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Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.66 São Paulo jul./sept 2023  Epub 19-Feb-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n66.22660 

Artigos

FORMAÇÃO POLICIAL NA ACADEPOL/SC: VESTÍGIOS DA HISTÓRIA E IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS

POLICE TRAINING IN ACADEPOL/SC: TRACES OF HISTORY AND EDUCATIONAL IMPLICATIONS

FORMACIÓN POLICIAL EN ACADEPOL/SC: HUELLAS DE HISTORIA E IMPLICACIONES EDUCATIVAS

Maria Aparecida Casagrande, Mestra em Educação1 
http://orcid.org/0000-0002-8758-674X

Giani Rabelo, Doutora em Educação2 
http://orcid.org/0000-0002-3304-8268

1Mestra em Educação, Academia de Polícia Civil de Santa Catarina - ACADEPOL, Florianópolis, Santa Catarina - Brasil.

2Doutora em Educação, Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC, Criciúma, Santa Catarina - Brasil.


Resumo

O presente artigo propõe contextualizar, historicamente, a formação policial na Academia de Polícia Civil de Santa Catarina, trazendo para a análise a continuação de uma pesquisa de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), em 2013, sobre as primeiras mulheres policiais em formação e atuação profissional na Academia de Polícia Civil de Santa Catarina. O texto se dedicou a analisar a história da Escola de Polícia e algumas implicações formativas ao longo dos anos. A construção metodológica se circunscreve como pesquisa qualitativa, utilizando a análise de documentos do acervo da ACADEPOL/SC, oportunizando um entendimento direcionado à Polícia Civil do Estado de Santa Catarina e à compreensão da dinâmica das instituições de segurança pública, bem como entender o processo de formação na atualidade desses profissionais, com base na Matriz Curricular Nacional (MCN). Trata-se também de um estudo bibliográfico, o qual foi construído com base nos escritos de Foucault (2008), Nóvoa (1995, 2019) e Poncioni (2005), além de outros autores. O estudo tem relevância na área de ensino na Segurança Pública, uma vez que a contextualização histórica das instituições de ensino, mais especificamente das instituições que formam profissionais de segurança, contribui para a compreensão e a interpretação dos processos sociais e educacionais construídos e presentes no curso de formação policial.

Palavras-chave ACADEPOL/SC; formação policial; história; polícia civil.

Abstract

The present article proposes to contextualize, historically, the police training at the Civil Police Academy of Santa Catarina, bringing to analysis the continuation of a master's research defended in the Postgraduate Program in Education of the University of the extreme south of Santa Catarina (UNESC), in 2013, about the first female police officers in training and professional practice at the Civil Police Academy of Santa Catarina. The text was dedicated to analyzing the history of the Police School and some formative implications over the years. The methodological construction is limited to a qualitative research using the analysis of documents from the ACADEPOL/SC collection, providing an understanding directed to the Civil Police of the State of Santa Catarina and the understanding of the dynamics of public security institutions, as well as understanding the process of current training of these professionals, based on the National Curriculum Matrix (MCN). It is also a bibliographic study, which was built based on the writings of Foucault (2008), Nóvoa (1995, 2019) and Poncioni (2005), in addition to other authors. The study is relevant in the area of education in Public Security, since the historical contextualization of educational institutions, more specifically of institutions that train security professionals, contribute to the understanding and interpretation of the social and educational processes built and present in the course of police training.

Keywords Acadepol/SC; police training; story; civil police.

Resumen

El presente artículo se propone contextualizar, históricamente, la formación policial en la Academia de Policía Civil de Santa Catarina, trayendo para el análisis la continuación de una investigación de maestría defendida en el Programa de Posgrado en Educación de la Universidad del extremo sur de Santa Catarina (UNESC), en 2013, sobre las primeras mujeres policías en formación y ejercicio profesional en la Academia de Policía Civil de Santa Catarina. El texto estuvo dedicado a analizar la historia de la Escuela de Policía y algunas implicaciones formativas a lo largo de los años. La construcción metodológica se limita a una investigación cualitativa utilizando el análisis de documentos de la colección ACADEPOL/SC, proporcionando una comprensión dirigida a la Policía Civil del Estado de Santa Catarina y la comprensión de la dinámica de las instituciones de seguridad pública, así como la comprensión el proceso de formación actual de estos profesionales, con base en la Matriz Curricular Nacional (MCN). También es un estudio bibliográfico, que se construyó a partir de los escritos de Foucault (2008), Nóvoa (1995, 2019) y Poncioni (2005), además de otros autores. El estudio es relevante en el área de la educación en Seguridad Pública, ya que la contextualización histórica de las instituciones educativas, más específicamente de las instituciones que forman profesionales de la seguridad, contribuyen a la comprensión e interpretación de los procesos sociales y educativos construidos y presentes en el curso de formación policial.

Palabras clave ACADEPOL/SC; formación policial; historia; policía civil.

1 Introdução

A academia de polícia é tomada no âmbito educacional e compreendida como parte do conjunto das instituições responsáveis pela produção, sistematização e transmissão de saberes e práticas, que têm uma cultura própria, carregada de historicidade. Isso implica considerar que, na formação policial, a construção dos conhecimentos produzidos pelos/as e para os/as policiais deve ser entendida, pedagogicamente, não como um mero domínio de habilidades e competências, mas como formas significativas de organização e produção do conhecimento, permeadas por questões históricas, políticas e culturais.

Nesse sentido, o presente texto se propõe a contextualizar a formação de policiais civis em Santa Catarina, discorrendo sobre a história da Escola de Polícia, criada em 1964, que, posteriormente, em 1974, recebeu a denominação de Academia de Polícia Civil de Santa Catarina (ACADEPOL/SC), a qual permanece até os dias atuais.

Na perspectiva histórica, o processo de estruturação da polícia é conhecido por diversos aspectos organizados a partir das contribuições de alguns/algumas autores/as, dentre eles/as Foucault (2008), que traça considerações sobre as forças policiais na sociedade moderna e o seu papel na manutenção da ordem social, bem como tem amparo nos estudos de Nóvoa (1995, 2019) e Poncioni (2005), os quais tratam da construção da identidade profissional no âmbito docente e discente, além da consulta aos documentos históricos e atuais que dão suporte aos processos educacionais da ACADEPOL/SC.

Nesse viés, a busca de documentos históricos nos acervos da ACADEPOL/SC, realizada neste estudo, oportuniza um entendimento mais direcionado à Polícia Civil do Estado de Santa Catarina e à compreensão da dinâmica das instituições de segurança pública dos diversos sistemas existentes, bem como entender o processo de formação na atualidade desses profissionais, com base na Matriz Curricular Nacional (MCN)1, documento que norteia o ensino policial e objetiva orientar as ações formativas dos profissionais de segurança pública de todas as corporações do Brasil.

Assim, o presente artigo se divide em momentos. No primeiro, trataremos do processo histórico da Polícia Civil no contexto nacional, trazendo brevemente a história dessa instituição de ensino policial. Seguimos com a estruturação atual da ACADEPOL e, por fim, com a formação policial na ACADEPOL e as implicações educacionais.

2 A polícia civil no contexto histórico

A polícia e as suas atividades profissionais constituem fenômenos das sociedades modernas. Analisada dentro de uma perspectiva histórica, ela foi se constituindo e se fortalecendo em diferentes contextos, sendo guiada pelas estruturas do Estado Moderno, regulando, assim, a manutenção da ordem pública e a garantias das leis.

Para Foucault (2008), o surgimento da polícia está vinculado à emergência do Estado Nação, a partir do século XVIII. O autor resume a polícia desse século atrelada ao papel de auxiliar a justiça na busca dos criminosos, bem como de ser instrumento para o controle político dos complôs, dos movimentos de oposição e das revoltas, tendo, portanto, uma função disciplinar.

No Brasil, a polícia apresenta diferenças em relação às polícias de outros países. Como exemplo tem-se a separação entre as atividades da Polícia Ostensiva, mais conhecida como Polícia Militar, e Polícia Judiciária, ou seja, a Polícia Civil.

Ao longo do processo histórico, muitas mudanças foram sendo incorporadas ao modelo inicial. Alterações nas leis e discussões acerca do papel do Estado na sociedade moderna permitiram que as polícias fossem redefinindo o seu sentido perante a população, bem como atualizando suas relações de trabalho.

No caso específico da Polícia Civil, até o final da década de 1980, a instituição representava o papel de polícia política do Estado. Pode-se dizer que atuava como garantidora da hegemonia estatal em detrimento dos direitos e das garantias individuais dos/as brasileiros/as. A partir de 1988, com a nova Constituição Federal e com a queda do regime civil militar, o papel da Polícia Civil foi reeditado e ela passou a ter como função primordial a garantia dos direitos individuais dos cidadãos e das cidadãs.

Os registros documentais da trajetória da polícia em Santa Catarina são do século passado e os eleitos para esta pesquisa se encontravam na ACADEPOL/SC. Um dos documentos encontrados no acervo da ACADEPOL/SC aponta para a nomeação dos cargos policiais do Estado. Datado de 2 de janeiro de 1892, o referido documento (Figura 1) informa que a Junta Governativa Provisória do Estado de Santa Catarina nomeia Rozembo José Rebello para exercer o cargo de Subcomissário de Polícia da Villa Camburiu2.

Fonte: Acervo da ACADEPOL (2012).

Figura 1 Nomeação de Rozembo José Rabello (02/01/1892) 

Em 1914, a Lei nº 1.011, editada pelo então Governador Felipe Schmidt, determinou que o município de Florianópolis constituísse uma Delegacia, com tantas subdelegacias quantas o Poder Executivo julgasse necessárias.

A Secretaria de Segurança Pública, por sua vez, segundo Genovez (2001 apudForcellini, 2003), fora criada pela Lei nº 12, de novembro de 1935, pelo Interventor Federal do Estado, Nereu Ramos3. O termo Segurança Pública já era utilizado desde o século XIX, no entanto, sem definir órgão ou secretaria, apenas para especificar função, serviço ou atividade.

A Escola de Polícia, criada pela Lei no 3.247, de 9 de maio de 1964, somente iniciou suas atividades em 1967, quando o Secretário de Segurança Pública encaminhou o Ofício nº 193/GEF (28/07/1967) ao então Governador do Estado, Ivo Silveira, propondo um projeto de lei com alterações na funcionalidade do processo de seleção para os futuros policiais. O mesmo ofício também explanou sobre essa necessidade, conforme o seguinte excerto:

De fato, sem a triagem inicial do concurso, sem seletividade que o aproveitasse segundo sua capacidade, sem formação adequada para as funções e sem qualquer atualização, não há como negar que o operador estivesse despreparado para um rendimento sequer razoável. (Santa Catarina, 1967, n.p.).

O referido ofício apontou para a necessidade de buscar, por meio do ensino, a melhoria na capacitação dos policiais civis catarinenses e apresentou também um pedido de aumento do quadro efetivo funcional, sugerindo que os policiais que ingressassem na instituição deveriam, obrigatoriamente, participar de curso de formação, que teria a duração de um ano (Santa Catarina,1967).

Ainda no ano de 1967, o Decreto nº 2, de 29 de dezembro, formalizou a autorização para que o ingresso para o provimento de cargos dentro da Polícia Civil catarinense acontecesse mediante concurso público. A obrigatoriedade da realização de concurso público para essa finalidade foi uma decisão importante para a qualificação do efetivo, visto que até então as pessoas que ocupavam esses cargos eram escolhidas sem critérios estabelecidos, podendo ser, na maioria das vezes, indicadas por políticos ou parentes influentes.

Assim, a Escola de Polícia iniciou suas atividades formativas no ano de 1967, estando à frente dos trabalhos, na condição de Diretor da Escola de Polícia, o Escrivão de Polícia Octacílio Schuller Sobrinho, que organizou o primeiro Curso de Aperfeiçoamento para Escrivães de Polícia, cuja finalidade era “[...] o aperfeiçoamento dos conhecimentos profissionais ou técnicos dos Escrivães de Polícia e o preparo ao exercício desse cargo” (Santa Catarina, 1967, n.p.).

No prédio onde funcionou a primeira Escola de Polícia (Figura 2), as salas de aula foram improvisadas, mas nem por isso deixaram de ser um ambiente escolar específico para fins educacionais e propício para dar sentido aos saberes a serem ensinados aos policiais em processo de formação.

Fonte: Acervo da ACADEPOL/SC (2012).

Figura 2 Prédio onde funcionou a primeira Escola de Polícia - Bairro Estreito, Florianópolis (1967) 

A Escola de Polícia iniciou, então, o processo de ensino técnico-profissional, registrando em sua forma curricular três segmentos: formação, aperfeiçoamento e atualização, conforme descrito no relatório que fora encontrado no acervo da ACADEPOL (Santa Catarina, 1967, p. 8):

1º - Cursos de Formação, direcionados aos alunos policiais que ingressarem na instituição através de concurso público; 2º - Cursos de Aperfeiçoamento, direcionados aos policiais existentes nos quadros da Secretaria de Segurança Pública; 3º - Cursos de Atualização em períodos anuais, os policiais deverão efetuar atualização dos conhecimentos na Escola de Polícia.

Documentos oficiais encontrados no acervo histórico da ACADEPOL/SC foram essenciais para a localização de informações relevantes para a reconstrução da história dessa Escola de Polícia. É preciso considerar, porém, que os documentos mais antigos foram encontrados em péssimas condições, alguns até deteriorados, tanto pela ação do tempo, como pelo local onde estão guardados4.

Os documentos pesquisados mostram que, desde o início das atividades, os trabalhados conduzidos na Escola de Polícia visavam à “[...] estruturação completa, no que tange aos aspectos legal, administrativo, funcional, didático-pedagógico e disciplinar, com o intuito, certamente, de formar e aperfeiçoar todos os funcionários dos quadros da Polícia Civil, com o objetivo de garantir uma atuação mais efetiva na sociedade etc.” (Santa Catarina, 1970, n.p.).

No ano de 1968, aconteceu o primeiro concurso público para provimento de cargos da Polícia Civil catarinense e o Diretor Octacílio Schuller Sobrinho foi o responsável pelo certame. Octacílio Schuller Sobrinho esteve à frente dos trabalhos na Escola de Polícia até 1970. No ano seguinte, foi substituído pelo Delegado de Polícia Luiz Darci Rocha, que permaneceu na direção de janeiro de 1971 até o final de 1974. No último ano de sua gestão, a Escola de Polícia passou a ser denominada Academia de Polícia Civil de Santa Catarina (ACADEPOL/SC).

Posteriormente, sucessivos concursos públicos foram abertos para o ingresso na Polícia Civil e, como consequência, houve o aumento do número de mulheres no quadro funcional em alguns anos. No entanto, ainda na atualidade, a imagem da polícia como uma instituição essencialmente masculina é forte.

A Polícia Civil de Santa Catarina, conforme a Lei ordinária no 18.281/2021 (recentemente aprovada) está organizada em quatro carreiras: Agente de Polícia, Delegado de Polícia, Escrivão de Polícia e Psicólogo Policial. A ACADEPOL/SC é o órgão responsável pelo curso de formação dessas carreiras, quer seja na formação inicial, quando os policiais ingressam por meio de concurso público, quer seja na formação continuada, ao longo da carreira e em cursos de pós-graduação, atualmente com a denominação de “Especialização em Ciências Policiais e Investigação Criminal Aplicada5”,

Conforme descrito no relatório da Comissão Própria de Avaliação (CPA)6, a ACADEPOL têm seus objetivos voltados para promover o contínuo aprimoramento profissional, ético e cidadão de seus policiais. Concomitantemente, promover a cultura e o saber em todas as áreas e modalidades do conhecimento humano que possam ter alguma relação com a segurança pública, voltadas para ações democráticas, pacíficas e éticas, sempre integradas com a comunidade (Santa Catarina, 2021).

3 ACADEPOL/SC e sua estrutura

Atualmente, a ACADEPOL/SC é dirigida pelo Delegado de Polícia André Luiz Bermudez Pereira e está localizada na Rodovia Tertuliano Brito Xavier, 209, no bairro Canasvieiras, em Florianópolis, SC. Suas instalações compreendem vários prédios e para a execução de suas atividades a academia é subdividida nos seguintes setores: Coordenadoria Pedagógica; Coordenadoria Administrativa de Apoio Logístico; Coordenadoria de Serviços Jurídicos; Secretaria Acadêmica; Coordenadoria de Tecnologia de Informação; Gerência de Ensino e Formação; Gerência de Pesquisa e Extensão; Gerência de Recrutamento e Seleção. Conta ainda com o Colegiado de Curso e a Coordenação de Curso, que foram criados pelas Portarias no 001/ACADEPOL/2013 e no 004/ACADEPOL/2017.

Também há na ACADEPOL/SC uma ampla biblioteca, um ginásio de esportes, oito salas de aula (todas com datashow, ar condicionado, computador e acesso à internet), três laboratórios de informática (com 20 computadores cada um), campo de futebol, estande de tiros, uma casa de madeira para aulas práticas de Técnicas Operacionais Policiais, além de seis módulos para o alojamento de até 96 policiais.

No processo educacional e em sua consolidação, cabe destacar a criação e atuação do Núcleo Docente Estruturante, que atua na condição de avaliador do Curso de Pós-Graduação, muitas vezes exercendo as competências da Comissão Própria de Avaliação. Por fim, pode também ser mencionada a participação do Conselho de Corpo Docente na elaboração, fiscalização e atualização do Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e dos Projetos Pedagógicos dos Cursos.

Fonte: Google Imagens (2022).

Figura 3 Academia de Polícia Civil de Santa Catarina 

O corpo docente da ACADEPOL tem sido formado por meio de editais de seleção, os quais deixam claro os critérios de escolha e classificação dos candidatos a serem lecionados na instituição. Em linhas gerais, a seleção ocorre obedecendo à classificação em prova escrita, prova oral e análise de currículo. Têm sido exigidas titulações acadêmicas nas diversas áreas do conhecimento, as quais são selecionadas nos processos seletivos que vêm sendo realizados consoante com a necessidade7. Um dos principais critérios diz respeito à experiência profissional dos policiais civis que se candidatam para lecionar na instituição, além da apresentação e da comprovação da titulação acadêmica, que é uma das etapas do processo seletivo.

Segundo dados do CPA (Santa Catarina, 2021), grande parte dos professores da ACADEPOL já possui experiência no magistério superior. Na pós-graduação, são 17 (dezessete) docentes e todos (100 %) já exercem atividades de docência por mais de três anos. Se considerarmos magistério apenas em formação superior, temos o indicador de 64 % com experiência há mais de três anos, porém sem levar em conta o tempo de sala de aula de cada um por disciplina, o que sobreleva o indicador.

Especificamente sobre a titulação do corpo docente dos cursos de Pós-Graduação lato sensu, desde que foi criado, o Curso de Pós-Graduação em Gestão em Segurança Pública e Investigação Criminal Aplicada vem mantendo um grupo de professores que, preferencialmente, já galgaram os títulos de mestre, doutor ou pós-doutor. Eventualmente, tais docentes podem ser substituídos por especialistas, quando marcados também por notáveis e exemplares experiências profissionais na temática da disciplina. Desse modo, 85% das disciplinas possuem como professor titular mestres, doutores e pós-doutores (Santa Catarina, 2021).

Na dimensão pedagógica, ampara-se em Nóvoa (1995) quando o autor trata da formação enquanto produção dos saberes reflexivos pelos próprios professores:

Não se trata de mobilizar a experiência apenas numa dimensão pedagógica, mas também num quadro conceptual de produção de saberes. Por isso, é importante a criação de redes de (auto)formação participada, que permitam compreender a globalidade do sujeito, assumindo a formação como um processo interactivo e dinâmico. A troca de saberes consolida espaços de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e de formado. (Nóvoa, 1995, n.p.).

Na ACADEPOL, como se atua na formação de policiais, é de fundamental importância que professores/as exerçam reflexões e diálogos constantes para consolidar os saberes da prática profissional.

4 Formação policial na ACADEPOL

No Brasil, as academias de polícia e os centros de formação policial têm enfocado o ensino do/a futuro/a policial no treinamento técnico-profissional e suas consequências, com vistas ao desempenho das atividades policiais cotidianas.

Poncioni (2005), em estudo realizado sobre os cursos de formação inicial e o modelo de polícia, destaca a importância desses cursos para as polícias do Brasil. Para a autora, a relevância da formação inicial não é somente para a construção da identidade profissional, mas também porque os cursos fazem considerável diferença para a vida profissional do/a policial em função da experiência adquirida em relação aos valores e às normas próprias da profissão e das competências e das habilidades para o campo de trabalho. Além disso, a autora destaca “[...] a aquisição dos valores e crenças acerca da profissão, consubstanciados em uma base de conhecimento e de cultura comum sobre o que é ser policial em um determinado modelo de polícia” (Poncioni, 2005, p. 588).

Nessa perspectiva, os programas e os currículos de ensino e formação dos/as policiais nas academias de polícia no Brasil exemplificam uma das estratégias fundamentais de transmissão de ideias, conhecimentos e práticas de uma dada visão do papel, da missão, do mandato e da ação desse campo profissional. Nas diretrizes teóricas e metodológicas dos currículos dos cursos oferecidos aos novos membros, necessariamente estão envolvidos a transmissão de valores, as crenças e os pressupostos sobre esse campo específico (Poncioni, 2005).

Entende-se que os currículos propostos nas academias de polícia têm papel constitutivo na construção das identidades dos policiais em formação; sendo assim, não podem ser analisados fora de contexto sócio-histórico. No Brasil, o Ministério da Justiça (MJ) e a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) é que têm se preocupado com o investimento e o desenvolvimento de ações formativas necessárias e fundamentais para a qualificação e o aprimoramento dos/as policiais das várias esferas que compõem o Sistema de Segurança Pública.

Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no Brasil, o orçamento com atividades policiais é de 7% do orçamento total das Unidades da Federação. No que diz respeito às políticas de segurança pública, em função da pandemia da Covid-19, o ano de 2020 foi marcado pela redução de 1,7% das despesas, que totalizaram R$ 96 bilhões quando somados os gastos da União, Estados, Distrito Federal e municípios (Bueno; Peres, 2021).

Para os profissionais da área de segurança pública, a MCN (Matriz Curricular Nacional) se caracteriza por ser um referencial teórico metodológico para orientar as suas ações formativas - inicial e continuada -, objetivando a formação que promova unidade na diversidade, a partir do diálogo entre os eixos articuladores e as áreas temáticas (Brasil, 2014).

Pensando como os currículos têm uma função primordial na formação de profissionais e analisando-o como um processo de construção de sujeitos, amparamo-nos em Tomaz Tadeu da Silva, o qual retrata que há um nexo muito estreito entre o currículo e aquilo em que nos transformamos. Assim, “[...] o currículo ao lado de muitos outros discursos, nos faz ser o que somos. O currículo é a construção de nós mesmos como sujeitos” (Silva, 1996, p. 167).

Souza (2005), que analisou a atual MCN, compreende que a formação é entendida como tempo de aquisição e construção de saberes necessários à intervenção policial, de repensar as práticas sob diferentes pontos de vista e de reconstruir conhecimentos, apropriando-se criticamente da cultura elaborada, com base em altos padrões de qualidade e nos princípios da ética.

A instituição dessa MCN foi consequência do Plano Nacional de Segurança Pública, lançado no ano 2000 e apresentado em 2003, em um amplo seminário nacional sobre segurança pública, que tinha o objetivo de divulgar e estimular ações formativas no âmbito do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).

As Diretrizes Pedagógicas para as Atividades Formativas dos Profissionais da Área de Segurança Pública contemplam um conjunto de orientações para o planejamento, o acompanhamento e a avaliação das ações formativas. Nelas se encontra a Malha Curricular, a qual apresenta um núcleo comum composto por disciplinas que congregam conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, cujo objetivo é garantir a unidade de pensamento e ação dos profissionais da área de segurança pública (Brasil, 2014).

As áreas temáticas sugeridas pela MCN contemplam os conteúdos necessários para a formação dos/as profissionais de segurança pública a fim de capacitá-los/as no exercício da função, conforme consta na figura 4, que segue:

Fonte: Secretaria Nacional de Segurança Pública/Ministério da Justiça e Cidadania (2014).

Figura 4 Funções técnicas e procedimentos em segurança pública 

A área temática “Funções Técnicas e Procedimentos em Segurança Pública”, que se encontra no centro da figura 4, destina-se a instrumentalizar o profissional de segurança pública para o desempenho de sua função, sendo que o seu aproveitamento e o seu reflexo estão vinculados às competências cognitivas e operativas inseridas nas demais áreas.

Assim, concebe-se a formação e a capacitação como um processo complexo e contínuo de desenvolvimento de competências, estimulando os policiais a buscarem atualização profissional relacionada à área de atuação e ao desempenho das funções, necessária para acompanhar as exigências da sociedade contemporânea, tornando-se profissionais competentes e compromissados com aquilo que está no campo de ação das suas práticas profissionais (Brasil, 2014).

A MCN contém sugestões de temas gerais e recomendações de conteúdo e metodologia de ensino, ficando a cargo de cada estado e, por sua vez, das academias de polícia fazer uma relação com a sua esfera de atuação e definir o que se deve ou não abordar com seus policiais em formação. Nesse contexto, no ano de 2006, a ACADEPOL/SC passou a utilizar a Matriz Curricular Nacional para orientar o planejamento dos seus cursos de formação.

É cada vez mais necessário pensar a intencionalidade das atividades formativas, pois o investimento no capital humano e a valorização profissional tornam-se imprescindíveis para atender às demandas, superar os desafios existentes e contribuir para a efetividade das organizações de segurança pública. (Brasil, 2014, p. 17).

Segundo a MCN, é na formação policial, por meio da preparação teórica, técnica e prática, que se constitui formalmente a identidade de um corpo profissional (BRASIL, 2014). No entanto, a identidade não pode ser definida como algo estático ou pré-estabelecido, mas como um processo em constante mudança e multifacetado. Nesse sentido, de acordo com Souza (2005, p. 137):

A identidade profissional se forja não só no orgulho, nos cursos de formação e no desejo de pertencer à organização policial. Forja-se num compromisso maior que inclui a reaprendizagem constante e a renovação crítica a partir dos resultados, das avaliações e das políticas assumidas.

Para a autora, o profissional dá sentido à sua atuação quando confronta seus valores com a realidade na qual vai intervir, pois “[...] é o conjunto de saberes que funda a identidade profissional, construída em relação a um projeto ou a uma meta, e a define associado ao conjunto dos recursos da personalidade” (Souza, 2005, p. 145).

Nessa perspectiva, a identidade policial é uma categoria social e profissionalmente construída, de acordo com padrões estritamente vinculados aos ideais de uma instituição que, nesse caso, é tradicionalmente masculina.

É no espaço de formação que a identidade profissional se constrói inicialmente, com maneiras de ser e estar diferenciadas para cada profissão. O profissional da área de segurança pública (aqui, em especial, o/a policial civil) é um dos principais agentes da promoção da cidadania e dos direitos humanos na sociedade. Cabe ressaltar aqui a função dos/as professores/as nesse espaço de formação. Para Nóvoa (1995, p. 25), quando o autor discute a formação docente, essa função “[...] implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional”.

Considera-se que o/a policial civil, como qualquer outro/a profissional, não aprende as habilidades inerentes ao seu trabalho apenas no curso de formação, por meio do ensino formal. A aprendizagem e a formação de sua identidade também ocorrem por intermédio da observação ou das informações recebidas dos/as próprios/as colegas de trabalho, de vivências, dos valores pessoais, da história de vida, enfim, a identidade profissional vai sendo construída por meio de um somatório de experiências passadas, presentes e futuras.

4 Considerações finais

É imperioso que a ACADEPOL/SC, por ser responsável por formar profissionais nas carreiras da Polícia Civil, mantenha em seus acervos as memórias do percurso feito até os dias atuais, estimulando as discussões sobre o processo de formação, buscando orientar e garantir a coerência das políticas de melhoria da qualidade de ensino. Assim, o presente texto objetivou contextualizar a formação policial na Polícia Civil de Santa Catarina, encontrando na história da Escola de Polícia, criada em 1964, motivações e elementos para que, na atualidade, a ACADEPOL/SC pudesse ter se tornado dinâmica na formação e capacitação dos policiais civis.

Constatou-se que o processo de formação dos/as policiais civis em todo País é focado no treinamento técnico-profissional e suas consequências, com vistas ao desempenho das atividades policiais cotidianas e com base nas diretrizes da Matriz Curricular Nacional.

Por fim, o presente estudo se mostra relevante, uma vez que a história é o instrumento que possibilita compreender, explicar e interpretar os processos sociais construídos ao longo do tempo. Entender o processo de formação existente no âmbito da ACADEPOL/SC e da Polícia Civil catarinense - considerando suas particularidades enquanto campo de pesquisa - é de extrema importância, pois é a partir do passado que podemos entender, transformar e ressignificar o presente.

2Villa Camburiu é, atualmente, a cidade de Balneário Camboriú, situada na região norte do litoral do estado de Santa Catarina.

3Nereu Oliveira Ramos foi nomeado governador do estado de Santa Catarina por uma década (1935-1945), durante o Estado Novo, no governo de Getúlio Vargas.

4Os documentos citados foram analisados no percurso da pesquisa de mestrado que iniciou no ano de 2011 e concluído no ano de 2013.

5Curso aprovado pelo Conselho Estadual de Educação por meio do parecer CEDS/CEEE nº 082, de 14 de dezembro de 2020.

6A Comissão Própria de Avaliação (CPA) foi instituída na Academia de Polícia Civil de Santa Catarina por meio da Portaria no 001/ACADEPOL/2018.

7Sobre o processo seletivo de docentes, cabe informar que em janeiro de 2022 foi divulgado o Edital no 001/ACADEPOL/2022 para contratação de 70 novos professores (Disponível em: http://www.acadepol.sc.gov.br/página. Acesso em: 23 set. 2022).

Referências

CASAGRANDE, Maria Aparecida. Mulheres policiais: formação e atuação profissional das primeiras alunas da Academia da Polícia Civil de Santa Catarina (1967-1977). 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pòs-Graduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense - Unesc, Criciúma/SC, 2013. Disponível em: http://repositorio.unesc.net/handle/1/1923. Acesso em: 20 ago. 2023. [ Links ]

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Recebido: 04 de Agosto de 2022; Aceito: 10 de Agosto de 2023

Editoras: Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista e Profa. Dra. Marcia Fusaro

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