Filosofia, temas destacados no questionário. Tal questão leva a indagar e buscar compreender que tipo de profissional estas Secretarias Municipais de Educação buscam formar. Sabe-se que o questionário não possibilitou compreender o que de fato é considerado nas formações continuadas quando temas da Psicologia, Sociologia e Filosofia são destacados. Contudo, tal questão leva a fazer alguns questionamentos sobre o que permeou a invisibilidade de tais temas: qual papel da Psicologia, da Sociologia e Filosofia nos estudos sobre as crianças? Que lugar tais áreas de conhecimento ocupam nos estudos na Educação Infantil? Como elas estão relacionadas às infâncias?

Ao discutir os fundamentos teóricos e epistemológicos de Psicologia, Sociologia e Filosofia nas formações continuadas, é fundamental que as professoras sejam mobilizadas a associar essas teorias às possibilidades de práticas educativas desempenhadas dentro das instituições de Educação Infantil, pois só assim a discussão de tais princípios fará sentido.

As temáticas de diferentes fundamentos teóricos e epistemológicos de tais áreas contemplam estudos significativos sobre as infâncias que buscam conhecer a pequena infância. Assim, nas formações continuadas é imprescindível instigar discussões e reflexões entre as professoras, sejam na área da Psicologia, Sociologia ou na Filosofia, que considerem as crianças como seres situados social, cultural e historicamente.

O fato de tais discussões estarem praticamente ausentes, no contexto pesquisado, nas formações continuadas das professoras de Educação Infantil leva a pensar o quanto elas são privadas do principal papel que tais áreas poderiam potencializar, o exercício do pensar, ou seja, a capacidade de questionar. Por isso, indaga-se: o que a Filosofia, a Sociologia e a Psicologia poderiam possibilitar às professoras pensarem e refletirem sobre a educação das crianças? Destaca-se a importância dessas diferentes áreas de conhecimento nos estudos da infância, pela relação teoria e prática educativa e pela possibilidade de ampliação da leitura de contexto e de mundo.

Um olhar que prega a imparcialidade e a desatenção pela Educação Infantil também revela essa questão, mostrando de forma notória o distanciamento entre a Educação Infantil nos municípios e a Educação Infantil na realidade em que esses municípios estão inseridos. As políticas públicas trazem a necessidade de uma formação clara, objetiva e que traga ao professor estratégias e metodologias eficientes para o desenvolvimento das suas atividades dentro do espaço educacional, mas, infelizmente, ainda se encontra em uma realidade muito distante daquilo que os documentos legais expõem e desejam.

A ausência desta articulação teoria e prática na formação continuada pode ocasionar uma fragmentação que vai contra os processos que dizem respeito às ações sociais, aos direitos da criança e principalmente aos seus direitos de aprendizagem, desqualificando de forma substancial a sua integralidade, em especial o seu direito de ser criança dentro do espaço educacional.

Considerações para esse tempo

No presente texto, relatou-se uma pesquisa sobre formação continuada de professores da Educação Infantil na região do Alto Sertão da Paraíba. Apresentaram-se fragmentos, breves passagens, que se acredita serem significativas para pensar tal questão.

Ao longo da pesquisa, observou-se que a região pesquisada reconhece a Educação Infantil como uma etapa da educação básica. Entretanto, faz-se necessário ainda compreender as especificidades que contemplam esta etapa. Considerando as necessidades e direitos que norteiam a área, evidencia-se que nem todos os municípios possuem setores específicos para o desenvolvimento e o trabalho com as crianças pequenas. Fato que interfere sobremaneira na organização e funcionamento da área na região pesquisada, sobretudo para o desenvolvimento das ações na formação continuada de professores.

O processo das garantias e direitos estabelecidos aos professores, carreira e condições de trabalho é preocupante, considerando que há, ainda, muitos profissionais auxiliares que fazem parte de uma categoria que trabalha diretamente com as crianças na Educação Infantil, porém não possui reconhecimento e uma definição sobre sua profissão. Tal fato demonstra a precarização do trabalho docente e enfatiza a importância de pesquisas futuras sobre essa categoria de profissionais e sua atuação na Educação Infantil.

Do texto à vida, as políticas da Educação Infantil parecem imprimir a garantia do direito à formação continuada de professores na Educação Infantil. Todos os municípios relataram que desenvolvem tal formação. No entanto, questiona-se: é possível acreditar que as políticas podem existir independentemente do contexto, dos professores, das crianças, das instituições educativas? Lançar um olhar para a temporalidade, a forma e os conteúdos abordados nas formações remete à necessidade de (re)pensar percursos e buscar instaurar diálogos com a prática, com a vida que pulsa dentro das instituições de Educação Infantil.

1A construção deste instrumento teve como fonte de inspiração a pesquisa realizada em 1999 e 2009 no estado do Rio de Janeiro pelo Grupo de Pesquisa Infância, Formação e Cultura (INFOC), coordenado pela professora Sônia Kramer.

2O questionário foi encaminhado às 17 Secretarias Municipais de Educação que compõem a região estudada para o seu preenchimento, no entanto apenas 13 secretários(as) municipais fizeram a devolutiva.

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Recebido: 16 de Março de 2022; Aceito: 02 de Março de 2023

Editor Chefe: Prof. Dr. José Eustáquio Romão

Editora Científica: Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista

Editora Científica: Profa. Dra. Marcia Fusaro

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