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Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.65 São Paulo apr/june 2023  Epub 16-Feb-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n65.22637 

Artigos

CONSELHO DE CLASSE, DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL E GESTÃO DEMOCRÁTICA: UM ESTUDO DE CASO EM UMA ESCOLA PARTICULAR

CLASS COUNCIL, ETHNIC-RACIAL DIVERSITY AND DEMOCRATIC MANAGEMENT: A CASE STUDY IN A PRIVATE SCHOOL

CONSEJO DE CLASE, DIVERSIDAD ÉTNICO-RACIAL Y GESTIÓN DEMOCRÁTICA: UN ESTUDIO DE CASO EN UNA ESCUELA PRIVADA

Anivaldo Sérgio Miguel, Mestre em Educação1 
http://orcid.org/0000-0003-0787-8820

Natalino Neves da Silva, Doutor em Educação2 
http://orcid.org/0000-0002-1746-8713

1Mestre em Educação, Universidade Federal de Alfenas - UNIFAL-MG. Alfenas, Minas Gerais - Brasil.

2Doutor em Educação, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, Minas Gerais - Brasil.


Resumo

Este artigo resulta de uma pesquisa que buscou investigar silenciamentos, apagamentos e invisibilidades relacionados à formação para a diversidade étnico-racial nos atos deliberativos do conselho de classe e nas práticas de ensino. Para tal, foi selecionada uma escola particular em Varginha, em Minas Gerais, que oferta, dentre outros níveis, o ensino médio, foco deste estudo. Os principais procedimentos metodológicos utilizados foram: revisão de literatura, observação participante, entrevista semiestruturada, análise documental. Os resultados alcançados apontam que, para a efetivação da Lei nº. 10.639/03 (atualizada pela Lei nº. 11.645/08) e das suas Diretrizes, é imprescindível que tanto as deliberações do conselho quanto a realização das práticas de ensino sejam pautadas em processos democráticos, participativos e antirracistas.

Palavras-chave conselho de classe; educação das relações étnico-raciais; ensino médio.

Abstract

This article is the result of a research that sought to investigate silencing, erasures and invisibilities related to training for ethnic-racial diversity in the deliberative acts of the class council and in teaching practices. For this, a private school was selected in Varginha, Minas Gerais, which offers, among other levels, high school, the focus of this study. The main methodological procedures used were: literature review, participant observation, semi-structured interview, document analysis. The results achieved indicate that, for the implementation of Law nº. 10.639/03 (updated by Lei nº. 11.645/08) and its Guidelines, it is essential that both the council’s deliberations and the implementation of teaching practices are guided by democratic, participatory and anti-racist processes.

Keywords class council; education of ethnic-racial relations; high school.

Resumem:

Este artículo es el resultado de una investigación que buscó indagar silenciamientos, borraduras e invisibilidades relacionadas con la formación para la diversidad étnico-racial en los actos deliberativos del consejo de clase y en las prácticas docentes. Para ello, se seleccionó una escuela privada en Varginha, Minas Gerais, que ofrece, entre otros niveles, la enseñanza media, foco de este estudio. Los principales procedimientos metodológicos utilizados fueron: revisión de literatura, observación participante, entrevista semiestructurada, análisis de documentos. Los resultados obtenidos indican que, para la implementación de la Ley nº. 10.639/03 (actualizado por Lei nº. 11.645/08) y sus Directrices, es fundamental que tanto las deliberaciones del consejo como la implementación de las prácticas docentes estén guiadas por procesos democráticos, participativos y antirracistas.

Palabras clave consejo de clase; educación de las relaciones étnico-raciales; escuela secundaria.

Introdução

Este artigo resulta de uma pesquisa que buscou investigar silenciamentos, apagamentos e invisibilidades relacionados à formação para a diversidade étnico-racial nos atos deliberativos do conselho de classe e nas práticas de ensino. Para tal, foi selecionada uma escola particular que oferta Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, localizada na cidade de Varginha, em Minas Gerais. Entretanto, o nível escolar escolhido para este estudo foi o Ensino Médio, pelo fato de o pesquisador ministrar aulas para essas séries.

As reuniões do conselho foram acompanhadas e analisadas, posteriormente, no sentido de averiguar sutilezas das práticas discursivas em relação às deliberações acerca do rendimento escolar e do comportamento dos(as) estudantes negros1(as) e brancos(as)2, pois, afinal, tais práticas se “inscrevem no interior de algumas formações discursivas e de acordo com um certo regime de verdade, o que significa que estão sempre obedecendo a um conjunto de regras, dadas historicamente, e afirmando verdades de um tempo” (FISHER, 2001, p. 8).

Fizeram parte ainda do procedimento metodológico qualitativo de pesquisa: a análise do material didático e dos documentos institucionais, a realização de entrevistas semiestruturadas com dois docentes e uma coordenadora pedagógica do Ensino Médio e a revisão de literatura (BOGDAN; BIKLEN, 1994).

A realização das entrevistas ocorreu por meio da plataforma digital Google Meet, tendo em vista a exigência de distanciamento social, como medida de proteção sanitária contra a Covid-19. Na ocasião, observou-se certa relutância do(as) interloucutor(as) em se autodeclar(arem) branco(as). A esse respeito, notava que a audeclaração era acompanhada por inúmeras justificativas. Ponderamos que essa postura está relacionada ao fato de o pesquisador ser um homem negro. Ademais, constata-se que as políticas de ações afirmativas (PAA) geram um maior debate social. Com relação a isso, os participantes fizeram questão de ressaltar a relevância do estudo, assim como a urgência dessa discussão na escola privada. Vejamos, então, o perfil das pessoas entrevistadas no Quadro 1.

Quadro 1 Perfil do(as) entrevistado(as) 

Nome Lélia Gonzáles3 Tereza de Benguela Luiz Gama
Idade 58 50 35
Titulação Mestrado Especialização Mestrando
Tempo profissional de trabalho 35 anos 30 anos 13 anos
Atuação na escola 2 anos 2 anos 10 anos
Função Gestora escolar Professora Professor
Autodeclaração por cor/raça Branca Branca Branco

Fonte: Elaborado pelos autores.

A análise de conteúdo foi o principal procedimento utilizado para tratar os dados coletados. Afinal, o uso dessa técnica “apresenta-se com a finalidade de trazer à tona, a partir de interpretações e de informações que estejam implícitas, dados obtidos que podem ser traduzidos em conhecimentos novos” (BARDIN, 2011, p. 47).

Considerando que “os estudos de caso configuram-se como a estratégia preferida quando questões ‘como’ e ‘porque’ estão a ser colocadas” (YIN, 1994, p.10), avaliamos que essa abordagem metodológica contribuiu para entender o problema de estudo proposto. No que concerne à pesquisa documental, foram analisados registros, como atas, diários, Projeto Político Pedagógico (PPP), Regimento Escolar Interno, entre outros. A leitura atenta desse material permitiu compreender melhor as orientações éticas, políticas e ideológicas que norteiam as tomadas de decisão.

Ademais, foram pesquisados os seguintes bancos de dados: Banco Digital de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro em Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), Biblioteca Eletrônica Scientific Eletronic Library (SCIELO) e Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Google, Google Scholar, entre outros.

O levantamento bibliográfico revelou que são incipientes os estudos com foco no conselho, nas relações étnico-raciais e no estabelecimento de ensino privado (TEIXEIRA, 2012, NASCENTE; VERGNA; MARCHETTI, 2013). Cabe ressaltar que a promoção da educação democrática e antirracista é de responsabilidaade das instituições de ensino público e particular, conforme preconiza as Leis nº. 10.639/03 e 11.645/08 e suas respectivas Diretrizes4, que alteram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Básica (LDBEN nº. 9.394/96), tornando obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileira, Africana e Indígena.

Nesse sentido, a efetividade desses marcos legais no contexto escolar está intrisecamente relacionada aos príncipios da gestão democrática e, por conseguinte, às deliberações e tomadas de decisões horizontais a partir de um conselho participativo. Todavia, por mais que o Regimento Escolar Interno afirme que o Colégio Dandara5 é responsável por “formar pessoas socialmente responsáveis, nas diferentes áreas do conhecimento, contribuindo para o desenvolvimento das regiões em que atua” (2016, p. 6), o conselho apresenta um caráter mais burocrático em suas deliberações, segundo a percepção do(as) interlocutor(as).

Para a análise da gestão democrática e, consequentemente, da formação para a diversidade étnico-racial no contexto da escola privada, é preciso considerar que outras varíaveis sociais estão em jogo, quais sejam: emprego, ideologia de classe social, baixa representatividade da população negra, entre outras. Nesse sentido, é desafiador trabalhar com práticas de ensino baseadas em princípios de uma Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER) nesse contexto. Por esse motivo, acredita-se que “[...] a escola só pode desempenhar um papel transformador se estiver junto com os interessados, se organizar para atender aos interesses das camadas [...] aos quais essa transformação favorece, ou seja, das camadas trabalhadoras [como também a população negra]” (PARO, 2016, p. 16).

Conselho de classe e diversidade étnico-racial: desafios para uma participação mais democrática

Segundo informações obtidas junto à Secretaria, no ano de 2020, o Colégio possuía 514 estudantes, distribuídos em 24 salas de aulas. Desses, 47 estavam matriculados na Educação Infantil, 201 no Ensino Fundamental I, 141 no Ensino Fundamental II, e 125 no Ensino Médio. A escola conta com o quadro de 57 funcionários, que trabalham em regime celetista, sendo 45 professores(as) e 12 técnico-administrativos.

Fomos informados ainda de que não existe nenhum procedimento adotado para identificar o perfil étnico-racial tanto dos(as) estudantes quantos dos(as) profissionais da educação que ali atuam. Assim sendo, lançando mão do procedimento de heteroidentificação complementar6, é possível constatar que a maior parte do alunado pertence ao grupo étnico-racial branco, sendo que os(as) negros(as) são a menor parte da composição racial presente. É notório que alguns estudantes oriundos desse último grupo se encontram na condição de bolsistas.

O corpo docente do Ensino Médio conta com 19 profissionais, sendo composto por uma maioria de homens brancos.

Quadro 2 Perfil étnico-racial de docentes do Ensino Médio 

Negros(as) Brancos(as) Número
Mulheres 0 4 4
Homens 1 14 15
Total 1 18 19

Fonte: Elaborado pelos autores.

Em contrapartida, ao observamos o perfil étnico-racial da equipe de trabalhadores(as) vinculados(as) à função de serviços gerais, ele revela uma sobrerrepresentação de mulheres e homens negros, conforme se pode verificar no Quadro 3.

Quadro 3 Perfil étnico-racial dos(as) trabalhadores(as) de serviços gerais 

Negros(as) Brancos(as) Total
Mulheres 3 4 7
Homens 4 0 4
Total 7 4 11

Fonte: Elaborado pelos autores.

A crítica feita por Luiz Gama acerca da assimetria sociorracial da sub-representação em relação à ocupação dos cargos de trabalho não é devidamente problematizada por parte da instituição.

(...) você não tem muito professor negro. Não tem! Mas e os outros trabalhos? Faxina, porteiro, segurança? Pra isso você tem oportunidades. Não estou criticando essas funções, pois são funções importantes dentro da estrutura. Óbvio que são. E são profissionais de extrema qualidade que a gente tem lá. Mas porque nesse caso você tem uma maioria de profissionais que são negros e no quadro dos docentes você não tem. Você vai fazer uma análise, tipo, a menina dos olhos de uma escola que é essa de alto rendimento é o terceiro ano. Olha o terceiro ano. Quantos professores estão lá dando aula no terceiro que são negros? Apenas um professor. [Silêncio] (Luiz Gama, professor de História).

O Município de Varginha-MG se destaca como um grande polo de comercialização de café. A sua principal atividade econômica é a prestação de serviço. Ele conta com uma população estimada em 123.081 pessoas, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE, 2010). Dessas, 40,91% se autodeclaram negra (parda e preta). Não obstante, o número de estudantes negros(as) matriculados no ensino médio em escolas particulares é pequeno comparado ao das instituições públicas.

Nessa direção, a cidade possuía 877 estudantes matriculados no Ensino Médio nos estabelecimentos privados de ensino em 2018, de acordo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep, 2019).

Quadro 4 Estudantes do Ensino Médio das escolas públicas e privadas matriculados em 2018 

INSTITUIÇÃO 1ª Série 2ª Série 3ª Série Técnico TOTAL
Estadual 1 548 1 196 1 186 33 3.963
Federal 121 80 90 24 315
Privada 334 267 256 20 877
TOTAL 2 003 1 543 1 532 77 5155

Fonte:Inep, 2019.

Cabe ressaltar que a formação para a história e cultura afro-brasileira e africana não se restringe à população negra, como diz o texto das Diretrizes, “ao contrário, diz respeito a todos os brasileiros, uma vez que se devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação democrática” (BRASIL, 2004, p. 16-17).

De igual modo, é de fundamental importância que também as escolas particulares busquem construir processos democráticos e participativos nas deliberações tomadas pelo conselho, sobretudo, no que diz respeito à compreensão sociopsíquica relacionada à vivência do tornar-se negro em espaços socializadores elitizados (SOUZA, 2021).

Acredito, ainda, que a escassez de pesquisas tematizando a classe média negra na escola privada se deve, também, a certo senso já naturalizado na própria academia de que a população negra no Brasil se encontra nos extratos inferiores da sociedade e frequentam escolas públicas (NICODEMOS, 2011, p. 139).

Nessa perspectiva, ao analisarmos o Regimento Escolar Interno, é latente seu compromisso em garantir a formação plena do cidadão e cidadã, conforme explicita o trecho extraído, “formar cidadãos autônomos, capazes de perceberem o coletivo, terem uma ação solidária e, consequentemente, contribuírem para o fortalecimento e a coesão do grupo, além de desenvolver nos alunos o senso para os valores éticos e estéticos” (Regimento Escolar Interno, 2020, p.16).

Entretanto, as observações realizadas das reuniões do conselho revelaram a necessidade de aprofundar esses princípios tanto em relação aos processos da gestão democrática quanto direcionada à formação plena da cidadania, sobretudo, no que concerne à convivência em uma sociedade multicultural e pluriétnica. Nessa perspectiva, Lélia entende que as decisões do conselho, de fato, se encerram apenas para decidir reprovação e aprovação dos(as) discentes:

Tanto a educação pública quanto privada, na cultura no Brasil, os conselhos de classe servem para colocar alguns pontos finais. Eles são sentenças. [Geralmente] os problemas são sempre dos alunos. Então, os problemas são porque eles não estão estudando. Porque a família não olha, então, sempre há um deslocamento dos problemas para o lado de fora da escola. Isso é uma experiência que eu tenho não é só do Colégio Dandara, mas eu vejo acontecer a mesma coisa em outros lugares, por uma questão cultural. A gente ainda não sabe organizar esses conselhos como eles deveriam ser (Lélia Gonzales, gestora escolar, grifos nossos).

Essa percepção é também compartilhada por Luiz Gama. Para ele, nas reuniões, há uma predisposição latente para avaliar apenas o rendimento escolar dos(as) estudantes. As relações intersubjetivas não fazem parte das tomadas de decisão:

Olha, o conselho de classe é uma situação burocrática de reunião de professores e professoras mais a coordenação dos determinados segmentos para definir alguns pressupostos de nota. É uma reunião para definir basicamente a questão dos alunos. Então, a gente define se o aluno está indo bem ou não. É isso que acontece muito dentro de um conselho. Eu acho interessante que a gente tem uma visão burocrata chata sobre nome e nota. Você não sabe a história de vida nenhuma (Luiz Gama, professor de História, grifos nossos).

As constatações verificadas reforçam a necessidade de conceber o conselho como um importante órgão colegiado democrático, participativo, que seja capaz de levar em consideração a realidade social de sujeitos diversos, uma vez que “quanto mais democrático e participativo, mais ele se aproxima de sua função, e quanto menos participativo e democrático, mais ele se distancia dos objetivos proclamados” (SILVA, 2018a, p. 80).

Para que o envolvimento coletivo possa operar, faz-se necessário construir processos de gestão democrática que garantam tal participação, visto que a “escola, como instituição social, parece depender, em certa medida, de uma gestão participativa, baseada no fomento da autonomia e na horizontalidade das relações interpessoais” (NASCENTE; VERGNA; MARCHETTI, 2013, p. 60).

Esses(as) agentes envolvidos(as) devem aqui ser entendidos(as) como aqueles(as) que, “direta ou indiretamente, podem influenciar no processo educativo e, portanto, na complexa teia de relações do processo de ensino e aprendizagem escolar” (CRUZ, 2018, p. 19).

Sobre isso, vale frisar que:

[...] a participação da comunidade na gestão da escola constitui um mecanismo que tem como finalidade não apenas a garantia da democratização do acesso e da permanência com vistas à universalização da educação, mas também a propagação de estratégias democratizantes e participativas que valorizem e reconheçam a importância da diversidade política, social e cultural na vida local, regional ou nacional. Constitui, portanto, elemento fundamental da propagação das concepções de diversidade e direitos humanos (LUIZ; RISCAL; RIBEIRO JÚNIOR, 2013, p. 23, grifos nossos).

Logo, pensar a formação da diversidade étnico-racial no contexto escolar somente é possível por meio do ambiente democrático, participativo e diverso, pois, afinal, essa formação implica tocar em toda a complexidade das relações sociais resultantes do processo do racismo à brasileira verificado em nossa sociedade (MUNANGA, 2006, SILVA; REGIS; MIRANDA, 2018, TELLES, 2003).

Diante desse dilema e de todas as vicissitudes vivenciadas pelos(as) estudantes negros(as) no cotidiano escolar, repousa o fato de que a sociedade brasileira, ainda hoje, encontra bastante dificuldade para erradicar o racismo bem como os desdobramentos advindos dessa prática social.

A escola é, pois, um ambiente hostil e por vezes insuportável ao estudante negro(a). É o lugar da estigmatização, de tratamento desigual e punições injustas e isso explica a queda no rendimento escolar e evasão. Esse fato não é, porém, conhecido ou admitido pelos profissionais da educação, que atribuem o mau desempenho ao pertencimento racial dos alunos (RODRIGUES, 2011, p. 2).

Desse modo, é imprescindível problematizar determinada concepção tradicional de educação no âmbito das práticas de ensino das escolas privadas (MIZUKAMI, 1986; SACRISTÁN, 1995). O caráter avaliador, prescritivo e meritocrático faz parte de algumas das principais características dessa abordagem de ensino e, por conseguinte, das funções administrativo-burocráticas exercidas pelo conselho. Elas se sobrepõem, na maior parte das vezes, à participação junto à construção de um verdadeiro processo democrático escolar.

A abordagem de ensino tradional parece atender, de maneira sui generis, à expectativa das famílias, visto que o fim último do investimento na escolarização média é de que ela possa garantir que seus(suas) filhos(as) ingressem em cursos superiores de maior prestígio social. Assim sendo, interessou-nos compreender a maneira como a formação para a diversidade étnico-racial emerge nas práticas de ensino.

Reflexão sobre a formação para a diversidade étnico-racial nas práticas de ensino

Nas práticas de ensino analisadas, constatamos que a formação para a diversidade étnico-racial se dá de maneira individualizada, a partir do interesse espontâneo de cada docente. Em vista disso, essa formação é feita de maneira pontual em disciplinas, como Sociologia, Artes e Brasilidade, que possuem calendário próprio, sem que haja, necessariamente, uma articulação com as datas alusivas e importantes para a luta antirracista. Cita-se, por exemplo, o “Dia Nacional da Consciência Negra”, celebrado no dia 20 de novembro. Lélia percebe a relevância de essa formação ocorrer na escola, porém reconhece que o trabalho se dá de forma pouco sistematizada:

É sempre assim. Não como projeto pedagógico. Nós temos ótimos professores e com uma formação muita humanista. Então, eu acredito que, pontualmente, um aqui, outro ali, principalmente com os meninos mais velhos. Só que isso não pode acontecer só no ensino médio, por exemplo. Isso é uma questão que você tem que vir com essa formação desde [a infância]. É o projeto da escola mesmo. É nesse sentido, agora, nós temos aqui, eu tenho certeza absoluta, muitas abordagens que vão nesse caminho, que fazem isso acontecer, mas são coisas pontuais que não estão ligadinhas, bem construídas (Lélia Gonzalez, gestora da escola).

A constatação de que a realização de práticas de ensino mais individualizadas voltadas para a ERER, na maior parte das vezes propostas por professores(as) negros(as) também em escolas públicas, tem sido apontada em outras pesquisas (COELHO; BRITO, 2020, GOMES, 2012, SILVA, 2018b, PAMPLONA; SILVA, 2022). No entanto, o texto das Orientações e Ações para Educação das Relações Étnico-Raciais ressalta que a realização de iniciativas individuais não é capaz de romper com as práticas racistas verificadas no contexto escolar, pois “se por um lado o trabalho é importante, por outro, na maioria das vezes, não chega a alterar os silêncios e as práticas racistas e preconceituosas que encontramos na rotina da organização escolar” (BRASIL, 2006, p. 86).

Um dos desafios que emerge da realidade investigada então é de que as ações formativas pontuais realizadas sejam tomadas em conjunto, garantindo um teor organizacional, conforme é mencionado, inclusive, no PPP do Colégio, quando ressalta a importância de trabalhar na perspectiva da Lei nº 10.639/03 [atualizada pela Lei nº. 11.645/08] e de suas Diretrizes. Assim sendo, dada a necessidade de erradicar o racismo em nossa sociedade, é preciso considerar que “muitos professores não sabem como proceder. É preciso ajudá-los, pondo ao seu alcance pistas pedagógicas que coloquem professor e alunos frente a frente com novos desafios de aprendizagem” (LOPES, 2005, p. 187).

Não obstante, nos últimos anos, abordar a formação para a diversidade étnico-racial nas práticas de ensino na escola particular se tornou uma tarefa ainda mais complexa. Afinal, após o golpe jurídico-parlamentar da presidenta Dilma Rousseff, o contexto social brasileiro está sendo eivado por negacionismo, neofascismo, exacerbação do racismo, homofobia, aporofobia7, entre outros. Abordar temas sociais sensíveis, como: racismo, gênero, sexismo etc., pode resultar, inclusive, na demissão do(a) trabalhador(a) da educação.

A professora de artes, Tereza de Benguela, reitera várias vezes que trabalha com a formação para a diversidade étnico-racial em suas práticas de ensino com muito cuidado. Ela se sente muito insegura quanto a como essas práticas podem ser repercutidas nas famílias dos(as) estudantes:

Eu tenho muito cuidado, porque a gente não imagina o público que a gente tá lidando. Eu sou aquele tipo de pessoa que enfrenta. Eu enfrento aquilo que eu acredito. Eu acredito na necessidade de discutir isso. Levar mais humanidade para esses estudantes. Eles estão gritando por isso. Está ali uma juventude muitas vezes perdida ali no meio do caminho, porque lida com preconceito de um lado, as famílias de outro, né? Tentando determinar, então eu tomo muito cuidado, não deixando de falar, mas tomando cuidado com que forma que a família vai receber essa minha discussão. Então assim, a questão da segurança, eu sou segura porque eu faço porque acredito. Mas tem que ter tato, dedos, para fazer de uma forma que o outro [entenda], né? Que talvez não comungue das ideias, né? Pra não ofendê-lo. (Tereza de Benguela, professora de Artes).

Lélia identifica que o preconceito e a discriminação racial ocorrem na escola particular por meio da aversão do outro construído socialmente como diferente. Às vezes de maneira explícita, outras vezes não verbalizada. Ela defende que é necessário enfrentar determinadas posições ideológicas (ultra)conservadoras que algumas famílias possuem. Todavia, observa-se que esse tipo de enfrentamento por parte da gestão escolar é de caráter individual e não do Colégio em si. A formação continuada para ERER é destacada pela gestora como um investimento importante a ser feito:

Preconceito e discriminação racial... eu já presenciei algumas coisas nesse sentido, que, na minha leitura, isso não foi explicitado. É muito mais difícil você encontrar essa coisa explícita. Não é tão verbalizado. Mas sim, já enfrentei situação que a minha leitura tinha um pouco isso. Ou porque era o aluno muito pobre, vamos dizer assim, né? Ou porque era o aluno negro, ou aluna. Por causa do cabelo, por causa do jeito. Porque era filha do porteiro. Sim! Não explícito, mas sim, eu já enfrentei. A gente (...) não pode admitir em nenhuma hipótese determinadas coisas. (Lélia Gonzalez, gestora da escola).

Assim, investir na formação continuada para a igualdade étnico-racial significa, entre outras coisas, reconhecer que esses estabelecimentos de ensino são também responsáveis por contribuir na construção de uma sociedade antirracista, emancipatória e democrática.

Nessa perspectiva, é premente problematizar determinado imaginário social de que a ascensão de famílias negras as isenta de sofrer preconceito e discriminação racial. A sofisticação do racismo à brasileira se aprofunda cada vez mais, pois: “à medida que aumenta a competição social, aparece o preconceito, ou seja, a ameaça de o negro tomar o lugar do branco torna-se real” (GUIMARÃES, 2003, p. 102). Dessa maneira, Luiz identifica que situações relacionadas à discriminação racial na escola acontecem por meio do atributo simbólico e material de classe:

Você está aqui porque você é bolsista. Já começa assim. Não ouvi isso, não fui eu que ouvi, mas teve um amigo meu que escutou e deu um problema danado, porque o menino falou: Você está aqui porque seu pai trafica drogas. Não isenta. Você pode florear o racismo. Muitas vezes é floreado (Luiz Gama, professor de História).

Para a pesquisadora Aparecida Bento (2002), a branquitude se fortalece a partir da apropriação simbólica e material em detrimento dos demais grupos sociais, legitimando, assim, sua suposta superioridade econômica, política e social. Nesse contexto, estudantes negros(as) e brancos(as) se veem privados de receber uma formação condizente com “iniciativas com vistas a reparações, reconhecimento e valorização da história e cultura dos afro-brasileiros” (BRASIL, 2004, p. 13). Essa formação é sobrepujada por uma prática de ensino “pen drive”, conforme argumenta o professor: “a função da escola é educar, ensinar o aluno para a vida. Seria a formação de um cidadão. Nós estamos criando cidadão pen drive. A gente envia um monte de informação nele, pra ele dar um upload e nessas informações nele durante o Enem. A nossa função básica é fazer com que aquele aluno entre na universidade” (Luiz Gama, professor de História).

Paradoxalmente, a formação para a diversidade étnico-racial pode ocasionar a demissão do(a) trabalhador(a) da educação, em caso de reclamação por parte das famílias. Quanto a isso, o próprio professor de História diz: “o nosso emprego tá na reta”. A situação analisada contribui para entender o fenômeno da precarização do trabalho docente. Em outras palavras, dadas as condições objetivas impostas pelo atual sistema econômico, o profissional da educação tem perdido, gradativamente, a sua autonomia, visto que “o trabalho docente sofreu uma subtração progressiva de uma série de qualidades que conduziram os professores à perda de controle e sentido pelo próprio trabalho” (CONTRERAS, 2002, p. 33).

A perda da autonomia docente está, intrinsecamente, relacionada às tomadas de decisões verticalizadas do conselho, já que, em suas deliberações, jamais é cogitado que o baixo rendimento escolar obtido por jovens negros(as), por exemplo, pode estar ligado a situações de preconceito e discriminação racial ocorridas na própria escola.

A esse respeito, a análise das apostilas sobre os conteúdos abordados revela que, por mais que haja uma tentativa comercial de abordar a história e cultura africana, afro-brasileira e indígena, sobretudo nas disciplinas de Artes e História, constata-se que tal abordagem emerge como parte de um currículo turístico. Santomé (1995) entende por currículo turístico toda vez que a temática da diversidade é referida de forma trivial. Ou seja, quando os grupos diferentes dos majoritários são abordados com superficialidade, como seus folclores, costumes alimentares e rituais festivos.

Outra atitude é o estilo souvenir, ou dado exótico, em que a presença quantitativa é tida como pouco importante. Na sala de aula, apenas uma pequena parte serve de souvenir dessas culturas diferentes:

São numerosas as formas através das quais o racismo aflora no sistema educacional, de forma consciente ou oculta. [...] as atitudes de racismo e discriminação costumam ser dissimuladas também recorrendo a descrições dominadas por estereótipos e pelo silenciamento de acontecimentos históricos, socioeconômicos e culturais (SANTOMÉ, 1995, p.12).

A conquista da Lei nº. 10.639 ocorreu a partir das lutas históricas realizadas pelo movimento negro, que contou com a participação de sujeitos diversos da sociedade civil em um cenário de intensas disputas políticas e ideológicas. Nesse sentido, ainda hoje é necessário que ocorram mudanças no âmbito da produção de material didático, da formação inicial e continuada de professores, do reconhecimento e da valorização da população negra e indígena.

Isso implica “repensar as relações étnico-raciais, sociais, pedagógicas, os procedimentos de ensino, as condições oferecidas para aprendizagem, os objetivos tácitos e explícitos da educação oferecida nas escolas, e a promulgação da lei pode apoiar o reconhecimento, a valorização e a afirmação de direitos da população negra na área educacional” (SILVA; REGIS; MIRANDA, 2018, p. 27).

Portanto, as práticas de ensino junto aos(às) estudantes dependem necessariamente de condições favoráveis que garantam a autonomia docente para realizar a formação para a diversidade étnico-racial:

Então eu vejo que ainda existe sim a preocupação como a família vai receber isso [discussão sobre diversidade religiosa], se eles estão preparados ou não. (...) E eu vejo que as escolas estão voltando para o ensino tradicional e deixando de lado toda uma ideologia que poderia estar sendo trabalhada! Volta atrás. Retorna. Não sei se fui clara, mas eu ando tão questionadora de tudo, sabe? (Tereza de Benguela, professora de Artes).

A preocupação de Tereza tem relação direta com a censura imposta pelo Movimento Escola Sem Partido8. Tal movimento impacta as práticas de ensino que abordem temas sociais relacionados à afirmação de direitos humanos e das diversidades. No caso específico da luta pela igualdade racial, constata-se que são incisivos os ataques referentes à diversidade religiosa do currículo e uma obstinada censura de conteúdos de livro didático que abordam a questão ERER. Essas evidências corroboram uma tentativa racista e convoca-nos a explicitar os pormenores dessas manifestações, principalmente pelo que elas escondem e silenciam (DIAS; BATISTA, 2020).

Nos últimos anos, vários são os casos de denúncias de docentes. Daí o sentimento de medo e insegurança expresso por Tereza de Benguela. Sob o risco de perder o seu próprio emprego, a professora de Artes permite que uma jovem estudante se sinta à vontade a pronunciar para os(as) seus(suas)colegas a sua religiosidade de matriz afro-brasileira.

Eu percebi que, quando falei dessas outras formas da religiosidade em si, eu senti que as pessoas ficaram com medo. Eu percebo os estudantes com receio de falar sobre aquilo. Então, essa estudante contou sobre a religiosidade dela, da família dela. Eu a senti, assim, apegada àquela informação, com medo de colocar. Mas a partir do momento que eu dei a ela [a chance], eu comecei a incentivá-la. Eu sou meio louca. Eu vou abrindo vídeos e vou mostrando cânticos e vou mostrando artistas que eu admiro. Tem o Sérgio Pererê. Então, eu trago muito a música dele. Ele traz muita religiosidade para as suas músicas. Então, eu mostro, eu sinto os(as) meninos(as) encantados(as) por aquilo. Então, é o que eu falo pra eles. Gente, não é macumba, né? Não é terreiro de macumba pra fazer mal para as pessoas. Então, olha como que é. Eles estão trazendo a natureza. Eles estão cuidando da natureza. Buscando o sagrado na natureza. Então assim, eu tento buscar, explicando para eles. Eu sinto a curiosidade de uns e, assim, essa questão do espanto dos outros. (Tereza de Benguela, Professora de Artes).

A coragem da docente em promover o debate em sala é admirável. Contudo, a sua narrativa revela que não basta apenas ter boa vontade para trabalhar com a ERER. Afinal, Macumba é tratada de forma pejorativa. É notório com isso o seu desconhecimento das religiões brasileiras de matrizes africanas. Consequentemente, é imperativo compreender que essas religiões se inscrevem “dentro do movimento de estratégia de validação de outros saberes, outras práticas religiosas diferentes das práticas hegemônicas que costumam ser beneficiadas tanto pelo nível de aproximação dos órgãos de decisão e poder, quanto pelo fato de estarem inscritas nos processos eurocêntricos de validação do conhecimento” (SANTOS, 2021, p.58).

A ausência da formação para a ERER traz sérias consequências na vida das pessoas (professor, estudantes, funcionários). A principal delas diz respeito à perda da possibilidade de vivenciar uma experiência formativa, que seja capaz de reeducar a comunidade escolar para as relações étnico-raciais. A esse respeito, a pesquisadora Nilma Gomes (2012) diz que práticas pedagógicas que buscam assegurar a implementação da Lei n°. 10.639 (atualizada pela Lei nº 11.645) e suas Diretrizes se baseiam em:

[...] o que se está designando como relações étnico-raciais (...) Exigem a previsão, nos fins, responsabilidades e tarefas dos conselhos escolares e de outros órgãos colegiados, do exame e do encaminhamento de solução para situações de racismo e de discriminações, buscando criar situações educativas em que as vítimas recebam o apoio requerido para superar o sofrimento e os agressores, além de orientação para que compreendam a dimensão do que praticaram e ambos recebam educação para o reconhecimento, valorização e respeito mútuos (GOMES, 2012, p.29-33, grifos nossos).

Diante desse cenário, nota-se que o conselho de classe exerce um papel fundamental em relação aos processos de construção do conhecimento comunitário antirracista. Por esse motivo, o Colégio Dandara necessita aprofundar os seus processos de gestão democrática, no sentido de garantir a participação coletiva de toda a comunidade escolar. Para tal, a escola necessitará pôr em xeque a orientação de ensino de caráter individualista, competitiva e meritocrática.

Considerações finais

A realização desta pesquisa buscou investigar silenciamentos, apagamentos e invisibilidades relacionados à formação para a diversidade étnico-racial nos atos deliberativos do conselho de classe e nas práticas de ensino em nível médio, em uma escola privada no município de Varginha, em Minas Gerais. Os resultados obtidos apontam que a tomada de decisões que ocorrem nesse forúm deliberativo se dá de maneira vertical. Por conseguinte, o exercício da prática da gestão democrática é comprometido. Essa situação é considerada preocupante, uma vez que só é possível pensar a convivência de sujeitos diversos em um contexto social multicultural e pluriétnico a partir do momento em que os princípios democráticos estejam garantidos.

Em outros termos, a formação para a diversidade étnico-racial se concretiza em ambientes democráticos, participativos e diversos. Por esse motivo, romper com o racismo à brasileira e com toda e qualquer outra forma de discriminação requer a participação de toda comunidade escolar. Assim sendo, mais do que exercer uma função burocrático-administrativa, os órgãos colegiados da escola necessitam garantir relações dialógicas, horizontais, participativas, democráticas e antirracistas na sua realização.

Nesse sentido, a pesquisa revelou que as práticas de ensino direcionadas para a formação da diversidade étnico-racial são pontuais e/ou até mesma induzida pelos(as) próprios(as) jovens estudantes. Assim, um dos desafios apontados pela investigação consiste na necessidade de promover processos reeducativos no contexto escolar para as relações étnico-raciais de maneira coletiva, participativa e integrada.

Dessa forma, os pressupostos da educação crítica e antirracista contribuem para questionar a concepção tradicional de educação verificada nas práticas de ensino do Colégio. Afinal, as principais caraterísticas sociais valorizadas no interior dessas práticas são: o individualismo, a competitividade e a meritocracia.

Nessa perspectiva, é preocupante verificar a situação de precarização do trabalho docente na escola privada. O estudo elucidou que, dependendo do conteúdo abordado nas práticas de ensino direcionadas à formação para as diversidades, ele pode ocasionar a demissão do(a) trabalhador(a) da educação, caso haja reclamação por parte das famílias. Essa triste situação além de contribuir para o adoecimento sociopsíquico desses(as) profissionais faz com que a formação relacionada à Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER) não ocorra.

Por fim, consideramos que, para a efetivação da Lei nº. 10.639/03 (atualizada pela Lei nº 11.645) e das suas Diretrizes, é imprescindível que tanto as deliberações do conselho quanto a realização das práticas de ensino sejam pautadas em processos democráticos, participativos e antirracistas.

1Entende-se por negro as pessoas que se autoclassificam como pretas e pardas, de acordo com o censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

2A proposta inicial era fazer o registro de reuniões trimestrais, no sentido de captar as dinâmicas e suas interações. Contudo, dado o afastamento social ocasionado pelas medidas de proteção sanitária contra o Coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave 2 (SARS - CoV-2), as atividades presenciais foram suspensas e a realização de todo o trabalho foi realizado por meio de ensino remoto. Com isso, solicitamos à escola as gravações das reuniões que foram realizadas no ano de 2021.

3Decidimos homenagear personalidades negras, atribuindo seus respectivos nomes a cada participante.

4Por meio do Parecer nº 03/04 e da Resolução nº 1/04, o Conselho Nacional de Educação e a Câmara da Educação Básica (CNE/CEB) aprovaram as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana (DCNERER). Já as Diretrizes Operacionais para a implementação da história e das culturas dos povos indígenas na Educação Básica, em decorrência da Lei nº 11.645/08, foram aprovadas pelo CNE/CEB por meio do Parecer nº 14/15.

5Esse nome é fictício. Ele presta homenagem à líder e guerreira negra Dandara. Ela foi companheira do líder Zumbi dos Palmares e lutou com o seu povo contra a opressão imposta pelo colonialismo e as violências ocasionadas pelo sistema escravocrata verificado no país no século XVII.

6Esse método se baseia nos procedimentos adotados pelas Comissões de heteroidentificação realizadas pelas instituições federais de ensino técnico e superior, com vistas a garantir a Lei nº 12.711/12, que trata do acesso da população negra a esses níveis de ensino, mediante a adoção das PAA por meio da modalidade de cotas sociorraciais. Geralmente, as caraterísticas fenotípicas, tais como: cor da pele, nariz, textura do cabelo etc. constituem os principais aspectos analisados (PEREIRA; SILVA, 2020).

7Aporofobia é um neologismo criado pela filósofa Adela Cortina, que se refere ao medo, à rejeição, à hostilidade e à repulsa às pessoas pobres e à pobreza (CORTINA, 2020). A propósito, rejeição ao povo é uma das principais características históricas da elite do atraso brasileira, de modo que: “[…] Nossa classe média não apenas explora economicamente as classes abaixo dela, ela humilha covardemente os mais frágeis, os esquecidos e abandonados tanto por ela, classe média, quanto pela elite do atraso” (SOUZA, 2008, p. 55).

8Esse movimento político partidário foi iniciado pelo advogado Miguel Nagib, em 2004. Porém, só em 2014, ele ganha notoriedade, impulsionado pelo deputado estadual do Rio de Janeiro Flávio Bolsonaro, que solicita a Miguel Nagib um modelo de projeto de lei baseado nas propostas do Movimento. Assim, o deputado apresenta à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) o Projeto de Lei (PL) 2974/2014 em 15/05/2014, propondo a criação do Programa “Escola sem Partido” no âmbito do sistema de ensino do Estado. No mesmo ano, o vereador Carlos Bolsonaro apresentou à Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro um projeto similar.

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Recebido: 01 de Agosto de 2022; Aceito: 05 de Abril de 2023

Editor Chefe: Prof. Dr. José Eustáquio Romão

Editora Científica: Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista

Editora Científica: Profa. Dra. Marcia Fusaro

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