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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.65 São Paulo abr/jun 2023  Epub 16-Fev-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n65.24647 

Dossiê 65 - Políticas Educacionais e Educação Digital: Propostas, Impactos, Oportunidades e Desafios

TECNOLOGIAS DIGITAIS ASSOCIADAS A PRÁXIS SOCIOCULTURAIS: ANÁLISE DE PRÁTICAS EDUCATIVAS NO BRASIL E EM PORTUGAL

DIGITAL TECHNOLOGIES ASSOCIATED WITH SOCIO-CULTURAL PRAXIS: ANALYSIS OF EDUCATIONAL PRACTICES IN BRAZIL AND PORTUGAL

TECNOLOGÍAS DIGITALES ASOCIADAS A LA PRAXIS SOCIOCULTURAL: ANÁLISIS DE PRÁCTICAS EDUCATIVAS EN BRASIL Y PORTUGAL

Samantha Ramos, Doutorado em Estudos da Linguagem, Professora Adjunta, Investigadora1 
http://orcid.org/0000-0002-3914-4859

José António Moreira, Doutorado em Ciências da Educação, Professor Associado com Agregação, Investigador2 
http://orcid.org/0000-0003-0147-0592

1Doutorado em Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Londrina, Brasil, Professora Adjunta, Universidade Estadual Londrina, Brasil, Investigadora no Laboratório de Educação a Distância e eLearning

2Doutorado em Ciências da Educação, Universidade de Coimbra, Portugal, Professor Associado com Agregação, Universidade Aberta, Investigador no Centro de Estudos Interdisciplinares (CEIS20), Universidade de Coimbra


Resumo

Os ambientes virtuais e as potencialidades das tecnologias digitais trouxeram novos e desafios para a comunidade escolar. Um dos principais desafios prende-se com a necessidade de conceber novos cenários de aprendizagem com recurso às tecnologias digitais e aos ambientes virtuais. Considerando estudos realizados no Brasil e em Portugal, esta investigação analisa práticas educativas elaboradas e implementadas em contextos educacionais que envolvem estes ambientes virtuais e tecnologias digitais associadas a práxis sociocultural a partir dos conceitos de desencapsulação do currículo, atividades sociais como base para o ensino, aprendizagem expansiva e competências profissionais e de vida. A partir de uma abordagem qualitativa, identificámos que as práticas educativas envolvem orientações pedagógicas cujas atividades, em cenários enriquecidos com tecnologias digitais, são realizadas de forma colaborativa e resultam em produtos educacionais que se configuram na própria resolução da atividade. Os resultados sugerem que as práticas educativas analisadas, de fato, envolvem tecnologias digitais associadas à práxis sociocultural uma vez que a comunidade de aprendizagem é o foco central na mobilização do trabalho desenvolvido pelos atores humanos e revela os valores que influenciam no agir e as ações pedagógicas são pensadas para serem desenvolvidas de forma integrada e colaborativa, procurando a criação e o desenvolvimento de comunidades de prática.

Palavras-chave: práticas educativas; tecnologias digitais; práxis socioculturais.

Abstract

Virtual environments and the potential of digital technologies have brought new and challenging issues to the school community. One of the main challenges is the need to design new learning scenarios using digital technologies and virtual environments. Considering studies carried out in Brazil and Portugal, this investigation analyzes educational practices designed and implemented in school contexts that involve these virtual environments and digital technologies associated with sociocultural praxis based on the concepts of curriculum de-encapsulation, social activities as a basis for teaching, expansive learning and professional and life skills. From a qualitative approach, we identified that the educational practices involve pedagogical guidelines whose activities, in scenarios enriched with digital technologies, are carried out collaboratively and result in educational products that are configured in the very resolution of the activity. The results suggest that the educational practices analysed, in fact, involve digital technologies associated with sociocultural praxis since the learning community is the central focus in mobilising the work developed by human actors and reveals the values that influence acting and the pedagogical actions are thought to be developed in an integrated and collaborative way, seeking the creation and development of communities of practice.

Keywords: educational practices; digital technologies; sociocultural praxis.

Resumen

Los entornos virtuales y el potencial de las tecnologías digitales han planteado nuevos retos a la comunidad escolar. Uno de los principales retos es la necesidad de diseñar nuevos escenarios de aprendizaje utilizando tecnologías digitales y entornos virtuales. Considerando estudios realizados en Brasil y Portugal, esta investigación analiza las prácticas educativas diseñadas e implementadas en contextos educativos que involucran estos ambientes virtuales y tecnologías digitales asociadas a la praxis sociocultural a partir de los conceptos de descapsulación del currículo, actividades sociales como base de la enseñanza, aprendizaje expansivo y competencias profesionales y para la vida. A partir de un abordaje cualitativo, identificamos que las prácticas educativas involucran orientaciones pedagógicas cuyas actividades, en escenarios enriquecidos con tecnologías digitales, se realizan colaborativamente y resultan en productos educativos que se configuran en la resolución de la propia actividad. Los resultados sugieren que las prácticas educativas analizadas, de hecho, involucran tecnologías digitales asociadas a la praxis sociocultural, ya que la comunidad de aprendizaje es el foco central en la movilización del trabajo desarrollado por los actores humanos y revela los valores que influyen en la actuación y las acciones pedagógicas son pensadas para ser desarrolladas de forma integrada y colaborativa, buscando la creación y el desarrollo de comunidades de práctica.

Palabras clave: prácticas educativas; tecnologías digitales; praxis sociocultural.

1 Introdução

A sociedade do século XXI está hiperconectada. Crianças e jovens se relacionam com o mundo de forma muito distinta daquela de seus pais e professores. O mundo, os hábitos e os padrões de comportamento foram alterados pelas tecnologias de informação e comunicação. Neste cenário, o papel da educação escolar vem sendo ressignificado a partir da incorporação de novos letramentos e novas competências às propostas pedagógicas.

O Fórum Econômico Mundial (WEF, 2016) explorou em seu relatório competências e qualidades de caráter que podem ser desenvolvidas em ambiente escolar a partir de uma aprendizagem voltada ao social e ao emocional. São apresentadas dez competências e qualidades de carácter, entre as quais, resolução de problemas e pensamento crítico, criatividade, comunicação, colaboração, curiosidade, iniciativa, persistência, adaptabilidade, liderança e consciência social e cultura.

Entendemos que a educação para o século XXI deve abranger muito mais que os conteúdos de base disciplinar, ela deve ser uma preparação para a vida adulta. Ela deve abranger consciência cultural, engajamento cívico, produtividade, responsabilidade, sondagem e múltiplos letramentos. Ela deve propiciar aos alunos a compreensão sobre os meios de produção de forma a que aprendam a lidar com seu dinheiro, sobre emoções humanas tais como desilusões, rejeição, negação, complexidade de forma a adquirir resiliência e estabelecer relacionamentos saudáveis, sobre o mundo do trabalho de forma a escolher conscientemente sua carreira profissional e sobre as injustiças sociais de forma a desenvolver compaixão, valores éticos e consciência de classe. Ela deve ser, portanto, pautada em práxis socioculturais. Em suma, advogamos por uma educação que se assuma como um meio de transformação social dos indivíduos de forma a perseguir objetivos coletivos que afetam todos os segmentos da sociedade.

Documentos governamentais no contexto brasileiro e português1 já apontam para estas prerrogativas. No Brasil, a Base Nacional Comum Curricular direciona para as seguintes competências para a educação básica: “valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva” e no que se refere à diversidade de saberes e vivências culturais, o referido documento sugere ao aluno “apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.“ (BRASIL, 2018, p.9). Por sua vez, em Portugal, o documento Aprendizagens Essenciais aponta que “perante os outros e a diversidade do mundo, a mudança e a incerteza, importa criar condições de equilíbrio entre o conhecimento, a compreensão, a criatividade e o sentido crítico. Trata-se de formar pessoas autónomas e responsáveis e cidadãos ativos” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2017, p.5). Para além destes documentos é de destacar ainda a importância, em Portugal, do Programa de digitalização para as Escolas, no âmbito do Plano de Ação para a Transição Digital, de 21 de abril de 2020 (Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2020) que prevê o desenvolvimento de um programa para a transformação digital das escolas portuguesas, a nível, por exemplo, da disponibilização de equipamento individual ajustado às necessidades de cada ciclo educativo para utilização em contexto de aprendizagem; da conectividade móvel gratuita para alunos e professores, proporcionando um acesso de qualidade à Internet na escola, bem como um acesso à Internet em qualquer lugar; do acesso a recursos educativos digitais de qualidade; do acesso a ferramentas de colaboração em ambientes digitais que promovam a inovação no processo de ensino-aprendizagem, estimulem a criatividade e a inovação e o trabalho colaborativo online, aproximando as novas gerações aos novos paradigmas da vida em sociedade e do mundo do trabalho; e de uma forte aposta na capacitação de docentes, através de um plano de capacitação digital de docentes, que garanta a aquisição das competências necessárias neste novo contexto digital. A questão da capacitação dos docentes assume-se como determinante, quer no alicerçar da integração transversal das tecnologias digitais nas práticas profissionais e pedagógicas, quer na vida da escola, ou nas práticas de aprendizagem e exercício de cidadania. Com efeito, as tecnologias digitais devem ser motores de práticas pedagógicas que atendam a uma escola inclusiva, promotora de i) melhores aprendizagens para todos, com autonomia, responsabilidade e sentido crítico, ii) um desenvolvimento curricular adequado a contextos específicos e às necessidades dos alunos, iii) uma efetiva valorização profissional dos docentes e outros agentes de educação e formação, iv) contribuindo ainda, de forma decisiva, para a inovação nos processos de organização e de gestão das organizações escolares.

Por sua vez no Brasil, foi recentemente publicada a Lei nº 14.533, de 11 de janeiro de 2023 que institui a Política Nacional de Educação Digital (PNED), estruturada a partir da articulação entre programas, projetos e ações de diferentes entes federados, áreas e setores governamentais, a fim de potencializar os padrões e incrementar os resultados das políticas públicas relacionadas ao acesso da população brasileira a recursos, ferramentas e práticas digitais, com prioridade para as populações mais vulneráveis. A PNED apresenta quatro eixos estruturantes: Inclusão Digital; Educação Digital Escolar; Capacitação e Especialização Digital e Pesquisa e Desenvolvimento em Tecnologias da Informação e Comunicação. Entre estes eixos destaque para o eixo da Educação Digital Escolar que tem como objetivo garantir a inserção da educação digital nos ambientes escolares, em todos os níveis e modalidades, a partir do estímulo ao letramento digital e informacional e à aprendizagem de computação, de programação, de robótica e de outras competências digitais, englobando: I) o pensamento computacional, que se refere à capacidade de compreender, analisar, definir, modelar, resolver, comparar e automatizar problemas e suas soluções de forma metódica e sistemática; II) o mundo digital, que envolve a aprendizagem sobre hardware, como computadores, celulares e tablets, e sobre o ambiente digital baseado na internet, como sua arquitetura e aplicações; III) a cultura digital, que envolve aprendizagem destinada à participação consciente e democrática por meio das tecnologias digitais; IV - direitos digitais, que envolve a conscientização a respeito dos direitos sobre o uso e o tratamento de dados pessoais; V) e a tecnologia assistiva, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade e a aprendizagem, com foco na inclusão de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Ainda deste eixo constituem estratégias prioritárias, entre outras: o desenvolvimento de competências dos alunos da educação básica para atuação responsável na sociedade conectada e nos ambientes digitais; a promoção de projetos e práticas pedagógicas no domínio da lógica, dos algoritmos, da programação, da ética aplicada ao ambiente digital, do letramento midiático e da cidadania na era digital; a promoção de ferramentas de autodiagnóstico de competências digitais para os profissionais da educação e estudantes da educação básica; e a promoção da formação inicial de professores da educação básica e da educação superior em competências digitais ligadas à cidadania digital e à capacidade de uso de tecnologia, independentemente de sua área de formação.

Diante deste quadro legislativo e extremamente desafiador imposto ao contexto educacional, em Portugal e no Brasil, as tecnologias e ambientes digitais podem e devem ser protagonistas ajudando a promover as competências e qualidades de caráter já citadas pelo WEF século 21, através de um coengendramento de ações pedagógicas com práxis socioculturais. Mas a quem, de fato, cabe associar práticas pedagógicas com uso de tecnologias a práxis socioculturais em sala de aula? Assumindo que é o professor, será que está preparado para este desafio? A sua formação inicial no ensino superior ou sua formação continuada abordaram tais prerrogativas? Considerando estes questionamentos, chegamos ao escopo desta investigação.

Este estudo tem por objetivo analisar práticas educativas2 elaboradas e implementadas em sala de aula e que, em sua concepção, envolvam tecnologias digitais associadas a práxis sociocultural (doravante utilizaremos a sigla TDSC). Para tanto, consideramos pesquisas realizadas em contexto brasileiro e português e conduzimos uma análise a partir dos conceitos de desencapsulação do currículo, atividades sociais como base para o ensino, aprendizagem expansiva e competências profissionais e de vida.

2 Bases teóricas para a elaboração de práticas educativas TDSC

Ao vislumbrar a sociedade a partir de lentes humanistas e positivistas, entendemos que as melhores práticas de ensino e aprendizagem são aquelas que promovem e ampliam as capacidades humanas. Neste estudo privilegiamos os pressupostos da Teoria Sócio-Histórico-Cultural ao considerar que o foco da educação está na mediação e que o processo de ensino-aprendizagem se realiza em contextos históricos, sociais e culturais em um processo dialógico. Segundo Liberali (2009, p.15) processos educacionais que consideram uma perspectiva sócio-histórico-cultural têm as seguintes características:

A produção de conceitos científicos realiza-se na interação com conceitos cotidianos, por meio de tarefas de desafio e descoberta. Alunos constituem-se em participantes da interação, parceiros na zona de construção. Já o professor atua como mediador e par mais experiente no conteúdo enfocado. Neste enquadre, formam-se indivíduos que têm compromisso colaborativo com o mundo e com o outro para atuar em diferentes contextos sociais. Estes sujeitos aprendem a expor suas ideias e a ouvir a dos demais, percebem a possibilidade de buscar as informações que lhes são necessárias e desejam transformar o meio e a si mesmos. (LIBERALI, 2009, p.15 - grifo nosso).

A incorporação de práticas pedagógicas com tecnologias digitais associadas à sociedade e à cultura do aluno encontra uma barreira ao se deparar com a falta de articulação entre o contexto educacional, que se fecha em sua própria cápsula, e a “vida que se vive” para além dos muros das instituições escolares. Nesta pesquisa, ao pensarmos na elaboração de propostas educacionais, utilizamos o termo “desencapsulação” assim como proposto por Liberali e colaboradores (2015) para nos referirmos a ações pedagógicas que contemplem a criticidade e a veracidade da sala de aula. Nesta perspectiva, há uma expansão dos sujeitos envolvidos que devem se responsabilizar pelo desenvolvimento de si e dos outros, sujeitos que estejam cientes de suas “agências” com foco na ação relacional e que promovam transformações de ações previamente cristalizadas.

Neste cenário de trazer a vida real para a sala de aula, a elaboração de práticas educativas deve ser pautada em atividades sociais. Para tanto, as ações pedagógicas devem ser compostas de tarefas que promovam: situações de aprendizagem reais, compartilhamento de significados entre os envolvidos ao se engajarem na realização da tarefa de forma colaborativa e crítica. Para Liberali (2016): “considerar o ensino por meio de atividades sociais implica estruturar a matriz curricular a partir de esferas em que os sujeitos circulam e dos anseios de participação social que têm”.

Liberali (2009, p.15) também menciona que o ensino-aprendizagem mediado por atividades sociais deve ponderar: a) a questão central que mobiliza o trabalho / os valores que perpassam o agir, b) as possibilidades de parceria/ os conteúdos trabalhados de forma integrada, c) o que será produzido / as expectativas de aprendizagem, d) a superação do encapsulamento, e) o reconhecimento das questões históricas, sociais e culturais dos envolvidos para o planejamento do processo e f) a avaliação do processo e do desenvolvimento.

No que se refere a estruturação das ações pedagógicas a partir de participação em atividades sociais, é preciso considerar os seguintes componentes: 1) os sujeitos: aqueles que percebem suas necessidades e são motivados por um propósito; 2) o objeto: aquilo que é desejado e se transforma no decorrer da atividade; 3) os artefatos/instrumentos/ferramentas: meios de modificar a natureza para se alcançar o objeto esperado; 4) a comunidade: aqueles que compartilham o objeto da atividade a partir da divisão de trabalho e das regras; 5) a divisão de trabalho: tarefas e funções de cada um dos sujeitos envolvidos na atividade e 6) regras: normas implícitas ou explícitas da comunidade (LIBERALI, 2009, p. 12). As práticas tecnológicas permeiam todos os componentes das práticas com foco em atividades sociais, com ênfase nos artefatos, instrumentos e ferramentas.

As práticas educativas TDSC devem engajar seus participantes na construção e implementação de objetos/ferramentas radicalmente novos, mais amplos e mais complexos de forma a atribuir novos conceitos/sentidos a suas atividades. Esta é a chamada aprendizagem expansiva. Para Engeström e Sannino (2010, p.20), o resultado mais importante da aprendizagem expansiva é a agência: a capacidade e a vontade dos participantes de moldar seus sistemas de atividades ao 1) resistir ao intervencionista ou à gestão, 2) explicar novas possibilidades ou potenciais na atividade, 3) vislumbrar novos padrões ou modelos de atividade, 4) comprometer-se com ações concretas destinadas a mudar a atividade, 5) tomar ações subsequentes para mudar a atividade. Engeström e Sannino (2010, p.7) afirmam que uma sequência ideal-típica de ações epistêmicas em um ciclo expansivo pode ser descrita como apresentado na figura a seguir:

Fonte: Adaptado de Engeström e Sannino (2010, p.7).

Figura 1 Ações epistêmicas em um ciclo expansivo de aprendizagem 

Práticas educacionais TDSC também podem incluir em suas ações pedagógicas as recomendações do Partnership for 21st century learning que apontam a necessidade de desenvolver competências profissionais e de vida, tais como flexibilidade, adaptabilidade, habilidades sociais e de culturas cruzadas. De acordo com P21(2019), a sociedade atual e o ambiente de trabalho exigem muito mais do que habilidades de pensamento e conhecimento de conteúdo sendo que: “a capacidade de navegar nos complexos ambientes de vida e trabalho na era da informação globalmente competitiva exige que os alunos prestem atenção rigorosa ao desenvolvimento de habilidades adequadas de vida e carreira” (P21, 2019).

No que se refere a flexibilidade e adaptabilidade, as propostas educacionais TDSC devem expor os alunos a situações nas quais aprendam a se adaptar a vários papéis, responsabilidades de trabalho, horários e contextos de forma a trabalhar de modo eficaz em um clima de ambiguidade e mudanças de prioridades. A educação escolar deve proporcionar experiências nas quais os participantes devam incorporar feedback de forma eficaz; lidar positivamente com elogios, contratempos e críticas; compreender, negociar e equilibrar diversas visões e crenças para alcançar soluções viáveis, particularmente em ambientes multiculturais. Na figura a seguir, podemos visualizar as ações que o sistema educacional deve promover de forma independente:

Fonte: Adaptado de P21 (2019).

Figura 2 Competências profissionais 

No que se refere às habilidades sociais e culturas cruzadas, as propostas educacionais TDSC devem promover experiências de interações efetivas nas quais os participantes possam saber quando é apropriado ouvir e quando falar; comportar-se de maneira respeitável e profissional, respeitar as diferenças culturais e trabalhar efetivamente com pessoas de diversas origens sociais e culturais; responder com mente aberta a diferentes ideias e valores e aproveitar as diferenças sociais e culturais para criar novas ideias e aumentar a inovação e a qualidade de trabalhar.

Analisados os conceitos de desencapsulação do currículo, atividades sociais como base para o ensino, aprendizagem expansiva e competências profissionais e de vida, seguimos para as bases metodológicas que embasaram este estudo.

3 Bases metodológicas para elaboração de práticas educativas TDSC

Este é um estudo qualitativo realizado a partir da revisão de pesquisas publicadas3 sobre o desenvolvimento de práticas educativas cujas ações pedagógicas envolvem práticas tecnológicas associadas a práxis socioculturais. A partir desta revisão, buscamos recompilar os aspectos mais relevantes (identificar e descrever) e situá-los em uma nova perspectiva (analisar).

Quadro 1 Conjunto de dados para análise 

Estudo / Participantes Objetivos Práticas Educativas TDSC realizadas Resultados
A utilização de tecnologias de informação e comunicação em classes multisseriadas: investigações educativas no Assentamento Alvorada.

Crianças de cinco a seis anos em classes multisseriadas em assentamento rural no Brasil.


Propor inovações no ambiente escolar adotando as TIC como recursos que viabilizam novas metodologias e que tragam contribuições expressivas para além dos muros da escola. 05 unidades curriculares interdisciplinares organizadas a partir dos recursos tecnológicos empregados (plataformas de jogos digitais, Paint, YouTube, Facebook, entre outros).
Narrativas sobre o processo de constituição do espaço social em que a escola está localizada a ser disponibilizada em plataforma digital (Museu da Pessoa).
Conjunto de ações pedagógicas (entrevistas, passeios investigativos, dinâmicas de grupo, integração e experimentação das TIC).
O estudo observou que a integração das tecnologias no desenvolvimento dos conteúdos específicos pode potencializar processos de ensino-aprendizagem significativos, oportunizando a valorização do cotidiano e estimulando a interação da comunidade escolar, o que colabora para a construção de redes de conhecimentos.
Produção de curtas metragens como recurso para educação inclusiva.

Alunos do 4º e 5º anos do ensino fundamental brasileiro (incluindo os que apresentavam deficiências intelectuais), seus professores e a pesquisadora.
Inserir TIC no processo educacional para contribuir para aprimoramento habilidades de alunos com deficiências.

Produção de curtas metragens de forma a desenvolver habilidades de trabalho em grupo, senso estético e expressão por meio de linguagem cinematográfica.
Produção de 02 Curtas metragens sobre a educação inclusiva - As Novas Lixeiras Coloridas na Escola e Somos todos Iguais.
Ações pedagógicas: conferência e exposição das definições de curtas metragens, elaboração e revisão do roteiro, ensaios, filmagem, edição e finalização, apresentação dos vídeos para a comunidade escolar.
A operacionalização dos curtas-metragens desvendou estratégias ao processo de inclusão no cenário de escolas regulares, ensejou reflexões sobre a educação e a inclusão de modo geral, considerando que o curta metragem pode ser visualizado além de um recurso tecnológico para ilustrar ou aprofundar conteúdos, elucidando-o como espaço de convivência que educa, forma, faz pensar, estimula o desenvolvimento das habilidades e competências criativas e significativas das pessoas com deficiência para o processo de inclusão.
Marcos históricos e geográficos do espaço urbano da cidade de Cascavel no Paraná: uma vivência pedagógica potencializada pelas Tecnologias Digitais.

Ensino fundamental, anos finais, da Edu-cação Básica no Brasil.
Levar o aluno a compreender o espaço geográfico a partir das ações humanas
Produzir, avaliar e utilizar tecnologias digitais de in-formação e comunicação de modo crítico, ético e responsável, compreen-dendo seus significados para os diferentes grupos ou estratos sociais.

Mobilizar recursos tecno-lógicos como formas de re-gistro, pesquisa e criação artística.
· Prática educativa interdisciplinar (vivência digital) para os componentes curriculares de História, Geografia e Arte
Tour online do espaço ur-bano de uma cidade no interior do Paraná, na interface Google Earth.
Ações pedagógicas demarcadas por tarefas a serem cumpri-das, informações a serem acessadas e anotações do que foi aprendido a partir do acesso ao drive ou padlet.
Reconhecimento das potencialidades da cidade e das tecnologias na construção do conhecimento e da cidadania gerando novas e con-cretas possibilidades de vivências significativas dos conteú-dos escolares de modo interdisciplinar potencializados pelas tecnologias digitais; engajamento dos sujeitos nas vivências escolares e a for-mação de professores.
Forge of Impires: criação de ambientes online para o desenvolvimento de competências de aprendizagem e para a compreensão da evidência histórica e do anacronismo

Alunos da 7ª. série do ensino fundamental da disciplina de História em Portugal
Utilizar o vídeo jogo Forge of Impires para o desenvolvimento de competências de aprendizagem de História (Idade do Bronze, Idade do Ferro e Alta Idade Média) e para compreensão de evidências históricas.
Compreensão de anacronismos presentes em History based games e desenvolvimento de competências de aprendizagem nucleares como a iniciativa e a autonomia.
· Na plataforma Forge of Impires, cabe ao aluno liderar uma comunidade ao articular produção de materiais e a construção de edificações para promover a evolução de sua comunidade. O jogo envolve produção de dinheiro, mantimentos, recursos variados e criação de equipes para conquista de novos territórios.

No ambiente Edmodo, discussão sobre a evolução das cidades (no vídeo jogo) e suas relações com os temas explorados nas aulas de História, desenvolvimento de fichas de trabalho e fóruns de discussão. Autoavaliação realizada pelo instrumento Escala de competência de autoaprendizagem.
Aprimoramento do processo pedagógico com resultados positivos para a construção e mobilização de conhecimentos históricos e desenvolvimento de competências de aprendizagem (resolução de problemas, pensamento crítico, trabalho colaborativo).
Tecnologias Móveis e a Recriação Digital na Construção do Conhecimento Histórico.

Estudantes portugueses da 9ª. Série do ensino fundamental - com idades compreendidas entre os 14 e os 16 anos.
Extrapolar o entendimento de que o conhecimento histórico é uma mera recolecção de datas e de acontecimentos e proporcionar o desenvolvimento de complexos conceitos de segunda ordem, e em estruturas sociais que são, também elas complexas e não lineares. · Produção de histórias ficcionais ocorridas no período revolucionário português permeadas por recursos de áudio e vídeo desenvolvidas a partir de instruções de um Guia de trabalho elaborado pelo professor.

Utilização de dispositivos móveis para a criação de áudio e vídeos e do Book Creator, que permite a importação para iBooks em formato de livro.
Os resultados obtidos revelam que o ecossistema digital criado (a partir do uso de dispositivos móveis e seus aplicativos e do trabalho em grupo realizado) foi efetivo em termos motivacionais e para a aquisição e construção do conhecimento histórico a nível do domínio de conceitos estruturais, como o de significância e evidência.

Fonte: Os autores.

A análise dos dados terá início na seção a seguir e se dará com vistas aos pressupostos teóricos elencados e considerando, como mencionado anteriormente, que cabe ao professor associar práticas educacionais com uso de tecnologias a práxis socioculturais em sala de aula e transpor didaticamente tais propostas educacionais.

4 Práticas educativas TDSC: resultados e discussões

Investigações vêm sendo realizadas sobre práticas educativas TDSC que contemplam preceitos como desencapsulação do currículo, atividades sociais como base para o ensino, aprendizagem expansiva e competências profissionais e de vida.

Stefanelo e Rocha (2019, 2022) desenvolveram seu estudo considerando as práticas educativas implementadas a partir da utilização de recursos tecnológicos em classes multisseriadas de um assentamento rural no Brasil. Neste contexto, o espaço e o cotidiano desses alunos são considerados elementos importantes do fazer pedagógico “trabalhando a identidade própria do local de modo a fortalecer novas perspectivas de desenvolvimento do ensino-aprendizagem que visem à cooperação, ao respeito e à valorização de todos e cada um dos sujeitos que fazem parte da comunidade” (STEFANELO; ROCHA, 2022, p. 521). Com o objetivo de integrar as TIC4 aos conteúdos programáticos, os alunos foram instruídos a coletar dados como uma forma de leitura do contexto social (passeios investigativos nas casas de moradores da região), desenvolver atividades na escola com a participação da comunidade escolar (por meio de dinâmicas) e desenvolver pequenos vídeos baseado em um texto descritivo a ser inserido no Museu da Pessoa5. Os resultados apontam que “a identificação dos conteúdos programáticos nas unidades curriculares e sua associação às TIC oportunizou uma aprendizagem mais significativa, relacionando as atividades propostas a aspectos afetivos, cognitivos e sociais dos educandos” (STEFANELO; ROCHA, 2019).

Nesta experiência pedagógica, a valorização da cultura local, o compartilhamento dos conhecimentos produzidos e a construção de saberes junto à comunidade escolar são os fatores mais relevantes e vão de encontro às propostas da BNCC para a educação básica brasileira ao valorizar os conhecimentos construídos historicamente na sociedade de forma a entender e explicar sua realidade e até mesmo, aprimorá-la. Certamente, é um exemplo de desencapsulação do currículo ao propor atividades sociais a serem desenvolvidas além dos muros da escola, criando situações de aprendizagem reais, compartilhamento de significados entre os envolvidos e engajamento na realização da tarefa de forma colaborativa e crítica.

Venturini e Medeiros (2022) apresentam estudo realizado sobre a criação de curta metragens6 sobre a educação inclusiva no ambiente escolar através da utilização de ferramentas tecnológicas e com o intuito de promover o desenvolvimento das habilidades de trabalho em grupo, senso estético e expressão por meio de linguagem cinematográfica. A iniciativa contou com as seguintes ações pedagógicas: conferência e exposição das definições de curtas metragens, elaboração e revisão do roteiro, ensaios, dramatização, filmagem, edição de vídeos e apresentação das produções para a comunidade escolar. De acordo com as autoras, a participação dos alunos com deficiência intelectual como protagonistas dos curtas-metragens refletiu em percepções de acolhimento, inclusão e valorização no ambiente escolar:

A operacionalização dos curtas-metragens desvendou estratégias ao processo de inclusão no cenário de escolas regulares. Assim, ensejou reflexões sobre a educação e a inclusão de modo geral, considerando que o curta metragem pode ser visualizado além de um recurso tecnológico para ilustrar ou aprofundar conteúdos, elucidando-o como espaço de convivência que educa, forma, faz pensar, estimula o desenvolvimento das habilidades e competências criativas e significativas das pessoas com deficiência para o processo de inclusão [...] Com a realização deste estudo constatou-se que todos aprendem: professores, pesquisadores, cineastas, artistas e alunos. A introdução do cinema na escola constitui um desafio à criatividade e ao fazer político nela, pois crianças fazendo cinema pode ser uma forma de legitimar o direito delas de pensar, decidir, e expressar por si suas ideias do mundo e seus sentimentos. (VENTURINI; MEDEIROS, 2022, p.125).

A experiência de confecção de curtas metragens parece ser terreno fértil para o desenvolvimento de competências tais como flexibilidade e adaptabilidade. Ao utilizar as tecnologias e focar em questões sócio culturais (o processo de inclusão no cenário de escolas regulares) os alunos foram expostos a situações nas quais tiveram que se adaptar a vários papéis (revisores, editores, atores), assumir novas responsabilidades com e sem supervisão direta (ensaios, filmagens, apresentação para a comunidade escolar), incorporar feedback de forma eficaz e lidar positivamente com opiniões diversas.

Lemes e Palagi (2021), com foco em uma educação cidadã, apresentam uma prática educativa interdisciplinar elaborada para os componentes curriculares de História, Geografia e Arte. A chamada “vivência digital” que se configura como um tour online do espaço urbano de um município no interior do Paraná a partir dos recursos da interface Google Earth7. O referido tour tem por objetivo levar o aluno a compreender o espaço geográfico a partir das ações humanas8 e, considerando preceitos históricos, produzir, avaliar e utilizar tecnologias digitais de informação e comunicação de modo crítico, ético e responsável, compreendendo seus significados para os diferentes grupos ou estratos sociais9. Da mesma forma, objetiva mobilizar recursos tecnológicos como formas de registro, pesquisa e criação artística10. O roteiro do passeio virtual proposto foi demarcado por tarefas a serem cumpridas, informações a serem acessadas em forma de hiperlinks para textos, sites, vídeos, ou um breve resumo sobre o ponto demarcado no mapa e local para anotações do que foi aprendido com acesso ao drive ou padlet. Segundo os autores:

A relação que os indivíduos têm com o seu meio encontra, no espaço urbano, uma grande complexidade, pela dinâmica que aí se estabelece, possibilitando espaço de aprendizagem rico em informações, que podem levar os sujeitos, a partir de suas vivências e conhecimentos, à possibilidade de construção de práticas pedagógicas que deem conta da inclusão, em seu mais amplo sentido, na construção de uma educação cidadã. (LEMES; PALAGI, 2021).

Trindade e Moreira (2017) analisam a apropriação de conceitos estruturais para a construção do conhecimento histórico de estudantes do ensino fundamental a partir da utilização de dispositivos móveis11 para criação de vídeos e imagens e do aplicativo Book Creator12 para a criação de uma história digital ficcionada relativa ao período revolucionário português. Com base no entendimento de que o conhecimento histórico “é muito mais do que a mera recolecção de datas e de acontecimentos, assentando no desenvolvimento de complexos conceitos de segunda ordem, e em estruturas que são, também elas complexas e não lineares” (TRINDADE; MOREIRA, 2017, p. 639), os alunos foram instruídos, através de um guia de trabalho elaborado pelo professor, a criar a elaborar o enredo da história a partir de fatos verídicos e criar seus próprios recursos de áudio e vídeo de forma a produzir um e-book multimodal. Os resultados sugerem que a proposta concretizou a criação de um ecossistema digital sustentado por recursos tecnológicos que proporcionou a ampliação dos conhecimentos históricos dos alunos ao considerar domínio de conceitos estruturais, como de significância e evidência.

Ao se configurar em um ciclo de aprendizagem expansiva, a proposta educacional de criação de histórias ficcionais digitais engaja seus participantes na construção e implementação de objetos/ferramentas radicalmente novos, mais amplos e mais complexos (criação de áudio, vídeo, enredo ficcional atrelado a fatos históricos, e-book) de forma a atribuir novos conceitos/sentidos a suas atividades (consciência crítica para estabelecer interrelações entre o passado e o presente).

Novamente tendo como cenário a disciplina de História, Trindade e Moreira (2018) relatam a experiência educacional realizada no 7.º ano do ensino fundamental português na qual o vídeo jogo Forge of Impires13 e o ambiente de aprendizagem Edmodo14 foram concebidos como ambientes para a criação de um ecossistema de aprendizagem dinâmico. A proposta se pautou no entendimento de que a aprendizagem baseada em jogos possibilita o desenvolvimento de competências sociais ao propiciar ao aluno experienciar novas identidades, relacionar causas e consequências, errar e testar seus limites, perceber a lógica do jogo, identificar, planificar e implementar estratégias, desenvolver pensamento complexo e interiorizar conhecimentos. As atividades foram guiadas através das fichas de trabalho elaboradas pelo professor e disponibilizadas no Edmodo nas quais eram indicadas ou questionadas as “edificações” a serem construídas de forma a relacioná-las aos conteúdos explorados na aula de História. Por sua vez, eram propostos fóruns de discussão nos quais eram discutidos os anacronismos15 detectáveis no vídeo jogo. Os resultados apontam que as inovações implementadas resultaram em aprimoramento do processo pedagógico com resultados positivos para a construção e mobilização de conhecimentos históricos e desenvolvimento de competências de aprendizagem (resolução de problemas, pensamento crítico, trabalho colaborativo).

As estudos mencionados nesta seção são compostos de práticas educativas que envolvem instruções pedagógicas (unidades curriculares interdisciplinares, prática educativas interdisciplinares, guia de trabalho) cujas tarefas são realizadas colaborativamente por meios tecnológicos (ambientes virtuais de aprendizagem, plataformas de jogos, filmagem, edição de texto e vídeo, redes sociais, criação de livros, aplicativo de arte digital, mecanismos de pesquisa online, serviço de armazenamento) ou não tecnológicos (entrevistas, passeios investigativos, dinâmicas de grupo, ensaios) e resultam em produtos educacionais que se configuram na própria resolução da tarefa determinada (e-books com história ficcional, narrativas, curtas metragens, anotações, participação em fóruns de discussão, preenchimento de fichas de trabalho, auto avaliação).

As práticas educativas descritas, de fato, envolvem tecnologias digitais associadas a práxis sociocultural uma vez que a comunidade é o foco central na mobilização do trabalho e revela os valores que influenciam no agir (assentamento ribeirinho, espaço urbano em cidade interiorana, escolas regulares com projetos de inclusão, ensino fundamental português) e as ações pedagógicas são pensadas para serem executadas de forma integrada e colaborativa a partir da divisão de trabalho e do estabelecimento de regras.

5 Considerações finais

Nesta investigação, nos concentramos no fato de que a sociedade está em constante avanço tecnológico e a escola está em busca de acompanhar este desenvolvimento extrapolando os aspectos profissionais técnicos e englobando em suas atividades o aprimoramento da capacidade de construção de boas relações, entendimento de si mesmo e da sociedade na qual se vive.

As práticas educativas exploradas nesta investigação ilustram iniciativas de compor um sistema educacional desenhado de forma a transpor desafios sociais ao suplantar a concorrência, a discriminação, o condicionamento, a violência emocional e o materialismo. São iniciativas que promovem a superação de um sistema que apresenta o conhecimento de forma estática, fragmentada e sem possibilidade de ser confrontado. São propostas que visam transpor escalas pré-definidas de avaliação e padrões a serem alcançados.

Os cinco estudos que relatam as práticas educativas TDSC que foram identificados e analisados podem servir de exemplo para aqueles que desejam associar tecnologias educacionais e práxis socioculturais ao cotidiano escolar. Os próprios estudos apontaram alguns caminhos: a) valorização do cotidiano e o estimulo à interação com a comunidade escolar para a construção de redes de conhecimentos; b) incentivo a reflexões sobre a educação e a inclusão com o uso de recurso tecnológico para ilustrar ou aprofundar conteúdos posicionando a escola como um espaço de convivência que educa, forma, faz pensar, estimula o desenvolvimento das habilidades e competências criativas e significativas; c) reconhecimento das potencialidades da cidade e das tecnologias na construção do conhecimento e da cidadania gerando novas e concretas possibilidades de vivências significativas dos conteúdos escolares de modo interdisciplinar; d) construção e mobilização de conhecimentos históricos e desenvolvimento de competências de aprendizagem e e) criação de ecossistema digital para desenvolvimento motivacional e para a aquisição e construção do conhecimento histórico a nível do domínio de conceitos estruturais.

Mais do que uma possibilidade, é um dever da escola e dos professores preparar os jovens para uma sociedade em plena aceleração e transformação digital, aumentando não só os seus conhecimentos académicos, as suas competências académicas, mas também as suas competências sociais e emocionais, práticas e tecnológicas que serão cada vez mais necessárias para enfrentar os desafios do presente e de um futuro próximo. É preciso, desta forma, preparar a nova geração para a vida adulta em uma sociedade na qual a profissão que o aluno irá escolher e a tecnologia que ele utilizará pode nem ter sido inventada e que hábitos e padrões de comportamento estão em constante ressignificação.

1No Brasil, temos a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que se configura em documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos brasileiros devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica. Por sua vez, em Portugal, as Aprendizagens Essenciais são documentos de orientação curricular base na planificação, realização e avaliação do ensino e da aprendizagem, e visam promover o desenvolvimento das áreas de competências inscritas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória. Tendo sido construídas a partir dos documentos curriculares existentes, as AE são a base comum de referência para a aprendizagem de todos os alunos, isto é, o denominador curricular comum, nunca esgotando o que um aluno tem de aprender.

2Neste estudo, utilizamos o termo “práticas educativas” para nos referir às instruções pedagógicas, aos meios para a realização da tarefa e aos produtos resultantes. Estes componentes serão esclarecidos na seção de análise.

3A escolha da amostragem de estudos realizados no Brasil e em Portugal se deve ao fato deste artigo estar atrelado ao pós-doutoramento da autora na Universidade Aberta de Portugal.

4Foram utilizadas plataformas de jogos digitais, Paint, YouTube, Facebook, recursos áudio visuais, gravação e edição de vídeos.

5Plataforma em ambiente virtual, na qual diversos autores podem expor suas experiências e pesquisas, com a finalidade de propiciar uma transformação cultural e social. A experiência do estudo pode ser acessada em https://museudapessoa.org/historias/pessoadetalhe/?id=21901

6Filme curto, cuja duração é geralmente inferior a trinta minutos com as seguintes peculiaridades discursivas: reduzido número de personagens e diálogos, condensação narrativa, de linguagem e de ação; tempo linear da história; verossimilhança com a realidade, carga emotiva e sugestiva e com desfechos geralmente surpreendentes.

7As ferramentas de criação do Google Earth permitem criar e compartilhar mapas e histórias sobre qualquer tema, desenhando marcadores de local, linhas e formatos, adicionando informações contextuais aos lugares (texto, links, imagens, vídeos, visualizações em 3D e Street View) e organizando o roteiro como em um projeto.

8Olhar para o espaço urbano público e suas edificações, como: praças; prédio da previdência social; escola; saneamento básico; biblioteca pública e percebê-los na paisagem ao longo dos tempos.

9Pesquisar sobre edificações históricas do município e registro das curiosidades descobertas, como a igreja mais antiga do local e analisar e descrever a função social de monumentos e do museu histórico do município.

10Visitar de forma virtual: museu de artes; grafites em paredes, murais públicos e perceber a arte como produção e expressão da vida urbana.

11Os autores ressaltam a utilização do iPad e do iTunes U. iPad é uma linha de tablets projetada, desenvolvida e comercializada pela Apple, que funciona com o sistema operacional móvel iOS e iPadOS. iTunes é um reprodutor de áudio e vídeo desenvolvido pela Apple, para reproduzir e organizar música digital, arquivos de vídeo, podcasts e para a compra de arquivos de mídia digital no formato gestão de direitos digitais FairPlay.

12Book Creator é um aplicativo para Android e iOS com inúmeros recursos para criar livros eletrônicos, álbuns de fotos e apresentações animadas.

13Forge of Empires é um jogo de estratégia para navegador web, desenvolvido pela InnoGames e publicado em 2012 no qual o jogador estabelece sua colônia na Era da Pedra e luta através da história para desenvolver seu império industrial. O jogador enfrenta os desafios da campanha, participa de batalhas por novos territórios, se dedica a pesquisar e desenvolver unidades de combate mais avançadas, produtos inovadores e novas edificações e busca financiar o crescimento de seu império com o dinheiro dos impostos de sua população.

14Edmodo é um ambiente de aprendizagem social para professores, alunos e pais. Os alunos convidados ingressam na sala virtual através de um código de acesso fornecido pelo professor que cria a sala virtual, tem a possibilidade de baixar os arquivos, ver o conteúdo e fazer as avaliações. Os pais podem consultar e revisar as atividades realizadas pelos alunos.

15Erro de cronologia que consiste em atribuir a uma época ou a um personagem ideias e sentimentos que são de outra época, ou em representar, nas obras de arte, costumes e objetos de uma época a que não pertencem.

Referências

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Recebido: 06 de Junho de 2023; Aceito: 23 de Junho de 2023

Editora: Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista

Editora: Profa. Dra. Marcia Fusaro

Editores Convidados - Dossiê 65: Profa. Dra. Adriana Aparecida de Lima Terçariol, Prof. Dr. Carlos Bauer, Prof. Dr. Celso Carvalho, Profa. Dra. Rosemary Roggero

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