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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.65 São Paulo abr/jun 2023  Epub 16-Fev-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n65.24689 

Dossiê 65 - Políticas Educacionais e Educação Digital: Propostas, Impactos, Oportunidades e Desafios

ESCOLARIZAÇÃO ABERTA PARA A EDUCAÇÃO DIGITAL COM CIÊNCIA E TECNOLOGIA - REFLEXÕES SOBRE OS PLANOS EUROPEU E BRASILEIRO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

OPEN SCHOOLING FOR DIGITAL EDUCATION WITH SCIENCE AND TECHNOLOGY - REFLECTIONS ON EUROPEAN AND BRAZILIAN PUBLIC POLICY PLANS

ESCOLARIZACIÓN ABIERTA PARA LA EDUCACIÓN DIGITAL CON CIENCIA Y TECNOLOGÍA - REFLEXIONES SOBRE LOS PLANES DE POLÍTICAS PÚBLICAS EUROPEAS Y BRASILEÑAS

Alexandra Okada, Doutora em Educação, Professora e Pesquisadora1 
http://orcid.org/0000-0003-1572-5605

Alberto Erich Steimber de Pereira Okada, Mestrando do Curso de Psicologia2 
http://orcid.org/0000-0002-0551-3513

Luciana de Oliveira Campolina, Doutora em Educação3 
http://orcid.org/0000-0003-0358-629X

1Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, Professora e Pesquisadora na Open University (OU-UK)

2Mestrando do Curso de Psicologia do Centro Universitário de Brasília - CEUB, Centro Universitário de Brasília (CEUB)

3Doutora em Educação pela Universidade de Brasília - UnB, Centro Universitário de Brasília (CEUB)


Resumo

Como potencializar projetos e iniciativas em parcerias internacionais na área de educação científica digital? Este estudo examina dois planos atuais de educação digital, o europeu e o brasileiro, identificando diferenças e similaridades destacadas num quadro analítico. A abordagem metodológica baseou-se na análise temática indutiva da literatura cinza, combinada com a análise documental de relatos de práticas educacionais digitais do projeto Europa-Brasil CONNECT de escolarização aberta. Os resultados destacam a relevância de três fatores: 1. oportunidades educacionais científicas digitais com abordagens sócio científicas; 2. ciência e tecnologia participativas tais como design-thinking e inquiry mapping, incluindo ambientes híbridos emergentes com tecnologias das nuvens (gerenciadores) a inteligência artificial (OpenAI - ChatGPT); e 3. parceria locais e globais para propiciar habilidades digitais e científicas rumo a sustentabilidade da vida e do planeta.

Palavras-chave: escolarização aberta; educação digital; design thinking; inteligência artificial; políticas educacionais.

Abstract

How to enhance projects and initiatives in international partnerships in the area of digital scientific education? This study examines two current digital education plans, the European and the Brazilian, identifying differences and similarities highlighted in an analytical framework. The methodological approach was based on the inductive thematic analysis of grey literature, combined with the documentary analysis of digital educational practices reports from the Europe-Brazil CONNECT open schooling project. The results highlight the relevance of three factors: 1. digital scientific educational opportunities with socio-scientific approaches; 2. participatory science and technology such as design-thinking and inquiry mapping, including emerging hybrid environments with cloud technologies (managers) to artificial intelligence (OpenAI - ChatGPT); and 3. local and global partnerships to foster digital and scientific skills towards the sustainability of life and the planet.

Keywords: open schooling; digital education; design thinking; artificial intelligence; educational policies.

Resumen

¿Cómo potenciar proyectos e iniciativas en asociaciones internacionales en el área de la educación científica digital? Este estudio examina dos planes actuales de educación digital, el europeo y el brasileño, identificando diferencias y similitudes destacadas en un marco analítico. El enfoque metodológico se basó en el análisis temático inductivo de la literatura gris, combinado con el análisis documental de los informes de prácticas educativas digitales del proyecto Europa-Brasil CONNECT de escolarización abierta. Los resultados destacan la relevancia de tres factores: 1. oportunidades educativas científicas digitales con enfoques socio-científicos; 2. ciencia y tecnología participativas, como el design-thinking y el mapeo de indagación, incluyendo entornos híbridos emergentes con tecnologías de la nube (gestores) hasta la inteligencia artificial (OpenAI - ChatGPT); y 3. asociaciones locales y globales para fomentar habilidades digitales y científicas hacia la sostenibilidad de la vida y del planeta.

Palabras clave: escolarización aberta; educación digital; design thinking; inteligencia artificial; políticas educativas.

Introdução

2023 Ano Europeu das Habilidades Digitais

Nos tempos atuais, a proficiência digital tornou-se indispensável na sociedade e na economia. Ela é essencial para a inclusão social, o bem-estar pessoal, o engajamento cívico, as oportunidades de carreira, a produtividade, a segurança e o crescimento. As habilidades digitais são necessárias para todos os cidadãos, incluindo estudantes da escola fundamental ao ensino superior, para se manter informado, exercer direitos, acessar serviços online, comunicar, produzir e compartilhar conteúdos digitais.

Nesta década marcada pela transição para a sustentabilidade social, econômica e ambiental, potencializada pelo avanço digital, defendemos neste artigo que para estimular a construção de ambientes de aprendizado inovadores e criativos, impulsionadores de pesquisa e inovação, é necessário que as políticas de educação digital abracem não apenas a tecnologia, mas também a ciência. Desta forma, promovemos uma educação digital científica, que propicia aos estudantes a oportunidade de moldar vidas e futuros sustentáveis.

Na Europa, somente 54% da população entre 16 e 74 anos possui habilidades digitais básicas, abaixo da meta de 80% da União Europeia. Disparidades entre países e dentro deles mostram a necessidade de ações para melhorar as habilidades na transição verde e digital. Em 2023, foi nomeado Ano Europeu das Competências para catalisar esforços coletivos para o desenvolvimento de competências (EUROPEAN COMMISSION, 2023).

No Brasil, a população com acesso à internet cresceu significativamente entre 2019 e 2021. Na área rural a proporção de domicílios com conectividade aumentou de 57,8% para 74,7%, enquanto na área urbana, ela subiu de 88,1% para 92,3% (IBGE, 2022), mas as habilidades digitais completas ainda são um privilégio das classes média e alta. A Lei 14.533, de 11/01/2023, que estabelece a Política Nacional de Educação Digital - PNED, incentiva o desenvolvimento e formação contínua para competências digitais, visando aumentar a acessibilidade e uso de TICs no ensino e fortalecer o letramento digital.

As diretrizes ressaltam que a transformação digital deve colocar o ser humano no centro e contribuir para uma sociedade e economia justas. Esse artigo argumenta que é necessário que sistemas educacionais apoiem o desenvolvimento de competências científicas e digitais entre todos os cidadãos. A abordagem de escolarização aberta, destacada pelas políticas é crucial para oferecer oportunidades educacionais às pessoas de todas as idades, além de futuras gerações, preparando-as para aprender a coaprender e coinvestigar para melhor tomada de decisões, atuação e para melhoria de vida por meio da ciência e tecnologia.

A educação aberta por meio da escolarização aberta - definição e fundamentos

O conceito de “Escolarização Aberta”, segundo Okada e Gray (2023), se concentra na construção de alianças entre diversas partes interessadas - educadores, cientistas, profissionais, membros da família e formuladores de políticas, com o objetivo de facilitar o engajamento dos alunos na reflexão e resolução de problemas do mundo e da vida real que impactam diretamente a eles e suas comunidades. Essa abordagem utiliza o conhecimento existente, adquirido, ou ainda a ser aprendido no contexto escolar, fomentando a prática através da adoção de tecnologias e metodologias participativas e democráticas. Visa-se, por meio disso, aprimorar o conhecimento, as competências, as atitudes e os valores dos estudantes. Essa perspectiva ressalta a relevância do trabalho conjunto, das parcerias e da cooperação para a realização de uma educação significativa e autêntica.

A abordagem da "Escola Aberta" implica que as escolas, em colaboração com outros agentes, tornam-se agentes do bem-estar da comunidade. As famílias são incentivadas a serem parceiras ativas na vida escolar e nas atividades. Profissionais de empresas, organizações civis e a sociedade em geral são envolvidos na introdução de projetos da vida real na sala de aula. Essa abordagem visa transformar a vida individual, coletiva e global para melhor, concentrando-se no bem-estar não apenas da geração atual, mas também das futuras. É uma formação orientada para a construção de futuros melhores e desejáveis para todos os habitantes da Terra.

A "Escolarização Aberta" está alinhada com a AGENDA 2030 (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2015), que busca melhorar o bem-estar, a sustentabilidade e um futuro desejável para todos. A definição de "Escola Aberta" foi introduzida no relatório "Educação Científica para a Cidadania Responsável", promovido pela União Europeia, em 2015. Essa definição destaca a importância da cooperação entre escolas, famílias, universidades e empresas, para que os alunos aprendam por meio de projetos da vida real, relacionados às questões como saúde, meio ambiente, segurança, mudanças climáticas, entre outros. Essa abordagem tem sido impulsionada por iniciativas tanto na Europa como no Brasil para empoderar as gerações do presente e do futuro por meio das ciências e tecnologia (OKADA et al., 2023; OKADA, 2023).

Diante do ambiente pós-pandemia e da transição digital verde, surgiram novas prioridades para a escola aberta. Isso inclui estabelecer parcerias em ciência e tecnologia em diversos ambientes de aprendizagem, construir redes intercomunitárias que promovam inclusão e diversidade, bem como incentivar o engajamento na inovação financiada por empresas, apoiando startups, PMEs e empreendedores. Embora as iniciativas de escolarização aberta tenham promovido parcerias tangíveis, o CONNECT, projeto financiado por intermédio do Programa de Pesquisa e Inovação Horizonte 2020 da União Europeia, argumenta que é necessário integrar mais oportunidades no currículo nacional. Todos os alunos têm o direito de se envolver com a inclusão digital integrada às áreas científicas, compreendendo o impacto da ciência e tecnologia no mundo (CONNECT-SCIENCE, 2023a). Okada (2023) destaca quatro conjuntos de habilidades básicas para a escolarização aberta: habilidades de investigação científica, sustentabilidade interna (OSI) e externa (OSD), pesquisa e inovação responsáveis, e transição digital para inovação.

O objetivo deste estudo é comparar e contrastar os temas emergentes entre as políticas brasileiras e europeias de educação digital e de que forma podemos dialogar com práticas existentes em ambos os contextos. Esse exercício nos permitirá identificar lacunas, conflitos e convergências entre as políticas e as práticas, bem como entre diferentes contextos culturais e geográficos. O relato de práticas ajudará a compreender que apesar das diferenças entre duas realidades (brasileira e europeia), ambas estão em sintonia com as políticas da educação digital. Para propiciar atividades educacionais que contemplem conjuntos integrados de habilidades torna-se fundamental compreender catalisadores e lacunas em planos de ação nacionais e continentais.

Nesse artigo, então, examinamos documentos recentes que versam sobre políticas para educação digital: a versão brasileira e a versão europeia. Nossos resultados destacam um quadro integrativo com reflexões para o contexto da escolarização aberta. Através da análise documental de práticas de escolarização aberta executadas no âmbito do projeto CONNECT, discutimos como o quadro integrativo das políticas pode ser utilizado para ajudar na proposição e na análise de práticas e apresentamos recomendações.

Metodologia

Este estudo utiliza uma metodologia baseada na análise temática indutiva da literatura cinza e análise documental de relatos de práticas educacionais digitais abertas. A análise temática permite detectar padrões e temas nos dados coletados, enquanto a análise documental oferece acesso a materiais diversos para complementar a pesquisa. O corpus de análise inclui a Política Nacional de Educação Digital do Brasil (BRASIL, 2023) e o Plano de Educação Digital dos Estados-Membros da União Europeia (EU) (EUROPEAN COMMISSION, 2018; EUROPEAN COMMISSION, 2023). A análise temática indutiva dos documentos da literatura cinza foi realizada em seis fases: familiarização com os dados; criação de códigos iniciais; procura de temas; revisão dos temas; definição e nomeação dos temas; e relatório comparativo entre a versão brasileira e europeia dos documentos (BRAUN; CLARKE, 2006).

No entendimento de Gil (2007), a análise documental possui um papel crucial no aporte de elementos para o entendimento de contextos diversos. Nesta pesquisa, essa abordagem é empregada ao examinar documentos públicos de práticas de escolarização aberta na Comunidade Regional Sustentável do Tupé, na Amazônia brasileira (CONNECT-SCIENCE, 2023b), bem como os estudos realizados sobre a comunidade indígena Yanomami da Amazônia, desenvolvidos por estudantes no Reino Unido e resumidos no pôster "Protecting Life In Amazon", apresentado na Open University (UK) para a Comunidade Europeia e Países em 28 de março de 2023 (CONNECT-SCIENCE, 2023c). Essa análise de documentos serve como uma ferramenta crucial para entender as diretrizes da educação digital e como ela é implementada em variados contextos. Por meio da análise temática indutiva e da análise documental, torna-se possível evidenciar as conexões e diferenças entre as políticas de educação digital e sua aplicação efetiva em distintos contextos geográficos e culturais. Isso abrange temas como inclusão digital, uso de tecnologia na educação, acesso a recursos digitais abertos e o envolvimento dos estudantes com as tecnologias digitais.

A análise interpretativa dos resultados utilizou o método 5w2H (what, why, when, who, where, how, how much) para melhor compreensão das políticas, respondendo perguntas, tais como: o que se trata? por que precisamos? onde foram implementadas? quem são os atores e beneficiários? como são/foram alcançados os objetivos? e quanto ou quais recursos estão envolvidos?

Para a análise dos documentos das políticas, foi utilizada a análise de SWOT para identificar pontos fortes, fraquezas, oportunidades e ameaças. Foram analisadas as lacunas entre as políticas brasileira e europeia, com sugestões direcionadas aos gestores públicos. Além disso, foi realizada a análise documental das práticas brasileiras e europeias, discutindo sua aderência às políticas de educação digital.

Procedimentos éticos

A literatura cinza e os documentos das práticas estudados consistem em material publicamente disponível. Foram preservadas a identificação de dados empíricos sensíveis.

Limitações da metodologia

A literatura cinza da União Europeia pode ter vieses, dado que a última versão analisada ter sido concebida em 2018, passados cinco anos, com os avanços tecnológicos, principalmente, decorrente da pandemia. Foi então também considerado um novo documento, recentemente publicado pela União Europeia, que complementa o documento original em vigor.

Resultados

Documento Europeu

Conforme expresso no documento “Communication From The Commission To The European Parliament, The Council, The European Economic And Social Committee And The Committee Of The Regions”, referente ao Plano de Ação de Educação Digital, do dia 18/01/2018, atualizado em 18/04/2023, delinearam-se as políticas de educação digital em um roteiro abrangente para a Europa. O intuito foi capitalizar o potencial das tecnologias digitais na educação (EUROPEAN COMMISSION, 2018; EUROPEAN COMMISSION, 2023).

Um dos focos das políticas está em desenvolver uma infraestrutura robusta de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), ao mesmo tempo que capacita os estudantes com habilidades digitais fundamentais. O propósito desta iniciativa é garantir que todos os alunos, independentemente de seu perfil demográfico e socioeconômico, possam se beneficiar dos avanços da tecnologia na educação. Isso envolve melhorar o acesso à Infraestrutura de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e melhorar a conectividade à internet nas escolas. A EU (European Union) planeja publicar um estudo de referência para avaliar o progresso na integração das TIC na educação.

Outro foco importante está no desenvolvimento de habilidades digitais entre estudantes e professores. A capacitação dos professores é um componente essencial para a integração bem-sucedida da educação digital nos currículos existentes. O objetivo é equipar os educadores com as habilidades necessárias para usar efetivamente as ferramentas digitais no ensino e na aprendizagem, bem como para orientar os alunos na aquisição de competências digitais. Isto inclui a reformulação dos currículos para integrar mais aprendizagem digital e a atualização do Quadro de Competências Digitais (Digital Competence Framework).

A ênfase foca na utilização de tecnologias emergentes, como a inteligência artificial (IA) e a análise de big data que oferece novas oportunidades para capturar, analisar e usar dados para melhorar a educação. Essas tecnologias serão empregadas para melhorar a eficácia do ensino e da aprendizagem, por meio de iniciativas de aprendizagem personalizada que se adaptam às necessidades individuais dos alunos. Para garantir a eficácia dessas abordagens, serão realizados projetos piloto e programas de teste para avaliar diferentes estratégias de ensino digital.

A ciência aberta é fortalecida através do treinamento específico em instituições de ensino superior para todos os níveis (estudantes, pesquisadores, educadores). Esta medida indica o objetivo de tornar o processo de pesquisa científica mais inclusivo e transparente, permitindo um maior compartilhamento de conhecimento e colaboração entre a comunidade acadêmica e o público em geral. Isso pode acelerar o avanço científico e aumentar a confiança pública na ciência.

Em relação à escolarização aberta, a estratégia da EU se reflete na criação de uma plataforma europeia para o ensino superior digital e cooperação reforçada. Esta plataforma, apoiada pelo programa Erasmus +, pretende funcionar como um balcão único, oferecendo aprendizagem online, mobilidade mista, campus virtuais e intercâmbio de boas práticas entre instituições de ensino superior. Esta iniciativa sinaliza o compromisso da EU com a democratização da educação, tornando-a acessível a um público mais amplo, independentemente da localização geográfica.

Os educadores, que possuem um papel de destaque nas políticas, são encarregados de integrar a educação digital em suas práticas de ensino. Para ajudá-los nessa tarefa, as políticas preveem que eles recebam treinamento e suporte adequados para assumirem a responsabilidade de orientar os alunos na aquisição de competências digitais.

As políticas são aplicáveis em todos os tipos de instituições educacionais dentro da União Europeia. Isso inclui escolas primárias, escolas secundárias, universidades e centros de formação profissional. O objetivo é garantir que todos os estudantes, independentemente do nível de educação, tenham acesso à educação digital de qualidade. Há um foco particular nas áreas e grupos que estão em risco de serem deixados para trás na transformação digital. Isso inclui comunidades rurais e desfavorecidas, escolas com recursos limitados e grupos vulneráveis, como idosos e pessoas com deficiência. Ao mesmo tempo, um destaque especial é dado a áreas onde a educação digital pode ter um impacto significativo, como a formação de professores e a aprendizagem personalizada.

No documento mais recente (2021-2027), que estende o anterior, reconhece-se que a crise da Covid-19 teve um impacto significativo na educação e formação, acelerando a mudança e oferecendo oportunidades de aprendizagem. Durante a pandemia, o acesso maior à tecnologia no ensino e aprendizagem permitiu fortalecer a educação digital. A tecnologia é vista como um artefato importante para promover uma aprendizagem colaborativa e criativa, mais personalizada, flexível e centrada no aluno. Ela auxilia alunos e educadores na criação, construção e compartilhamento de conteúdo digital. Além disso, possibilita que a aprendizagem ocorra fora dos ambientes tradicionais, como salas de aula, conferências ou locais de trabalho, superando as limitações de localização física e calendário. A aprendizagem pode ser totalmente online ou em formato híbrido (presencial e online), adaptando-se às necessidades de cada aluno em termos de momento, local e ritmo. Esse documento destaca a importância do domínio sólido e científico do mundo digital. O documento destaca duas áreas prioritárias: 1. Promover o desenvolvimento de um ecossistema de educação digital altamente eficaz; 2. Reforçar as competências e aptidões digitais para a transformação digital.

Documento brasileiro

Em 11 de janeiro de 2023, o Governo do Brasil (BRASIL, 2023) promulgou a Lei nº 14.533 para instituir a Política Nacional de Educação Digital (PNED), uma estratégia para melhorar as políticas públicas que promovem o acesso dos brasileiros aos recursos, ferramentas e práticas digitais, articulada em parceria com diversos setores da sociedade e visando a inclusão de todos os cidadãos. Esta legislação surge em resposta ao desafio de que muitos estudantes e educadores ainda não têm as competências digitais necessárias para maximizar o potencial das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), e/ou um acesso adequado. Num contexto em que a tecnologia se torna cada vez mais onipresente, é vital que tanto estudantes quanto educadores tenham acesso adequado a essas ferramentas, sendo capazes de utilizar de forma ética, eficiente e socialmente responsável, aprimorando o processo de ensino e aprendizagem. Portanto, a PNDE busca resolver problemas em 4 eixos a saber:

  • a) Inclusão digital: tornar as TICs acessíveis para todos, com maior equidade digital, eliminando barreiras socioeconômica e geopolíticas existentes, de forma que todos possam se beneficiar das oportunidades oferecidas pelas TICs.

  • b) Educação digital escolar: zelar pela presença da educação digital em todos os ambientes escolares e em todos os níveis e modalidades de ensino, promovendo o letramento digital entre estudantes e educadores, o que envolve o desenvolvimento de competências necessárias para uso efetivo das TICs para fins educacionais, permitindo maior autonomia e qualidade na construção do saber.

  • c) Capacitação e especialização digital: Capacitar os educadores com as competências requeridas para integrar efetivamente as TICs em sua prática de ensino, o que envolve a identificação de competências digitais necessárias para a empregabilidade, e a promoção de ações para formação de professores, em oficinas práticas que consiga idealizar e dar vida às novas experiências acadêmicas digitais.

  • d) Pesquisa e desenvolvimento em Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs): Incentivar a pesquisa e o desenvolvimento em TICs, particularmente aquelas que podem ser aplicadas no contexto educacional, pois é essencial para a educação estar em sintonia com os últimos avanços tecnológicos e desenvolver continuamente novas abordagens para a aprendizagem digital.

A PNED demandará colaboração e esforços coordenados de vários atores. Primeiramente, os estudantes e educadores, principais beneficiários, necessitarão se adequar às novas práticas digitais de ensino e aprendizagem. As instituições de ensino terão o papel de incorporar essa política em suas operações diárias, o que pode incluir a implementação de novas tecnologias, a organização de treinamentos para educadores e a promoção do letramento digital entre os estudantes.

O governo em diferentes esferas (federal, distrital, estadual e municipal) será responsável por prover o financiamento necessário para a implementação dessa política, além de supervisionar e avaliar seu progresso. A indústria de TICs será fundamental no fornecimento de tecnologias e condução de pesquisas e desenvolvimentos na área, além de formar parcerias com instituições de ensino e governo.

A aplicação desta lei ocorrerá em todo o Brasil e em todos os níveis educacionais. Haverá um foco especial nos grupos que têm atualmente menos acesso às TICs, incluindo indivíduos de classes menos favorecidas, habitantes de áreas rurais e remotas, e grupos marginalizados, como os pobres, idosos e deficientes.

Para financiar a implementação da PNED, recursos necessitam vir de várias fontes, incluindo todos os níveis da administração pública e da iniciativa privada. A gestão eficaz desses recursos exigirá monitoramento e avaliação contínuos, assegurando seu uso eficiente e adaptando a alocação de recursos, conforme lições aprendidas.

Comparativos entre a versão brasileira e a europeia

As informações cruciais dos documentos, tanto na versão brasileira (BR) quanto na europeia (EU), são evidenciadas e comparadas nos quadros a seguir (Tabelas 1, 2, 3 e 4). Adicionalmente, esses quadros destacam elementos complementares provenientes do documento europeu mais atualizado, datado de 18 de abril de 2023, intitulado 'Plano de Ação para a Educação Digital 2021-2027.

Tabela 1 Quadro comparativo: tema inclusão digital 

Políticas BR EU
1. Promoção de competências digitais e informacionais, sensibilização de sua relevância e promoção de instrumentos on-line de autodiagnóstico, identificando pontos fortes e lacunas digitais, técnicas e pedagógicas x x
2. Treinamento de competências digitais, midiáticas e informacionais, promoção de processos de certificação em competências digitais e atualização das competências (incluindo IA - Inteligência Artificial). x x
3. Facilitação do desenvolvimento e acesso a plataformas e repositórios de recursos digitais x x
4. Implantação e integração de infraestrutura de conectividade para fins educacionais: universalização da conectividade nas escolas com equipamentos e acesso à internet com qualidade x x
5. Lidar com a lacuna de conectividade no que diz respeito à adoção de banda larga de capacidade muito elevada em todas as escolas, apoiando iniciativas tais como Connectivity4Schools x
6. Implantação e fomento ao ecossistema de conteúdo educacional digital. Promoção da literacia digital e do combate a desinformação através da educação e da formação. x x
7. Promoção de política de dados, incluindo acesso móvel para professores e estudantes. x

Fonte: PNED (BRASIL, 2023), Plano de Educação Digital (EUROPEAN COMMISSION, 2018; EUROPEAN COMMISSION, 2023).

Tabela 2 Quadro comparativo: tema educação digital escolar 

Políticas BR EU
1. Desenvolvimento de competências digitais para alunos da educação básica para uma atuação responsável na sociedade conectada e nos ambientes digitais e online com estímulo ao interesse nas carreiras de inovação. x x
2. Promoção de projetos e práticas pedagógicas, programação, ética aplicada ao ambiente digital, letramento midiático e cidadania na era digital. x x
3. Adoção de critérios de acessibilidade, com atenção especial à inclusão de estudantes com deficiência incluindo alunos de grupos desfavorecidos x x
4. Diagnóstico e monitoramento das condições de acesso à internet nas redes de ensino. x x
5. Lidar com a lacuna de conectividade entre os Estados-Membros da EU no que diz respeito à adoção de banda larga de capacidade muito elevada x
6. Criação de uma plataforma para o ensino superior digital e cooperação reforçada. x
7. Fortalecimento da ciência aberta e da ciência cidadã na Europa incluindo
Inteligência artificial e formação envolvendo 45% de mulheres
x
8. Levar aulas de codificação a todas as escolas da Europa. x
9. Enfrentar os desafios da transformação digital por meio de uma campanha de sensibilização para segurança online, e literacia mediática. x
10. Apoiar medidas para diminuir a diferença de gênero no setor de tecnologia e empreendedorismo e, combater os estereótipos de gênero. x
11.Promoção de cursos de extensão, graduação e pós-graduação em competências digitais aplicadas à indústria, em colaboração com outros setores x
12. Incentivo a parcerias de cooperação, envolvendo o ensino superior, a educação não formal, bem como a investigação industrial e educativa x x
13. Promoção da formação de professores em competências digitais para cidadania digital e uso de tecnologia, nas várias áreas de formação. x x
14.Promoção de tecnologias digitais como ferramenta e conteúdo programático dos cursos de formação continuada de gestores e profissionais da educação x

Fonte: PNED (BRASIL, 2023), Plano de Educação Digital (EUROPEAN COMMISSION, 2018; EUROPEAN COMMISSION, 2023).

Tabela 3 Quadro comparativo: tema capacitação e especialização digital 

Políticas BR EU
1. Identificação das competências digitais necessárias para empregabilidade e a formação de competências digitais na educação e carreira profissional x x
2. Implementação de cursos relacionados a competências digitais, tanto na educação profissional quanto na educação superior. x x
3. Compilação e divulgação de dados e informações para analisar e antecipar competências emergentes no mundo do trabalho. x x
4. Fortalecimento e ampliação da rede de cursos de mestrado e programas de doutorado especializados em competências digitais. x x
5. Consolidação de redes de centros de treinamentos e laboratórios que ministram formação em competências digitais em espaços diversos. x x
6. Promoção de formação de professores com foco em fundamentos da computação e tecnologias emergentes e inovadoras. x x
7. Estímulo à criação de bootcamps e promover a literacia digital e combater a desinformação através da educação e da formação x x
8. Criação de repositório de boas práticas de ensino e aprendizagem. x x

Fonte: PNED (BRASIL, 2023), Plano de Educação Digital (EUROPEAN COMMISSION, 2018; EUROPEAN COMMISSION, 2023).

Tabela 4 Quadro comparativo: tema pesquisa e desenvolvimento em tecnologias da informação e comunicação 

Políticas BR EU
1. Incentivo à pesquisa científica, tecnológica e de inovação para TICs acessíveis e inclusivas. x x
2. Promoção de parcerias entre diferentes instituições, nacionais e internacionais, para impulsionar o surgimento de novas tecnologias e aplicações voltadas para a inclusão digital (científica). x x
3. Incentivo à geração, organização e compartilhamento de conhecimento científico de forma livre, colaborativa, transparente e sustentável (ciência aberta). x x
4. Compartilhamento de recursos digitais entre instituições científicas, tecnológicas e de inovação e boas práticas com tecnologias emergentes. x x
5. Criação de estratégia para formação e requalificação de docentes em TICs e tecnologias habilitadoras. x

Fonte: PNED (BRASIL, 2023), Plano de Educação Digital (EUROPEAN COMMISSION, 2018; EUROPEAN COMMISSION, 2023).

Caso prático 1: Escolarização aberta para parcerias entre comunidade e escola

O programa "Inquiry Mapping with design thinking to develop a school community’s agenda for the sustainable development of the Village of Tupé” (CONNECT-SCIENCE, 2023b), lançado pelos colaboradores do projeto CONNECT, buscou apoiar a cocriação de uma agenda diagnóstica para um plano de ação comunitário junto à Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé. Esta reserva é composta por cinco comunidades: Livramento, Julião, Agrovila, Tatulândia, Central e São João do Tupé, que são atendidas por uma única escola municipal de ensino fundamental situada na comunidade ribeirinha de São João, onde grande parte das atividades de pesquisa foram realizadas.

Trata-se de prática de escolarização aberta, realizada entre 01/10/2022 e 30/11/2022, por diversos representantes do projeto CONNECT, incluindo a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Centro Universitário de Brasília (CEUB), Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB), APAN, ONG Anjos Digitais, IRAMA, REDA, Ação Contra Fome e Fama Soluções. Contou com o envolvimento direto de 10 integrantes do CONNECT (especialistas de várias áreas, incluindo ciência da computação, psicologia comunitária, política educacional e varejo, que juntos proporcionaram um ambiente multifacetado de aprendizado) e mais 15 membros da comunidade local, incluindo adultos e crianças, de 2 a 15 anos. A iniciativa percorreu um trajeto colaborativo visando um desenvolvimento sustentável, inclusivo e educacional.

Os resultados da escolarização aberta permitiu a comunidade mapear vários desafios para incluir na agenda: falta de professores ou alta rotatividade, ausência em sala de aula diante de dificuldades no acesso à saúde, problemas ambientais e climáticos que dificultam o acesso à escola, evasão de alunos, alta rotatividade de professores, inexistência de instituição de ensino médio regular na comunidade, até dificuldades relacionadas à infraestrutura e tecnologia que atrapalham o rendimento escolar (necessidades inerentes à refrigeração e ventilação adequada, sinal de internet com qualidade, iluminação adequada, retomada do transporte fluvial para locomoção dos estudantes, dentre outros). Em meio aos desafios, foram identificadas oportunidades importantes, como o desenvolvimento do ecoturismo, a produção de produtos locais sustentáveis para uso na merenda, a utilização de energia alternativa e a expansão da escolarização aberta.

Ao longo da iniciativa de aplicação prática de escolarização aberta, foram realizadas várias atividades como entrevistas individuais de diagnóstico, dinâmicas conversacionais individuais e em grupo, além de visitas locais. As conversações permitiram um diálogo dinâmico e autêntico entre os participantes, permitindo a expressão de sentimentos, percepções e experiências pessoais.

A dinâmica conversacional em grupo realizado no espaço social da escola e durante as visitas locais revelou-se um poderoso instrumento na detecção das necessidades da comunidade e na proposição de soluções viáveis. Inspirado na metodologia ativa do Design Thinking, o grupo CONNECT estimulou um diálogo colaborativo entre estudantes, professores, pais, membros da comunidade e pesquisadores da área de educação. Esta dinâmica almejou a geração de soluções para problemas escolares e comunitários, ancorada na reflexão coletiva. O principal desafio foi incentivar a concepção de soluções futuras para a escolarização, especialmente relativas ao espaço de sala de aula.

Os participantes foram motivados a questionar modelos educacionais atuais e a idealizar um protótipo de sala de aula do futuro. As crianças alternaram entre as atividades digitais e artísticas, mesmo com a internet instável, criando desenhos que representavam soluções para os problemas discutidos. A prática de escolarização aberta gerou um impacto significativo na comunidade, fomentando discussões, com a identificação de problemas e oportunidades locais, além da co-criação de soluções. Segundo Campolina (2012), no processo inovador ocorrem mudanças de ordem histórico-subjetivas que configuram o contexto tornando-o favorável a inovação.

Com base na teoria da subjetividade de González Rey (MITJÁNS MARTÍNEZ; GONZÁLEZ REY, 2017), o modelo teórico, que foi construído a partir da epistemologia qualitativa e do método construtivo interpretativo, permitiu à equipe de pesquisa identificar a emergência de sentidos subjetivos de pertencimento e união entre os integrantes do grupo, com a finalidade de lutar por objetivos sustentáveis comuns. A configuração subjetiva individual manifestada pelos participantes demonstrou a motivação pessoal para aprender, inovar e transformar, enquanto a configuração subjetiva social ressaltou o empoderamento coletivo na luta por interesses comuns para o desenvolvimento sustentável.

A iniciativa também teve um impacto significativo na abordagem da educação formal na região. O conceito de escolarização aberta, que se baseia na ideia de que a aprendizagem não deve estar restrita ao ambiente escolar e deve envolver a comunidade mais ampla, foi bem recebida. Acredita-se que a prática pode ser reutilizada e adaptada em outros programas e projetos comunitários, potencialmente criando um impacto positivo, seja no Brasil ou em outras partes do mundo.

Caso prático 2: Escolarização aberta para proteção da vida e biodiversidade

Em 2023, seis estudantes do sexo feminino, sendo quatro de nacionalidade britânica e duas de nacionalidade brasileira, todas residentes no Reino Unido, com idade entre 12 e 15 anos, duas mães, um educador e um pesquisador se uniram para explorar a biodiversidade, a proteção do meio ambiente e dos povos originários indígenas. O estudo, fora do currículo escolar, desafiou os estudantes a pesquisarem nas plataformas digitais o conhecimento sobre a proteção da Amazônia, em especial, a preservação da floresta e da comunidade indígena Yanomami, ameaçados pela exploração ilegal de metais preciosos em reservas ambientes (garimpo de ouro).

A metodologia seguiu o DigComp Framework (EUROPEAN COMMISSION, 2023), abrangendo áreas como alfabetização informacional, comunicação e colaboração, criação de conteúdo digital, segurança e resolução de problemas.

As técnicas pedagógicas adotadas apoiadas no modelo pedagógico CARE-KNOW-DO (importar-se/cuidar; conhecer/saber; fazer/agir) incluíam a Aprendizagem Baseada em Inquérito (IBL), na Web (WBL), em Inteligência Artificial (IABL), em Projetos (PBL) e na construção de mapas conceituais investigativos. Tais técnicas enfatizam a autonomia do aprendiz, a compreensão aprofundada e a aplicação prática do conhecimento (OKADA; SHERBORNE, 2018), (OKADA; GRAY, 2023), (OKADA et al., 2023).

Os alunos eram centrais no processo, explorando tópicos, cooperando em projetos e personalizando a aprendizagem por meio da tecnologia. A aprendizagem ligava-se a desafios da vida real, valorizando o pensamento crítico e colaboração, além de aumentar o engajamento dos alunos. As descobertas foram compiladas em um repositório digital, com cada nova informação conduzindo a uma resposta parcial à questão proposta, promovendo um ambiente colaborativo.

Ao final do projeto, criaram um mapa conceitual investigativo "Protecting Life in Amazon", que incluiu desenhos feitos pelos alunos, fotografias de celulares com textos e imagens elucidativas, além das perguntas formuladas pelos participantes. Essas indagações incluíam: "Podemos proteger a floresta e os animais?", "Quais seres estão em perigo?", "O que ocorreu com os Yanomamis?", "Quais podem ser as consequências para a Terra sem a floresta Amazônica e seus povos?", "Onde posso encontrar relatórios sobre terras indígenas?", "Como a sabedoria dos nativos pode ser valorizada?", "Como alunos e cientistas, tanto no Brasil quanto no Reino Unido, poderíamos proteger a Amazônia?", "Quais são as questões climáticas presentes na Amazônia?" e "Como a ciência e a tecnologia podem nos auxiliar?" Esta abordagem permitiu não apenas uma absorção eficaz do conhecimento, mas também a construção de um espaço educativo colaborativo e questionador.

A aquisição de conhecimento sobre a Amazônia, sua biodiversidade, cultura indígena e impacto climático, é de grande relevância na escolarização aberta de crianças e adolescentes europeus. Este conhecimento fortalece a cidadania global, promove a valorização da diversidade cultural, incentiva o pensamento crítico e conscientiza sobre a influência dos próprios países nas políticas ambientais globais. Além disso, permite uma abordagem de aprendizado interdisciplinar, desenvolvendo habilidades cruciais para enfrentar os desafios complexos de nosso mundo globalizado. Portanto, estudar com propósito (Amazônia e de seus povos) é uma ferramenta pedagógica poderosa para preparar os jovens para um futuro sustentável e interconectado.

O grupo de participantes da prática foi convidado a apresentar o trabalho no fórum verde, em 28 de março de 2023, na Open University (UK), para a Comunidade Europeia e Países.

Discussão

A partir da comparação entre as políticas, trazemos alguns pontos relevantes para discussão. Um ponto forte das políticas europeias consiste na cooperação entre as nações que compõe a União Europeia (EU), sendo a cooperação um elemento crucial para a implementação bem-sucedida dessas políticas. O compartilhamento de melhores práticas e a colaboração para enfrentar desafios que ultrapassam as fronteiras nacionais serão incentivados. Este esforço conjunto permitirá que os países aprendam uns com os outros e desenvolvam estratégias eficazes para superar os obstáculos à digitalização da educação, o que permite o desenvolvimento de projetos, acordos de cooperação técnicas e investimentos mais robustos.

A estratégia da EU traz a segurança com mais evidência e importância, ao enfatizar a importância de abordar os desafios da transformação digital por meio de campanha de sensibilização e iniciativas de ensino de segurança online, higiene cibernética, literacia mediática e formação crítica para uso da inteligência artificial. Essas ações visam garantir que os indivíduos estejam equipados com as habilidades e o conhecimento necessários para navegar no mundo digital de forma segura, responsável e científica-inovadora.

Outro ponto que a estratégia da EU procura destacar é a questão da diversidade de uma forma mais ampla, ao enfatizar o objetivo de diminuir a diferença de gênero no setor de tecnologia e empreendedorismo, promovendo competências digitais e empreendedoras entre as pessoas de gênero feminino. Essas medidas visam criar um ambiente mais inclusivo e igualitário, incentivando o público feminino a se envolverem ativamente no campo da tecnologia e a aproveitar as oportunidades oferecidas pela economia digital em expansão.

Paralelamente, o Brasil tem empreendido esforços para tornar as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) acessíveis e inclusivas para todos, apoiado por sua vasta experiência e conhecimento na infraestrutura de TICs. Tecnologias VSAT movidas a energia solar, redes de fibra óptica, e o reforço da conectividade da internet com investimentos em tecnologia 5G para centros urbanos, capital humano e promoção da integração digital são aspectos importantes desse processo que o Brasil vem trabalhando, mas precisa acelerar. A PNED - Política Nacional para Educação Digital (BRASIL, 2023) é um componente vital, com foco em garantir os recursos necessários para acesso à internet de alta velocidade para todas as instituições públicas de educação, crucial para uma efetiva implementação da educação e inclusão digital. Conhecer as características e especificidades de cada local e as necessidades dos usuários das escolas para a inteligência das estratégias de alocação de recursos é fundamental. Para tanto, faz-se necessário para o Brasil investir em soluções de Big Data e Analytics, além de investimentos robustos em segurança cibernética.

A PNED enfrenta desafios significativos devido à vasta extensão territorial do Brasil e as dificuldades de infraestrutura associadas demandam maiores investimentos para fornecer sinal de internet de qualidade. Além disso, a alocação ineficiente e insuficiente de recursos em todo o país no orçamento pelo Congresso Nacional e a demora no processo entre a especificação e a instalação de recursos de TIC nas escolas, conjugado com a rápida obsolescência tecnológica são questões prementes de solução.

A PNED inclui a execução de projetos para o desenvolvimento de competências digitais e a incorporação de métodos inovadores de ensino. É crucial também aprimorar habilidades digitais em jovens e adultos. Estes são vitais para um ambiente de trabalho cada vez mais tecnológico e abrem novas oportunidades de emprego e carreira. No entanto, a falta de habilidades digitais básicas entre uma parcela significativa da população pode retardar a implementação dessa política e ampliar a divisão digital. O desenvolvimento dessas habilidades por parte desses jovens pode abrir novas oportunidades de carreira e possibilitar a participação plena na economia digital verde (para sustentabilidade). No entanto, a rápida evolução da tecnologia pode tornar essas habilidades digitais obsoletas rapidamente, exigindo uma atualização e treinamento contínuos.

A PNED salienta o desenvolvimento de competências aos profissionais das instituições de ensino, com programas de treinamento voltado aos gestores e professores para uma integração eficaz das TICs na educação. Além da necessidade de atualização contínua diante da evolução tecnológica, os desafios aqui incluem a falta de professores nas escolas e a falta de tempo dentro da sua jornada para participarem de programas de treinamento.

A PNED busca estimular a geração, organização e compartilhamento de conhecimento científico de maneira livre, colaborativa, transparente e sustentável, bem como promover a pesquisa e inovação em TICs, incentivando o compartilhamento de recursos digitais e a ciência aberta, incluindo a colaboração com Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs). Porém, o financiamento limitado e as barreiras burocráticas podem dificultar o progresso. A lei também contempla parcerias internacionais, trazendo avanços acelerados em TICs e melhorando a posição global do Brasil em termos de inovação.

É imperativo garantir uma avaliação eficaz e estabelecer metas claras para as políticas. A falta de parâmetros e indicadores claros para a avaliação da educação digital pode levar a inconsistências e dificultar a implementação efetiva da política de educação digital e a alocação eficiente de recursos. Superar esses desafios é fundamental para o sucesso da Política Nacional para a Educação Digital. Modelos de financiamento sustentáveis, ativando interesses mútuos, podem levar a um investimento significativo na qualidade da educação.

Para financiar essas ações, a lei prevê a utilização de diferentes fontes de recursos, como dotações orçamentárias, doações, acordos internacionais e parcerias público-privadas. Entretanto, a dependência de financiamento externo e a falta de um orçamento sustentável podem restringir a disponibilidade de recursos.

Portanto, superar esses desafios será decisivo para assegurar o sucesso da PNED. Com a superação desses obstáculos, o Brasil estará melhor posicionado para aproveitar ao máximo as oportunidades que as TICs oferecem, permitindo um avanço significativo na inclusão digital e na qualidade da educação.

O projeto de escolarização aberta Caso Prático 1 - que versa sobre a escolarização aberta na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé - é um bom exemplo para compreender a potência que tem as políticas de educação digital no Brasil. Ele integra a comunidade no processo educativo, abordando os obstáculos de infraestrutura e acesso que a política busca superar. A iniciativa promoveu a inclusão digital como meio de fortalecer a comunidade e fomentar o desenvolvimento sustentável. A participação dos estudantes e da comunidade na identificação de problemas e na co-criação de soluções ilustra a visão de uma educação ativa e engajadora que a política de educação digital pretende promover. O impacto da iniciativa, a aceitação da escolarização aberta, e sua potencial aplicabilidade em outros projetos comunitários demonstram a eficácia e relevância da PNED - Política Nacional de Educação Digital, sugerindo sua contribuição para o desenvolvimento sustentável e inclusão digital em comunidades diversas.

A prática de escolarização aberta Caso Prático 2 - que versa sobre a escolarização aberta por meio de pesquisa sobre a proteção da floresta e dos povos originários indígenas (seus guardiões) é um bom exemplo para compreender a potência do plano de ação de educação digital na União Europeia. Observa-se o desenvolvimento de competências digitais pelos estudantes, a inclusão digital dos adultos, a alfabetização na busca informacional e de dados, a comunicação e colaboração, a criação de conteúdo digital, os cuidados com a segurança e a resolução de problemas. As abordagens pedagógicas adotadas, incluindo aprendizagem baseada em inquérito, na web, em inteligência artificial, em projetos e a construção de mapas conceituais, estimularam o pensamento crítico, a colaboração e a autonomia dos estudantes. A sensibilização dos estudantes para questões sociais e ambientais, como a proteção de povos originários (Yanomami) e a preservação ambiental (Amazônia), está alinhada à visão da União Europeia de promover a cidadania global. A prática também incentivou a colaboração e o compartilhamento de descobertas, perguntas e reflexões entre os estudantes, promovendo o aprendizado interdisciplinar e o desenvolvimento de habilidades digitais necessárias para enfrentar os desafios globais. A apresentação do trabalho das estudantes em um fórum na Open University (UK) demonstra a importância de compartilhar os resultados de projetos educacionais e promover a troca de conhecimento entre diferentes regiões e países. Em suma, a prática exemplifica as conexões entre a escolarização aberta e o Plano de Ação de Educação Digital da União Europeia, fomentando competências digitais, engajamento dos estudantes, consciência ambiental e cidadania global.

Consideraçôes finais

Este estudo realça a relevância de três elementos-chave na promoção de habilidades digitais e científicas para a sustentabilidade global.

Inicialmente, são vitais as oportunidades educacionais que integram abordagens sócio científicas, as quais impulsionam uma compreensão contextualizada dos fenômenos digitais e científicos. A ciência e a tecnologia participativas, como design-thinking e inquiry mapping, combinadas a ambientes híbridos com tecnologias em nuvem e inteligência artificial, formam a segunda esfera fundamental, proporcionando uma base inovadora para a solução de problemas e a tomada de decisões. Parcerias locais e globais são indispensáveis, formando o terceiro elemento, ao catalisar a troca de conhecimento e práticas avançadas, além de unir perspectivas globais aos desafios locais.

Esses três elementos, juntos, fornecem um poderoso vetor para um futuro sustentável por meio da educação digital e científica. Novos estudos devem ser conduzidos, alinhando políticas educacionais digitais à prática, e avaliando estratégias de implementação em níveis macro e micro locais. O envolvimento de todos é crucial para garantir que as políticas se traduzam efetivamente em ações, moldando uma realidade educacional digital sustentável.

Agradecimentos

O presente trabalho foi desenvolvido com apoio da CAPES- Agência governamental, vinculada ao Ministério da Educação e Cultura (MEC), com resultados parciais de pesquisa de mestrado realizada sob a responsabilidade do segundo autor, sob orientação da terceira autora - Código de Financiamento 001. O estudo faz parte também do projeto CONNECT coordenado pela primeira autora financiado pela European Union’s Horizon 2020 Research and Innovation Programme no. 872814.

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Recebido: 13 de Junho de 2023; Aceito: 26 de Junho de 2023

Editora: Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista

Editora: Profa. Dra. Marcia Fusaro

Editores Convidados - Dossiê 65: Profa. Dra. Adriana Aparecida de Lima Terçariol, Prof. Dr. Carlos Bauer, Prof. Dr. Celso Carvalho, Profa. Dra. Rosemary Roggero

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