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Eccos Revista Científica

Print version ISSN 1517-1949On-line version ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.65 São Paulo Apr/June 2023  Epub Feb 16, 2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n65.23660 

Artigos

MOTIVAÇÃO NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM E SUA RELAÇÃO COM ATIVIDADES GAMIFICADAS - UMA ANÁLISE EPISTEMOLÓGICA

MOTIVATION IN THE LEARNING PROCESS AND ITS RELATIONSHIP WITH GAMIFIED ACTIVITIES - AN EPISTEMOLOGICAL ANALYSIS

LA MOTIVACIÓN EN EL PROCESO DE APRENDIZAJE Y SU RELACIÓN CON LAS ACTIVIDADES GAMIFICADAS - UN ANÁLISIS EPISTEMOLÓGICO

Crisley Helena Simão, Doutoranda em Ensino de Ciências1 
http://orcid.org/0000-0002-1348-4812

Maria Inês de Affonseca Jardim, Doutora2 
http://orcid.org/0000-0002-0746-2844

1Doutoranda em Ensino de Ciências, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS, Campo Grande, MS - Brasil

2Doutora, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS - Brasil


Resumo

A motivação é um fator importante da vida humana e muito significante no processo de aprendizagem. Ao longo do desenvolvimento do pensamento filosófico que incluía as visões de homem e das concepções de determinação dos comportamentos, variados compêndios sobre motivação foram escritos. Muitos teóricos da aprendizagem estudaram ou evidenciaram o papel das variáveis motivacionais na aprendizagem ou na memória. É sob essa perspectiva que o conceito de motivação será tratado neste trabalho, refletindo sobre os enfoques de como a motivação em contexto de ensino e aprendizagem foi caracterizada ao longo dos tempos e historicizar a relação da motivação histórica com a gamificação como estratégia de ensino. As reflexões levantadas neste trabalho apontam que dentre os modelos epistemológicos e pedagógicos o construtivismo e a pedagogia relacional se destacam por favorecer a interação entre o sujeito e o meio. A gamificação segue o modelo epistemológico construtivista no qual o conhecimento não é apenas transmitido e se sustenta na pedagogia relacional valorizando a associação das motivações intrínseca e extrínsecas no processo de ensino-aprendizagem. Assim, este trabalho pode auxiliar o desenvolvimento de pesquisas sobre gamificação no âmbito educacional visando a efetivação do conhecimento unindo pressupostos cognitivistas aliado ao uso de recompensas.

Palavras-chave epistemologia; gamificação; teorias de aprendizagem.

Abstract

Motivation is an important factor in human life and very significant in the learning process. Along the development of the philosophical thought that included the visions of man and the conceptions of behavior determination, several compendiums on motivation were written. Many learning theorists have studied or highlighted the role of motivational variables in learning or memory. It is from this perspective that the concept of motivation will be treated in this work, reflecting on the approaches of how motivation in the context of teaching and learning has been characterized over time and to historicize the relationship between historical motivation and gamification as a teaching strategy. The reflections raised in this work point out that among the epistemological and pedagogical models, constructivism and relational pedagogy stand out for favoring the interaction between the subject and the environment. Gamification follows the constructivist epistemological model in which knowledge is not just transmitted and is based on relational pedagogy, valuing the association of intrinsic and extrinsic motivations in the teaching-learning process. Consequently, this work can help the development of research on gamification in the educational field, aiming at the realization of knowledge by joining cognitive assumptions together with the use of rewards.

Keywords epistemology; gamification; learning theories.

Resumen

La motivación es un factor importante en la vida humana y muy significativo en el proceso de aprendizaje. A lo largo del desarrollo del pensamiento filosófico que incluyó las visiones del hombre y las concepciones de la determinación de la conducta, se escribieron varios compendios sobre la motivación. Muchos teóricos del aprendizaje han estudiado o resaltado el papel de las variables motivacionales en el aprendizaje o la memoria. Es desde esta perspectiva que se tratará el concepto de motivación en este trabajo, reflexionando sobre los enfoques de cómo se ha caracterizado a lo largo del tiempo la motivación en el contexto de la enseñanza y el aprendizaje y para historizar la relación entre la motivación histórica y la gamificación como estrategia didáctica. Las reflexiones planteadas en este trabajo señalan que entre los modelos epistemológico y pedagógico se destacan el constructivismo y la pedagogía relacional por favorecer la interacción entre el sujeto y el entorno. La gamificación sigue el modelo epistemológico constructivista en el que el conocimiento no solo se transmite y se basa en la pedagogía relacional, valorando la asociación de motivaciones intrínsecas y extrínsecas en el proceso de enseñanza-aprendizaje. Este trabajo puede ayudar al desarrollo de investigaciones sobre gamificación en el campo educativo, con el objetivo de la realización del conocimiento mediante la unión de supuestos cognitivos combinados con el uso de recompensas.

Palabras clave epistemologia; gamificación; teorías del aprendizaje.

Introdução

A motivação é um fator importante da vida humana e muito significativo no processo de aprendizagem. A palavra motivação provém do latim movere, que significa mover, ou seja, é a forma pelo qual o comportamento humano é impulsionado, estimulado ou ativado por algum tipo de motivo ou razão (Nakamura et al. 2005).

Existem distintas definições sobre o conceito de motivação, o mesmo autor pode empregar o termo de maneira diversa num mesmo parágrafo. Para Vernon (1973, p. 11), por exemplo, “A motivação é encarada como uma espécie de força interna que emerge, regula e sustenta todas as nossas ações mais importantes. Contudo, é evidente que motivação é uma experiência interna que não pode ser estudada diretamente”.

Na primeira proposição, motivação é uma força sem que se identifique a sua natureza. Logo a seguir, motivação é uma experiência interna, um sentimento que ninguém pode examinar. A motivação tem sido alvo de muitas discussões para a psicologia, as organizações trabalhistas e a educação com diversas abordagens na bibliografia baseadas em diferentes pressupostos epistemológicos. Essa pluralidade de abordagens surgiu ao longo da história e refere-se aos filósofos gregos, que já se preocupavam em elucidar a origem das ações humanas (Todorov e Moreira, 2005).

Ao longo do desenvolvimento do pensamento filosófico que incluía as visões do homem e das concepções de determinação dos comportamentos, variados compêndios sobre motivação foram escritos, entre eles o de Maslow (1954) e Vernon (1973).

A teoria da Escola Hierárquica das Necessidades Humanas Básicas de Maslow (1954) é uma das teorias mais conhecidas e difundidas no estudo do comportamento. Ela é apresentada como um processo racional, segundo o qual a motivação ascende através de vários níveis de necessidades. Estes níveis devem ser preenchidos, e, assim que algum deles estiver satisfeito em grau razoável, grau esse variável de indivíduo para indivíduo, o esforço de motivação deste se colocará na busca de satisfação do nível imediatamente superior. Os níveis são: necessidades de autorrealização; necessidades de autoestima; necessidades sociais; necessidades de segurança e necessidades fisiológicas.

Maslow hierarquizou as necessidades humanas na seguinte ordem de premência onde as necessidades fisiológicas são as mais prementes e demandam um nível mínimo de satisfação para a sobrevivência do homem, e o mais elevado e mais difícil de ser alcançado, o nível mais raramente preenchido em sua plenitude é segundo Maslow, o das necessidades de autorrealização.

Vernon (1973, p.11) em seu livro Motivação Humana escreve: “A motivação é encarada como uma espécie de força interna que emerge, regula e sustenta todas as nossas ações mais importantes” . Portanto, a motivação pode ser considerada como um constructo necessário ao impulso para os indivíduos decidirem realizar as atividades ou tarefas ao longo de sua existência.

A grande extensão deste tema pode ser considerada, não só a partir da publicação de inúmeros compêndios, mas também a partir de muitas teorias de motivação, envolvendo as múltiplas abordagens epistemológicas encontradas na Psicologia, que contribuem fortemente à educação e podem ser observadas neste trecho de Sampaio (2004, p.56) que aponta que “a maioria dos autores que se dedicou a realização da revisão dos construtos concorrentes sobre motivação percebeu essa diversidade. As tentativas de classificação das teorias propostas são igualmente diversas”.

Segundo Birney e Teevan (1962) o interesse pela pesquisa da motivação humana origina-se de três fontes: psicoterapia, psicometria, e teoria da aprendizagem. As pesquisas direcionadas a aprendizagem são abordadas pela psicologia educacional e colaboram intensamente para a área da educação e ensino, sendo estudadas as motivações para ensinar e para aprender, o que leva a um meio que permite a interação com a prática educacional e às pesquisas desenvolvidas nessa área.

Muitos teóricos da aprendizagem estudaram ou evidenciaram o papel das variáveis motivacionais na aprendizagem ou na memória. É sob essa perspectiva que o conceito de motivação será tratado neste trabalho, refletindo sobre os enfoques de como a motivação em contexto de ensino e aprendizagem foi caracterizada ao longo dos tempos e historicizar a relação da motivação histórica com a gamificação como estratégia de ensino. Este trabalho irá relacionar essa estratégia de ensino em evidência no âmbito escolar com um dos elementos mais importantes deste método, a motivação. Esse objetivo se mostra importante por levar ao contexto educacional conceitos e princípios que contribuem para melhorar a ação de educadores nos diversos contextos em que atuam e que necessitam de explorar diferentes estratégias de ensino.

Motivação nos contextos dos modelos epistemológicos pedagógicos

O moderno pensamento a respeito de variáveis motivacionais tem intervenção de filósofos gregos que influenciaram a maneira de pensar sobre motivação até os dias atuais. Sócrates, segundo Oliveira (2012) diz que a educação:

implica o aprendizado do autodomínio. Como vimos, um ponto central da ética socrática - e que influencia Platão em seus textos anteriores ao livro Leis - é o internalismo ou o modo de conceber a motivação moral como algo que parte da psyque do próprio indivíduo e, claramente não é a mera submissão exterior à lei (OLIVEIRA, 2012, p. 91).

Essa proposição de Sócrates relaciona-se com um estudo de Teloh que elucida a psyque em que ele diz que “as virtudes motivam nossas ações e nosso comportamento e nos conduzem à racionalidade” (Oliveira 2012, p.87). Enquanto Sócrates relacionava a motivação com algo interior, Platão constrói uma filosofia do homem sem conceitos motivacionais. Bolles (1967 apud Todorov e Moreira, 2005, p. 122), relata que para Platão se há liberdade para escolher seus objetivos, a escolha de objetivos é o determinante de sua ação futura. A vontade do homem é livre porque é sempre dirigida para o futuro, e, portanto, escapa das restrições situacionais. Comportamentos que fogem a essa descrição eram tidos como essencialmente aleatórios e não característicos das ações naturais do homem.

A abordagem de motivação por esses filósofos ainda não era voltada e relacionada a aprendizagem, mas foram importantes e influenciaram diversas teorias. De acordo com Valente (2001, p. 9) “à medida que a sociedade se torna cada vez mais dependente do conhecimento, é necessário questionar e mudar certos pressupostos que fundamentam a educação atual”. Desse modo, realizar um processo reflexivo acerca das epistemologias, das teorias da aprendizagem e dos modelos pedagógicos que se encontram no cenário educacional tornou-se uma exigência, de modo a responder e acompanhar as transformações decorrentes na sociedade, especificamente na escola (Savaris et al. 2016). Para discutir a relação da motivação com a aprendizagem iremos analisar o Quadro 1 que apresenta um modelo epistemológico e pedagógico encontrados no modelo de ensino proposto por Becker (2001).

Quadro 1 Comparação dos modelos epistemológicos e pedagógicos 

EPISTEMOLOGIA PEDAGOGIA
Teoria Modelo Modelo Teoria
Empirismo S←O S←O Diretivismo
Apriorismo S→O S→O Não-diretivismo
Construtivismo S↔O S↔O Ped. Relacional

Fonte:Becker (2001, p.94).

Esse modelo apresenta uma relação entre sujeito (S) e objeto (O) e a direção como as informações são apresentadas em cada teoria. Conforme Becker (2001), no modelo epistemológico empirista se encontra a teoria da pedagogia diretiva associada a teoria comportamental. No modelo apriorista tem-se a pedagogia não diretiva relacionada a teoria humanista. E o construtivismo, abrange a pedagogia relacional e a teoria construtivista (socioconstrutivista/histórico-cultural). Assim sendo, a pedagogia diretiva como modelo pedagógico consiste em:

A←P O professor (P), representante do meio social, determina o aluno (A) que é tábula rasa frente a cada novo conteúdo. Nessa relação, o ensino e a aprendizagem são polos dicotômicos: o professor jamais aprenderá e o aluno jamais ensinará [...] é o modelo, por excelência, do fixismo, da reprodução, da repetição. Nada de novo pode - ou deve - acontecer aqui (BECKER, 2001, p. 17).

Nesse modelo o aluno somente aprende se o professor ensina, ou seja, se o conhecimento lhe é transmitido. A cada conteúdo novo a ser passado, acredita-se que o aluno não tem compreensão nenhuma anterior. É uma aprendizagem limitada, pois apenas se reproduz o que já está pronto, o aluno não aprende a pensar e questionar suas ações.

Para o filosofo inglês John Locke (1632-1704), “o homem não pode atingir a verdade definitiva, pois tem nos fatos, e não nele, a fonte principal para tal explicação. Refuta a ideia das teorias inatas e com isso destaca a importância da educação e da instrução na formação do homem” (Moura et al. 2005, p.3). Dentro deste contexto, o psicólogo americano J. B. Watson (1878-1958) cunhou o termo behaviorismo (comportamentalismo), a teoria do estímulo-resposta (Boch et al. 2005), sendo assim:

A análise comportamental é uma das abordagens preocupadas com a motivação e sua relação com a aprendizagem. É uma ciência fundada por B. F. Skinner e fundamentada na filosofia da ciência, o Behaviorismo Radical. Ela visa, dentre outros aspectos, identificar e descrever relações de controle entre variáveis ambientais e comportamentais, particularmente relações funcionais entre ambiente e comportamento, caracterizando uma forma de interpretar o fenômeno com base em uma visão que leva em consideração as contingências filogenéticas, ontogenéticas e culturais (ALOI et al. 2014, p. 140).

Essa teoria tem como fonte de conhecimento a experiência por isso todos os nossos conceitos, mesmo os mais universais e abstratos, provêm da experiência. A motivação nesse caso estaria associada a interpretação da relação desta experiência relacionada a outras variáveis desde as ambientais até as culturais.

Enquanto o empirismo constitui características em que o professor transmite o conhecimento, no apriorismo Becker (2001, p.90), descreve que “o aluno já traz um saber que ele precisa, apenas, trazer à consciência, organizar, ou, ainda, rechear de conteúdo. O professor deve interferir o mínimo possível. Qualquer ação que o aluno decida fazer é, a priori, boa, instrutiva”. O professor tem o papel de facilitador, o autor aponta ainda que:

Esta epistemologia acredita que o ser humano nasce com o conhecimento já programado na sua herança genética [...] O professor, imbuído de uma epistemologia apriorista - inconsciente, na maioria das vezes - renuncia àquilo que seria a característica fundamental da ação docente: a intervenção no processo de aprendizagem do aluno. Ora, o poder que é exercido sem reservas, com legitimidade epistemológica, no modelo anterior, é aqui escamoteado (BECKER, 2001, p. 19).

Em outras palavras a aprendizagem é considerada autossuficiente desacreditando a ação docente, que não deve interferir, pois prejudicaria o aluno. Julga-se um conhecimento inato com motivações internas e se alguns apresentam falta de conhecimento essas dificuldades são relacionadas à cultura econômico-social, em que a marginalização da sociedade é considerada sinônimo de problemas cognitivos.

O método apriorista foi fundado a partir da teoria do filósofo Kant em que a ideia de que o conhecimento ocorre por meio de estruturas prévias a qualquer experiência na qual:

o nosso conhecimento procede de duas fontes fundamentais do espírito: a primeira é o poder de receber as representações (a receptividade das impressões), a segunda, o de conhecer o objeto por meio dessas representações (espontaneidade dos conceitos). Pelo primeiro, um objeto é nos dado; pelo segundo, ele é pensado em relação com esta representação (como simples determinação do espírito). [...] Se chamamos sensibilidade à receptividade do nosso espírito, a capacidade que tem de receber representações na medida em que é afetado de alguma maneira, deveremos, em contrapartida, chamar entendimento à capacidade de produzirmos nós mesmos representações ou à espontaneidade do conhecimento (KANT, 2001, p.56).

O verdadeiro conhecimento pressupõe a experiência como modo do homem contatar com a realidade, e do fato de existirem conceitos e categorias que são a priori (anterior à experiência) e, como tal, possuem as características de universalidade e de necessidade.

Dentro do apriorismo surge a teoria da forma ou da Gestalt: o conhecimento se produz porque existe no ser humano uma capacidade interna inata que predispõe o sujeito ao conhecimento; há uma supervalorização da percepção como função básica para o conhecimento da realidade, e chega-se a confundir percepção com cognição (Hilgard, 1973).

A teoria da Gestalt é conhecida como a da aprendizagem por "insight". Para Moura et al. (2005, p.3):

Os teóricos da Gestalt falam em traços de memória, que são efeitos que as experiências deixam no sistema nervoso. Estes traços de memória formam totalidades isoladas chamadas de Gestalt. Aprender não é uma questão de adicionar traços novos e subtrair os antigos, mas uma questão de transformar uma Gestalt em outra. A Gestalt concebe os processos psicológicos como função do campo presente e nega o papel explicativo às experiências passadas nas situações que seguem umas às outras.

A epistemologia construtivista aborda que o conhecimento se constrói pela interação entre o sujeito e o objeto ou meio. Ainda, a aprendizagem é vista como um processo ou uma construção interna. Como afirma Pozo (2002, p. 48), “para o construtivismo o conhecimento é sempre uma interação entre a nova informação que nos é apresentada e o que já sabíamos, e aprender é construir modelos para interpretar a informação que recebemos”. Com isso, tanto o professor quanto o aluno aprendem e ensinam ao mesmo tempo, sendo a pedagogia relacional considerada o modelo pedagógico e representada assim: A↔P.

Segundo Becker (2001, p. 27) “a tendência, nessa sala de aula é a de superar, por um lado, a disciplina policialesca e a figura autoritária do professor que a representa, e, por outro, a de ultrapassar o dogmatismo do conteúdo”. Além disso:

Trata-se de [...] construir uma disciplina intelectual e regras de convivência, o que permite criar um ambiente fecundo de aprendizagem. Trata-se, também, de recriar cada conhecimento que a humanidade já criou [...] e, sobretudo, de criar conhecimentos novos: novas respostas para antigas perguntas e novas perguntas refazendo antigas respostas; e, não em última análise, respostas novas para perguntas novas. Trata-se, numa palavra, de construir o mundo que se quer, e não de reproduzir ou repetir o mundo que os antepassados construíram para eles ou herdaram de seus antepassados (BECKER, 2001, p. 28).

Nesta forma de ensino o aluno é instigado a pensar, indagar o que gera confusão e problematizar as suas ações, construindo seu conhecimento em uma relação mútua com o professor: ambos ensinam e aprendem. Ocorrendo a assimilação de algo de seu meio, o aluno constrói seu conhecimento ao buscar a resposta, fazendo com que ocorra a adição do conhecimento cognitivo ao criar uma ideia ou um novo conceito.

Desse modo, fazem parte dessa teoria autores como o psicólogo americano David Ausubel (1918 - 2008), o psicólogo suíço Jean Piaget (1896 - 1980) e o psicólogo russo Lev Vygotsky (1896 - 1934), porém, cada autor enfatiza mediações e motivações diferentes no processo da aprendizagem. A exemplo, Piaget considera a ação docente como mediação da aprendizagem e ressalta que:

o construtivismo é um equilíbrio por auto regulações que permitem remediar as incoerências momentâneas, resolver os problemas e superar as crises ou os desequilíbrios por elaborações constantes de novas estruturas que a escola pode ignorar ou favorecer, segundo os métodos empregados (PIAGET, 1998, p. 49).

As ideias do filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), exerceram grande influência na obra de Piaget. Kant foi um dos primeiros a sugerir que o conhecimento vem da interação do sujeito com o meio, ao trabalhar com as concepções de Kant, Piaget concordou com a ideia da interação sujeito/meio, porém, foi mais além, afirmou que o desenvolvimento das estruturas mentais iniciamse no nascimento, quando o indivíduo começa o processo de troca com o universo ao seu redor.

[...] convém lembrar que Piaget se propôs a estudar o processo de desenvolvimento do pensamento e não a aprendizagem em si. Ele observa a aprendizagem infantil não com o intuito de diferenciá-la do desenvolvimento, mas para obter uma resposta a questão fundamental (de ordem epistemológica) que se refere a natureza da inteligência, qual seja: como se constrói o conhecimento? [...] Ele trabalha com o sujeito epistêmico que, mesmo não correspondendo a ninguém em particular, sintetiza as possibilidades de cada indivíduo e de todos ao mesmo tempo. Na perspectiva piagetiana, o outro pólo desta relação, ou seja, o objeto do conhecimento refere-se ao meio genérico que engloba tanto os aspectos físicos como os sociais (PALANGANA, 2001, p.71).

A motivação na perspectiva de Piaget:

É a procura por respostas quando a pessoa está diante de uma situação que ainda não consegue resolver. A aprendizagem ocorre na relação entre o que ela sabe e o que o meio físico e social oferece. Sem desafios, não há por que buscar soluções. Por outro lado, se a questão for distante do que se sabe, não são possíveis novas sínteses (SALLA, 2012, p. 3)

Godoi (2001) por sua vez, traz a concepção de Vygotsky, e enfatiza que:

Sem descartar a noção da criança como um agente ativo no seu próprio desenvolvimento, Vygotsky (1987) e seus seguidores enfatizaram as práticas mediadas socialmente e organizadas culturalmente e situaram o desenvolvimento das crianças emergindo dessas práticas. A interação social passa a representar o aspecto de maior relevância no desenvolvimento cognitivo a passa-se a acreditar que funções mentais superiores tenham origens sociais (GODOI, 2001, p. 117).

Vygotsky afirma ser a linguagem a mediação na aprendizagem. Assim, Palangana (1995, p. 23) explica que “a linguagem encerra em si o saber, os valores, as normas de conduta, as experiências organizadas pelos antepassados, por isso participa diretamente no processo de formação do psiquismo”. Oliveira (1997) complementando essa concepção relata que:

Vygotsky trabalha com duas funções básicas da linguagem. A primeira é o intercâmbio social: é a necessidade de comunicação com seus semelhantes que impulsiona o homem a criar, internalizar e utilizar os sistemas de linguagem. A segunda função refere-se ao desenvolvimento do pensamento generalizante, isto é, por meio da linguagem é possível analisar, abstrair e generalizar, agrupando todas as ocorrências de uma mesma classe de objetos, eventos e situações em uma mesma categoria conceitual (OLIVEIRA, 1997, p. 42).

Em seus estudos sobre a relação entre pensamento e linguagem, Vygotsky afirma que devido à inserção da criança em seu meio cultural, o pensamento e a linguagem se encontram e dão origem a modos mais sofisticados de funcionamento psicológico (REGO, 2002), favorecendo assim a aprendizagem. Salla (2012, p.3) explica que para Vygotsky:

a cognição tem origem na motivação. Mas ela não brota espontaneamente, como se existissem algumas crianças com vontade - e naturalmente motivadas - e outras sem. Esse impulso para agir em direção a algo é também culturalmente modulado. O sujeito aprende a direcioná-lo para aquilo que quer, como estudar.

Ausubel enfatiza os organizadores prévios como mediadores do processo de aprender. De acordo com Pontes Neto (2006, p.120):

Ausubel recomenda o uso de organizadores prévios, isto é, um conteúdo, de maior nível de generalidade do que aquele que será aprendido, que relaciona ideias contidas na estrutura cognitiva e ideias contidas na tarefa de aprendizagem. Este conteúdo deve ser estudado antes do aluno realizar a tarefa de aprendizagem, em questão, e tem o intuito de servir como elo entre o que ele já sabe e o que deseja saber, de maneira a evitar a aprendizagem mecânica e garantir a aprendizagem significativa.

Entende-se que Ausubel considera o pensamento com formato não linear, em que a mente humana funciona em uma lógica de associações formando uma verdadeira rede. Dessa forma, é necessário configurar os elementos educacionais para que ocorra a assimilação de significados, favorecendo o a organização da estrutura cognitiva para que ocorra assim uma aprendizagem significativa. Essa organização vai favorecer a motivação uma vez que:

essa disposição está diretamente relacionada às emoções suscitadas pelo contexto. Pela perspectiva de Ausubel, o prazer, mais do que estar na situação de ensino ou mediação, pode fazer parte do próprio ato de aprender. Trata-se da sensação boa que a pessoa tem quando se percebe capaz de explicar certo fenômeno ou de vencer um desafio usando apenas o que já sabe. Com isso, acaba motivada para continuar aprendendo sobre o tema (SALLA, 2012, p. 3).

Esses teóricos da aprendizagem defendem que a motivação é um fator que contribui e que deve ser explorado no processo de ensino e de aprendizagem. De acordo com Bzuneck (2009, p.9) “a motivação é entendida como um processo ou um fator que faz uma pessoa agir, modificar seu curso em direção a um objetivo ou persistir na atividade”. Mesmo existindo diversas teorias que buscam explicar a motivação na aprendizagem, duas concepções são consideradas essenciais para o entendimento de motivação: a motivação intrínseca e a extrínseca.

Gagné e Deci (2005) apresentam um continuum de autodeterminação (Figura 1) em que são diferenciados seis tipos de motivação, os quais variam, qualitativamente, segundo a internalização das regulações externas para o comportamento.

Fonte: Adaptação de Leal et al. (2013 apud Gagné e Deci, 2005, p. 336).

Figura 1 Continuum da autodeterminação 

De acordo com essa abordagem, a análise da motivação de um indivíduo pode ser classificada em três grupos: desmotivação; motivação extrínseca; e motivação intrínseca. A desmotivação é caracterizada pela ausência de motivação, ou seja, a pessoa não apresenta intenção nem comportamento proativo e, ainda, “Em tal situação, observa-se desvalorização da atividade e falta de percepção de controle pessoal.” (Guimarães e Bzuneck, 2008, p. 103).

As motivações intrínsecas são originadas dentro do próprio sujeito e necessariamente não estão baseadas no mundo externo. Se o indivíduo realiza atividades por vontade própria é porque elas despertam interesse e são desafiadoras. Vianna et al. (2013), identificaram que motivados dessa maneira, os indivíduos procurarão por novidades e entretenimento, satisfazendo sua curiosidade, além de terem a oportunidade de desenvolver habilidades e aprender sobre algo novo. Para Muntean (2011) essa motivação surge quando o indivíduo decide tomar ou não uma ação como o altruísmo, a cooperação, o sentimento de pertencer, de amor ou de agressão. Em um contexto educacional Hanus e Fox (2015), salientam que quando os alunos estão intrinsecamente motivados, os mesmos são engajados e acabam por reter o conteúdo de aprendizagem de forma efetiva.

De forma contrária, as motivações extrínsecas são baseadas no mundo que envolve o indivíduo e lhe são externas (Zichermann e Cunningham, 2011). Segundo Vianna et al. (2013) essas motivações têm como ponto de partida o desejo do sujeito em obter uma recompensa externa, como, por exemplo, reconhecimento social e bens materiais. Muntean (2011) identifica que essa motivação acontece quando alguém ou alguma coisa determina ao sujeito a ação que deve ser feita como pontos, prêmios, missões, classificações e assim por diante.

Guimarães (2009) ao revisar inúmeros trabalhos sobre o problema de recompensas externas à atividade (motivação extrínseca), aponta que um dos principais problemas dessa atividade seria a existência de uma luta desigual entre a escola e as recompensas que o próprio cotidiano dos alunos oferece, como: passear, utilizar redes sociais, jogar vídeo game, assistir televisão etc. Seu argumento é claro ao relatar que:

a simples comparação entre o desenvolvimento tecnológico das últimas décadas, facilmente observável em todas as situações cotidianas, e as limitadas ou escassas mudanças no sistema educacional tem produzido muitas anedotas. Nada engraçado, no entanto, é o esforço por parte dos professores para poder competir com tantas atrações do mundo fora dos muros da escola (GUIMARÃES, 2009, p. 50).

Levando isso em consideração é necessário aproximar a realidade do aluno ao ambiente escolar para efetivar a aprendizagem com base em sua motivação tanto intrínseca como extrínseca. A gamificação se mostra como uma ferramenta de ensino que aproxima essas duas categorias de motivação e se bem elaborada, aplicada e desenvolvida irá auxiliar no processo de ensino-aprendizagem.

Gamificação como estratégia de ensino

Com os avanços e a necessidade de aplicar-se metodologias mais atrativas e que permitam o engajamento e aprendizagem em sala de aula, a gamificação tem se mostrado muito eficaz no contexto escolar. O jogo é atraente ao educando por se valer de comportamentos naturais do ser humano, como se socializar, ser competitivo, ser bonificado por um trabalho bem desenvolvido e ter a sensação de conquista. Inserindo o formato de jogo em atividades pedagógicas, a sala de aula passa a ser um ambiente atraente e desafiador na busca pelo conhecimento, aumentando a participação, a criatividade, a autonomia, o diálogo e o foco na resolução de situações-problema.

A gamificação se baseia na motivação, na capacidade de completar a ação e o que a desencadeia. Desta forma, considerando os elementos presentes na mecânica dos games, como por exemplo, o desafio, objetivos, níveis, sistema de feedback e recompensa (Salen e Zimmerman 2012; McGonigal, 2011) são criadas situações que mobilizam e engajam os sujeitos para a realização de determinadas ações. Nessa metodologia os desafios e missões devem estar conectados ao conteúdo do referencial curricular e deve fazer com que os alunos fiquem estimulados o suficiente para desenvolverem os desafios propostos e se aprofundem no assunto, sendo então essa estratégia um recurso de aprendizagem.

Segundo Millar (1991), as habilidades cognitivas gerais como a observação, investigação e categorização são inatas aos seres humanos, por isso é impróprio dizer que são ensináveis. Adey (1997), por sua vez, considera que as funções gerais ensináveis existem, mas são difíceis de se caracterizar com rigor. Sabe-se que existem habilidades cognitivas tanto inatas quanto ensináveis, por isso buscar identificar iniciativas que permitam o desenvolvimento de ambas as categorias é indispensável.

Sabe-se que na educação a gamificação apresenta um desenvolvimento mais denso dos elementos de games e possui o intuito de priorizar a aprendizagem a partir de elementos mais complexos, que levem em conta a interação com o meio, com as tecnologias e com as pessoas, o que pode levar a um nível maior de engajamento e motivação nas atividades pedagógicas. Neste contexto Oliveira e Pimentel (2020) evidenciam alguns modelos de teorias de aprendizagem que servem como fundamento para a gamificação na educação, como pode ser observado a seguir:

Quadro 2 Teorias epistemológicas que fundamentam a gamificação 

Teoria Características da teoria em contexto de gamificação na educação
Fluxo Um sistema adequado ao nível do aprendiz para envolve-lo no estado de fluxo, em constante interesse, no qual nada mais parece importar, pois a exigência da tarefa é adequada às habilidades do aprendiz. As atividades comuns, através da gamificação, recebem uma nova configuração, o que pode ser relevante, principalmente aquelas que exigem do aprendiz perseverança e comprometimento (Hamari e Koivisto, 2014).
Condicionamento operante Sistema que visa ao reforço de comportamentos positivos de estímulos à aprendizagem. Por meio de recompensas ao término de uma determinada tarefa, ranking com o status dos participantes e feedback para encorajar o aprendiz a realizar uma determinada ação. É importante compreender as limitações da análise comportamental, uma vez que as recompensas podem vir a substituir a motivação intrínseca e o ranking deve ter um equilíbrio entre ganhar e perder, para não desmotivar aqueles que possuem pontuação abaixo da média (Abdi, 2016).
Teoria motivacional ARCS Essa teoria tem como base elementos (atenção, relevância, confiança e satisfação) que em conjunto proporcionam as condições consideradas necessárias para que o aluno possa ser totalmente motivado pelo processo de aprendizagem. Os conteúdos de aprendizagem devem ser relevantes para que seja significativo aprender o que é proposto (Keller, 2017).
Autodeterminação As experiências de aprendizagem, para fomentar motivação intrínseca, envolvem três pontos básicos: autonomia, capacidade de regular os próprios comportamentos e agir conforme suas intenções de aprendizagem; competência, sentimento de alcançar o domínio de habilidades e confiança para vivenciar experiencias com maestria; ligação, conexão e interação com os outros (Shi e Cristea, 2016).
Aprendizagem social A interação social influencia o aprendiz a modelar o comportamento para atingir o considerado apropriado e mantê-lo. A interação social com o ambiente e o comportamento são responsáveis pela aprendizagem. O aprendiz observa um comportamento, testemunha seu esforço e o processa internamente (Kapp 2011).

Fonte: Adaptado de Oliveira e Pimentel (2020, p.240).

Para os autores a identificação e observação das teorias e concepções pedagógicas são fundamentais para compreender de que forma a gamificação vem sendo desenvolvida na educação, em virtude do momento histórico e cultural da sociedade, permeada pela cultura digital. Desse modo, o ato educativo visa mais que formar para o trabalho, mas desenvolver a capacidade de colaboração e autonomia e a formação de indivíduos com competência para refletir sobre questões sociais.

Teorias epistemológicas da gamificação como a motivacional e a autodeterminação tem como ponto importante a motivação dos alunos para desenvolvimento e engajamento no ensino. De acordo com Bzuneck (2009), a motivação do aluno está atrelada a um contexto específico que é a sala de aula. Em função disso, devem ser considerados os componentes próprios deste meio particular, culturalmente concebido e construído, quando se utiliza os princípios gerais da motivação humana para estudar ou explicar a motivação do aluno.

Importância da motivação no processo de ensino-aprendizagem

Pensando nos modelos epistemológicos, pedagógicos e as teorias da aprendizagem a gamificação se aproxima do modelo construtivista com influência em alguns momentos do modelo empirista (behaviorismo), tendo a pedagogia relacional como modelo pedagógico e com influência das teorias da aprendizagem construtivistas (Piaget), construtivista social (Vygotsky) e aprendizagem significativa (Ausubel). Para esses pontos será feita sua relação com a motivação intrínseca e extrínseca, quesito importante da gamificação e do processo de ensino-aprendizagem.

A motivação intrínseca está presente na gamificação pelo fato de proporcionar interesse, alegria e satisfação inerente e apresentam pressupostos nas teorias de Piaget, Vygotsky e Ausubel. Essas teorias podem coexistir e se complementar, uma vez que, Piaget defende métodos ativos na escola, ou seja, sujeitos no centro do processo, sendo a aprendizagem reconquistada, reconstruída e redescoberta. Além de ressaltar que em contexto escolar o uso de instrumentos como jogos são essenciais para o desenvolvimento:

[...]É pelo fato do jogo ser um meio tão poderoso para a aprendizagem das crianças, que em todo lugar onde se consegue transformar em jogo a iniciação à leitura, ao cálculo, ou à ortografia, observa-se que as crianças se apaixonam por essas ocupações comumente tidas como maçantes. [...] Por isso os métodos ativos de educação das crianças exigem que se forneça às crianças todo um material conveniente, a fim de que, jogando, elas cheguem a assimilar as realidades intelectuais que, sem isso, permanecem exteriores à inteligência infantil (PIAGET, 1976, p.160).

Já Vygotsky (2007) defende que é no processo de experimentação e de interação social e com a cultura que o aprendizado é desenvolvido. Assim, como Piaget, Vygotsky faz uma crítica a educação escolar, para ele a escola não ensina sempre sistemas de conhecimento, mas, com frequência sobrecarrega os alunos com fatos isolados e desprovidos de sentido e, muitas vezes, não há na escola interações sociais capazes de construir saberes. Em relação às tecnologias, e pode-se incluir aqui os elementos de jogos (gamificação), o teórico diz que os instrumentos criados pela cultura podem ampliar as possibilidades naturais do indivíduo e reestruturam as funções mentais superiores, ou seja, a cultura digital interfere na nossa aprendizagem, ou seja, a cultura cria auxiliares exteriores (tecnologias) que sustentam os processos psicológicos.

E por fim Ausubel, com a aprendizagem significativa que é aquela em que ideias expressas simbolicamente interagem de maneira substantiva e não-arbitrária com aquilo que o aprendiz já sabe. Substantiva quer dizer não-literal, não ao pé-da-letra, e não-arbitrária significa que a interação não é com qualquer ideia prévia, mas sim com algum conhecimento especificamente relevante já existente na estrutura cognitiva do sujeito que aprende (Moreira, 2012).

Tem-se então o jogo como aporte em Piaget, as relações sociais e interação para construção de saberes ancorado em Vygotsky e pontos propostos por Ausubel como, levar em consideração os conhecimentos prévios da criança, que o aluno é o ator principal do processo e o professor é o mediador, facilitador desta aprendizagem. A motivação sendo trabalhada nesses três pilares epistemológicos valorizam e despertam o cognitivismo (base da motivação intrínseca) realizando a organização e integração de conteúdos de suas ideias em uma área reservada de conhecimento, resultando na aprendizagem.

A motivação extrínseca é idealizada no ato de haver recompensa. O uso de incentivos extrínsecos para estimular a motivação do aluno baseia-se num enfoque comportamental (behaviorista), reforça comportamentos específicos visando atingir os objetivos desejados, como um mecanismo de estímulos e respostas positivas (Kapp et al. 2014). Além dos benefícios ligados à praticidade de sua administração e a seu caráter de incentivo, Guimarães (2001) e Rocha (2002) mostram que as recompensas externas têm ainda a vantagem que é dada pela sua função de avaliação, já que fornecem ao aluno um importante feedback quanto ao seu desempenho numa tarefa específica.

Apesar de trazer benefícios como os antes apontados, a utilização desse tipo de recurso tem sido alvo de críticas por parte de vários profissionais ligados à educação e também por parte de teóricos da motivação, onde afirmam indicavam que se começasse a recompensar alguém por fazer algo que já estivesse fazendo por suas próprias razões, ocorria uma diminuição em sua motivação intrínseca para continuar este comportamento.

Guimarães (2001) e Rocha (2002) ressaltam que recompensas externas não necessariamente “destroem”, “corroem” ou “minam” a motivação intrínseca, mas, ao contrário, podem ser usadas como formas de favorecer o desenvolvimento dessa última, mesmo porque tem ficado evidente que a motivação intrínseca e a extrínseca fazem parte de um mesmo contínuo de autorregulação (conforme a teoria da autodeterminação de Deci e Ryan, 1985).

Considerações finais

A motivação e as variáveis motivacionais na aprendizagem vem sendo estudada por teóricos ao longo dos tempos. Assim como o entendimento de motivação teve progresso o cenário educacional também se transformou sendo extremamente necessário uma reflexão sobre as epistemologias e as teorias da aprendizagem. Nota-se que dentre os modelos epistemológicos e pedagógicos o construtivismo e a pedagogia relacional se destacam por favorecer a interação entre o sujeito e o meio, onde, professor e aluno aprendem e ensinam ao mesmo tempo. Essa forma de ensino se mostra cada vez mais eficaz em decorrência das transformações da sociedade onde a cultura digital, internet e jogos fazem parte do dia a dia das pessoas.

Aproximar a realidade dos alunos ao ambiente escolar facilitará a sua aprendizagem por influir na sua motivação e prazer em aprender. Por ser do cotidiano os jogos ou elementos de jogos chamados de gamificação, se bem aplicados podem auxiliar o engajamento e aprendizagem em sala de aula. Atividades baseadas em gamificação podem associar a motivação intrínseca e extrínseca e apresentar resultados positivos de aprendizagem, onde desperta a motivação intrínseca que está ancorada na satisfação inerente em aprender despertando o cognitivismo e ao mesmo tempo fazer uso de recompensa externas as quais não surtem, necessariamente, um efeito negativo sobre a motivação do aluno, uma vez que essas consequências negativas podem ser consequência da falta de oportunidade de crescimento do aluno.

As reflexões levantadas neste trabalho apontam que a gamificação segue o modelo epistemológico construtivista no qual se desenvolve novos aprendizados e o conhecimento não é apenas transmitido, além de permitir repensar e valorizar a associação das motivações no processo de ensino-aprendizagem, possibilitando o desenvolvimento de pesquisas sobre gamificação no âmbito educacional visando a efetivação do conhecimento unindo pressupostos cognitivistas aliado ao uso de recompensas.

Agradecimentos

À Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (FUNDECT), pelo financiamento da pesquisa.

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Recebido: 11 de Janeiro de 2023; Aceito: 05 de Abril de 2023

Editor Chefe: Prof. Dr. José Eustáquio Romão

Editora Científica: Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista

Editora Científica: Profa. Dra. Marcia Fusaro

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