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Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.66 São Paulo jul./sept 2023  Epub 19-Feb-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n66.25026 

Dossiê 66: Educação e Libertação Africana Contemporânea

LITERATURA INFANTIL E AS RELAÇÕES RACIAIS: UMA MIRADA SOBRE AS OBRAS CONTEMPORÂNEAS

CHILDREN'S LITERATURE AND RACIAL RELATIONS: A LOOK AT CONTEMPORARY BOOKS

LITERATURA INFANTIL Y RELACIONES RACIALES: UNA MIRADA A LAS OBRAS CONTEMPORÁNEAS

Mônica de Ávila Todaro, Doutora em Educação1 
http://orcid.org/0000-0001-7777-925X

Alesandra Cristina de Carvalho, Mestre em Educação2 
http://orcid.org/0000-0002-6911-7667

1Doutora em Educação, Universidade Federal de São João del-Rei - UFSJ, Minas Gerais - Brasil

2Mestre em Educação, Universidade Federal de São João del-Rei - UFSJ, Minas Gerais - Brasil


Resumo:

Este artigo tem por objetivo mirar as obras disponíveis no mercado editorial a fim de compreender o cenário de livros de literatura infantil que apresentam personagens negros e/ou a cultura e a história afro-brasileira e africana. A Lei 10.639/03 trouxe marcos importantes para a educação básica brasileira e pode influenciar também as produções de literatura infantil. A questão nos moveu a pesquisar foi: como as obras de literatura infantil com personagens negras e a cultura e história afro-brasileira e africana são apresentadas no mercado editorial? Analisamos, qualitativamente e quantitativamente, os catálogos de duas livrarias e onze editoras de literatura infantil. As livrarias e editoras selecionadas foram: Cultura, Saraiva, Ática, Companhia das Letrinhas, DCL, FTD, Paulinas, Salamandra e Scipione, Mazza, Pallas e SM. Como fundamentação teórica, trouxemos as contribuições de Araujo e Dias (2019) para as relações étnico-raciais na Literatura Infantil; de Gomes (2012) para as relações étnico-raciais; e as ideias de Freire (2006) sobre Educação e Leitura de mundo. Concluímos que há um número reduzido de obras de literatura infantil que abordam as relações raciais quando comparado à quantidade total de livros voltados para as crianças. Notamos, também, que ainda há um longo caminho a ser percorrido quando se trata das questões etárias e de gênero.

Palavras-chave: literatura infantil; relações raciais; lei 10.639/03.

Abstract

This article aims to look at the works available in the publishing market in order to understand the scenario of children's literature books that feature black characters and/or Afro-Brazilian and African cultures and histories. The Law 10.639/03 brought important milestones for Brazilian basic education and may also influence the production of children's literature. The question that guided our research was: how are works of children's literature with black characters and African-Brazilian and African cultures and histories presented in the publishing market? We analyzed, qualitatively and quantitatively, the catalogs of two bookstores and eleven publishers of children's literature. The bookstores and publishers selected were: Cultura, Saraiva, Ática, Companhia das Letrinhas, DCL, FTD, Paulinas, Salamandra e Scipione, Mazza, Pallas and SM. As a theoretical foundation, we brought the contributions of Araujo and Dias (2019) to ethnic-racial relations in Children's Literature; of Gomes (2012) for ethnic-racial relations; and Freire's ideas (2006) about Education and Reading of the world. We conclude that there is a small number of works of children's literature that address race relations when compared to the total number of books aimed at children. We also note that there is still a long way to go when it comes to age and gender issues.

Keywords: children's literature; race relations; law 10.639/03.

Resumen

Este artículo tiene como objetivo analizar las obras disponibles en el mercado editorial para comprender el escenario de los libros de literatura infantil que presentan personajes negros y/o la cultura y la historia afrobrasileña y africana. La Ley 10.639/03 marcó importantes hitos para la educación básica brasileña y también podría influir en la producción de literatura infantil. La pregunta que nos impulsó a investigar fue: ¿cómo se presentan en el mercado editorial las obras de literatura infantil con personajes negros y de la cultura e historia afrobrasileña y africana? Analizamos, cualitativa y cuantitativamente, los catálogos de dos librerías y once editoriales de literatura infantil. Las librerías y editoriales seleccionadas fueron: Cultura, Saraiva, Ática, Companhia das Letrinhas, DCL, FTD, Paulinas, Salamandra e Scipione, Mazza, Pallas y SM. Como fundamento teórico trajimos los aportes de Araujo y Dias (2019) a las relaciones étnico-raciales en la Literatura Infantil; por Gomes (2012) para las relaciones étnico-raciales; y las ideas de Freire (2006) sobre Educación y Lectura del mundo. Concluimos que existe un número reducido de obras de literatura infantil que abordan las relaciones raciales en comparación con el número total de libros dirigidos a niños. También observamos que todavía queda un largo camino por recorrer en lo que respecta a cuestiones de edad y género.

Palabras clave: literatura infantil; relaciones raciales; ley 10.639/03.

Introdução

Compreendida como arte, a literatura infantil faz a leitora e o leitor saltarem para dentro de histórias, personagens e lugares. Cada livro é uma obra única. “Nunca é demais lembrar: a literatura, em especial aquela que reflete e problematiza subjetividades, pode ser uma grande aliada da humanidade” (Baptista, 2016, p. 88). As relações raciais podem ser apresentadas sob diversas abordagens nos textos destinados às crianças.

Para Paulo Freire, na obra A importância do ato de ler, “[...] a leitura do mundo e a leitura da palavra estão dinamicamente juntas” (Freire, 2009, p. 29). Portanto, para ampliar a leitura de mundo é necessário expandir o repertório de palavras. O patrono da educação brasileira nos ensinou sobre o comprometimento “[...] com a leitura e a reescrita da realidade” (Freire, 2009, p. 41). Se pretendemos construir uma sociedade mais humana e respeitosa, então precisamos mirar livros que ajudem as crianças a pensarem corretamente. Pensar corretamente, para Paulo Freire, significa “[...] procurar descobrir e entender o que se acha mais escondido nas coisas e nos fatos que nós observamos” (Freire, 2009, p. 77).

Neste artigo, temos como objetivo mirar os livros de literatura infantil que apresentam personagens negros e/ou a cultura e a história afro-brasileira e africana, no mercado editorial. Para isso, analisamos, qualitativamente e quantitativamente, os catálogos de duas livrarias e onze editoras de literatura infantil, sendo elas: Cultura, Saraiva, Ática, Companhia das Letrinhas, DCL, FTD, Paulinas, Salamandra e Scipione, Mazza, Pallas e SM.

Organizamos este texto da seguinte forma: inicialmente, refletimos sobre a literatura infantil, as relações raciais e a Lei 10.639/03; em seguida, apresentamos e analisamos os dados coletados na pesquisa; e, por fim, tecemos nossas considerações.

Literatura infantil, relações raciais e a lei 10.639/03

A literatura infantil se faz presente no mercado editorial, nos lares, em bibliotecas e escolas. Nas instituições escolares, muitas vezes, notamos uma restrição de seus usos com intenções moralizantes e pedagógicas. Araujo e Dias (2019, p. 10) consideram que “a literatura infantil é um dos aportes culturais mais acessíveis e acessados no espaço escolar. Assim, ela pode contribuir efetivamente para a proposta de ampliação dos repertórios culturais, de interpretações sobre o mundo e sobre si mesma”.

Para além do espaço escolar, precisamos considerar a formação leitora do indivíduo. De acordo com Debus (2006; 2007; 2017), o contato com textos literários, que apresentam personagens em diferentes contextos, permite uma visão ampliada do mundo. Portanto, torna-se imprescindível um repertório de livros de literatura infantil com representações variadas e ampliadas do mundo e dos corpos, especialmente dos corpos negros, que, desde a colonização, sofrem brutal violência física e simbólica, inclusive a retirada de seus direitos básicos como cidadãos.

A potência da literatura infantil, que amplia repertórios culturais, apresenta e representa um outro mundo à criança; ao comunicar sobre as relações e imaginários sociais, possibilita ler o mundo com criticidade. Pensando especificamente na literatura e nas relações raciais, questionamos: o leitor, como agente social ativo, pode, a partir da leitura literária, construir caminhos para mudanças? O que pode a representação do mundo negro, de forma positiva, e dos corpos negros, como protagonistas, contribuir para a construção de uma educação antirracista, compromissada com a democracia e a diversidade?

As pesquisas sobre as culturas e histórias afro-brasileira e africana e a presença de personagens negros na literatura infantil, de acordo com Debus (2017), efetivaram-se a partir da década de 1980, com ampliação a partir do ano 2000. A ampliação do número de obras literárias e de pesquisas sobre a temática está relacionada à apropriação da literatura infantil pela escola e pelas políticas públicas sobre as relações étnico-raciais, e acabou gerando mudanças no mercado editorial.

Os Temas Transversais, presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), iniciam no cenário educacional brasileiro a introdução à demanda da pluralidade cultural. No entanto, criada por influência do Movimento Negro, a Lei 10.639/2003 - que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Brasil, 1996), tornando obrigatório o ensino de Cultura e História afro-brasileira e africana nas escolas públicas e privadas de Ensino Fundamental e Médio no Brasil - foi a principal impulsionadora de mudanças em relação a produção de literatura infantil no que tange as relações raciais.

A intenção, a partir da implementação da Lei 10.639/03, é romper com práticas e teorias limitadas que ainda existem no espaço escolar, inclusive sobre conhecimentos, culturas e saberes considerados superiores em relação aos da população negra, estabelecendo uma relação de poder entre eles. A lei propõe uma educação para as relações étnico-raciais como um novo paradigma para a educação brasileira.

Um paradigma que compreende que não há hierarquias entre conhecimentos, saberes e culturas, mas, sim, uma história de dominação, exploração, e colonização que deu origem a um processo de hierarquização de conhecimentos, culturas e povos. Processo esse que ainda precisa ser rompido e superado e que se dá em um contexto tenso de choque entre paradigmas no qual algumas culturas e formas de conhecer o mundo se tornaram dominantes em detrimento de outras por meio de formas explícitas e simbólicas de força e violência. Tal processo resultou na hegemonia de um conhecimento em detrimento de outro e a instauração de um imaginário que vê de forma hierarquizada e inferior as culturas, povos e grupos étnico-raciais que estão fora do paradigma considerado civilizado e culto, a saber, o eixo do Ocidente, ou o “Norte” colonial (Gomes, 2012, p. 102).

Para priorizar novas leituras de mundo sobre história e cultura brasileiras, rompendo com percepções hierarquizadas e de dominação sobre os corpos, as culturas e a história, a escola precisa se reestruturar, a partir de seu currículo, repensando suas práticas pedagógicas que tratam das relações étnico-raciais. A escola, a partir da Lei 10.639/03, deveria apresentar a história e a cultura da África e dos africanos, a fim de contar uma outra história sobre o Brasil. A lei normatiza, ainda, que os conteúdos sejam articulados em todo o currículo escolar, de maneira especial, nas áreas de educação artística, literatura e história brasileira. Ainda sobre a Lei 10.639/03, Gomes (2012) alerta que ela

[...] exige mudança de práticas e descolonização dos currículos da educação básica e superior em relação à África e aos afro-brasileiros. Mudanças de representação e de práticas. Exige questionamento dos lugares de poder. Indaga a relação entre direitos e privilégios arraigada em nossa cultura política e educacional, em nossas escolas e na própria universidade (Gomes, 2012, p. 100).

Com objetivo de regulamentar as alterações trazidas à Lei n° 9496/96, o parecer do Conselho Nacional da Educação (Brasil, 2004) aponta Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Essas Diretrizes não determinam ações uniformes, mas oferecem referenciais e critérios mínimos a serem seguidos pelas instituições de ensino, que devem ser repensadas e, quando necessário, reformuladas.

O documento também traz a relevância do estudo das histórias e culturas afro-brasileira e africana por todos os sujeitos, não apenas por integrantes da população negra, pois todas as pessoas devem educar-se como cidadãos atuantes numa sociedade multicultural e plural, construindo uma nação democrática. A literatura infantil, no contexto legal, pode se apresentar de diferentes maneiras, com intenção de explicar, fazer compreender e levar a interpretar as diversas formas de expressão e racionalidade da cultura africana, promovendo diálogo e comunicação de diversos sistemas simbólicos e estruturas conceituais.

Rompendo com a visão estereotipada de miséria e escravização, de acordo com as Diretrizes, a história da África deve ser apresentada de maneira positiva e realista, com suas tradições, ancestralidade, religiosidade, políticas pré-coloniais, lutas políticas, contribuições cientificas e filosóficas, entre outros aspectos. Sobre os livros disponíveis nas escolas, há a indicação de que estes devem abordar a pluralidade cultural e a diversidade étnico-racial, e ainda, devem corrigir distorções e equívocos nas obras já publicadas, anterior às Diretrizes (Brasil, 2004).

As legislações mencionadas são fundamentais para a inserção do tema na educação quando se trata das relações raciais, afinal, segundo Gomes (2012, p. 102-103), significam “[...] uma ruptura cuja ampliação tem se dado, com limites e avanços, por força da lei. E uma lei que não é somente mais uma norma: é resultado de ação política e da luta de um povo cuja história, sujeitos e protagonistas ainda são pouco conhecidos.”. Surge, então, a necessidade de enfrentar e combater a ideologia racista na direção de uma educação que proporcione uma sociedade mais justa que atenda os direitos de todos.

A Lei 10.639/03 deve ser compreendida como uma possibilidade de mudanças culturais e políticas nos campos curriculares e epistemológicos, e de rompimento com silêncios na perspectiva de uma educação antirracista. Acreditamos que a literatura infantil possa contribuir para implementação da Lei 10.639/03. A literatura infantil, com protagonistas e personagens negras valorizadas, se mostra como uma possibilidade de rompimento com estereótipos sobre os corpos negros. Por outro lado, pode contribuir para a ressignificação de padrões brancos tidos historicamente como normativos, afinal, desde o processo de colonização esse padrão tem sido apresentado como um ideal de beleza, percebido, muitas vezes, como superior.

A literatura infantil pode, ainda, apresentar o mundo, especialmente a África, por lentes que valorizem as pluralidades e rompam com ideias colonizadoras de hierarquização de culturas e corpos. E assim, ao apresentar a diversidade cultural, política e social desses diferentes povos, representar esses corpos significa mostrar sua estética, sua beleza, suas características e as práticas culturais que neles e com eles são construídas de forma positiva e valorizada. Resgatar a dignidade e a humanidade, que, brutalmente, foram retiradas pela escravidão e pelo processo de dominação, é uma tarefa que requer compromisso de todas as pessoas.

O que se percebe através da história contada sobre o continente africano, principalmente no espaço escolar, se reduz geralmente a retratar miséria, problemas econômicos e sociais, a esconder a diversidade étnica e cultural desses povos e, em geral, a apresentar a África de maneira estereotipada e generalizada. Existe uma ausência de conhecimentos sobre os diferentes povos africanos, sobre sua cultura e história, antes e depois da colonização europeia. Na busca por mudanças, sentir-se representado por personagens como protagonistas nos livros possibilita às crianças negras construírem uma leitura positiva e significativa sobre si e sobre seus pares negros.

A criança negra precisa de representatividade que permita-lhe construir sua identidade, uma identidade que envolve o corpo negro e, especialmente para as meninas negras, o cabelo crespo. O desejo das meninas negras de alisarem seus cabelos crespos inicia-se, muitas vezes, na infância (Gomes, 2017). Portanto, a escola pode ser um espaço de tensão nessa relação entre a criança negra e seu corpo. Para Gomes (2020, p. 193), o desejo de modificação do cabelo é complexo, podendo estar relacionado às construções da própria imagem e às “[...] relações sociais assimétricas, baseadas na imposição de modelos de homem, de mulher, de adulto, de raça e de etnia”. A literatura infantil pode atuar como um instrumento para a consolidação de modelos ideais de beleza: para as meninas, a pele branca, o cabelo liso, os olhos claros e traços morfológicos finos. Logo, a imagem idealizada do colonizador como padrão de gosto estético influencia negativamente na construção da identidade negra.

Dessa forma, a identidade da criança negra pode ser atravessada pela ausência de imagens de corpos parecidos com o seu. Se os personagens negros apresentados na literatura aparecem em papéis secundários, marcados por estereótipos, pela desvalorização das características das pessoas negras e por visões limitadas e reducionistas do continente africano, a opressão continua. O silenciamento da cultura e da história dos povos africanos e afro-brasileiros, e a omissão dos corpos negros nas diferentes formas de representação cultural, especialmente através da literatura infantil, pode contribuir para a manutenção de visões do sujeito negro como exótico e sem humanidade. Afinal, o processo brutal de dominação configura-se na disseminação da ideia de que as pessoas negras são inferiores às brancas e, assim, estabelece-se a crença da desumanização das pessoas negras.

Para romper com essas normas, que insistem em manter as estruturas de dominação e colonização, acredita-se que a literatura infantil voltada para as relações raciais possa gerar uma outra leitura do mundo e dos corpos negros. Para isso, faz-se necessário apresentar a diversidade dos povos africanos e afro-brasileiros e trazer a representação protagonista e valorizada das pessoas negras. Dessa forma, o que se quer é uma literatura comprometida com uma educação antirracista e, portanto, democrática e justa.

Aprender sobre a cultura e história africana e a ancestralidade negra, através dos contos africanos, por exemplo, torna-se importante na leitura que a criança faz do mundo negro. Na busca por trilhar um caminho de qualidade de meios de representação da cultura, da história e dos corpos negros, Araujo e Dias (2019, p. 2) denunciam que, “[...] às crianças pretas e brancas o que lhes é oferecido para constituírem conceitos amplos e positivos da diversidade que compõe o mundo é muito pouco”.

Às crianças, nos espaços escolares, são muitas vezes apresentadas percepções do mundo que encobertam as riquezas da diversidade e da cultura da África e do Brasil afro-brasileiro. Araujo e Dias (2019, p. 1) desenvolveram uma pesquisa com objetivo de “evidenciar experiências de crianças pretas em pesquisas acadêmicas e na literatura”. As autoras concluíram que,

[...] além de que vivem conflitos, aventuras e experiências diversificadas em função de suas diferentes visões de mundo, dizem que existem variadas maneiras de ser criança preta. Como meninas e meninos, no continente africano ou no Brasil, essas crianças evidenciam a necessidade cada vez mais urgente da ampliação do conceito de infância (Araujo; Dias, 2019, p. 17).

A ampliação do conceito de infância demanda a consideração dos diferentes contextos nos quais se é criança. Desse modo, diante da realidade racial constituída historicamente no Brasil, pode-se questionar os atravessamentos vivenciados pela criança negra. Será que diante das representações do corpo negro pela literatura infantil, a criança negra se sente atendida em sua subjetividade?

Para Araujo e Dias (2019, p. 8), a concepção de beleza, desde a infância, surge nos discursos e nas vivências das crianças negras, sendo “[...] um tema recorrente para elas. Algumas dizem que a beleza tem a ver com os cabelos, outras com a cor de pele e, ainda outras, com os olhos”. As autoras, ao analisar falas de crianças negras sobre as definições de beleza, concluíram que “[...] as crianças nos dizem que o pertencimento étnico-racial perpassa suas experiências escolares e, especialmente para as crianças pretas, desenvolve-se um processo de instabilidade de sua subjetividade” (Araujo; Dias, 2019, p. 9).

Gomes (2017), ao tratar do tema do corpo negro, apresenta a necessidade de reflexão crítica sobre ideias cristalizadas de beleza e as relações étnico-raciais. Para a autora,

[...] ao refletirmos sobre a beleza expressa no corpo, e sobretudo no corpo negro, sempre devemos considerar que o negro se expressa visualmente por meio do destaque (consciente e inconsciente) e dá valorização dos sinais de acríticos que possui. Na sociedade brasileira, a cor da pele e o cabelo são utilizados como critérios definidores de beleza ou de feiura dentro do nosso sistema de classificação racial. Há um conflito entre padrões estéticos de beleza e fealdade e estes passam por uma discussão étnico racial. Estamos, portanto, em uma zona de tensão. É dela que emerge um padrão de beleza corporal real e um ideal. No Brasil, esse padrão ideal é branco, mas o real é negro e mestiço (Gomes, 2017, p. 111).

Por existir a crença em um padrão de beleza idealizado, a relação conflituosa existente sobre beleza e feiura perpassa os corpos negros de forma tensa e conflituosa e, afinal, este padrão define o que é e o que não é belo. Além disso, nessa mesma lógica, o ideal de beleza envolve questões raciais, étnicas, etárias e de gênero. Esse imaginário idealizado de beleza pode estar visível nos diferentes meios de representação dos corpos na literatura infantil. Essa crença em um padrão de beleza ideal se contrapõe aos padrões reais brasileiros. Apresenta-se como belos os corpos brancos, de cabelos lisos, olhos claros, nariz e lábios finos, ou seja, características representativas do colonizador europeu.

A respeito da “superioridade estética”, retomamos Gomes (2017) em sua reflexão crítica sobre a tensão entre regulação e emancipação. Segundo ela, os corpos negros regulados são aqueles “estereotipados por um conjunto de representações que sustentam os ideais de beleza corporal branca, eurocentrada e, no limite, miscigenada em contraposição a pele preta” (Gomes, 2017, p. 96). Ou seja, a regulação dos corpos negros se estabelece nos imaginários de superioridade estética em relação à crença de padrão de beleza branca, como melhor e superior. Essa regulação acontece na desvalorização da pele negra, do cabelo crespo e dos sinais diacríticos do corpo negro. E ainda, se estende à sua história e à sua cultura. Afinal, a maneira como o corpo é manipulado está relacionada a cultura e a ancestralidade africana e afro-brasileira.

Na direção contrária à da regulação, os corpos negros emancipados, para Gomes (2017, p. 97), são aqueles que

se distinguem e se afirmam no espaço público sem cair na exotização ou na folclorização. A construção política da estética e da beleza negra. A dança como expressão e libertação do corpo. a arte como forma de expressão do corpo negro. Os cabelos crespos, os penteados afros, as roupas e as formas de vestir que transmitem uma ancestralidade africana recriada e ressignificada no Brasil.

Então, os corpos negros que questionam o mundo, na vida e na literatura infantil, se contrapõem às estruturas racistas lutando pelo direito de existência e emancipação. São corpos emancipados que leem e são lidos, comunicam sua beleza e geram outras leituras de mundo.

Porém, devido ao contexto diverso em que os sujeitos estão inseridos, esta relação entre regulação e emancipação dos corpos negros não acontece de forma linear e passiva, já que envolve tensão, conflitos e contradições. Afinal, “[...] são processos tensos e dialéticos que se articulam ora com maior, ora com menor equilíbrio; porém, sempre de forma dinâmica e conflitiva. Esses processos assumem contornos diferentes, de acordo com os contextos históricos e políticos dos quais participam” (Gomes, 2017, p. 97).

Dessa forma, pergunta-se: a escola contribui para a emancipação e/ou para a regulação dos corpos negros? A escola, ainda que de maneira silenciosa e velada, vive o conflito que consiste em ser composta por pessoas reais e diversas, mas ainda insistir, muitas vezes, em valorizar e destacar o imaginário ideal branco. Devido ao contexto histórico, nas palavras de Gomes (2017, p. 134),

[...] a escola pública, mesmo sendo um direito social, se esquece de que ela é uma instituição que mais recebe corpos marcados pela desigualdade sócio racial acirrada no contexto da globalização capitalista. Corpos diferentes, porém discriminar por isso, por causa da sua diferença. Corpo sábios, mas que têm o seu saber desprezado enquanto forma de conhecimento.

Os corpos que compõem a escola brasileira, especialmente a pública, são caracterizados pela diversidade, que está visível nas diferenças físicas, culturais, históricas e sociais. As obras de literatura infantil, presentes na escola pública após a instituição da Lei 10.639/03, têm apresentado a diversidade dos corpos, das histórias e das culturas?

O que se espera com a inserção de obras de literatura infantil nas escolas, em quantidade e qualidade, é o comprometimento em ressaltar a beleza real das populações africana e afro-brasileira, para, assim, tensionar e romper com as crenças nos padrões estereotipados de ser belo. Livros que atendam as expectativas estéticas de uma sociedade diversa e múltipla, ressaltem as características dos diferentes corpos, culturas e histórias e promovam uma educação antirracista, em uma escola aberta para a diversidade e a democracia.

Ao considerar as percepções sobre beleza para a construção da identidade negra e da leitura que essas crianças realizam de si, dos outros e do mundo, pode-se dizer que a literatura infantil, compreendida como arte, comunica ao leitor, e que ele, por sua capacidade de interpretação e ampliação, pode ser, de diferentes maneiras, comunicado, assume relevância ao pensar sobre a beleza e os corpos belos. Portanto, as obras de literatura infantil podem valorizar a beleza negra ou podem contribuir para reforçar estereótipos e preconceitos sobre os corpos negros.

Para Araujo e Dias (2019, p.11), há também um “racismo literário atuante de modo a invisibilizar a população negra na produção artística brasileira”. Afinal, o racismo literário, gerado pela invisibilidade dos corpos negros nas obras literárias, ou apenas representado por pessoas brancas valorizadas e protagonistas, pode dizer aos leitores que os corpos negros não são belos e importantes e, por isso, ficam silenciados. Ou, quando surgem, apresentam uma visão exótica e erótica das pessoas negras (Gomes, 2017).

Quando se problematiza a representação dos corpos negros, outro aspecto relevante, além da linguagem escrita, são as ilustrações, elemento característico das obras literárias voltadas para crianças. As ilustrações possibilitam novas compreensões e ampliações da leitura do texto e um livro pode ser composto apenas por ilustrações, sem a presença de um texto escrito. Para Lima (2005, p. 101),

[...] toda obra literária, porém, transmite mensagens não apenas através do texto escrito. As imagens ilustradas também constroem enredos e cristalizam as percepções sobre aquele mundo imaginado. Se examinadas como conjunto, revelam expressões culturais de uma sociedade. A cultura informa através de seus arranjos simbólicos, valores e crenças que orientam as percepções de mundo.

Diante disso, por contribuir na leitura do mundo, pela possibilidade de representação dos corpos e por revelar expressões culturais, valores e crenças, torna-se necessário uma reflexão crítica sobre as ilustrações nas obras de literatura infantil, principalmente quando se trata das relações raciais. Não há neutralidade nas ilustrações, pois,

[...] a imagem age como instrumento de dominação real através de códigos embutidos em enredos racialistas, comumente extensões das representações das populações colonizadas. A representação popular do outro racial pela mídia também sugere uma investigação, como fantasias coletivas que ajudam na manutenção de identidades dominantes, construtoras de sentimentos que acabam por fundamentar as relações sociais reais (Lima, 2005, p. 102).

Lutar contra a manutenção de identidades dominantes, que inferiorizam a cultura, a história e a estética dos corpos negros, implica refletir sobre as ilustrações que compõem as obras de literatura infantil. Diante das exigências da Lei 10.639/03, essas obras devem apresentar, em quantidade e qualidade, uma estética que potencialize a emancipação dos sujeitos negros. O corpo negro, ilustrado no texto literário, contribui na luta pelo direito de ser visto, ser belo, ser protagonista e ser valorizado, porque

[...] se o que mais almejamos é uma literatura infantil que subverta lógicas didatizantes e se apresente às crianças como um produto cultural, garantir a elas o acesso a obras com valorização da diversidade étnico-racial (e não apenas a partir de um grupo) é também reivindicar qualidade literária (Araujo; Dias, 2019, p. 17).

Enfim, acreditamos que a literatura pode ser um instrumento potente para a educação para as relações raciais. Considerando a importância das obras literárias voltadas para crianças e que trazem personagens negros, as histórias e culturas afro-brasileira e africana, perguntamos: quantos são os livros disponíveis no mercado editorial? Como a representação humana aparece nas capas das obras? Qual a representação etária e de gênero das personagens principais? Quais editoras são responsáveis pelo maior número de publicações sobre a temática?

A pesquisa no mercado editorial

No cenário mercadológico, foram analisados os catálogos das livrarias Cultura e Saraiva. A partir dos livros encontrados com personagens negras e/ou que apresentassem as culturas e histórias afro-brasileira e africana, foram selecionadas as três editoras com maior número de obras publicadas para análise de seus catálogos: Moderna, Mazza e FTD.

Ainda no mercado editorial, consultou-se também os catálogos das dez editoras analisadas anteriormente por Debus (2017): Ática, Companhia das Letrinhas, DCL, FTD, Paulinas, Salamandra, Scipione, Mazza, Pallas e SM.

Podemos perceber que a somatória geral das editoras Saraiva e Cultura totalizou 1.794 livros. Desse montante, 88 obras apresentavam as culturas e histórias africana e afro-brasileira e/ou personagens negras, ou seja, apenas 4,9% dos livros.

Nas 88 obras selecionadas, foram analisadas as editoras, a fim de quantificar as que mais publicaram obras com a temática pesquisada. No catálogo de 2022, de vendas das livrarias Saraiva e Cultura, as editoras com maior número de obras encontradas foram: Moderna, Mazza e FTD.

Quando comparados nossos dados coletados em 2022 e os coletados por Debus (2017) em 2005/2006 e 2008/2009, percebemos um aumento no número de livros que apresentam o negro e/ou as culturas africana e afro-brasileira, o que pode estar relacionado aos impactos da Lei 10.639/03 nas produções de literatura infantil. Para esse resultado, comparamos os dados obtidos pelas mesmas editoras pesquisadas por Debus (2007): Ática, Companhia das Letrinhas, DCL, LTD, Paulinas, Salamandra e Scipione, Mazza, Pallas e SM e fizemos a Tabela 1.

Tabela 1 Número de obras que apresentam o negro e/ou as culturas africana e afro-brasileira 

2005/2006 2008/2009 2022
Total de livros 1.785 2.417 2.357
Livros que apresentem o negro e/ou a cultura africana e afro-brasileira 79 171 223

Fonte: Elaborada pelas autoras para fins de pesquisa.

Na análise das obras nos catálogos das livrarias Saraiva e Cultura, a editora com maior número de obras que apresentam o negro e/ou as culturas africana e afro-brasileira foi a Moderna. Ao analisarmos os catálogos de onze editoras, obtivemos um total de 246 livros sobre a temática pesquisada. Para a seleção das obras, utilizamos a busca pelos seguintes descritores: negro, negra, África, africano, preto, preta, além da análise de títulos, capas e sinopse dos catálogos. Comparamos os resultados quantitativos e obtivemos os dados que apresentamos na Tabela 2.

Tabela 2 Quantidade de livros nos catálogos das editoras que abordam a cultura e história africana e afro-brasileira e/ou apresentassem personagens negras 

Editoras Total de livros Livros com história, cultura afro-brasileira e africana e/ou personagens negras Percentual de livros com história, cultura afro-brasileira e africana e/ou personagens negras
Ática 215 7 3,25%
Companhia das Letrinhas 660 31 4,69%
DCL 125 8 6,4%
FTD 275 21 7,63%
Mazza 87 49 56,32%
Moderna 529 23 4,34%
Pallas 69 45 65,21%
Paulinas 402 25 6,21%
Salamandra 296 20 6,75%
Scipione 172 9 5,23%
SM 56 8 14,28%
2.886 246 8,52%

Fonte: Elaborada pelas autoras para fins de pesquisa.

Percebe-se que o número de obras que tratam das culturas e histórias africana e afro-brasileira e/ou que apresentam personagens negras é ainda baixo quando comparado à quantidade total de livros dos catálogos das editoras analisadas, resultando em 8,52% das obras. Diante desse resultado, analisamos a proporção de obras em cada editora e a apresentamos no Gráfico 1.

Fonte: Elaborado pelas autoras para fins de pesquisa.

Gráfico 1 Quantidade de obras disponíveis nas editoras - 2022 

As editoras com maior oferta de livros sobre a temática pesquisada são Mazza (56,32%) e Pallas (65,21%). Ambas assumem no mercado editorial o compromisso com a produção de obras literárias que apresentam os corpos negros e as culturas e histórias africana e afro-brasileira.

Além dos dados quantitativos, foram registrados, a partir de análise de títulos, ilustrações na capa e sinopses, os dados referentes aos livros selecionados de cada editora: título, capa, ano de edição, sinopse, representação negra em na capa, culturas e histórias afro-brasileira e africana. Os dados foram organizados por editoras: Ática, Companhia das Letrinhas, FTD, SM.

A partir desses dados, analisamos, nas 11 editoras selecionadas, as produções por ano de publicação dos livros que apresentavam personagens negras e/ou as culturas e histórias afro-brasileira e africana. Os dados foram organizados no Gráfico 2.

Fonte: Elaborado pelas autoras para fins de pesquisa.

Gráfico 2 Ano de publicação dos livros 

Os dados evidenciam a presença constante de publicações sobre a temática e a ascensão, principalmente, em 2010 e em 2021. Tal achado vai de encontro aos resultados da pesquisa de Araujo e Silva (2012):

Entre as políticas públicas gestadas, a instituição de obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira, definida por mudança no artigo 26A da LDB (pelas leis 10.639/2003 e 11.645/2008), parece ter tido impacto na produção. De silêncio e invisibilidade, passamos a contar com relativo aumento da presença de personagens negras frente a uma branquidade imperante e a normas estéticas arianas. Um olhar, no entanto, às livrarias e bibliotecas, revela, enfim, nossa presença, ainda minoritária, mas constante. (Araujo; Silva, 2012, p. 195).

Esta presença minoritária de personagens negras denuncia a necessidade de ampliação da produção de obras literárias para a promoção da diversidade racial na literatura infantil. Porém, ainda que seja um quantitativo reduzido em relação aos demais livros voltados para as crianças, anuncia a importância das políticas públicas para impulsionar o mercado editorial.

Com a intenção de analisar o protagonismo negro e a valorização dos corpos negros nos livros de literatura infantil, buscamos as ilustrações nas capas dos livros com o objetivo de analisar a representação humana nelas contida. Do total de obras selecionadas nos catálogos das 11 editoras, 176 das personagens da capa eram apenas pessoas negras, em 43 obras havia personagens negras e personagens não negras, e em 27 capas de livros foi encontrada alguma representação humana. Os resultados podem ser vistos no Gráfico 3.

Fonte: Elaborado pelas autoras para fins de pesquisa.

Gráfico 3 Análise da representação humana na capa dos livros 

Obtiveram maior representação exclusiva de personagens negras as editoras Mazza, Pallas e Companhia das Letrinhas. Os dados apontam para o protagonismo dos corpos negros nos livros publicados, afinal, a capa é local de destaque, o que sugere uma valorização destes personagens.

As obras que não destacaram nas capas a representação de pessoas negras, traziam elementos das culturas e histórias africana e afro-brasileira, em geral, através de contos africanos. Portanto, mesmo com a ausência de corpos negros nas ilustrações das capas, são obras que podem ser consideradas importantes para a promoção da valorização das relações raciais.

E ainda, dos 224 livros selecionados, 96 apresentavam elementos das culturas e histórias africana e afro-brasileira, como contos e recontos africanos, ou representavam os negros no período escravocrata e pós-escravocrata. Os demais livros eram compostos por personagens, adultos e crianças, em situações cotidianas. Foram encontradas obras que estabeleceram relação com a temática ao tratar da identidade negra, do cabelo crespo e da pele negra.

A fim de pontuar as questões de gênero que atravessam os corpos negros, analisamos as personagens das capas dos livros, registrando a representação feminina (menina, mulher e idosa) e a representação masculina (menino, homem e idoso). Os resultados podem ser vistos na Tabela 3.

Tabela 3 Representação feminina e masculina nos livros 

Representação feminina Quantidade Representação masculina Quantidade
Mulher 31 Homem 37
Menina 83 Menino 103
Idosa 2 Idoso 4
Total 116 Total 144

Fonte: Elaborada pelas autoras para fins de pesquisa.

Se a subjetividade é formada na relação do sujeito com o outro, e como esse processo é mediado pela linguagem e pelo contexto histórico-cultural, depreende-se dos dados coletados que as questões etárias e de gênero merecem uma mirada sobre as obras contemporâneas destinadas às crianças. Afinal, percebe-se maior representatividade masculina quando comparada à feminina e uma representação ínfima de personagens idosos.

Considerações finais

Nosso estudo teve por objetivo analisar a disponibilidade mercadológica de livros de literatura infantil que apresentam personagens negros e/ou as culturas e as histórias afro-brasileira e africana. Limitamos nossa mirada aos catálogos de duas livrarias e onze editoras.

A partir da pesquisa, concluímos ter ocorrido entre 2009 e 2022 um aumento do número de obras de literatura infantil sobre a temática em questão. Porém, diante do número total de livros em cada catálogo e nas duas livrarias, consideramos que a porcentagem ainda é baixa.

Apontamos também a necessidade de uma reflexão sobre a diversidade de gênero nas obras porque a maioria dos livros encontrados retrata apenas personagens masculinos. E, ainda, questionamos a ausência de diversidade etária nas obras, pois, encontramos um baixo número de livros que representasse pessoas idosas. Portanto, a literatura infantil, no mercado editorial, além do compromisso com as relações étnico-raciais, precisa estar atenta também às questões etárias e de gênero.

Por fim, acreditamos que a literatura infantil que “reflete e problemattiza subjetividades” (Baptista, 2016, p. 88) oportuniza novas maneiras de ler o mundo com criticidade e pode ser uma grande aliada na construção de uma sociedade mais humana, justa, democrática e respeitosa para todas as pessoas.

Referências

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Recebido: 26 de Maio de 2023; Aceito: 22 de Junho de 2023

Editoras: Dra. Ana Maria Haddad Baptista e Profa. Dra. Marcia Fusaro

Editores Convidados - Dossiê 66: Prof. Dr. Jason Ferreira Mafra, Prof. Dr.

José Eustáquio Romão, Prof. Dr. Maurício Pedro da Silva

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