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Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.65 São Paulo apr/june 2023  Epub 16-Feb-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n65.22350 

Artigos

PROPOSTAS DIDÁTICAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL: A TRÍADE BRINCADEIRA, CRIATIVIDADE E LINGUAGEM

TEACHING PROPOSALS FOR EARLY CHILDHOOD EDUCATION: THE TRIAD PLAY, CREATIVITY AND LANGUAGE

PROPUESTAS DIDÁCTICAS PARA LA EDUCACIÓN INFANTIL: LA TRÍADA JUEGO, CREATIVIDAD Y LENGUAJE

Débora Borges Martins, Mestre em Educação1 
http://orcid.org/0000-0001-7790-4110

Adriana Rodrigues, Doutora em Educação2 
http://orcid.org/0000-0002-5435-394X

1Mestre em Educação pela, Universidade de Uberaba (UNIUBE), Uberaba/MG/ Brasil, Brasil.

2Doutora em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Universidade de Uberaba (Uniube). Uberaba, MG -Brasil.


Resumo

O presente texto é fruto de uma pesquisa de Mestrado em Educação da Universidade de Uberaba (Uniube) vinculado à linha de pesquisa Desenvolvimento Profissional, Trabalho Docente e Processo de Ensino-Aprendizagem. Buscamos, por meio da pesquisa, defender um espaço de Educação Infantil com propostas didáticas que levem em consideração: a brincadeira, a criatividade e a linguagem. Ao aprofundarmos na temática, compreendemos que é preciso romper com a dualidade do vir a ser e do assistencialismo, reconhecendo a criança como “sujeito de direitos”, considerando as suas condições e as particularidades do psiquismo. Desta maneira, o presente texto tem como objetivo evidenciar a importância da brincadeira, da linguagem e da criatividade no contexto da Educação Infantil, com aporte teórico da perspectiva Histórico-Cultural. A pesquisa bibliográfica e documental buscou, por meio de fichamentos de leituras, organizar quadros, tabelas, resumos, anotações pessoais e assim estabelecer relações entre a tríade: linguagem, brincadeira, criatividade e contribuir com propostas didáticas para a Educação Infantil considerando a legislação vigente. Concluimos que os princípios da Teoria Histórico-Cultural contribuem para uma prática intencional que valoriza a infância em suas diferentes linguagens, reconhecendo uma ação intervencionista e o respeito às singularidades.

Palavras-chave: brincadeira; criatividade; linguagem; Teoria Histórico-Cultural; Educação Infantil.

Abstract

The present text is the result of a master’s degree in education research at the University of Uberaba (Uniube) linked to the line of research Professional Development, Teaching Work and Teaching-Learning Process. We seek through research to defend a space for Early Childhood Education with didactic proposals that consider play, creativity, and language. When delving into the theme, we understand that it is necessary to break with the duality of becoming and assistentialism, recognizing the child as a "subject of rights", considering the child's conditions and the particularities of the psyche. In this way, the present text aims to highlight the importance of play, of language and of creativity in the context of Early Childhood Education, with a theoretical contribution from the Historical-Cultural perspective. The bibliographic and documental research sought to organize charts, tables, summaries, personal notes through reading records and thus establish relationships between the triad: language, play, creativity and contribute with didactic proposals for Early Childhood Education considering the current legislation. We conclude that the principles of the Historical-Cultural Theory contribute to an intentional practice that values childhood in its different languages, recognizing an interventionist action and respect for singularities.

Keywords just kidding; creativity; language; Historical-Cultural Theory; Childhood Education.

Resumen

Este texto es resultado de una investigación de Maestría en Educación de la Universidad de Uberaba (Uniube) vinculada a la línea de investigación Desarrollo Profesional, Trabajo Docente y Proceso de Enseñanza-Aprendizaje. Buscamos, a través de la investigación, defender un espacio para la Educación Infantil con propuestas didácticas que tengan en cuenta: el juego, la creatividad y el lenguaje. A medida que profundizamos en el tema, entendemos que es necesario romper con la dualidad del devenir y el bienestar, reconociendo al niño como “sujeto de derechos”, considerando sus condiciones y las particularidades de su psiquismo. De esta forma, este texto pretende resaltar la importancia del juego, el lenguaje y la creatividad en el contexto de la Educación Infantil, con sustento teórico desde la perspectiva Histórico-Cultural. La investigación bibliográfica y documental buscó, a través de registros de lectura, organizar cuadros, tablas, resúmenes, apuntes personales y así establecer relaciones entre la tríada: lenguaje, juego, creatividad y contribuir con propuestas didácticas para la Educación Infantil considerando la legislación vigente. Concluimos que los principios de la Teoría Histórico-Cultural contribuyen a una práctica intencional que valora la infancia en sus diferentes lenguajes, reconociendo una acción intervencionista y de respeto a las singularidades.

Palabras clave: juego; creatividad; lenguaje; teoría histórico-cultural; educación infantil.

Introdução

A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica como discrimina a LDB n. 9.394/96 (BRASIL, 1996) é orientada pelas DCNs (BRASIL, 2009) e pela BNCC (BRASIL, 2018). Ambos documentos orientadores não garantem uma finalidade clara do trabalho pedagógico. A BNCC aprovada é um documento obrigatório, prioriza atividades individualizantes conhecidas como “direitos de aprendizagens”. (BRASIL, 2018, p.47). É questionável quando se trata da brincadeira, linguagem e criatividade, pois existe uma lacuna entre o que se espera da Educação Infantil e o que de fato tem sido concretizado. Assim é pertinente questionar, como a brincadeira e a criatividade podem contribuir para aprendizagem da criança e para o seu desenvolvimento no contexto da Educação Infantil? O desenvolvimento da linguagem considera as múltiplas formas de expressão?

A BNCC apresenta as habilidades que se devem priorizar para as crianças nesta faixa etária. O caminho, o professor escolhem, mas como chegar até esses objetivos? Isso tem sido o desafio.

Em pesquisas realizadas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) 1 e no Catálogo de Teses & Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), encontramos em situação precária o estado do conhecimento relativo ao descritor “brincadeira e criatividade, Educação Infantil, Teoria Histórico-Cultural”; há pouquíssimos trabalhos nesta direção. Há razões para crer na existência de aspectos importantes pouco explorados ou mesmo, o que é pior, inexplorados. Entretanto, procuramos questionar esta visão, entendendo que a Educação Infantil é, sim, uma etapa distintiva e singular da Educação, contendo seus próprios ditames e peculiaridades, entre os quais se encontram o desenvolvimento da linguagem, as brincadeiras e o respectivo estímulo à criatividade.

O referencial da THC se apresenta como uma possibilidade de entendimento acerca desta problemática, pois ao considerar a tríade (brincadeira, linguagem e criatividade) a partir de uma perspectiva bibliográfica, buscamos apresentar um conjunto de propostas didáticas considerando a brincadeira, o desenvolvimento histórico da linguagem e a criatividade como práticas pedagógicas na Educação Infantil.

A linguagem é histórica, não natural e carente de intervenções; inicia-se quando a criança participa dos códigos e começa a compreendê-los ligados aos seus significados, tornando-se progressivamente consciente e capaz de se comunicar com outras pessoas.

A relação entre a linguagem e a brincadeira ocorre no sentido de uma função humanizadora, induzindo a criança a se relacionar com o mundo dos objetos, satisfazendo necessidades suas imediatas e prazeres cognitivos. A tríade transcorre na elaboração mental da realidade apresentada, levando a criança a agir a partir do que tem em mente, e, assim, orientando-se e modificando o espaço e a si mesma.

Por fim, vale destacar que o presente texto trata-se do gênero textual artigo em que se buscaram aprofundamentos teóricos e metodológicos para responder à questão de como a brincadeira e a criatividade podem contribuir para a aprendizagem da criança e para o seu desenvolvimento no contexto da Educação Infantil sob a perspectiva Histórico-Cultural. Para tanto, buscamos autores da THC, fazendo um levantamento bibliográfico qualitativo e elaborando o referencial teórico considerando os seguintes eixos: o desenvolvimento infantil, o papel da linguagem, o lugar da brincadeira, criatividade e em seguida as propostas didáticas para a Educação Infantil.

Compreendemos, por meio da perspectiva vigotskiana, que atividade criadora é atividade com intencionalidade. A criatividade precisa ser desenvolvida e potencializada, portanto, esse segmento de Educação carece de ensino e esse é o diferencial desta pesquisa: contribuir com propostas que valorizem a brincadeira como atividade que potencializa o desenvolvimento da linguagem e da criatividade.

O eixo do desenvolvimento infantil

Vigotski (2001), ao tratar a questão de como a criança se desenvolve, ressalta que o ser humano nasce com uma carga hereditária e se transforma socialmente. Em seu ponto de vista, é preciso que se estude o homem em seu desenvolvimento histórico, sua história de vida, sua relação com os instrumentos.

No que se refere ao desenvolvimento da criança no contexto da Educação Infantil, entendemos que as propostas aqui apresentadas tencionam promover reflexões acerca do “desenvolvimento integral da criança”. As contribuições de Vigotski (2008) perpassam as considerações de brincadeiras e criatividade na infância; elas evidenciam o desenvolvimento do pensamento, pois de acordo com o autor essas propostas afirmam as experiências sociais e contribuem para a subjetividade da criança. Neste sentido o pensar culmina no expressar e isso se dá nas descobertas, no dia a dia da família e também na educação sistematizada e organizada intencionalmente, pois é daí que a criança produz conceitos: das atividades, das ações, das brincadeiras. Só que, antes de tudo, é preciso pensar e sucessivamente agir a partir do que ela tem em mente.

O desenvolvimento da imaginação e o do pensamento permeiam as experiências vividas e isso está intrínseco na obra “Pensamento e Linguagem” (VYGOTSKY, 1987). Ao relacionar as palavras aos objetos, a criança atinge formas superiores de pensamento. Assim, no olhar do autor (VYGOTSKY, 1987), a Pedagogia não tem um trabalho limitado, mas sim baseado no que a criança é capaz de fazer, e daí o pedagogo poderá ir processando seu trabalho, a partir da condição real da criança.

Bozhovich (1987) evidencia que cada etapa tem um conjunto especial de condições de vida e atividades que podem ser essenciais ao desenvolvimento da criança. Em especial na Educação Infantil, temos as seguintes etapas: comunicação emocional direta com o bebê, atividade “objetal manipulatória” e jogo de papéis.

O primeiro estágio trata da comunicação emocional direta com o bebê: (de 1 ano mais ou menos) situação em que se formam as ações sensório-motoras de manipulação.

O segundo estágio compreende a atividade “objetal manipulatória”. Ocorre quando a criança consegue assimilar os procedimentos socialmente elaborados de contato com os objetos. Para a autora (BOZHOVICH, 1987), é por intermédio da linguagem que a criança mantém o contato com os adultos e aprende a manipular os objetos.

As crianças, graças às conquistas do período anterior e às mudanças no seu corpo, muda de posição nas relações sociais. Elas já não são mais um ser indefeso, mas ainda não têm responsabilidades. Elas podem locomover-se livremente pelo ambiente, pois engatinham, já usam a linguagem em seus rudimentos e podem atuar sobre o mundo. Por isso, na sua consciência, diferenciam-se algumas funções psíquicas como percepção, atenção e memória e aparecem as primeiras generalizações sensoriais. Elas começam a usar palavras para designar objetos e isso tem implicações. Por conta de tudo isso, as necessidades do bebê começam a encarnar-se cada vez mais nos objetos da realidade circundante. Como resultado, os objetos mesmos adquirem força impulsora (BOZHOVICH, 1987, p.258).

O terceiro estágio de desenvolvimento na infância se dá na idade pré-escolar que tem os jogos de papeis como atividade principal, por isso, é de suma importância que as brincadeiras sejam apresentadas para a percepção da criança com o mundo.

Quando observamos estes principais estágios na idade infantil, percebemos que a relação da criança com a cultura acontece de acordo com suas necessidades. E conforme ela vai se adaptando e suprindo tais necessidades, por meio de suas atividades principais e processos psíquicos, ela vai formando sua personalidade, apropriando-se da linguagem historicamente produzida e conduzindo seu comportamento.

O papel do adulto no primeiro estágio de desenvolvimento é uma via de sociabilidade para a criança, pois é ele quem cuida e insere a criança no mundo da comunicação, ajudando-a a manipular objetos e descobrindo, por meio desta colaboração, as funções simbólicas da linguagem. Para Bozhovich (1987), cada estágio tem um trânsito de novas condições de vida e, portanto, deve-se levar em conta as particularidades psicológicas na organização de atividades da criança de modo a impulsionar as atividades para o desenvolvimento e para que a criança tenha interesse e desejo de participar, pois as vivências emocionais, em cada um desses estágios, são cruciais para o seu desenvolvimento.

Bozhovich (1987) destaca a importância da idade infantil na vida da criança. Para a autora, na idade pré-escolar, por exemplo, a memória faz conexão com o pensamento adquirindo caráter lógico e contribuindo para o desenvolvimento infantil. Portanto, entendemos que, quando lançamos um desafio para a criança, ela vai tentar solucionar aquele problema intelectual por meio das recordações das vivências guardadas, e assim, a estrutura de sua consciência desenvolve funções psíquicas até então isoladas, reproduzindo de acordo com sua idade, as características lógicas internas, por meio das condições externas.

Toda criança tem uma história de vida e buscar entender que tipo de educação essa criança teve, como é seu acesso ao patrimônio cultural, o lugar em que vive, seu ritmo de desenvolvimento de acordo com sua idade psicológica, é compreender que se está lidando com um sujeito em formação e, por isso, a educação precisa apresentar possibilidades para que essa criança se desenvolva em seus aspectos físicos e intelectuais.

Vygotsky (1987. p.116) afirma que o “[...] pensamento da criança evolui em função do domínio dos meios sociais do pensamento [...]”, isto é, a criança se desenvolve em função da linguagem. O adulto, na perspectiva do autor, é que vai mediar as vivências da criança com a linguagem socialmente elaborada, dando sentido às ações, aos objetos e ao conhecimento.

Neste sentido, reconhecer o profissional de Educação Infantil como alguém que planeja um trabalho, que avalia, que observa e registra, é entender que esta relação com o ensino-aprendizagem emerge de uma relação social que é individual.

Partindo da proposta de Vygotski (1993) de uma educação que desperte a curiosidade para o novo, proporcionando o desenvolvimento da memória, da atenção e da imaginação, consideramos o que o autor propõe como atividade-guia para esta etapa (as brincadeiras), supondo que o professor toma esse pressuposto como base de desenvolvimento de atividades com as crianças desta etapa. Nesta lógica, a intencionalidade pedagógica precisa ir ao encontro do como a criança vê o mundo. É nesta relação dialética que ela vai se desenvolver e ampliar sua visão de mundo

A atividade principal do ponto de vista de Leontiev (1978) é um elo prático que liga a criança ao mundo circundante e neste processo entre a criança e o mundo estão os objetos. De acordo com o autor, por meio das atividades que a criança estabelece com o mundo exterior é que ela irá se orientar.

Desta maneira, o autor nos leva a compreendermos que a atividade principal da infância (as brincadeiras) é uma “unidade molecular”, ou seja, um processo dinâmico que emerge da realidade circundante em relações estabelecidas. Em suas palavras, ele diz que:

A atividade é uma unidade molecular, não uma unidade aditiva da vida do sujeito corporal, material. Em um sentido mais estrito, quer dizer, a nível psicológico, é a unidade da vida mediada pelo reflexo psicológico, cuja função real consiste em que orienta o sujeito no mundo objetivo. Em outras palavras, a atividade não é uma reação nem um conjunto de reações, mas um sistema que tem estrutura, suas transições e transformações internas, seu desenvolvimento. (LEÓNTIEV, 1978, p. 66-67).

De acordo com a Teoria Histórico-Cultural, o desenvolvimento e a aprendizagem têm uma relação complexa. Para Vigotski (2001), são as experiências do sujeito com o mundo baseadas nas interações é que possibilitam o despertar dos processos internos de desenvolvimento. Neste sentido, a escola e a Educação Infantil têm o papel de transformar a criança em sujeito cultural.

Portanto, o eixo do desenvolvimento infantil é um processo em que o ser humano vai adquirindo capacidades físicas, cognitivas, sociais e emocionais. A partir das vivências, ele atinge potencialidades, desenvolve-se e se transforma enquanto sujeito histórico e cultural.

O papel da linguagem no desenvolvimento infantil

Quando a criança nasce, ela precisa do outro para se apropriar das características humanas e o rosto da mãe ou de quem cuida é o primeiro espelho em que a criança olha. À medida que ela interage com os outros seres humanos à sua volta, vai-se constituindo como sujeito e tendo consciência do mundo ao redor, não de forma simples, mas pela apropriação da cultura já existente. Trata de atividade tipicamente humana que faz da criança parte integrante em uma sociedade. Ao brincar, a criança se apropria dos modos culturais e do comportamento das pessoas, impulsionando a formação de sua personalidade e funções psíquicas.

Segundo Leontiev (1978), o homem não nasce humano, ele se transforma em humano; assim o movimento dialético entre a história e o meio cultural do homem se caracteriza por uma realidade que compreende trocas recíprocas. Desta forma, torna-se impossível concordarmos com uma proposição de que o homem se desenvolve apenas biologicamente.

A relação de pensamento e linguagem apresentada por Vigotski (2001) ocorre quando a criança descobre que cada coisa tem seu nome e passa a empregar essa relação de acordo com suas necessidades. De acordo com Vigotski (2001), quando a criança verbaliza, ela relaciona o significado aos objetos ou materiais generalizando e agrupando-os em categorias correspondentes. Neste sentido, entendemos que, quando a criança tem a palavra em mente, ela tem a referência do objeto e isso ganha sentido com a escolarização, quando ela vai ampliar o significado da palavra e ter acesso a novos conhecimentos.

Na Teoria Histórico-Cultural, a palavra é o signo representativo do conceito; ao dominá-la, a criança relaciona-a aos objetos. A ampliação do significado depende da mediação do adulto mais experiente que não fará uma simples transmissão de conhecimento, mas se valerá das experiências anteriores da criança para realizar o processo de assimilação.

Para que isso ocorra no contexto da Educação Infantil, é importante compreender que a linguagem na infância é um processo de aprendizagem que faz parte do universo codificado e simbólico, por isso necessita de mediações adequadas para que a criança tenha condições de interagir socialmente na cultura a que pertence.

A linguagem libera a criança das impressões imediatas sobre o objeto, oferece-lhe a possibilidade de representar para si mesma algum objeto que não tenha visto e pensar nele [...]. A criança pode expressar com palavras também aquilo que não coincide com combinação exata de objetos reais ou das correspondentes ideias. Isso lhe dá a possibilidade de se desenvolver com extraordinária liberdade na esfera das impressões designadas mediante palavras (VIGOTSKI, 2003, p. 122).

Vigotski (2001) assevera que a fala acompanha a atividade prática, portanto, observa-se que as crianças, ao analisarem as situações, tentam resolver as questões daí oriundas. E isto faz parte das aptidões humanas, já que essas características de comportamento se dão na relação entre fala e ação no decorrer do desenvolvimento das crianças.

Desta forma, a criança aperfeiçoa a linguagem na medida em que se desenvolve mentalmente, em um processo dialético de unidade entre pensamento e fala. Sendo assim, ela precisa participar de atividades que proporcionem o alargamento de suas funções psíquicas superiores.

Diante disso, entende-se que é na Educação Infantil que a criança se apropria da linguagem, amplia suas experiências sociais e verbaliza o que está sentindo, tomando posse das palavras, dos sentidos dos objetos, das perguntas, enfim, quando a criança começa a compreender o significado do que o adulto está falando, ela desenvolve a linguagem e assim, ao longo da primeira infância, atinge estágios de desenvolvimento, em colaboração com o adulto, que facilitam e contribuem para a ampliação de suas funções psíquicas superiores.

O lugar da brincadeira na Educação Infantil

Embora tenhamos muitos aspectos que precisem ser problematizados em relação à BNCC, no que se refere à brincadeira, é preciso destacar que a referida Base deu um papel muito significativo a este tema, como antes sugeria as DCNEI (BRASIL, 2009). A Base reforçou-a com força de lei, priorizando-a como direito de aprendizagem, norteando currículos e propostas pedagógicas.

A atividade de brincar é diferente de outras atividades da criança; é quando ela imagina, atribui significados e o simbolismo impulsiona a brincadeira, promovendo desenvolvimento e auxiliando o processo de imaginação. Portanto, os desejos não satisfeitos e as atividades não realizáveis em si, contêm regras de comportamento que são formulados com antecedência. Por exemplo: quando a criança brinca de boneca, imagina-se mãe, quando brinca de bola, imagina-se um jogador, ou seja, submete-se às regras de comportamento. Em outras palavras, ela está brincando de uma situação real, experimentando a realidade por meio da brincadeira.

O brincar é fonte de desenvolvimento e de aprendizagem, constituindo uma atividade que impulsiona o desenvolvimento, pois a criança se comporta de forma mais avançada do que na vida cotidiana, exercendo papéis e desenvolvendo ações que mobilizam novos conhecimentos, habilidades e processos de desenvolvimento e de aprendizagem (VIGOTSKI, 1991, p. 81).

As regras que decorrem das situações imaginárias são criadas pela criança; na brincadeira ela é livre para criar suas próprias regras. Esta liberdade ilusória cria uma situação imaginária e ajuda-a a se comportar de acordo com as regras conhecidas, como proibições, calar-se em situações, diante dos nãos, ou seja, da moral.

O objeto é o ponto de apoio entre a criança e as ideias. Por meio dele, a criança se apropria da realidade historicamente construída e percebe o mundo. Para o pequeno aprendiz, a brincadeira não é simbólica, “as características dos objetos conservam-se, mas o significado deles muda” (VIGOTSKI, 2008, p. 31). Isto quer dizer que o sentido tem mais importância que o significado; a criança tem liberdade para criar: um graveto pode simplesmente virar uma pessoa ou uma espada, porque ela vai se emancipar do objeto, ela entende que o graveto não a é, mas ela sai facilmente das amarras situacionais, substitui o objeto e transfere o significado.

Quando a criança se apropria da estrutura da brincadeira, ela segue as suas regras com satisfação, aprende a controlar os impulsos, agindo com o que deseja; apropriando-se do autocontrole. Por isso, é tão comum até mesmo fazer as necessidades fisiológicas na roupa enquanto brincam, pois a satisfação de estar ali, naquele momento, é maior; em alguns casos, observamos até a recusa em comer para vivenciar a brincadeira.

Pensar as condições do brincar criativamente é possibilitar o desenvolvimento dos processos psíquicos que são tão essenciais na idade infantil. O professor, ao pensar o tempo e o espaço, organizando o ambiente de modo que seu pequeno aprendiz possa ter autonomia para brincar, com intervenções conscientes e apropriadas, contribui para o desenvolvimento dessa criança, orientando conduta, interpretando ações e auxiliando na formação do pensamento crítico.

Criatividade e desenvolvimento na Educação Infantil

Para Vygotsky (2012), a criatividade é uma capacidade inerente a todo o ser humano. O autor compreende que as influências da condição histórico-cultural do contexto são imprenscindíveis para a apropriação das características humanas. A criatividade não é uma herança biológica ou genética, mas é construída. Ao imitar e observar um sujeito, a criança aprende a ser e a fazer. São as necessidades e pontes com a vida cotidiana que contribuirão para o desenvolvimento da inteligibilidade, personalidade e consciência.

Para Davidov (1988), o papel da escola precisa ser provocador de forma que as vivências no âmbito da Educação Infantil dominem procedimentos mentais e que a criança desenvolva habilidades práticas e intelectuais, formando as primeiras ideias, sentimentos e qualidades novas.

Deste modo, o cérebro revela-se um órgão que conserva a nossa experiência anterior e simplifica a sua repetição. No entanto, se a atividade cerebral se reduzisse apenas à conservação da experiência passada, o homem seria uma criatura capaz de se adaptar com preponderância às condições constantes e habituais do meio exterior. Quaisquer novas e inesperadas transformações no meio, que não tivessem sido operadas anteriormente na experiência do homem, não seriam capazes de causar nele a necessária reação de adaptação. A par destas funções de conservação da experiência anterior, o cérebro está dotado de outra função não menos importante. (VYGOTSKY, 2012, p.25).

A partir do ponto de vista do autor, pode-se compreender que o cérebro combina e cria. Ao imaginar, o homem forma uma ideia; sendo assim, ele não é apenas um mero reprodutor, mas, cria também novas imagens e ações, não se limitando apenas a conservar e reproduzir, mas também a criar e modificar. A imaginação e fantasia ligadas à realidade têm um importante papel no processo criativo, pois, a partir do contato com os objetos, ultrapassa as emoções e transforma o psiquismo humano. Por isso, Vygotsky (2012) diz que a criação se alimenta do psiquismo humano. Portanto, na Educação Infantil, esta experiência com a imaginação e criatividade é individual, de cada criança. Quando imagina certa coisa, ela antecipa a elaboração da imaginação reprodutiva da memória.

Percebemos, então, a grande relação do brincar com o criar. A brincadeira, um dos eixos norteadores da EI, coloca a criança no centro do planejamento pedagógico, constituindo-se como atividade humana criadora em que, por meio da fantasia e imaginação, possibilita à criança interpretar o mundo. De acordo com Vygotsky (2012), é na brincadeira que a criança exercita a elaboração da imaginação criativa. O outro eixo norteador, “as interações”, permite a troca simbólica entre os indivíduos, de modo que a criança imagine experiências socializadas mediatizadas por meio da linguagem, reproduzindo traços das impressões absorvidas.

Neste sentido, quanto mais rica a experiência, mais a criança vai-se estruturando e crescendo processualmente, pois a imaginação criativa se elabora de modo particular. Sendo assim, pensamos então, que a infância é o período em que a criança mais desenvolve a fantasia, pois, quanto mais ela desenvolve a imaginação, suas fantasias vão diminuindo, conforme desenvolvimento da consciência humana.

Para Vygotsky (2012), os pequenos vivem em um mundo fantástico, distorcem a experiência real em um exagero característico. Percebemos que, ao contarmos histórias que trazem narrações fantásticas, eles ficam tão entusiasmados que se imaginam dentro da história. O autor insiste em dizer que, conforme eles vão se desenvolvendo, vão também, amadurecendo a imaginação e se orientando na realidade, pois cada etapa do desenvolvimento psíquico se incumbe de características motivadoras para o processo educativo e a formação de novos conceitos.

Cabe ao educador trabalhar a individualidade e a coletividade expressas na linguagem infantil, valorizando o trabalho criativo da criança e interpretando sua experiência e nível de consciência. Desta forma, é crucial avaliar as situações de conflitos, as emoções, trabalhando a atitude negativa e pressupondo relações com o meio cultural de maneira positiva, de forma a contribuir para que o potencial criativo da criança supere características abstratas e se aproprie da realidade constituindo-se como ser social no espaço coletivo.

O equilíbrio entre a criança e as relações sociais favorecem a criatividade no contexto escolar, pois a instabilidade emocional leva a dificuldades de expressão dos sentimentos e quando se permite a expressão artística, a invenção e o desenho, permitir-se-á a palavra, que, de acordo com Vygotsky (2012), é um meio de transmitir as relações complexas do sentir.

As convicções que podemos assimilar na escola através dos conhecimentos, apenas poderão criar raízes no psiquismo da criança quando são reforçadas emocionalmente. Não se pode ser um lutador convicto se, no momento da luta, não houver no cérebro imagens claras, fortes e inspiradoras para a luta; não se pode lutar contra o que é velho sem saber odiá-lo e a capacidade para odiar é também emoção. Não se pode construir o novo com entusiasmo se não se amar com entusiasmo o novo, e o entusiasmo é resultado de uma educação artística adequada. (VYGOTSKY, 2012, p.93).

Por meio dessa citação, ressaltamos a importância de se levar em consideração os sentimentos e as emoções das crianças nas relações sociais e no processo educativo. A brincadeira, atividade dominante da infância, estimula a alegria e contribui para satisfação das necessidades da criança. O diálogo e a escuta atenta precisam ser compromissos do profissional da Educação Infantil, lembrando que essa é uma etapa que possui características específicas e se empenhando no desenvolvimento integral. Sendo assim, é necessário oportunizar espaço à criatividade, não apenas à espontânea, mas também àquela pensada, que permite que a criança sinta prazer em fazer, em ser e estar no campo de experiência intencionalmente planejado.

Quando a atividade é pensada para a criança, ela não percebe os objetivos do professor, mas o significado consiste no desenvolvimento, estimulando e orientando a reação criativa da criança. Neste sentido, pensamos: - Qual o melhor estímulo para despertar a criatividade na criança? “O melhor estímulo consiste em organizar a vida e o contexto social das crianças de modo que crie a necessidade e a possibilidade de criação infantil.” (VYGOTSKY, 2012, p. 109).

Sendo assim, é preciso organizar campos de experiências em que a criança possa explorar o espaço com materiais não estruturados, ou até mesmo, preparar um ambiente de forma que ela levante hipóteses e exercite o pensamento, inventando, desenhando, falando, dramatizando; enfim se apropriando da linguagem e da cultura. Quando a criança cria e brinca, ela se apropria da linguagem humana. Portanto, a criatividade é a ferramenta mais sutil e complexa de transmissão do pensamento e sentimento humanos.

Propostas didáticas para a Educação Infantil: O trabalho com bebês

A BNCC dividiu a Educação Infantil em três grupos etários: bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas. (BRASIL, 2018). Cada grupo etário entrelaça com as contribuições dos autores da THC. O trabalho com bebês (comunicação emocional direta com o bebê) é, de acordo com Vigotski (1991), o período de vida em que a criança forma as ações sensório-motoras de manipulação. Essa etapa traz, pela BNCC, seus objetivos e campos de experiências a serem considerados nas práticas pedagógicas para formação de habilidades com os bebês.

Diante desses objetivos, o professor traça o caminho a ser percorrido, planejando atividades que favoreçam os direitos de aprendizagem, oportunizando momentos para que a criança possa conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se.

O período de comunicação emocional direta com o bebê tem relação direta com o desenvolvimento orgânico infantil. Vygotski (1993) deixa claro que cada desenvolvimento psíquico tem por característica uma neoformação. Desta maneira, entende-se que o bebê sente necessidade de produzir novas impressões e assim, nos estudos de Bozhovich (1987), o adulto começa a apresentar de maneira progressiva o mundo para o bebê, à medida que o seu córtex cerebral vai se formando.

Muitas instituições mantêm forte preocupação com o cuidado e pouca com o desenvolvimento das habilidades cognitivas da criança. Por isso, pouco apresentam os cinco sentidos do bebê (tato, audição, olfato, paladar, visão), e que tanto o auxiliarão na descoberta do mundo à sua volta. São os estímulos adequados que vão ampliar as suas competências motoras, sociais e afetivas. O bebê, além do cuidado, precisa de carinho e ação, de um trabalho intencional e organizado para chegar ao final desta etapa com seus aspectos físicos, motores, cognitivos, sociais e emocionais desenvolvidos, além de bem vivenciadas as explorações, descobertas e experimentações.

Vigotski (1991) propõe um trabalho que considere as emoções e a consciência, podendo-se depreender que o bebê aprende a controlar as ações e comportamentos por meio da comunicação emocional direta. São as ações do professor e da família que vão despertar na criança sua essência individual. Assim, percebe-se que o trabalho da família e da escola deve-se dar em parceria, pois deve ser um esforço coletivo que vai oferecer suporte à criança.

Cantar para o bebê e usar objetos, trabalhando os sentidos faz com que desperte a imaginação. A criança cria, a partir das situações vividas, experiências que despertam o nível de consciência. Podemos chegar aos objetivos propostos pela BNCC (BRASIL, 2018) por caminhos prazerosos, enfatizando a brincadeira como despertar da imaginação criativa. É a imaginação que vai transformar o bebê a partir daquilo que ele é biologicamente, despertando suas potencialidades.

Os códigos alfanuméricos previstos para formação de habilidades na BNCC (BRASIL, 2018) poderão chegar ao objetivo proposto tomando como base a THC, as brincadeiras e a criatividade, investigando-se o nível de consciência da criança. O que ela já sabe em relação a isso? Precisamos estar dispostos a interpretá-la Nas palavras do próprio Vigotski (1991, p. 50), “dar-se conta de algo”. Após de ter feito a investigação, podemos introduzir as habilidades, desafiando as criançasem brincadeiras que despertem o desenvolvimento dos cinco sentidos. Como esse bebê reagiu ao estímulo? Tudo precisa ser anotado, organizado em uma ficha individual do desenvolvimento da criança para que se tenha continuidade pedagógica. As sensações provocadas no bebê, seja pelo cuidado ou seja pelas atividades intencionalmente organizadas serão acumuladas no cérebro da criança que irá se modificando internamente à medida que ela vai percebendo o mundo e vivenciando situações mais complexas.

É importante frisar que as brincadeiras e interações colocam o pequeno aprendiz no centro do processo educativo em que toda estimulação deve levar a criança a pensar. Quando ela formula hipóteses, ela cria algo a partir do que tem em mente, imagina situações possíveis. Vigotski (1991) observa que a imaginação e a criação estão na base da arte; e dar lugar a que o bebê trabalhe sua memória, seja repetindo ou criando ações, contribui para o seu amadurecimento e passagem para um estágio superior.

Nos primeiros dias da criança na escola, ecoam choros, enquanto outro bebê, que já tem convívio social com outras pessoas, tem menos dificuldade na adaptação. Nas palavras de Vigotski (2001), este momento de expressar as emoções, seja de insatisfação ou de satisfação, contribui para o desenvolvimento da fala. A criança está vivenciando novas experiências, ela ainda não tem consciência elaborada, o pensamento ainda está separado, por isso, pode-se dizer que é nas práticas sociais que estes pensamentos se encontram e se estruturam. Assim que chega e é recebido na escola, abre-se um mundo novo para o bebê. Na sala, ele descobre que tem outros bebês, pessoas, objetos diferentes e que ele precisa falar, chamar atenção daquele adulto que está ali. Sente necessidade da comunicação! O adulto por sua vez, canta, sorri, mostra objetos, pode cuidar dele, protegê-lo do coleguinha que lhe causa insatisfação ou da situação que está lhe causando desconforto. Para Vigotski (2001), é o motivo que direciona a fala. Nesta situação, o bebê precisa se expressar como pode, seja por meio de gritos, de gestos, ou outras expressões. Nas palavras do autor "[...] necessita da palavra e procura ativamente assimilar o signo pertencente ao objeto, signo esse que lhe serve para nomear e comunicar." (VIGOTSKI, 2001, p. 131). Por isso, a escuta feita pelo profissional que trabalha com bebês precisa ser atenta, cuidadosa, observando o desenvolvimento de cada um no contexto, perguntando: qual tem a mesma idade e não consegue ainda expressar as emoções quando condicionadas? Os movimentos estão dentro da faixa etária? Já consegue emitir sons? Apontar algo? Buscar?

O momento de vivência na instituição escolar é um dos mais importantes na vida do bebê. É deslumbrante o momento de descoberta da linguagem e o processo de assimilação individual precisa ser registrado, observado, analisado, além de receber intervenção quando necessário. O bebê está descobrindo os sons, as imagens, está se aproximando do sentido das palavras... E assim o adulto vai tecendo-lhe o desenvolvimento, proporcionando-lhe um ambiente seguro, nomeando as coisas ao redor da criança e dando atenção às suas primeiras palavrinhas. E essa vivência tem que ser prazerosa, tem que ser pensada, por isso os campos de experiências precisam ser planejados para que o bebê crie possibilidades, encontre-se no ambiente cultural e humanizado devidamente preparado.

O trabalho com as crianças bem pequenas

Conforme mencionado anteriormente Vigotski (1991) nomeou o segundo estágio como atividade objetal manipulatória. Para o autor, é nessa fase que ocorre a assimilação dos procedimentos socialmente elaborados pela ação com os objetos. Para o autor, é por intermédio da linguagem que a criança mantém o contato com os adultos e aprende a manipular os objetos. Os chamados “maternais” fazem parte da creche e é a segunda faixa etária da BNCC (BRASIL, 2018), trazendo os objetivos de aprendizagens essenciais em cada campo de experiência para formação de habilidades e competências nesta faixa etária.

Cada objetivo proposto pela BNCC é norteado pelos eixos interações e brincadeira. Neste segundo estágio, percebe-se a importância de a criança agir e interagir com o meio. É neste envolvimento que ela adquire características especificamente humanas; que começa a aprender sobre o mundo, tocando nele. A transição do período da comunicação emocional direta para a atividade objetal manipulatória pode desencadear crises, em função da não aceitação da nova atividade dominante. Antes, a comunicação era a atividade que dominava, a escuta era mais atenta. Agora a criança pode negar a nova idade, daí a importância do cuidado de considerar cada uma em sua particularidade.

Os campos de experiências devem conter instrumentos que possibilitem o pensar e o adulto tem o papel de mediar a formação da imersão no conhecimento, incorporando a criança na cultura. Para Leontiev (1978), a atividade dominante ou principal é aquela que norteia as principais mudanças psíquicas da criança e o que domina neste estágio é o contato com o mundo; isso, dependendo se ela estiver acompanhando o estágio, pois, de acordo com o autor (1978), essa fase surge após o desenvolvimento da comunicação e das propriedades sensório-motoras. A criança começa a explorar o ambiente, a descobrir o brinquedo, a tocá-lo e a brincar com ele, com os objetos, a sentir a textura, a descobrir o mundo historicamente construído.

Para isso, o professor precisa trabalhar fora do senso comum, motivar a criança a fazer coisas novas, a entender certas atitudes de adultos e passar por situações que trabalhem as vivências. Só assim, ela vai entender que existe em um mundo que é composto por outras pessoas e que cada um ocupa um lugar no espaço e que nele existem regras. A criança constrói assim a autoconfiança; ela percebe que precisa relacionar-se com outras pessoas olhando-as, ouvindo-as e sentindo-as; percebendo que não existem só as pessoas, mas também os objetos que possuem formas, cores e tamanhos. Temos que ter um olhar para as crianças como pequenas cientistas e elas precisam explorar e a exploração precisa satisfazer às suas necessidades.

Quando Vigotski (1991) afima que toda obra de imaginação se constrói de elementos tomados da realidade e presentes na experiência da pessoa, entende-se, então, que essa etapa de Educação deva ser rica, ir além da sala de aula, visitar os arredores da escola, deva ensinar com a prática que gere sentimentos nas crianças. Podemos ensinar sobre os seres vivos observando as formiguinhas, depois oportunizar momentos de imaginar como seria a casa das formiguinhas, criando porquês, levando-as a pensar! Construir fantasias novas combinando com elementos que elas conheçam. Despertar na criança bem pequena uma imaginação criadora que lhe traga alegrias. Vigotski (1991) ressalta ainda que isso precisa ser estimulado de modo a encarnar na vida da criança, pois a imaginação criadora tem um papel muito importante, tanto no presente da criança, quanto no seu futuro, penetrando na sua criação da vida pessoal, social e especulativa. Isso é encantador! Para o autor (1991), quando a imaginação é bem estimulada e praticada em todas as formas de atividades presentes na primeira infância e demais períodos de vida, a imagem criadora torna-se onipresente.

Com três anos de idade, a criança já faz uso da linguagem, repete frases e, geralmente, contextualizadas na primeira pessoa: Chora, grita “é meu!”, sente necessidade de satisfazer às suas vontades (crise dos três anos), testa a vontade dos adultos e oscila entre os estágios de comunicação emocional direta e a atividade objetal manipulatória; enfim, começamos a perceber que um novo estágio se aproxima. E agora? Toda passagem de um estágio para outro vem acrescida de um salto no desenvolvimento, assim como esse pequeno aprendiz vivenciou isso na fase anterior em que ainda não tocava os objetos, mas algo o deixava agitado e exigia mais da atenção do adulto. Agora não é diferente. Esta passagem para o novo estágio significa que a criança atingiu o pico de desenvolvimento, ou seja, ela está pronta para aprender novas habilidades.

O trabalho com crianças pequenas de 4 anos a 5 anos e 11 meses

Essa etapa compreende o terceiro estágio de desenvolvimento da infância e se dá na idade pré-escolar que tem os jogos como atividade principal, em que a brincadeira entra como propositora de desenvolvimento da percepção pela criança do mundo. No Brasil, esta etapa é obrigatória e bastante complexa, pois muito se exige dessa criança (didatização) para o ingresso no Ensino Fundamental.

Esse estágio de desenvolvimento pode ou não acompanhar a idade do aprendiz, portanto, antes de iniciar um trabalho proposto pela BNCC para essa faixa etária, é importante que se faça uma avaliação diagnóstica para compreender o nível de desenvolvimento da criança e descobrir, por meio desse diagnóstico, o que ela tem de potencial para aprender. As crianças de quatro e cinco anos, nomeadas pela BNCC e documentos orientadores (BRASIL, 2018) como pré-escola, enxergam o mundo com curiosidade, os eixos, interações e brincadeira são base das práticas pedagógicas nesta fase, quando a criança já aprendeu o sentido da linguagem e a manipular objetos. Outra característica importante é a capacidade de querer fazer as coisas por si mesmas. A Teoria Histórico-Cultural nomeia este período como Jogo de papéis.

A chegada na escola para os pequenos é uma experiência social. E como parte da cultura e como sujeito da comunidade educativa, a criança é a personagem principal da escola. É ela quem vai transformar a cultura em que vive por meio dos saberes vivenciados na instituição.

Existe um leque de possibilidades de se trabalhar com as crianças da pré-escola, e isso precisa ser desafiador não só para o aprendiz, mas também para o professor. E de acordo com Freire (1996), esse trabalho exige pesquisa. A criança dessa geração não é a mesma criança de décadas atrás. Estudar as suas necessidades, as experiências, os sentidos e significados que ela partilha são saberes necessários à prática educativa.

Cuidar e educar não são tarefas simples, precisam ser algo planejado, dialogado com a família e, acima de tudo, a criança precisa participar dessa troca, ser protagonista da ação educativa. A aprendizagem precisa ser instigante, com propósito, divertida, desafiadora, que ofereça oportunidades de a criança se conhecer, participar, debater e brincar.

A escola de Educação Infantil não pode se restringir a espaço fechado e a atividades no papel; é preciso repensar o cotidiano das instituições, remodelar o sentido do brincar, compreendendo que esse aprendiz é um sujeito que permeia as relações sociais e que o brincar faz parte da cultura da infância. E brincar é uma experiência fruto de percepção e observação. Para brincar, a criança precisa construir sentidos e transcender a ação e ali, enquanto brinca, ela partilha de um processo de vivências único e intransferível que vai além de interesses econômicos e interferência de adultos. A pré-escola proporciona aos pequenos um mundo que precisa ser explicado e não uma aprendizagem mecânica como reprodução da escrita, colagem, treino de letras e números ou por vezes numa forma de brincar utilitarista (apenas em algumas situações).

A proposta para essa faixa etária é de jogos que facilitem as amizades, os relacionamentos, o conhecimento do corpo e que despertem a vontade de ajudar o próximo, que motivem as crianças a vencerem o desafio, a obedecerem às regras e, ao mesmo tempo, refletirem sobre si mesmas.

Em tempos de pós-pandemia - pós-período em que ocorreu um stress global que colocou famílias e escola em situações de medo, ansiedade, depressão e pessimismo -, é momento de trabalhar essas sensações, de a criança reconhecer que ela tem um corpo no espaço e que, nesse mundo em que vive, tem direitos e tem deveres e assim despertar nela emoções positivas e motivações.

Ouvir uma boa história, fazer-de-conta, cantar uma música, ser desafiada e ter feedback das ações em tempo real são experiências da cultura infantil que devem ser abarcadas em todas as atividades. As experiências trazidas pelos jogos e brincadeiras ficam na estrutura cognitiva da criança durante esse processo de assimilação, afirma Vygotsky (2012). Ao agir dentro das amarras situacionais, a criança se diverte e sucumbe a seus impulsos originais. O professor escolhe a temática, propõe o desafio. É recomendável que os temas sejam contextualizados, tenham senso de significado e considerem experiências prévias. O professor, antes de propor o desafio para a formação de habilidades, precisa conversar com os pequenos, trabalhar com as memórias, contribuindo para que a ação das crianças seja mais criativa e significativa.

Cada processo de aprendizagem é dinâmico e pessoal. O professor como mediador é, além de um organizador de ambientes, o facilitador na resolução de situações-problema, lembrando sempre que a criança está no caminho da superação do desafio, observando, registrando e organizando o contexto. É nessa mediação dialogada que o professor lança mão de expressões como: “Em nossa aula de hoje, iremos descobrir...” ou “Iremos fazer uma experiência, será que vai dar certo? O que será que acontece? Vamos fazer de conta que...”

É importante que os pequenos aprendizes tenham a ação orientada por um objetivo, o que, para Leontiev (1978), é aquilo que orienta para um fim. E o educador deve-se orientar de modo que seja esse o fio condutor para novas aprendizagens que engajem a turma em um motivo mobilizador, sem perder de vista o sentido social e cultural da escola. As ações mobilizadoras podem vir de um simples dente que caiu e daí se trabalhar matemática, cores, enfim, sem fragmentar e reduzir a criança a comportamentos desligados do mundo, mas suscitar a investigação e a pesquisa.

Conclusão

Este artigo buscou analisar os campos de experiências trabalhados na Educação Infantil e apresentar possibilidades à luz da Teoria Histórico-Cultural, com estratégias que contribuam com a formação social da criança em todos os seus aspectos. Os estudos aqui apresentados contribuíram para o entendimento do universo da criança na EI, observando que a linguagem agrega o processo de comunicação. Daí a importância da literatura infantil para despertar a imaginação, potencializando a criatividade, a fala e o contato social nas práticas das interações e brincadeiras bem como as manifestações corporais.

Compreendeu-se que as brincadeiras suscitam a criatividade e delas emergem experiências anteriores combinadas. Portanto, entendemos que o trabalho educativo na Educação Infantil deve priorizar as brincadeiras como fonte de desenvolvimento e organização das funções psíquicas.

Diante dos fatos analisados conclui-se que a Educação Infantil é tempo de criar memórias, tempo de viver a infância, tempo de jogos protagonizados, tempo de brincar, e que todo o trabalho deve-se orientar de forma a antecipar o desenvolvimento e contribuir para a formação de um sujeito que saiba acessar o patrimônio cultural historicamente construído de forma autônoma e capaz. A criatividade está presente na imaginação e nas fantasias, os objetos são promotores de criação, são elementos mediadores do ato de brincar. As experiências anteriores contribuem para imaginar a realidade e a ação sobre o objeto permite a intervenção com intenção pedagógica, aproximando a criança do mundo real, sem excessos ou cobranças, mas contribuindo positivamente para seu desenvolvimento cognitivo, emocional, físico e social.

1Vinculada ao Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) é um portal de livre acesso que disponibiliza trabalhos acadêmicos produzidos por instituições de ensino e pesquisa do Brasil. Endereço eletrônico: https://bdtd.ibict.br/vufind/.

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Recebido: 13 de Junho de 2022; Aceito: 05 de Abril de 2023

Editor Chefe: Prof. Dr. José Eustáquio Romão

Editora Científica: Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista

Editora Científica: Profa. Dra. Marcia Fusaro

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