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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.66 São Paulo jul./set 2023  Epub 19-Fev-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n66.24079 

Artigos

A PESQUISA CIENTÍFICA EM EDUCAÇÃO E O MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO: ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS

SCIENTIFIC RESEARCH IN EDUCATION AND HISTORICAL-DIALETIC MATERIALISM: THEORETICAL AND CONCEPTUAL ASPECTS

INVESTIGACIÓN CIENTÍFICA EN EDUCACIÓN Y MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO: ASPECTOS TEÓRICOS Y CONCEPTUALES

Francisauro Fernandes da Costa, Doutorando em Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação1 
http://orcid.org/0000-0002-8717-0330

Heloisa da Silva Borges, Doutora em Educação e Professora, Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação2 
http://orcid.org/0000-0001-7629-7056

Maria Nilvane Fernandes, Doutora em Educação e Professora, Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação, Pós-doutoranda3 
http://orcid.org/0000-0002-3420-2714

1Doutorando em Educação pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), Manaus, Amazonas, Brasil

2Doutora em Educação e Professora do Departamento de Administração e Planejamento, Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/FACED/UFAM), Manaus, Amazonas, Brasil

3Doutora em Educação e Professora do Departamento de Teoria e Fundamentos, Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/FACED/UFAM), Pós-doutoranda pela Texas Tech University (TTU), Lubbock, Texas, Estados Unidos


Resumo

Este artigo é resultado dos estudos realizados na disciplina eletiva intitulada Materialismo Histórico-Dialético: para uma compreensão metodológica, realizada no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), na linha de pesquisa Educação, Estado e Sociedade na Amazônia. O estudo objetiva apresentar considerações sobre o método do Materialismo Histórico-Dialético e suas contribuições para a realização da pesquisa científica na área da educação. Metodologicamente, trata-se de um estudo teórico-bibliográfico com base em obras de autores como Gatti (1999, 2012); Marx e Engels (1999); Oliveira (1998); Netto (2011); Groppo (2019); Almeida e Costa (2021); Silva e Hermida (2021), dentre outros. Os autores mencionados apresentam uma perspectiva crítica acerca da concepção de mundo, sociedade e educação, possibilitando pensarmos a construção da pesquisa científica orientada por um método que define também uma escolha política. Nesse sentido, o ato de pesquisar constitui-se como um processo desafiador enfrentado por muitos pesquisadores, principalmente pela compreensão do objeto de estudos e na definição do método de investigação, portanto, conclui-se que o Materialismo Histórico-Dialético possibilita pensarmos a construção da pesquisa científica na área da educação com base em uma perspectiva crítica, constituindo-a como ato político.

Palavras-chave: educação; método; materialismo histórico-dialético; pesquisa científica.

Abstract

This article is the result of studies carried out in the elective course entitled Historical-Dialectic Materialism: for a methodological understanding, carried out in the Graduate Program in Education (PPGE) of the Federal University of Amazonas (UFAM), in the line of research Education, State and Society in the Amazon. The study aims to present considerations about the Historical-Dialectic Materialism method and its contributions to the realization of scientific research in the field of education. Methodologically, it is a theoretical-bibliographical study based on works by authors such as Gatti (1999, 2012); Marx and Engels (1999); Oliveira (1998); Netto (2011); Groppo (2019); Almeida e Costa (2021); Silva and Hermida (2021), among others. These authors present a critical perspective on the conception of the world, society, and education, making it possible to think about the construction of scientific research guided by a method that also defines a political choice. In this sense, the act of researching constitutes a challenging process faced by many researchers, mainly due to the understanding of the object of study and the definition of the investigation method, therefore, it is concluded that Historical-Dialectic Materialism makes it possible to think about the construction of scientific research in education based on a critical perspective, constituting it as a political act.

Keywords: education; método; historical-dialectical materialism; scientific research.

Resumen

Este artículo es resultado de estudios realizados en la asignatura optativa Materialismo histórico-dialéctico: para una comprensión metodológica, realizado en el Programa de Posgrado en Educación (PPGE) de la Universidad Federal de Amazonas (UFAM), en la línea de investigación Educación, Estado y Sociedad en la Amazonia. El estudio tiene como objetivo presentar consideraciones sobre el método del Materialismo Histórico-Dialéctico y sus aportes a la realización de investigaciones científicas en el campo de la educación. Metodológicamente se trata de un estudio teórico-bibliográfico basado en trabajos de autores como Gatti (1999, 2012); Marx y Engels (1999); Oliveira (1998); Neto (2011); Grupo (2019); Almeida y Costa (2021); Silva y Hermida (2021), entre otros. Los autores antes mencionados presentan una perspectiva crítica sobre la concepción del mundo, la sociedad y la educación, permitiendo pensar en la construcción de la investigación científica guiada por un método que define también una opción política. En este sentido, el acto de investigar constituye un proceso desafiante que enfrentan muchos investigadores, principalmente por la comprensión del objeto de estudio y la definición del método de investigación, por lo que se concluye que el Materialismo Histórico-Dialéctico posibilita pensar. sobre la construcción de la investigación científica en el área de la educación a partir de una perspectiva crítica, constituyéndola como un acto político.

Palabras clave: educación; method; materialismo histórico-dialéctico; investigación científica.

1 Introdução

Um grande desafio de todo pesquisador é a definição do método de pesquisa para alcançar a resposta ao problema de investigação. Organizar o caminho para se chegar ao objetivo da pesquisa é tarefa que requer um olhar cuidadoso sobre o objeto de estudo e uma definição compreensiva da problemática de pesquisa (Silva; Hermida, 2021, p. 178).

Conforme evidenciam os autores, o ato de pesquisar é um processo desafiador, sobretudo, pela compreensão do objeto de estudo, mas especialmente pela definição do método a ser utilizado. O método é a bússola que orienta a análise e o caminho teórico-metodológico que nos possibilitará responder, com rigor epistemológico, ao problema que deu origem à investigação.

Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo apresentar considerações sobre o Materialismo Histórico-Dialético e as contribuições do método para a realização da pesquisa científica na área da educação. Esta análise resulta dos estudos realizados na disciplina optativa Materialismo Histórico-Dialético: para uma compreensão metodológica, como componente curricular do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), na Linha de Pesquisa Educação, Estado e Sociedade na Amazônia.

A referida disciplina foi organizada em blocos de estudos. No bloco I, estudamos o tripé do pensamento marxiano: a dialética, a teoria do valor trabalho e a perspectiva da revolução. No bloco II, Política e Estado em Marx. No bloco III, Alienação e subjetividade estranha no capitalismo. Por fim, no bloco IV, o método marxiano. Portanto, o estudo realizado na disciplina buscou compreender a biografia dos principais teóricos (Marx e Engels) e os fundamentos do pensamento marxiano, os pressupostos do Materialismo Histórico-Dialético, relacionando a produção teórica com a formação humana, os contextos social, político e econômico que influenciaram a transformação dos pensadores, além de estudar textos que abordaram a exposição do método de pesquisa.

Dessa maneira, esta análise realiza um estudo bibliográfico com base em obras de autores como Gatti (1999, 2012); Marx e Engels (1999); Oliveira (1998); Netto (2011); Groppo (2019); Almeida e Costa (2021); Silva e Hermida (2021) e outros, que apresentam uma perspectiva crítica acerca da concepção de mundo, sociedade e educação, possibilitando pensarmos a construção da pesquisa científica na área educacional.

Esta pesquisa tem, nessa especificidade, uma “[...] natureza política, graças à sua dimensão crítica, portanto potencialmente desveladora de ilusões, enganos e opressões” e, quando fundamentada no estatuto epistemológico do Materialismo Histórico-Dialético, contribui para desvelarmos as relações e contradições existentes na sociedade capitalista e seus impactos no campo educacional (Groppo, 2019, p. 66). Logo, abordaremos, a seguir, os aspectos teóricos e conceituais acerca da pesquisa científica, a concepção do Materialismo Histórico-Dialético e suas principais categorias analíticas, traçando reflexões sobre a contribuição desse método para a realização da pesquisa científica na área educacional.

A construção da pesquisa científica na área da educação e os seus desafios

Bernardete Gatti (2012), uma das principais pesquisadoras brasileira na área da educação, ressalta, em seus estudos voltados à construção metodológica da pesquisa em educação, a importância de nos preocuparmos se os especialistas de outras áreas de conhecimento estão compreendendo e articulando, em suas pesquisas, as contribuições que propusemos oferecer com nossos estudos no campo educacional. Dessa forma, segundo a autora, necessitamos “[...] nos preocupar com alguns aspectos básicos relativos à validade de nossos trabalhos de pesquisa, referindo-nos à consistência do campo investigativo em educação” (Gatti, 2012, p. 14).

A autora ressalta, ainda, a necessidade de esses estudos estarem baseados em perspectivas interdisciplinares e transdisciplinares e dialogarem com os diferentes setores sociais e acadêmicos com a finalidade de que os conhecimentos sejam bem compreendidos e interpretados, apresentando contribuições de fato relevantes, por isso, chama a atenção para o emprego muitas vezes indiscriminado de termos e/ou expressões para significar uma única coisa, sem haver maior preocupação com os significados mais densos que estes apresentam dentro de um campo teórico, demonstrando, assim, a fragilidade conceitual-teórica de muitos estudos.

Como exemplo, cita que, “[...] no Brasil, temos o hábito de usar em larga escala e com amplos significados a palavra educação”, sem fazer distinção de educação geral - no sentido amplo, referindo-a como um processo sócio-histórico-cultural que permeia a sociedade como um todo - de educação escolar, oferecida pela escola (Gatti, 2012, p. 14).

Ao fazer esses apontamentos, a autora afirma que “[...] não se trata de defender nominalismos, mas de cuidar da clareza e abrangência do que falamos” (Gatti, 2012, p. 14), tendo em vista que “[...] um certo grau de superação do senso comum é necessário quando se trata de pesquisa” (Gatti, 2012, p. 16). Nesse aspecto, se o campo da pesquisa em educação como objeto de análise tem se intensificado nos últimos anos, existe também a necessidade de nos atermos ao emprego cuidadoso das denominações, dos conceitos e das formas investigativas, vinculando os caminhos da pesquisa em educação e suas relações com o contexto social.

Magalhães e Souza (2012), no artigo intitulado A Questão do Método e da Metodologia: uma análise da produção acadêmica sobre professores (as) da Região Centro-Oeste/Brasil, apresentaram o método como um elemento de fundamental importância na construção da pesquisa científica. As autoras identificaram, em diversas pesquisas, certa fragilidade teórico-metodológica nos estudos analisados, evidenciando que “[...] uma questão que é recorrente nas produções diz respeito à confusão que fazem os mestrandos entre método e metodologia” (Magalhães; Souza, 2012, p. 863).

Encontramos muitas vezes a expressão errônea: o método a ser utilizado é o da pesquisa qualitativa, ou o método de tipo etnográfico, ou o método de estudo de caso, nestes casos verificamos uma confusão entre os roteiros de determinados tipos de pesquisas e a lógica à qual eles se filiam. Há também uma ideia que perpassa certo entendimento da pesquisa qualitativa sobre a não necessidade de se esclarecer qual o método a ser utilizado no trabalho Magalhães; Souza, 2012, p. 683).

Segundo as autoras, é frequente a percepção de que o método será clareado na medida em que o trabalho esteja sendo desenvolvido, o que as leva a questionar: "Como desenvolver um método se não sabemos qual é este método? Como pensar em rigor sem uma escolha justificada e coerente do método que orienta a busca do conhecimento?” (Magalhães; Souza, 2012, p. 683). Essa percepção contribui para que as autoras evidenciem que, apesar de a compreensão de metodologia aparecer vinculada à de método, ambos são distintos:

Entendemos que o método sugere um caminho a ser trilhado e a metodologia, no nosso entender, significa organização racional da investigação, e estaria relacionada à lógica interna da investigação, aos passos e aos meios pelos quais o caminho seria percorrido na construção do conhecimento (Magalhães; Souza, 2012, p. 683).

Nessa mesma percepção, podemos entender que “[...] a Metodologia Científica trata de método e ciência. Método é o caminho em direção a um objetivo; metodologia, o estudo do método” (Tartuce, 2006, p. 6). Assim, “[...] Metodologia científica é o estudo sistemático e lógico dos métodos empregados nas ciências, seus fundamentos, sua validade e sua relação com as teorias científicas” (Gerhardt; Souza, 2009, p. 11). Dessa maneira, conforme afirma Gatti (1999), método não é uma receita modelante, que é feita sempre da mesma maneira. Muito pelo contrário, os métodos de investigação científicos constituem uma etapa concreta, que vai sendo construída no decorrer processo investigativo, por meio do embate de ideias, de perspectivas teóricas e práticas. Para tanto, inferimos a importância de o pesquisador ter conhecimento do método que utilizará em suas investigações, a fim de garantir o rigor e a coerência conceitual-teórica de suas produções acadêmicas.

Segundo Silva e Hermida (2021), a pesquisa científica se utiliza de estratégias de investigação fundamentadas em uma rede de pressupostos ontológicos e da natureza humana que definem o ponto de vista que o pesquisador tem do mundo que o rodeia, portanto, a escolha do método não é isenta de posicionamento social, mas sempre “[...] determinada pela natureza do próprio objeto de estudo. Estabelecida essa unidade básica, o método de pesquisa passa a orientar todo o trabalho e sua interpretação do mundo a partir de determinada perspectiva” (Silva; Hermida, 2021, p. 178).

Por conseguinte, Oliveira (1998), ao abordar os caminhos de construção da pesquisa científica na área das ciências humanas e sociais, ressalta que

O método assinala, portanto, um percurso escolhido entre outros possíveis. Não é sempre, porém, que o pesquisador tem consciência de todos os aspectos que envolvem este seu caminhar; nem por isso deixa de assumir um método. Todavia, neste caso, corre muitos riscos de não proceder criteriosa e coerentemente com as premissas teóricas que norteiam seu pensamento. Quer dizer, o método não representa tão somente um caminho qualquer entre outros, mas um caminho seguro, uma via de acesso que permita interpretar com a maior coerência e correção possíveis as questões sociais propostas num dado estudo, dentro da perspectiva abraçada pelo pesquisador (Oliveira, 1998, p. 17).

Nessas abordagens sobre o método, fica evidente que a pesquisa científica é a principal atividade da metodologia, constituindo-se de forma organizada, sistemática, criteriosa, seguindo um encadeamento lógico. A pesquisa científica se caracteriza como um conjunto de ações e/ou procedimentos teórico-metodológicos que visam à “[...]criação de um corpo de conhecimentos sobre certo assunto [...], visto que

o ato de pesquisar deve apresentar características especificas. Não buscamos, com ele, qualquer conhecimento, mas um conhecimento que ultrapasse nosso entendimento imediato na explicação ou na compreensão da realidade que observamos. Um conhecimento que pode até mesmo contrariar esse entendimento primeiro e negar as explicações óbvias a que chegamos com nossas observações superficiais e não sistemáticas. Um conhecimento que obtemos indo além dos fatos, desvendando processos, explicando consistentemente fenômenos segundo algum referencial (Gatti, 2012, p. 9-10).

Portanto, é por meio da investigação científica mediante o emprego cuidadoso e criterioso de seus métodos e técnicas que o conhecimento científico é produzido, orientando-se por um procedimento racional sistematizado. Para a autora, realizar pesquisa é empreender um cerco em torno de um problema. Para que isso aconteça de maneira satisfatória, é necessário “[...] escolher instrumentos para acessar a questão, vislumbrar e escolher trilhas a seguir e modos de se comportar nessas trilhas, criar alternativas de ação para eventuais surpresas, criar armadilhas para capturar respostas significativas” (Gatti, 1999, p. 76).

Sendo assim, para a construção de uma pesquisa científica, “[...] é necessário que o pesquisador tenha domínio do campo teórico-metodológico que lhe servirá de suporte, pois não basta, ao pesquisador, desejar investigar, é fundamental ter o conhecimento do assunto a ser pesquisado, além de recursos humanos, materiais e financeiros” (Gerhardt; Souza, 2009, p. 12).

O ato de pesquisar, nessa perspectiva, é um ciclo; um processo contínuo que produz novos conhecimentos que gerarão e/ou provocarão novas reflexões, indagações e até transformações sobre a realidade. Logo, necessita de aprofundamento teórico de várias áreas de conhecimento posteriores àquilo que já foi pesquisado, exigindo, também, rigor epistemológico com a finalidade de que as produções sejam bem aceitas, compreendidas, interpretadas e utilizadas por outros especialistas em seus campos investigativos e resultando em contribuições realmente relevantes (Gatti, 2012).

Tendo em vista essa especificidade da pesquisa científica (produzir novos conhecimentos), é importante sublinharmos que, dentro de uma concepção ampla e crítica, ela poderá ser compreendida como um ato político.

A ciência moderna e contemporânea compartilha algo em comum com a filosofia, a saber, o pensamento crítico. A ciência é crítica porque busca conhecer os fundamentos que explicam a realidade e, também é ‘radical’ porque busca ir ‘à raiz’ das coisas. Nesse sentido, por si só, a ciência e a pesquisa científica são atos políticos, já que se propõem a ter uma dada postura em relação à realidade que, normalmente, não coincide com as concepções e visões de mundo estabelecidas pelos poderes sociais, políticos e econômicos dominantes. Assim, ela é, potencialmente, um contrapoder, uma contrapolítica, uma forma de resistência (Groppo, 2019, p. 56).

Dessa maneira, o Materialismo Histórico-Dialético é um estatuto epistemológico que pode ser utilizado em pesquisas no campo educacional. Quando compreendido pelo pesquisador, esse estatuto fundamenta e constitui a pesquisa científica de forma sólida, consistente, sob uma perspectiva crítica, caracterizando a pesquisa não como um fato isolado, mas como uma escolha decorrente de um ato político.

Como o próprio nome diz, o Materialismo Histórico-Dialético apoia-se na dialética, na História e nos aspectos econômico e político para estabelecer sua concepção de mundo e não prescinde das relações e das contradições da sociedade para desvelar os impactos e os efeitos do que acontece no mundo, no campo educacional (Triviños, 1987). Dessa maneira, o tópico que segue realiza uma abordagem sobre a teoria social marxista, com enfoque para a compreensão do método do Materialismo Histórico-Dialético e suas principais categorias analíticas.

Materialismo Histórico-Dialético: breve considerações sobre o método

Estabelecer considerações sobre os fundamentos do pensamento marxiano ou teoria social marxista não é tarefa fácil em virtude da busca incessante do teórico pela compreensão rigorosa da sociedade. Marx “[...] foi um pensador que colocou, na sua vida e na sua obra, a pesquisa da verdade a serviço dos trabalhadores e da revolução socialista” (Netto, 2011, p. 11).

O jovem Marx inicia sua trajetória teórica no ano de 1841, aos 23 anos idade, após se tornar doutor em Filosofia pela Universidade de Jena, na Alemanha.

É, porém, com o estímulo provocado pelas formulações do jovem Engels acerca da economia política que Marx vai direcionar as suas pesquisas para a análise concreta da sociedade moderna, aquela que se engendrou nas entranhas da ordem feudal e se estabeleceu na Europa Ocidental na transição do século XVIII ao XIX: a sociedade burguesa (Netto, 2011, p. 17).

O intelectual brasileiro José Paulo Netto tornou-se uma das principais referências sobre a teoria social de Marx, por ter se dedicado “[...] tanto ao estudo do marxismo quanto à teoria e à história das revoluções, não descuidando da compreensão do Brasil em sua desconcertante complexidade” (Paula, 2020, p. 30). Em sua ampla produção acadêmica, o autor evidencia a complicação em abordar as obras de Marx, sobretudo, no que diz respeito ao emprego do método, ao destacar que “[...] o estudo da concepção teórico-metodológica de Marx apresenta inúmeras dificuldades - desde as derivadas da sua própria complexidade até as que se devem aos tratamentos equivocados a que obra marxiana foi submetida” (Netto, 2011, p. 11). Ainda sobre essa dificuldade acerca da compreensão dos estudos, o autor argumenta que

[...] no que toca à teoria social de Marx a questão do método se apresenta como um nó de problemas. E, neste caso, problemas que não se devem apenas a razões de natureza teórica e/ou filosófica: devem-se igualmente a razões ideopolíticas - na medida em que a teoria social de Marx vincula-se a um projeto revolucionário, a análise e a crítica da sua concepção teórico-metodológica (e não só) estiveram sempre condicionadas às reações que tal projeto despertou e continua despertando (Netto, 2011, p. 10).

Na tentativa de aprofundar essa abordagem, recorremos às contribuições teóricas de Triviños (1987), quando afirma que o marxismo, como uma tendência, está incluso no materialismo filosófico, concebendo, dentre os principais aspectos, conforme segue:

O materialismo dialético é a base filosófica do marxismo e como tal realiza a tentativa de buscar explicações coerentes, lógicas e racionais para os fenômenos da natureza, da sociedade e do pensamento. [...]. O materialismo histórico é a ciência filosófica do marxismo que estuda as leis sociológicas que caracterizam a vida da sociedade, de sua evolução histórica e da prática social dos homens, no desenvolvimento da humanidade (Triviños, 1987, p. 51).

Marx, para conceber sua concepção de mundo, recorreu ao idealismo de Hegel (1770-1831). A filosofia hegeliana foi fundamental para o marxismo, já que o pensador utilizou-se de conceitos como alienação e dialética para a compreensão da realidade, desenvolvendo essas categorias para a análise de uma concepção materialista de mundo, portanto, desvinculando tais categorias do mundo ideal e do espírito absoluto hegeliano para explicá-las concretamente para a análise da realidade social e, ao fim e ao cabo, justificar a necessidade de uma revolução social. Nesse sentido, o Materialismo Histórico-Dialético significou uma mudança de perspectivas e/ou abordagens teóricas sobre as interpretações dos fenômenos sociais, as quais, outrora, eram fundamentadas em concepções idealistas da sociedade humana.

Podemos dizer, grosso modo, que essa mudança interpretativa, sustentada no idealismo hegelianos, constitui a gênese do Materialismo Histórico-Dialético. No livro Ideologia Alemã, Marx e Engels (1999) discorrem sobre a relação entre ideia e a matéria, sobre o sujeito e o objeto, apresentando, a princípio, a contestação do conjunto dos filósofos hegelianos, contrapondo-se aos fundamentos do idealismo alemão, traçando argumentações sobre a oposição estabelecida entre a concepção materialista e a idealista da história humana. O enfoque central da análise apresentada pelos autores nessa obra estava voltado à busca incessante em compreender como se estrutura e/ou se organiza a sociedade.

Nesse contexto histórico, Marx e Engels (1999) apresentavam críticas aos jovens hegelianos e ao filósofo Feuerbach, que partiam da percepção de “[...] que a história era resultado das ideologias e da presença dos ‘heróis’, ao invés de buscar nas formações sócio-econômicas e nas relações de produção os fundamentos verdadeiros da sociedade” (Triviños, 1987, p. 51).

Com base nesse entendimento, inferimos, segundo Triviños (1987), que, para o Materialismo Histórico-Dialético, a essência do mundo é a matéria, a qual sofre transformações pelas leis do movimento que não é idealizo, mas concreto e sustentado nas questões econômicas, políticas e sociais, o que levou os autores a assegurar que “[...] a primeira condição de toda história humana é evidentemente a existência dos seres humanos vivos” (Marx; Engels, 1999, p. 11). Ou seja, o homem, as mulheres, as crianças, os jovens, compreendidos como sujeitos históricos e sociais, criam e/ou produzem seus meios de vida por intermédio da sua força produtiva, a qual é iniciada dentro da própria organização ou estrutura familiar, o que significa dizer que os homens se distinguem dos animais em razão da sua própria produção social, à medida que, ao produzirem os seus meios de existências, produzem indiretamente a sua própria vida material.

Assim, é pelo desenvolvimento da produção e das relações materiais que os homens transformam a realidade e o seu pensamento. É a condição de vida material do homem o primeiro pressuposto para toda a sua existência e, portanto, também, de toda a História, sendo a produção dos meios para a satisfação de sua necessidade o primeiro ato histórico. Dessa maneira, “[...] serão antes os homens que, desenvolvendo a sua produção material e as suas relações materiais, transformam, com esta realidade que lhes é própria, o seu pensamento e o produto desse pensamento” (Marx; Engels, 1999, p. 21). Nesse aspecto, as condições de vida material dos homens demonstram que não é a consciência que determina o seu ser, mas exatamente o contrário. A matéria é anterior à consciência, e, por conseguinte, a consciência é também um produto social que reflete a realidade alienada, estranhada, subjetivada sob os desmandos do capital.

Explicar a realidade objetiva (a matéria) significa analisar as contradições existentes entre a essência e a aparência, na intencionalidade de apreender o fenômeno em sua totalidade (Kosik, 1969). Ao propor, de maneira não intencional, seu processo de investigação sobre o método do Materialismo Histórico-Dialético, Marx e Engels buscaram, a partir das grandes transformações históricas, políticas e econômicas das sociedades humanas, compreender a realidade burguesa. Partiram, portanto, da apreensão da existência material, concreta, das ações dos sujeitos reais para desenvolverem sua teoria. Essa apreensão da existência material foi realizada pela relação teoria e prática, ou seja, a práxis, que tem como finalidade contribuir para a compreensão do objeto na sua essência e totalidade, constituindo uma ação crítica para a transformação da realidade.

Compreender a totalidade não significa dar conta de tudo que existe no mundo no sentido de explicar a infinidade de fenômenos do presente, passado e futuro, mas está relacionado à compreensão da realidade em suas articulações, sem isolar e tornar independente o objeto, mas apresentar a interação de suas partes no modo de produção, os fatos e as mediações necessárias para compreensão de seu movimento (Silva; Hermida, 2021, p. 187).

Ainda, segundo a apreensão acerca dos estudos dos autores, a perspectiva da dialética marxista busca a superação das representações das práticas sociais dos homens, orientadas pelo pensamento abstrato, pelas ideias de um mundo de aparência, ressignificando-as em busca da objetividade, da realidade concreta como reflexo da relação dinâmica do fenômeno com a essência (Silva; Hermida, 2021).

Dessa maneira, convém evidenciarmos que o Materialismo Histórico-Dialético apresenta uma extensa definição de conceitos que necessitam ser apropriados pelo pesquisador que utilizará o método. O termo ser social, por exemplo, trata das “[...] relações materiais dos homens com a natureza e entre si que existem em forma objetiva, isto é, independentemente da consciência” (Triviños, 1987, p. 52). Isso significa dizer que a realidade concreta antecede o ser social e as escolhas que advêm da sua consciência social.

Ainda, segundo o autor, a consciência social é aquilo que está relacionado com as ideias políticas, jurídicas, filosóficas, estéticas, religiosas etc. Esse agrupamento de termos está relacionado também à superestrutura e às formas ideológicas de dominação social, formando uma espécie de psicologia social das classes etc. A infraestrutura é aquilo que está diretamente ligado aos meios de produção e está relacionado com tudo aquilo “[...] que os homens empregam para originar bens materiais (máquinas, ferramentas, energia, matérias-químicas etc.)”. Essa infraestrutura apresenta relação direta com as forças produtivas, sendo elas “[...] os meios de produção, os homens, sua experiência de produção, seus hábitos de trabalho. Não obstante, sem considerar a importância única do homem, a força de produção depende fundamentalmente dos instrumentos da tecnologia” (Triviños, 1987, p. 52).

Dessa maneira, é pertinente dizermos que “As relações de produção não podem ser separadas das forças de produção”, já que formam “[...] relações mútuas de cooperação, de submissão ou de um tipo de relações que signifique transição entre as formas assinaladas”. Estão relacionadas, portanto, aos vínculos que os homens estabelecem entre si (Triviños, 1987, p. 52).

Na percepção marxista, os modos de produção, historicamente, podem ser caracterizados em cinco ciclos: a) comunidade primitiva: uma etapa em que não havia divisão de classes ou propriedade privada dos meios de produção; b) escravista: uma etapa própria do processo de desenvolvimento da sociedade. O escravismo inaugurou, na Antiguidade, a divisão da sociedade em classes; c) feudalista: durou do século V até o século XV, na Europa, e marcou a hegemonia do pensamento religioso; d) capitalismo: modo de produção vigente e hegemônico até o momento; comunista: foi concretizado em alguns locais por um período e, na percepção dos marxistas, seria uma etapa posterior ao capitalismo que se desenvolveria em duas fases distintas: o socialismo e o comunismo.

Ademais, é pertinente dizermos que o materialismo histórico define outra série de conceitos fundamentais para compreendermos suas cabais dimensões como sociedade, formações socioeconômicas e estrutura social bem como organização política da sociedade, vida espiritual cultura, concepção de homem, personalidade, progresso social etc. (Triviños, 1987, p. 52). Desse modo, ainda segundo Costa (2022), para o desenvolvimento de uma investigação científica a partir dos fundamentos epistemológicos do método do Materialismo Histórico-Dialético é necessário que o pesquisador seja um sujeito ativo, capaz de ir além do imediatismo, da superficialidade; aprofundar as análises para identificar as contradições imbricadas no âmago das práticas sociais, apropriando-se das concepções teóricas de algumas das principais categorias analíticas utilizadas pelos teóricos como alienação, trabalho, totalidade, contradição, reprodução, hegemonia etc.; para estabelecer relações com seu objeto de estudo, a fim de compreendê-lo na sua essência, na sua totalidade, sempre fundamentado rigorosamente pela práxis.

O Materialismo Histórico-Dialético e a elaboração da pesquisa científica no campo da educação

Os fundamentos epistemológicos sobre o método que o pesquisador escolhe para realizar uma pesquisa estão diretamente ligados com a qualidade da pesquisa científica e com o resultado que se obtém. Dessa maneira, quando um estatuto epistemológico é assumido por um pesquisador, este está dizendo para os pares qual percepção de mundo, de sociedade e de homem sustenta “[...] suas concepções de ciência, as escolhas e organização da base teórica, o desenvolvimento de conceitos, a estrutura metodológica assumida, bem como, o processo de análise e conclusões obtidos na construção do conhecimento” (Magalhães, 2018, p. 73). Diante do exposto, inferimos que o pesquisador que escolhe o método do Materialismo Histórico-Dialético na construção da pesquisa científica em educação deve conhecer os principais pressupostos teóricos do pensamento marxiano, a fim de abstrair os elementos necessários para subsidiar a sua investigação.

A perspectiva do método marxista funde os métodos analítico (investigação) e sintético (exposição), captando o que havia de essencial em cada um: por um lado a apropriação geral da natureza e por outro lado a singularidade do movimento histórico do objeto. Assim, os fenômenos são abordados nas perspectivas analítica e sintética (Silva; Hermida, 2021, p. 185).

Dessa forma, conforme mencionado, a dialética fundamenta o pensamento marxiano a partir da apreensão da realidade material por meio da práxis, tornando-se o elemento primordial para a construção lógica do método do Materialismo Histórico-Dialético. Assim, apropriando-se dessa compreensão para a construção da pesquisa científica em educação, a dialética passa a ser apresentada como a possibilidade teórica-crítica de interpretação da realidade educacional (COSTA, 2022). Portanto, é fundamental identificarmos e compreendermos o conceito de educação que orienta a análise, tendo em vista que “[...] A pesquisa no campo educacional precisa estar atenta à realidade que envolve a formação do ser humano em suas perspectivas de particularidade e universalidade, e voltar sua atenção à totalidade que a inscreve” (Silva; Hermida, 2021, p. 178).

Marx entende a educação como um processo de desenvolvimento das capacidades físicas, intelectuais e moral do ser humano em geral, uma educação de desenvolvimento e aperfeiçoamento pleno das capacidades humanas. É importante, destacar, ainda, que não se trata de uma educação meramente formal sem articulação com as relações sociais. Para Marx a educação tem suas raízes nas relações sociais, ou melhor, a educação é indissociável da sociedade, pois constitui-se social e historicamente em articulação com a categoria trabalho, na acepção de atividade constitutiva e formativa do ser social (Almeida; Costa, 2021, p. 207).

Tal concepção sobre a educação é fundamental e “[...] tem como ponto de partida a crítica consciente das contradições reais do capitalismo e a atividade prática revolucionária para a transformação da realidade existente”. Isso posto, é importante mencionarmos que essa transformação no materialismo parte do existente (real e concreto) e não do idealizado, ou seja, “[...] parte de uma intervenção responsável e consciente dos homens sobre a realidade material para uma transformação radical das condições dadas anteriormente que sustentam a sociedade do capital” (Almeida; Costa, 2021, p. 207).

Ainda segundo os mesmos autores, para o distanciamento das limitações da natureza, o homem necessita da educação como um processo de socialização para o desenvolvimento pleno das suas capacidades (Almeida; Costa, 2021). Com base nessas argumentações, compreendemos que

Refletir sobre a educação sob a perspectiva marxista é pensar sobre os processos sociais de formação do ser humano que ocorrem em diversos ambientes. A educação, enquanto prática de formação humana e social consiste na criação da realidade histórica, submetida a determinações econômicas, sociais, políticas e ideológicas, pois compõe a superestrutura em conjunto com outros elementos da cultura, alinhada à demanda de construção e reprodução de processos sociais hegemônicos. No entanto, a dinâmica e a complexidade que caracterizam a vida social requerem dos cientistas sociais um olhar crítico da realidade, ancorado na categoria da contradição (Silva; Hermida, 2021, p. 178).

Assim, no processo de construção da pesquisa e, consequentemente, do conhecimento, o papel do sujeito pesquisador é essencialmente ativo, porque, no plano do pensamento,

[...] precisamente para apreender não a aparência ou a forma dada ao objeto, mas a sua essência, a sua estrutura e a sua dinâmica (mais exatamente: para apreendê-lo como um processo), o sujeito deve ser capaz de mobilizar um máximo de conhecimento, criticá-los, revisá-los e deve ser dotado de criatividade e imaginação (Netto, 2011, p. 25).

Nesse aspecto, o método de Marx “[...] é o produto de uma longa elaboração teórico-científica, amadurecida no curso de sucessivas aproximações ao seu objeto” que, no caso de Marx, eram a gênese, a consolidação, o amadurecimento e a destruição da sociedade capitalista burguesa (Netto, 2011, p. 28).

Segundo Magalhães e Souza (2012), no Materialismo Histórico-Dialético tanto o sujeito quanto o objeto têm papel ativo na construção do conhecimento, visto que “Ambos sofrem transformações durante o processo, que é cíclico e histórico”, ou seja, tais transformações ocorrem durante todo o processo (Magalhães; Souza, 2012, p. 682).

Após a análise de um rol de produções que se diziam alicerçadas nesse método, as investigadoras propuseram uma lista de indicadores que permitem orientar a análise desse método:

a) abordar o objeto na perspectiva histórica, a partir de suas origens; b) buscar na história as origens do problema, do todo e não de tudo; c) trabalhar com os sujeitos típicos a serem pesquisados; d) apresentar o concreto pensado: evidencia o objeto que estava oculto, movimento dialético; e) utilizar categorias marxistas para análise: trabalho, alienação, ideologia, classe social, contradição, negação, totalidade, universalidade; articula teoria e prática e a denomina práxis; f) apresentar os dados evidenciando seus nexos internos e contraditórios com a totalidade; g) referencial teórico utilizado (Magalhães; Souza, 2012, p. 682).

Portanto, se utilizado corretamente, o método do Materialismo Histórico-Dialético, a investigação termina por se vincular a um projeto revolucionário que está atrelado à teoria social que orienta o método de investigação, já que ele caminha rumo a um projeto de subversão da ordem social hegemonicamente estabelecido na sociedade capitalista. Esse método contribui para desvelarmos as contradições, os enganos e opressões geradas no âmago das práticas sociais. Com base nisso, as suas contribuições para a construção da pesquisa científica no campo educacional estão relacionadas, a priori, em conceber a própria educação sob uma perspectiva crítica, caracterizando-a como elemento de resistência.

Nesse sentido, a pesquisa científica, se bem fundamentada nesse método, caminha, também, sob uma concepção crítica, rumo a esse mesmo objetivo mais amplo (emancipação humana), tornando-se um instrumento de “[...] contrapoder, uma contrapolítica, uma forma de resistência” (Groppo, 2019), caracterizando-a como um ato político que busca desvelar, por meio da análise crítica acerca de seu objeto de estudo, as contradições da sociedade capitalista e seus impactos no campo educacional, o que nos leva a concluir que uma educação que visa à emancipação social e política dos sujeitos, logo, objetiva, também, a sua emancipação humana, o que só é possível em outra sociedade que não seja sustentada em uma relação de exploração.

Considerações finais

No decorrer deste texto, buscamos apontar considerações sobre o Materialismo Histórico-Dialético e suas contribuições para a realização da pesquisa científica na área da educação. O texto apresentou reflexões acerca da concepção de pesquisa, ressaltando a importância de que ela seja bem construída teórica e metodologicamente, demonstrando sua potencialidade e rigor epistemológico na intenção de que especialistas de outras áreas do conhecimento possam apropriar-se dos nossos estudos e utilizá-los em suas investigações.

Foi abordado o método do Materialismo Histórico- Dialético, o qual fundamenta as análises com base em abordagens histórica, econômica, social e política, apreendendo o objeto na realidade objetiva, material, concreta, para alcançar sua essência e totalidade, desvelando, assim, as contradições imbricadas no cerne das práticas sociais.

A partir das bases epistemológicas desse método, especificamente pela concepção dialética, compreendida como filosofia crítica interpretativa, é possível apreendermos a realidade educacional a partir das interpretações dos fenômenos sociais que acontecem nos espaços institucionalizados em que a educação ocorre, estabelecendo, logicamente, relações com o contexto social mais amplo, apoiando-se nos aspectos históricos, econômicos e políticos para chegarmos à essência do objeto.

Nesse caminhar epistemológico, o próprio método configura-se como elemento de contravenção da ordem social, fazendo com que seja necessário estabelecermos uma análise crítica do objeto, concebendo tanto a educação quanto a pesquisa sob uma perspectiva ampla e crítica, como ato político, visando ao desvelamento das opressões e contradições impostas pela sociedade capitalista dividida em classes. Assim, sob esse viés de criticidade e rigor metódico, tanto a educação, no sentido geral, quanto a pesquisa científica constituem-se com o intuito de alcançarmos a emancipação social e política dos sujeitos. Portanto, concluímos que o Materialismo Histórico-Dialético possibilita pensarmos a construção da pesquisa científica na área da educação com base em uma perspectiva crítica, constituindo-a como ato político.

Referências

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Recebido: 17 de Março de 2023; Aceito: 10 de Agosto de 2023

Editoras: Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista e Profa. Dra. Marcia Fusaro

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