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Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.65 São Paulo apr/june 2023  Epub 16-Feb-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n65.23584 

Artigos

GESTÃO DEMOCRÁTICA E SUPERVISÃO ESCOLAR NA REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO1

DEMOCRATIC MANAGEMENT AND SCHOOL SUPERVISION IN THE MUNICIPAL EDUCATION NETWORK OF SÃO PAULO CITY

GESTIÓN DEMOCRÁTICA Y SUPERVISIÓN ESCOLAR EN LA RED EDUCATIVA MUNICIPAL DE SÃO PAULO

Maria Cristina Rodrigues, Mestra em Educação1 
http://orcid.org/0000-0001-6151-8717

Márcia Aparecida Jacomini, Doutora em Educação, Professora2 
http://orcid.org/0000-0003-2936-3174

1Mestra em Educação, Universidade Federal de São Paulo - Unifesp, Guarulhos, SP, Brasil

2Doutora em Educação, Professora do Departamento de Educação da Unifesp,, Guarulhos, SP. Brasil


Resumo

A gestão democrática é um dos princípios que norteiam os sistemas de ensino no Brasil. Com base nessa premissa, o objetivo deste artigo é analisar como os supervisores escolares do município de São Paulo concebem e avaliam a gestão democrática nas atividades que desenvolvem nas unidades educacionais, na Diretoria Regional de Educação (DRE) e na relação com a Secretaria Municipal de Educação (SME). Em termos metodológicos, aplicamos questionários aos supervisores escolares paulistanos, indagando-os sobre suas práticas, entre elas, a participação nas instâncias democráticas das unidades educacionais, DRE e SME. Utilizamos uma abordagem qualitativa de análise dos dados coletados com base na categorização proposta por Bardin (2011) e Szymanszki (2018) e a interpretação dos resultados apoiada na análise do conteúdo e nos discursos enunciados. Os dados da pesquisa indicaram que em termos discursivos os supervisores entendem suas atividades como democráticas, contudo, eles/as têm vivenciado os tensionamentos e disputas decorrentes de um cargo historicamente autocrático ao perceber a necessidade de se contrapor a esse constructo e defender os fundamentos democráticos em sua ação.

Palavras-chave: gestão democrática; rede municipal de educação de São Paulo; supervisão escolar.

Abstract

Democratic management is one of the principles that guide education systems in Brazil. Based on this premise, the objective of this article is to analyze how school supervisors in the city of São Paulo conceive and evaluate democratic management in the activities they develop in educational units, in the Regional Board of Education (DRE) and in the relationship with the Municipal Department of Education (SME). In methodological terms, we applied questionnaires to school supervisors in São Paulo city, asking them about their practices, including participation in democratic instances of educational units, DRE and SME. We used a qualitative approach to analyze the data collected based on the categorization proposed by Bardin (2011) and Szymanszki (2018) and an interpretation of the results supported by the analysis of the content and the speeches. The research data indicated that in discursive terms the supervisors understand their activities as democratic, however, they have experienced the tensions and disputes arising from a historically autocratic position when realizing the need to oppose this construct and defend democratic foundations in their action.

Keywords: democratic management; municipal education network of São Paulo; school supervision.

Resumen

La gestión democrática es uno de los principios que guían los sistemas educativos en Brasil. Con base en esta premisa, el objetivo de este artículo es analizar cómo los supervisores escolares de la ciudad de São Paulo conciben y evalúan la gestión democrática en las actividades que desarrollan en las unidades escolares, en la Dirección Regional de Educación (DRE) y en la relación con la Secretaría Municipal de Educación (SME). En términos metodológicos, aplicamos cuestionarios a los supervisores escolares de São Paulo, preguntándoles sobre sus prácticas, incluida la participación en instancias democráticas de unidades educativas, DRE y SME. Utilizamos un enfoque cualitativo para analizar los datos recopilados a partir de la categorización propuesta por Bardin (2011) y Szymanszki (2018) y una interpretación de los resultados a partir del análisis del contenido y los discursos enunciados. Los datos de la investigación indicaron que en términos discursivos los supervisores entienden sus actividades como democráticas, sin embargo, han experimentado las tensiones y disputas derivadas de una posición históricamente autocrática al darse cuenta de la necesidad de oponerse a este constructo y defender los fundamentos democráticos en su actuación.

Palabras clave: gestión democrática; red municipal de educación de São Paulo; supervisión escolar.

Introdução

No texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9394/1996 (BRASIL, 1996), a palavra supervisão é citada três vezes, a saber, nos artigos 9º, 61 e 64, referindo-se à função de inspeção e orientação educacional, podendo se constituir como cargo ou função nos planos de carreira e/ou estatutos do magistério de estados e municípios. No documento de contribuições para a elaboração e revisão dos planos de carreira e remuneração dos profissionais da educação escolar básica pública, produzido pelo Ministério da Educação, as

Funções de supervisão, coordenação e administração escolar são regulamentadas tanto de forma transitória, quando o exercício da função tem limite de prazo para acabar, quanto permanente. No segundo caso, em decorrência de serem tratadas como cargos, são abertos concursos públicos e os profissionais aprovados empossados e efetivados. (BRASIL, 2016, p. 63)

Na rede municipal de ensino de São Paulo, a supervisão escolar é cargo de provimento efetivo por meio de provas e títulos (SÃO PAULO, 2007) e constitui o topo da carreira do magistério. Os supervisores escolares (SE) são lotados nas Diretorias Regionais de Educação, tendo como uma das suas funções o acompanhamento de um conjunto de escolas diretas vinculadas ao sistema municipal de ensino, escolas parceiras ou indiretas conveniadas com a prefeitura e escolas privadas particulares de educação infantil.

Historicamente, o perfil da supervisão escolar foi constituído por profissionais da educação que visita as escolas e relata as situações encontradas às instâncias superiores, constituindo esse fazer, muitas vezes, mais como uma ação de fiscalização do que como composição da gestão das unidades educacionais. Essa construção histórica está registrada no Ratio Studiorum, como narra Saviani (1999, p. 21):

Explicita-se, pois, no Ratio Studiorum, a ideia de supervisão educacional. Ou seja, a função supervisora é destacada (abstraída) das demais funções educativas e representada na mente como uma tarefa específica para a qual, em consequência, é destinado um agente, também específico, distinto do reitor e dos professores, denominado prefeito dos estudos.

Na rede municipal de educação de São Paulo é comum que estes profissionais tenham uma atuação mais voltada à verificação do cumprimento das normativas legais pelas escolas do que um trabalho de orientação e acompanhamento das práticas pedagógicas. A menção à ação supervisora, por vezes remete a problemas, a acompanhamento de situações relativas a denúncias ou reclamações, associando assim a presença do/a supervisor/a na escola a uma relação hierárquica e externa.

Esta constituição é histórica e compõe a cultura do cargo que diante da diversidade de atribuições exercidas, tais como atendimento de plantão nas DREs, condução de processos de apurações preliminares, emissão de pareceres, aprovação de documentos, diligências, entre outras, resulta em pouca participação do SE nos processos formativos ou nas atividades fortalecedoras da coletividade e da gestão democrática nas escolas, como reuniões pedagógicas, de pais, do Conselho de Escola (CE) e da Associação de Pais e Mestres (APM).

Entre os supervisores escolares, observam-se diferentes concepções de supervisão escolar. Ao que parece, a que mais comumente se apresenta é a da fiscalização das escolas quanto à documentação e ao cumprimento de exigências legais e da política educacional vigente. Caracterizada como mais formal e distanciada dos objetivos educacionais, essa visão encerra a tendência a superestimar procedimentos administrativos, tratando-os como fins e não como meios. Outra concepção aceita e que compreende uma prática equivocada é a do supervisor como “pronto-socorro” ou, como muitos denominam, “apagador de incêndios”, ou seja, é acionado quando ocorrem emergências nas escolas. (SOUZA, 2012, p. 120)

Essas percepções, registradas por uma das autoras deste artigo no exercício do magistério na Rede Municipal de Ensino de São Paulo e também na literatura sobre o tema, foram o ponto de partida para a realização da pesquisa que subsidiou a escrita deste texto, cujo objetivo é analisar como os supervisores escolares do município de São Paulo concebem a gestão democrática nas atividades que desenvolvem nas unidades educacionais, na Diretoria Regional de Educação (DRE) e na relação com a Secretaria Municipal de Educação (SME).

Numa busca no catálogo de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), utilizando as palavras-chave: supervisão escolar paulistana, supervisor escolar no município de São Paulo, supervisor escolar, obteve-se apenas seis trabalhos que investigaram a supervisão escolar nesta rede de ensino, cujas principais discussões giraram em torno da ação pedagógica, da identidade do profissional e do papel desempenhado por estes profissionais nas escolas, sendo que não há investigação que relate em que medida e como o trabalho dos SE contribui para o fortalecimento da gestão democrática nas unidades educacionais e em outras instâncias da SME. Assim, o propósito aqui é somar às análises, reflexões e discussões já empreendidas sobre a ação supervisora na Prefeitura Municipal de São Paulo, às ações desenvolvidas pelos supervisores escolares no apoio à gestão democrática na educação.

Relevância e dificuldades na efetivação da gestão democrática da educação pública

O princípio constitucional de gestão democrática da escola pública inscrito na Constituição Federal vigente data de pouco mais de três décadas. Sua promulgação advém de contexto histórico marcado pela (re)democratização do país e evidenciou, entre outros aspectos, novas formas de controle da sociedade civil em relação às atividades do Estado, entre elas, as que dizem respeito à educação.

Como parte do processo de redemocratização do país na década de 1980, educadores brasileiros, por meio de suas entidades sindicais e científicas, estudantes organizados em suas instâncias bem como setores da sociedade civil, que lutaram pela redemocratização do Estado e da sociedade brasileira, travaram inúmeras lutas para a inscrição do princípio da gestão democrática da educação na nova Constituição, após vinte anos de ditadura. (ARELARO; JACOMINI; CARNEIRO, 2016, p. 1145)

Com base no princípio constitucional, a LDB/96 estabeleceu que os sistemas de ensino devem garantir a participação da comunidade escolar em espaços deliberativos, como os conselhos de escola, construção do projeto político-pedagógico, bem como articular-se com a comunidade local, engendrando as interações entre a sociedade e a escola. O atual Plano Nacional de Educação, Lei nº 1.305/2014 (BRASIL, 2014) reforçou a importância de promoção do princípio da Gestão Democrática (GD) da educação pública. Conquanto, a realização deste princípio constitucional ainda constitui um desafio para estados e municípios.

Nesse sentido, é relevante investigar como a ideia e as orientações sobre a Gestão Democrática dos sistemas e unidades de ensino são tensionadas no cotidiano das escolas públicas e quais desafios são evidenciados no processo. Pois,

À medida que a sociedade se democratiza, e como condição dessa democratização, é preciso que se democratizem as instituições que compõem a sociedade, ultrapassando os limites da chamada democracia política e construindo aquilo que Norberto Bobbio chama de democracia social. (PARO, 1998, p. 6)

Ao longo dos últimos anos, diversos autores têm se debruçado sobre os limites, as potencialidades e os desafios para a implementação de práticas colaborativas, coletivas e centradas nos princípios democratizantes da educação, pois como alerta Cury (2007, p. 489)

A gestão democrática como princípio da educação nacional, presença obrigatória em instituições escolares públicas, é a forma dialogal, participativa com que a comunidade educacional se capacita para levar a termo um projeto pedagógico de qualidade e do qual nasçam “cidadãos ativos” participantes da sociedade como profissionais compromissados.

Como instituição onde ocorre um “cruzamento de culturas, cuja responsabilidade específica a distingue de outras instituições e instâncias de socialização e lhe confere identidade própria, identidade e relativa autonomia”, é imperativo considerar a concretização da democratização nas diversas práticas sociais e educativas (PEREZ GÓMEZ, 2001).

Essas questões produzem reflexões sobre a efetivação de práticas democráticas nos processos de socialização e construção de conhecimento para bebês, crianças, adolescentes, jovens e adultos no contexto escolar. Para Sales e Santos (2012), problematizar a proposição de projetos alternativos e democráticos se constitui como desafio em tempos de políticas públicas neoliberais e que reverberam cada vez mais na fiscalização do trabalho docente, tais como a proposta da escola sem partido, entre outras que personificam uma relação autoritária com os fazeres escolares.

Nessa perspectiva, Lima (2014) pontua a importância de pesquisas que analisem, do ponto de vista político e social, como as práticas de gestão se materializam cotidianamente.

A gestão democrática da escola não é apenas, nem sobretudo, um problema organizacional e de gestão, mas antes uma questão central ao processo de democratização da educação, de expansão e realização do direito à educação, de possibilidade de educar para e pela democracia e a participação. (LIMA, 2018, p. 26)

Educar para a democracia significa reconhecer que os princípios da Gestão Democrática estão em processos contínuos de desenvolvimento, logo na prática, se constitui num leque de experiências que dão contornos ao trabalho que cada unidade educacional desenvolve. É nesse fazer que vai se dando a democracia.

A efetivação da prática depende em “grande medida da consideração, por parte dos envolvidos nesse processo, do quanto as ações são fruto dessa cultura estabelecida e das possibilidades da mudança do paradigma que a orienta” (SILVA, 2006, p. 378).

Diante dos desafios e ciente da complexidade que a gestão da escola pública encerra, Lima (2018) pergunta quão democrática é a gestão da escola pública, tratando-se de uma questão central, principalmente, em tempos de recrudescimento de práticas autoritárias e conservadoras.

A democracia no âmbito educacional é permeada pela constituição de poderes, dada pela política, pela forma de organização, pelos contextos nos quais as unidades educacionais estão inseridas (PERRELLA; CAMARGO, 2015). A forma de organização pode ser um fator que auxilia na composição de uma relação verticalizada, além de propagar a ideia de que quem está no topo da carreira tem mais poder para exercer sua função sobre os demais.

Na relação da ação supervisora com as unidades educacionais, existe o jogo interrelacional, constituído de poder, sendo um grande desafio a esses profissionais desconstruir a relação de cunho autocrático e abdicar do poder obtido pela hierarquia funcional para construir uma relação pautada nos princípios democráticos com as equipes gestoras.

As relações verticalizadas são, comumente, construídas no processo de dominação, de vozes a serem obedecidas e silenciadas. Essas relações não são estanques e têm-se alterado bastante no decorrer da história. No entanto, compreende-se que, muitas vezes, elas existem e são garantidas não pela pluralidade e pela possibilidade de participação, mas pela regência do medo.

Tanto as relações democráticas quanto as autocráticas são, ao mesmo tempo, forjadas e mantidas pelo Estado capitalista, que legitima as relações de poder nas diversas instituições educacionais. Tal configuração se estende do Ministério da Educação - MEC até as secretarias de educação, as unidades escolares, chegando à sala de aula. Foi com base nessa compreensão que no governo da prefeita Luiza Erundina, entre 1989 e 1992, na cidade de São Paulo, a SME teve como premissa a orientação do Conselho de Escola exercer função democrática, como um colegiado deliberativo com poder de decisão e execução (CISESKI, 1997).

Naquele momento, os conselhos de escola se tornaram o principal norteador da democratização da educação na prefeitura de São Paulo e Paulo Freire, secretário de educação à época, lançou o documento, Construindo a educação pública popular, Caderno 22 meses, reafirmando esse papel.

O Conselho de Escola, por isso mesmo, constitui-se na base dessa proposta da gestão democrática. Nosso objetivo é consolidá-lo como órgão deliberativo. É preciso que os conselhos cresçam em seu poder de decisão sobre as questões estruturais e pedagógicas das escolas e que possam interferir organizadamente nos destinos do ensino municipal. (SÃO PAULO, 1990, p. 9)

O documento, entre outras coisas, trata da formação permanente dos educadores, dos grêmios estudantis e da reorganização curricular, mas dá ênfase aos conselhos de escola. Cabe relembrar que, segundo a Constituição Federal (1988), ratificada pela LDB (1996), os municípios têm autonomia para definir normas da GD do ensino público. Na cidade de São Paulo os cargos de gestão não são definidos por eleição direta do conselho de escola, mas sim por concurso público, somente em caso de substituição é que o conselho elege o gestor, ação diferente de outros estados e municípios brasileiros.

Todavia a GD consta como princípio basilar em todas as publicações da SME e está presente no Plano Municipal de Educação - PME (SÃO PAULO, 2015), na meta 12, garantindo que as instâncias deliberativas sejam constituídas de participação de todos.

A educação é um espaço para as práticas educativas e lugar para consolidar as políticas públicas, inclusive, criticando-as, desmascarando ideias, insurgindo-se contra concepções autoritárias. Se os pressupostos da democracia não aparecerem nos espaços educacionais, não será possível a construção de gestão democrática (SOUZA, 2009).

Segundo Benevides (2012), a educação para a democracia, tão apregoada por todos, não é algo dado, mas está em construção, pois a universalização do acesso à escola e a formação de governados e governantes são passos necessários para o processo de democratização. Porém, contrário a isso, ainda persiste uma forma de educação que segrega os que sabem e serão líderes dos que permanecerão ignorantes, obedientes e mão de obra barata, invariavelmente, ligados a uma estrutura classista, não por culpa ou escolha do sujeito.

O que fazer para que a escola proponha uma transformação nesse processo? O conceito democrático orienta uma escola de formação do povo, isto é, daquele que de fato deve ser o soberano numa democracia.

Não basta educar para a tolerância e para a liberdade, sem o forte vínculo estabelecido entre igualdade e solidariedade. Esta implicará no despertar dos sentimentos de indignação e revolta contra a injustiça e, como proposta pedagógica, deverá impulsionar a criatividade das iniciativas tendentes a suprimi-la, bem como levar ao aprendizado da tomada de decisões em função de prioridades sociais. (BENEVIDES, 2012, p. 4)

Dado que em nossa sociedade, e não se pode apartar dela a escola, há um sistema de injustiças e alienação, garantindo que a estrutura social não se modifique, dificultando as mudanças, é necessário se compreender como parte da “maquinaria”, muitas vezes partícipes coniventes do processo, incapazes de tecer a crítica ou de mudar.

Os espaços educacionais devem se constituir como capazes de questionar, de buscar outra forma de construir o mundo e outra lógica de existência, de conviver, de trabalhar, de ser. Os avanços em relação à democratização pautam as práticas dos profissionais da educação.

A complexidade encontrada nos ambientes escolares e em toda sua estrutura dificulta, mas não imobiliza completamente as lutas, pois sempre há contraposições e movimento. Diante disso, é importante que a ação educacional continue promovendo atuações e reflexões numa perspectiva mais dialógica, de alteração e mudança da ordem proposta.

A supervisão escolar participa desse processo e tem um papel de interlocução na relação da escola com a SME revelando nesse processo se a premissa do trabalho desenvolvido com a escola se pauta na GD ou se se dá de maneira mais burocrática e legalista, restringindo o diálogo e construindo um vínculo autocrático. (SOUZA, 2009)

A GD nos espaços educacionais tem o propósito de descontruir as relações hierarquizadas e arquitetar outras possiblidades de construir a educação, reafirmando a necessidade de politização e coletividade educacional e, portanto, social. Educar é construir com os indivíduos o diálogo, a luta por melhores condições de vida, de trabalho, salários dignos, organização de sindicatos e movimentos sociais, cobrança dos direitos sociais ao Estado e aos patrões.

Essas dinâmicas se dão dentro do princípio democrático e, assim, é preciso assumir que educar não é transmitir novos saberes, comportamentos ou modos de ser, mas é uma ação política que altera lugares, intenções, pensamentos, numa perspectiva de mudança no mundo.

Diante da necessidade de fortalecer a democratização da gestão em todas as relações educativas, na próxima seção o foco será a ação supervisora na rede municipal de educação de São Paulo, buscando compreender a partir da perspectiva dessa (e) profissional como ele concebe sua atuação em prol da gestão democrática da escola pública.

Desafios, avanços e contradições da ação supervisora paulistana na promoção da gestão democrática

Para estudo dos fenômenos educacionais que se pretende capturar e analisar neste estudo, considerou-se a abordagem qualitativa a mais adequada (BOGDAN; BIKLEN, 1994; CHIZZOTTI, 2006; LÜDKE; ANDRÉ, 1986; GONZÁLEZ, 2005), envolvendo estudo bibliográfico (CERVO, BERVIAN, SILVA, 2007) e documental (CELLARD, 2008) e pesquisa de campo, com aplicação de questionários on-line, via ferramenta Google Docs, aos supervisores escolares da rede municipal de educação de São Paulo de todas as DREs2. De um total de 427 supervisores atuando na rede municipal de educação de São Paulo, foram respondidos 37 questionários, assim distribuídos entre as DREs:

Tabela 1 Participantes da pesquisa 

Diretorias Regionais de Educação Módulo de supervisor escolar Participantes da pesquisa por DRE
Butantã 24 1
Campo Limpo 50 4
Capela do Socorro 29 3
Freguesia do Ó 33 4
Guaianases 33 1
Ipiranga 36 5
Itaquera 31 1
Jaçanã/Tremembé 25 83
Penha 35 2
Pirituba/Jaraguá 39 3
Santo Amaro 26 1
São Mateus 30 2
São Miguel Paulista 36 1
Total 427 37

Fonte: Dados obtidos pela devolutiva dos questionários e organizado pela pesquisadora, 2019.

Uma análise qualitativa foi realizada sem a pretensão de generalizações estatísticas, mas como sinalizadores de concepções e ações que estão presentes no conjunto da ação supervisora na rede municipal de educação de São Paulo. Conforme o último edital de concurso da PMSP, concurso de acesso n. 02/2015, a exigência para o cargo é de experiência mínima de seis anos no Magistério, sendo três anos em cargos/funções de gestão educacional.

Compreende-se que para ser SE se requer tempo e conhecimento dos fazeres do magistério. A construção da identidade com o cargo vai se dando ao longo as ações exercidas e aqui defende-se que devem ser pautadas na GD. Conforme Dubar (2005, p. 136), a identidade é um misto entre a individualidade e a coletividade, tornando-se um “resultado a um só tempo estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, que, conjuntamente, constroem os indivíduos e definem as instituições”.

A construção identitária de uma profissão é gestada pelo contexto na qual ela está mergulhada. Inspirando-se em Claude Dubar, é possível pensar a construção da supervisão escolar como uma personagem que vive um papel social, nesse contexto de “ator” e, ao mesmo tempo, problematizar que a GD tem a dinâmica de transformação que gesta, cria e muda os sistemas, posicionando o SE não somente como ator representando um papel, mas como autor, produtor de uma identidade profissional mais plural. O desafio proposto é: como olhar para as estruturas com papéis já tão definidos e conseguir quebrar as contingências cristalizadas?

Os supervisores escolares que responderam ao questionário possuem formação em pedagogia, pré-requisito para o cargo e, mesmo aqueles que atuam a pouco tempo como Supervisores, dizem pautar sua atuação na gestão democrática.

Em relação à atuação do SE, numa das respostas ao questionário, destaca-se a seguinte síntese:

Resumindo, eu diria que o supervisor da rede municipal de ensino de São Paulo atua em duas grandes frentes de trabalho: Na primeira frente, é o responsável pela análise e aprovação do PPP e do Regimento Escolar, participando, ainda, na análise das condições tanto do prédio escolar quanto dos materiais disponíveis para a atividade educacional. Na segunda frente, a análise e a aprovação dos projetos educacionais das escolas (considerando que seu parecer é que vai determinar a homologação do projeto pela autoridade competente); a contínua observação das condições de ensino das unidades e consequente aconselhamento às equipes escolares de ações pertinentes (bem como a transmissão de informações para a administração regional quando se verifica a necessidade de intervenção para a solução dos problemas encontrados); o atendimento à população no que tange à solução de problemas apresentados diretamente à supervisão, por meio do atendimento no Plantão de Ação Supervisora; a formulação de propostas de aprimoramento da ação das equipes escolares, especialmente da equipe gestora, e sua aplicação por meio de reuniões de formação, seja em grupo (reuniões setoriais de equipes gestoras), seja por unidade educacional (quando da visita regular de ação supervisora). (SE84 - 39 anos de magistério, foi coordenador pedagógico antes de acessar o cargo de SE)

Ao analisar a resposta acima, nota-se um número grande de atividades desenvolvidas na ação supervisora sendo essa quantidade de atribuições destacadas pelos outros supervisores entrevistados como um grande desafio. Essas demandas foram, ao longo da pesquisa, aparecendo na relação de trabalho constituída entre os supervisores escolares e as unidades educacionais, bem como no âmbito de DRE e SME, indicando como as ações desempenhadas pelo supervisor escolar contribuem ou dificultam o fortalecimento da gestão democrática e a construção de políticas públicas de qualidade.

Na análise do conteúdo dos questionários foram selecionadas categorias com a finalidade de discutir, compreender e aprofundar os assuntos abordados como fomentadores ou dificultadores da ação supervisora no que concerne à GD.

A relação entre a supervisão escolar e as unidades educacionais da PMSP no fortalecimento da gestão democrática

As relações institucionais se dão de forma imbricada e pensada enquanto sistema educacional. Na perspectiva de Saviani (2008), um sistema significa uma ordenação articulada dos vários elementos para que os objetivos educacionais de fato sejam efetivados para o público-alvo a que se destina e funcione como uma “unidade de vários elementos intencionalmente reunidos, de modo a formar um conjunto coerente e operante” (SAVIANI, 2008, p. 80).

As escolas paulistanas são jurisdicionadas a uma determinada Diretoria Regional de Educação (DRE), totalizando treze DREs compõem a Secretaria Municipal de Educação (SME), formando o sistema educacional do município de São Paulo. Há percepções diferentes do processo democrático vivenciado em cada instituição, apesar de comporem o mesmo sistema educacional, ou seja, apesar das orientações comuns, a forma como cada escola vivencia a gestão democrática é permeada por singularidades.

Quando indagados sobre suas práticas e o estímulo à gestão democrática nas escolas, os supervisores escolares fizeram emergir as contradições sobre o conceito de democracia e de GD, bem como entendimentos plurais de consolidação da democracia nos espaços educacionais.

A ação supervisora, pautada no diálogo, orientação e formação está em consonância com este princípio. Na prática, por exemplo, ao reforçar e acompanhar iniciativas já existentes de participação democráticas nas unidades educacionais como os Indicadores de Qualidade na Educação Infantil, Conselhos de Escola, APM, Grêmios estudantis, estamos fortalecendo, enquanto supervisores, a gestão democrática, assim como ao acompanhar e orientar a construção coletiva do PPP de cada U.E. (SE14 - dezesseis anos de magistério, era diretor de escola quando acessou a supervisão escolar).

A dimensão democrática na supervisão está em processo de construção e ainda não se consolidou. A supervisão é mais orientada pela legalidade, sem hermenêutica, do que propriamente regida pelo diálogo. Não vejo a democracia conduzindo o trabalho da supervisão escolar, mas, muitas vezes, uma percepção arrogante de uma suposta “superioridade”. (SE6 - trinta anos de magistério, acessou a supervisão escolar como professor de história).

Embora, no conjunto das respostas, seja acentuada a fala do SE pelo viés reflexivo, transformador e participativo, os traços de uma dinâmica educacional que nunca se concretizou completamente democrática traz a necessidade de pensar o que dificulta esse processo.

Nesse sentido, cabe a consideração de Souza (2009, p. 126) sobre a gestão democrática “como método, como um processo democratizante, uma vez que a democracia é também uma ação educativa, no sentido da conformação de práticas coletivas na educação política dos sujeitos”.

De maneira geral, as respostas apresentadas indicam compreensão sobre a necessidade de a democracia pautar as ações de todo o sistema educacional e, nesse enfoque, apresentam a preocupação com a coletividade e com o Projeto Político-Pedagógico como um documento capaz de reunir esse conjunto de princípios democráticos, principalmente no viés da coletividade e da participação de todos.

As respostas apostam o PPP como um documento potente e capaz de orientar transformações. De acordo com Vasconcellos (2002, p. 19), o PPP “é um instrumento teórico-metodológico para transformação da realidade”, um importante projeto para consolidação da autonomia da escola.

Na fala dos supervisores escolares o PPP é um documento vivo, capaz de traçar os caminhos que as escolas devem trilhar, com competência para reunir toda comunidade educativa em torno de um planejamento que prima por ideários democratizantes, tais como escuta, participação, transparência nas ações, formação contínua, articulação e uso de recursos públicos para benefício público e respeito à diversidade.

Os supervisores escolares destacam um impasse entre a formulação da legislação e gestão democrática denunciando a sua não participação na construção da política pública e sua atuação apenas como agente implementador das publicações legais, reconhecendo-se no lugar de fazer cumprir e não como partícipe de um processo construtivo.

A questão não é simplesmente detectar que existem limitadores à implementação da gestão democrática e que, muitas vezes, essas restrições são colocadas pelo próprio Estado, mas explorar as possibilidades coletivas de retomar os processos para que essas ações possam ser transformadoras ou possibilitadoras de avanços (HELD, 1987). O processo traz em si a complexidade de construção social, histórica de cada lugar e um cuidado para não tornar a gestão democrática somente mais um lugar de senso comum ou slogan (LIMA, 2014).

Ainda em se tratando de concepções e princípios, as falas sobre a ação supervisora dos entrevistados demostram-se focadas na escuta dos gestores, dos professores e dos alunos, o que difere do perfil da supervisão escolar autoritária e de caráter fiscalizador que anteriormente foi dito. O novo posicionamento indica uma mudança no viés autocrático de uma figura que, historicamente, só deliberava e fiscalizava para um profissional mais preocupado em saber quais as problemáticas que envolvem as escolas. O movimento de escuta e parceria aparece ao longo das respostas, como afirma o SE10: “este [o supervisor] acaba sendo um par avançado e não um fiscalizador”.

As respostas dadas evidenciam um movimento por parte do grupo no que tange à concepção da supervisão escolar na defesa dos fundamentos da democratização da escola pública e apresentam essa intencionalidade em seu discurso, pois narram sua prática e concepções, em sua maior parte, nessa perspectiva.

Instâncias Democráticas nas escolas da PMSP

Na pesquisa, elencou-se algumas instâncias democráticas existentes nas unidades educacionais da PMSP, destacando-se: Conselho de Escola, Associação de Pais e Mestres, Reunião de Famílias, Reunião de Equipe Gestora, Grêmio Estudantil e Assembleia Estudantil.

O Conselho de Escola - CE é a instância democrática mais acompanhada pelo SE, conforme gráfico abaixo, todos os participantes o citaram como um espaço de extrema importância, mas outros colegiados foram contemplados como locais de discussão e vivência da gestão democrática. Observa-se que o CE e a APM aparecem como dois expoentes dos colegiados, o que acontece é que, muitas vezes, as unidades educacionais juntam esses colegiados em um dia só, como forma de facilitar o encontro e a reunião das pessoas, tornando-os um único espaço deliberativo.

Fonte: Dados obtidos na pesquisa e organizado pela pesquisadora, 2019.

Gráfico 1 Indicação, pelo SE, de instâncias democráticas na escola. 

A contradição aparece quando os SE são questionados sobre qual a sua participação nesses colegiados, pois as respostas mostram que o acompanhamento, frequentemente, é realizado somente pela leitura das atas, aparecendo como uma fragilidade na ação supervisora, gerando um distanciamento entre o desejo de participação e o que de fato ocorre.

Os entrevistados relatam que o conhecimento sobre as deliberações realizadas nos colegiados da escola se dá, usualmente mediante as narrativas da equipe gestora que está na escola e os registros das atas das reuniões, e destacam suas dificuldades em participar desses momentos de tomada de decisão da escola, devido, principalmente, à falta de tempo.

Na construção de uma relação menos verticalizada, caminho que aparece narrado pela supervisão escolar, é preciso que as escolas tenham autonomia para organizar seus colegiados e que o SE, como não é um membro desse colegiado, possa acompanhar de forma a incentivar, participar quando necessário, estimular a participação e a formação política desse espaço deliberativo, mas também deve ter como preocupação a construção do colegiado.

Essa dimensão da ação supervisora revela a necessidade de maior acompanhamento, para que não se dê à distância ou se perca de vista os acontecimentos da escola, mas nem tão próximo que a escola perca sua autonomia. Para tanto, retoma-se o conceito de gestão defendido por Ferreira (2003, p. 76): “O termo gestão implica desconcentração de poder, compartilhamento, e permite a criação de mecanismos de participação adequados à situação e ao projeto”.

O trabalho democrático se dá conjuntamente, na divisão de responsabilidades, e tem objetivos integrais que envolvem a todos, não deve dar-se em uma voz centralizadora, nem hierárquica, mas organizar-se coletivamente:

Se, na verdade, o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fôssemos os portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles. Somente quem escuta paciente e criticamente o outro fala com ele, mesmo que, em certas condições, precise de falar a ele. (FREIRE, 1998, p. 127)

Nessa direção, o caráter mediador da supervisão escolar fortalece os princípios democráticos e traz para o SE a compreensão de que sua ação é política. Para tanto, é necessário assumir e realizar essa dimensão mais pedagógica e participativa, buscando em todas as instâncias ocupar um lugar que expresse compromisso com a gestão democrática da escola pública.

Supervisão escolar e sua atuação nas Diretorias Regionais de Educação

Ao serem questionados sobre a participação na instância de DRE, seu local de trabalho, e as ações no tocante aos princípios democráticos neste espaço, os supervisores escolares dizem que participam de reuniões de trabalho semanalmente, relatam a participação nas formações da DRE, bem como em comissões de apuração preliminar, mediação de conflitos, dengue, entre outros e na intermediação da ação com as escolas.

Fica evidenciado nas falas dos entrevistados que eles se incluem como participantes do sistema e que procuram estimular e construir junto com as equipes, na tentativa de gerar em seus espaços de atuação, uma prática mais participativa. Também trazem falas comprometidas com uma ação supervisora conhecedora da complexidade vivenciada pelas unidades educacionais, ao mesmo tempo que reconhecem o legado de autoritarismo do cargo de supervisor escolar.

Precisamos aprender a democracia e não é uma tarefa fácil. A nossa herança autoritária e o acúmulo de problemas nas escolas, muitas vezes pode levar o grupo a optar por decisões que não respeitam o coletivo. Entendo que a melhor forma é pautar o diálogo como instrumento de resolução de problemas. (SE27, era diretora de escola quando acessou a supervisão)

Das instâncias democráticas existentes nas DREs e na SME, a mais citada foi a reunião semanal realizada na DRE, na qual os SE se reúnem com o supervisor técnico e com o diretor regional para discutir e deliberar ações de trabalho. A maioria dos participantes da pesquisa relata que há espaço, no âmbito de DRE, para discussões e apresentação das demandas que o SE tem das unidades educacionais ou da sua própria condição de trabalho.

Supervisão escolar e sua atuação nas Diretorias Regionais de Educação

Na relação da supervisão escolar diretamente com a Secretaria Municipal de Educação, numa perspectiva democrática, os tensionamentos nas respostas são mais perceptíveis e discrepantes. A maioria dos entrevistados se narra num movimento de transformação e se percebe realizando uma ação supervisora mais acolhedora e capaz de ouvir as necessidades das unidades educacionais, no entanto, apontam que essas escutas, frequentemente, morrem em si mesmas, pois essas vozes não chegam à SME.

Ao analisar as respostas dos entrevistados, há uma descrença relatada de forma contundente, no que se refere à gestão democrática e às práticas dialógicas com a SME. Essas falas geram um tensionamento, pois apresentam uma supervisão escolar que se diz muito parceira e um órgão central totalmente autoritário, sendo difícil compreender como em uma relação sistêmica, na qual o SE é um implementador de políticas públicas da própria SME, pode estar tão apartada de quem a coordena.

Cabe também apontar que a supervisão escolar é o cargo que intermedia a relação escola, DRE e SME, criando os espaços de participação e seus próprios fóruns, e compreendendo que “o conhecimento é progressivamente elaborado e sempre conjunturalmente produzido” (GUERRA, 2006, p. 19). Portanto, cabe também a esse grupo forjar momentos em que as falas das unidades educacionais ou as necessidades da própria supervisão escolar cheguem à SME. Para analisar essa contradição, retoma-se Licínio Lima (2014, p. 1069) e o seu conceito de gestão democrática:

[...] uma complexa categoria político-educativa, uma construção social que não dispensa a análise dos contextos históricos, dos projetos políticos e da correlação de forças em que ocorre, para além de envolver dimensões teóricas e conceituais que vão desde as teorias da democracia e da participação, até às teorias organizacionais e aos modelos de governança e administração das escolas e respectivos sistemas escolares.

Trata-se de um fenômeno difícil para análise, pois ao observar as pesquisas que versam sobre a democracia, a relação com “o outro” é sempre motivo de destaque. Quando o pesquisado é o professor, ele diz que acredita na gestão democrática, mas a diretor de escola não; quando o pesquisado é o diretor de escola, ele se diz democrático, mas a supervisão escolar aparece como um agente autoritário; e no caso do SE, ele se narra como agente democrático de uma SME não democrática. Caberia perguntar aos alunos? As famílias? Quem seria narrado como os democráticos da relação?

Ao que parece, as relações hierárquicas estão sempre atravessando a construção das relações democráticas, segundo Markoff (2013, p. 27), “não tem sido incomum, por exemplo, pessoas afirmarem que se governam democraticamente e, ainda assim, negarem radicalmente as outras o direito de participação”. Para olhar esses antagonismos, faz-se necessário pensar que estamos discutindo uma “realidade global do século XXI” e que o exercício das relações democráticas cabe a todos. Markoff (2013, p. 45) afirma que uma “democracia para nós, mas não para eles” está se tornando algo difícil de conceber.

Os tensionamentos nas relações hierárquicas e políticas da RME são necessários para que se desvele a necessidade de repensar práticas, modos de atuação e políticas públicas. E por isso, se compreende quão difícil é democratizar a educação e remover das escolas os principais obstáculos políticos, organizacionais, de governo e de gestão, de relações de poder, de teorias e de objetivos educacionais que as vêm impedindo há séculos, e mesmo em regimes políticos formalmente democráticos.

É saudável que se apresentem posicionamentos controversos e conflituosos, mas é preciso que o debate busque firmar as escolas como organizações educativas democráticas, tendo a supervisão escolar como agente potente nesta relação.

As descontinuidades ocorridas nas trocas de governantes comprometem a política educacional e são apontadas como problema para o fortalecimento da GD. Não que a alternância de governo não seja salutar para a democracia, mas as mudanças ocorridas a cada troca de governo, sejam nas propostas curriculares ou nas proposições da SME, afetam os processos que ainda são frágeis nas unidades educacionais e que, muitas vezes, trocam de nome ou são abandonados como se nunca tivessem existido.

Também foram apontados contrapontos como a participação da supervisão escolar na construção de documentos curriculares, consultas públicas e reuniões com o secretário de educação, na tentativa de estabelecer diálogos.

Ser Supervisor Escolar é se envolver cada vez mais com os estudantes, suas famílias, os gestores e o grupo de educadoras que estão nos espaços educacionais e na construção de políticas democratizantes. Segundo Souza (2009, p. 130) “a democracia não ocupou outros espaços da vida social que não o poder público”, por isso, a necessidade da formação política, com a premissa de disputar espaços e organizar a luta; ou isso ou ser preposto do Estado.

Considerações finais

Neste artigo, discutimos a supervisão escolar paulistana e a gestão democrática dada, formalmente, pelas legislações e produções acadêmicas, mas também vivenciada nos enfrentamentos e desafios para tornar real práticas democráticas. A supervisão escolar narrou-se representada por ações variadas, atravessada mais pelo cunho administrativo do que pelo processo pedagógico.

A preocupação com o processo formativo, especialmente, reconhecendo no Projeto Político-Pedagógico um instrumento de fortalecimento da gestão democrática, foi um dos avanços citados nos processos de democratização nas atividades dos SE mas ainda em processo, vivenciando diversos tensionamentos, especialmente, com os órgãos centrais.

Destacou-se na pesquisa, um grupo de SE crítico em relação às próprias práticas, reconhecendo que não consegue dizer se suas ações fortalecem a GD nas unidades educacionais; alguns, inclusive, assumindo que as práticas autoritárias ainda estão presente na supervisão escolar. Esses fatos se apresentam como processo de consciência, considerando que o SE é parte da DRE e não participa, efetivamente, dos colegiados das unidades educacionais, mas assinalam para a necessidade do processo formativo próprio, revelam um sujeito que necessita construir seu perfil profissional de forma mais formativa, consciente e democrática.

A pesquisa revelou que a supervisão escolar se apresenta em um processo gradativo de vivência da gestão democrática em suas ações e, portanto, não se intitula mais como “o fiscalizador”, “o olho que tudo vê”. Entretanto, ainda não se sente construtor de políticas públicas e enfrenta dificuldades para a construção de um fazer mais próximo dos espaços democráticos das escolas. O caminho de mudança é fundamental para que seja possível avançar na discussão e na construção de uma educação mais democrática, com uma contribuição cada vez mais presente do Supervisor Escolar.

2 Aprovação do Comitê de ética parecer nº 3410751, de 25 de junho de 2019.

3A DRE Jaçanã/Tremembé se destaca pelo número de participantes, pois é a unidade de trabalho de uma das pesquisadoras, portanto, a relação entre ela e os pesquisados foi mais próxima. Isso fez com que quase 1/3 da equipe se disponibilizasse a participar da pesquisa, fenômeno que não ocorreu em outras DREs.

4Para preservar o sigilo e garantir o anonimato dos sujeitos que participaram da pesquisa, eles foram apresentados com a sigla SE e o número do questionário.

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Recebido: 03 de Janeiro de 2023; Aceito: 05 de Abril de 2023

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Este artigo foi escrito com base na dissertação de mestrado [OMITIDO]

Editor Chefe: Prof. Dr. José Eustáquio Romão

Editora Científica: Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista

Editora Científica: Profa. Dra. Marcia Fusaro

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