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Eccos Revista Científica

Print version ISSN 1517-1949On-line version ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.64 São Paulo  2023  Epub Feb 12, 2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n64.22624 

Resenhas

ROLT, Clóvis Da. Terra de Exílio. Rio Grande Do Sul: Ed. do Autor, 2022. 243 p.

Janaina Campos Peres, Doutoranda em educação1 
http://orcid.org/0000-0002-1660-6109

Marcia do Carmo Felisino Fusaro, Doutora em Comunicação e Semiótica2 
http://orcid.org/0000-0002-1246-9282

1Doutoranda em educação, Universidade Nove De Julho - UNINOVE. São Paulo, SP - Brasil.

2Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC São Paulo, Universidade Nove De Julho - UNINOVE. São Paulo, SP - Brasil.

ROLT, Clóvis Da. Terra de Exílio.. Rio Grande Do Sul: Ed. do Autor, 2022. p. 243


Terra de exílio é o título da obra do autor Clóvis Da Rolt, Mestre e Doutor em Ciências Sociais, pela Universidade do Vale dos Sinos - RS, atualmente professor da Universidade Federal do Pampa - Campus Jaguarão - RS.

A obra é um compilado de treze encontros (textos), de modalidade ensaística que, mesmo mantendo um rigor metodológico, são mais livres do ponto de vista estilístico. Literatura, Cultura, Filosofia, Educação e Arte são assuntos que perpassam as linhas da obra.

No ensaio intitulado “Notas sobre a sedução primeira: arte e literatura como formas de inoculação”, o autor enfatiza, através de duas lembranças pessoais, a importância da liquidez e fluidez no processo de formação. Afirma que formação depende da insatisfação, da busca pela atualização, do transcender, do mudar-se constantemente e que, nesse processo, a arte e a literatura possuem a capacidade de nos seduzir e inserir em nós aquilo que é necessário para a mudança. As sedutoras (arte e literatura) nos oferecem a completude, no sentido de que tendemos a ser mais inteiros quando admitimos nossos medos, fracassos e erros.

Seduzido pela literatura, o autor inicia o segundo ensaio com o questionamento “Leitura literária, a que se destina?”. Nele, Rolt se volta à função da leitura literária. Ler literatura é estar diante de um labirinto com diversas direções e possibilidades de percurso que, assim como a própria existência, é uma via de conhecimento. Ao leitor literário é necessário persistência no ato de ler, uma responsabilidade prazerosa assumida cotidianamente. A escolha do livro é tão importante quanto o compromisso de ler. A boa literatura cria rupturas, inocula, transcende, completa, conduz o leitor a interpretações mais profundas, pois o texto exuberante não se esgota em suas interpretações, sempre há algo a se descortinar. Contudo, isso só se adquire perseverando diante da excelência daquilo que se lê.

Ainda na esfera da boa literatura, o terceiro ensaio nos convida ao renascimento através da poesia. Em “Oscar Bertholdo: poesia como um sopro inaugural”, o autor faz uma citação sobre a obra bertholdiana e sua relação de pertencimento a um lugar, no caso, os Vales da Serra Gaúcha, a cultura e o cotidiano da região de colonização italiana. Contudo, seus escritos não são limitados à região, o “poeta do vale” traz em seu jogo de palavras metafóricas, sentidos que remetem ao local e ao universal. Em seus textos mostra o mundo através do vale, literatura exuberante e sedutora, que provoca rupturas e transcende. Uma poesia que convida à restauração e chama à beleza, a um sopro de vida, diante de um mundo exaurido.

Falar de literatura que não se esgota e não citar Marco Lucchesi é dificílimo. No quarto ensaio desenvolvido na terra de exílio, “Um exame de palavras no coração: Marco Lucchesi e a densidade humana da escrita”, há uma apresentação da escrita profunda e rizomática de Marco Lucchesi, dono de uma construção intelectual, cultural, espiritual e humana admiráveis. Ele nos envolve em uma literatura labiríntica, de modo que a cada curva nos deparamos com algo que nos convida, nos invade, ora nos localizando na realidade, ora levando-nos aos mais altos estratos da imaginação. É amor à primeira leitura. Nesse ensaio, o autor também comenta brevemente quatro obras de Lucchesi, destacando características e temas presentes em sua escrita, que é inteligente, contudo, não segregada da alma, direcionada, segundo Rolt, não ao reino dos neurônios, mas à majestade do coração peregrino.

A escrita poética modifica a realidade através do arranjo sedutor de metáforas e imagens, transformando uma simples árvore em um “Monge verde na procissão do bosque”, título dado ao quinto ensaio. Nele, o autor nos mostra o poder da poesia diante de um mundo tecnicista, dicotômico, categórico, que coloca preço em quase tudo, ao passo que o quase, não possuindo um preço, logo se faz inútil. Viver extrapola os gráficos e experimentos laboratoriais. Instabilidade, incerteza e imprecisão. É no caos que se instaura o fenômeno poético. Baseando-se em escritos de Constantin Nóica (2011), nos diz que é na desordem que se faz o contato entre a potencialidade criadora e o ser humano.

A transmutação da realidade e seu entendimento pode ser feito também pela via cômica, em “Sátira cultural, terras jocosas e peripécias bufoliterárias em Joaquim Pepperoni, PhD”, a função do humor no texto literário e o papel do riso na cultura é destacado. Nesse sexto ensaio, Rolt tece um breve comentário sobre a historicidade do humor e traz como exemplo de boa literatura, pela via cômica, os textos de Joaquim Pepperoni, pseudônimo de um escritor da Serra Gaúcha, que traz o humor já em seu grau de titulação, pois se apresenta como PhD, especialista em Etnomilhografia, história geral do Polentariado e por aí segue. Pepperoni criou personagens, lugares e situações que envolvem aspectos da cultura e da vida de imigrantes italianos na Serra Gaúcha, não com a intenção de ridicularização, mas, antes, como uma denúncia, mostrando aquilo que se quis esconder no percurso. A literatura nos faz perceber, através de seus olhos, o que não conseguimos enxergar com os nossos.

Humor, percepção, consciência, tristeza, amor, solidão, espiritualidade, todas idiossincrasias humanas. No sétimo ensaio, ou reencontro, o autor nos mostra como nos encontrar e nos conectar a essas idiossincrasias. Em “Dos aprendizados no deserto: a experiência mística e a travessia da interioridade”elenca características conotativas e denotativas do deserto. Lugar de busca, de travessia, de transformação, de silêncio, de encontro no corpo nas relações, na inteligência e na fé. Elucida o contexto de deserto em diversos autores, relacionando-o às experiências místicas. Deserto é exílio, que faz o homem se encontrar com sua humanidade.

Homem. Corpo em movimento. Corpos e movimento, estes são os assuntos que preenchem o oitavo e nono ensaios dessa obra. Neles, o autor fala do corpo na arte cinematográfica. Em “Corpo e escrita em O livro de cabeceira, de Peter Greenaway”, aborda aspectos do filme produzido em 1996, pelo diretor britânico Peter Greenaway. Sua produção fílmica se baseia no texto japonês “o livro de travesseiro”, de Sei Shônagon, porém, não se trata de uma reprodução, sua obra tem aspectos singulares que falam por si mesmos, relacionando corpo e escrita (corpo-livro). A mão (parte do corpo), ao escrever, une o pensamento ao concreto. Uma ponte entre o imaterial e o material. Já no ensaio “Com uma mirada sem corpo: notas sobre a memória em o cidadão ilustre” Rolt trata do corpo-memória como construtor de narrativas. O filme O cidadão ilustre, de 2016, nos conta a história do retorno de Daniel Mantovani, ganhador do Nobel de Literatura, à sua cidade natal. O renomado escritor é convidado a retornar à pequena comunidade de Salas, na Argentina. Memória, pertencimento, identidade, vivência são assuntos abordados a respeito dessa obra fílmica. Um constante conflito quando se tenta descobrir o que realmente levamos conosco, independentemente de onde vamos, pois somos acumuladores.

Acumuladores de uma insuportável virtude, aquela que cultua o futuro, deserdando o passado e não percebendo o presente. No décimo ensaio “Herdeiros de nós mesmos: educação e formação frente aos labirintos da tecnologia”, o autor, inconformado, convida-nos a visitar o passado e aprender com ele. Mostra-nos como enxergar no presente o potencial futuro. O que estamos deixando para nós mesmos? Não é formar para o futuro, é estar-se formando e formando no agora com o outro, é uma simbiose que leva ao futuro. É nesse presente que precisamos pensar o papel ocupado pela tecnologia na educação, como ela foi, como é e como pode ser utilizada. Sua função, a real necessidade, seu propósito e o risco de desvinculá-la de valores éticos na formação do educando.

Os meios de comunicação de massa, a quantidade de informação que se recebe, a facilidade e velocidade com que ela nos alcança podem criar um ambiente de coletivismo extremo, despersonalizado, totalitário, ameaçando a pessoa em sua integridade e transcendência. Diante dessa questão “O conceito de pessoa e suas implicações éticas no personalismo de Emmanuel Mounier” é apresentado no décimo primeiro ensaio da obra. Nele, Rolt examina alguns aspectos das ideias de “pessoa” em Mounier, encontrando os conceitos que estruturam o pensamento do filósofo e, através do qual, é possível se dar continuidade, o que seria benéfico ao cenário contemporâneo, que visa a eficiência e funcionalidade e “coisifica” o homem.

Se não tem um valor monetário ou uma funcionalidade imediatista, se não vislumbra um objetivo científico, não é útil. Em “As evocações do inútil no ensino de arte”, décimo segundo ensaio, evidencia-se o cenário eficientíssimo educacional que vivemos, onde alguns conhecimentos são enaltecidos e outros desprezados. Ele mostra que por ser considerado inútil é que o ensino da arte se faz necessário e adverte que não é qualquer pessoa que pode ensiná-la, mais do que sensibilidade é preciso conhecimento. A inutilidade constrói a humanidade do ser humano. Rolt diz que não podemos deixar morrer o inútil que em nós habita, ele é o que resta, quanto todo o concreto eficiente se cala.

No derradeiro ensaio “Inger Enkvist: percursos de um pensamento”, Clóvis da Rolt nos apresenta as linhas de pensamento de Inger Enkvist, literata sueca que vem ganhando notoriedade no campo da pedagogia e das políticas educacionais. Ela questiona a nova pedagogia que, em seu estudo, está esgotada em si própria. Denúncia que na nova forma de ensinar e aprender, o fazer pedagógico, abriga o facilismo, o igualitarismo artificial, a falsa autonomia discente, o anti-intelectualismo e o irracionalismo. Não é possível escapar da ética, pois está relacionada à ação, à vida. Nesse sentido, a escritora propõe o regresso da moderação e do bom senso, um entendimento do passado para construção do presente e possível futuro. Mas isso depende de esforço, empenho, escolha e vontade.

Exilados em território metodológico, solo compactado, onde até boas sementes são esmagadas pela forma ou queimadas pelo ego. É nessa terra que produzimos e nela que devemos insistir em caminhos possíveis, linhas de fuga. Aprendemos isso com a leitura dos ensaios de Rolt. Aprendemos que ensaios são como chuva em terras áridas. Fluídos. Aos poucos permeiam os horizontes edáficos mais rígidos, abrindo possibilidades e criando ambientes que permitirão, esperemos que logo, a germinação de boas sementes, que crescerão e frutificarão. Transformando, assim, a paisagem da terra de exílio, permitindo que nós, exilados, possamos compartilhar, em encontros, a beleza e as paixões alegres contidas na poética do ser e do existir.

Referências

ROLT, Clóvis da. Terra de Exílio. Rio Grande do Sul: Ed. do Autor, 2022. 243 p. [ Links ]

Recebido: 31 de Março de 2021; Aceito: 07 de Agosto de 2021

Editor Chefe: Prof. Dr. José Eustáquio Romão

Editora Científica: Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista

Editora Científica: Profa. Dra. Marcia Fusaro

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