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Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.66 São Paulo jul./sept 2023  Epub 19-Feb-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n66.24992 

Ensaios

A BUSCA INTERIOR E A CONSCIÊNCIA COLETIVA POR MEIO DAS OBRAS DE MARCO LUCCHESI: DIÁLOGOS E ENCONTROS NECESSÁRIOS

THE INNER SEARCH AND COLLECTIVE CONSCIOUSNESS THROUGH THE WORKS OF MARCO LUCCHESI: DIALOGUES AND NECESSARY ENCOUNTERS

LA BUSQUEDA INTERIOR Y LA CONCIENCIA COLECTIVA A TRAVES DE LA OBRA DE MARCO LUCCHESI: DIALOGOS Y ENCUENTROS NECESARIOS

Milena Marques Micossi, Doutoranda em Educação1 
http://orcid.org/0000-0001-6826-9485

1Doutoranda em Educação, Universidade Nove de Julho - UNINOVE, São Paulo, São Paulo - Brasil


Resumo

O ensaio versa sobre a análise das obras O Poeta do Diálogo e Maví, do escritor, romancista, ensaísta, tradutor, historiador, poeta, ocupante da cadeira nº15 da Academia Brasileira de Letras e diretor da Biblioteca Nacional, Marco Lucchesi. O estudo perpassou por uma breve introdução, de cunho subjetivo, a fim de apresentar ao leitor o contexto que envolveu a leitura das obras e, posteriormente, a escrita deste ensaio. Além da introdução, houve a preocupação em trazer uma descrição detalhada sobre a estrutura de cada livro, na tentativa de demonstrar a sensibilidade, a delicadeza e a profundidade da escrita desse autor que tem, como característica ímpar, a multiculturalidade impressa em suas obras. Além de apontar a multidiversidade cultural, este ensaio buscou expressar a transdisciplinaridade que percorre a escrita dos textos escolhidos. Em suas obras, Lucchesi perpassa pela matemática, astrologia e a música com a leveza e a profundidade necessárias para envolver o leitor de forma integral. Ademais, este ensaio buscou provocar o leitor sobre a relação entre os processos de reflexão subjetiva e a constituição da consciência da relação do sujeito com o seu coletivo. Vivências e experiências cotidianas que colocam à prova a consistência de uma base conceitual, por vezes endurecida, mas que, na verdade, se transforma constantemente, na medida em que tomamos consciência de que a única verdade que percorre nossa a existência é o movimento contínuo de mudança.

Palavras-chave Marco Lucchesi; subjetividade; mudança.

Abstract

The essay analyzes the works O Poeta do Diálogo and Maví, by Marco Lucchesi, writer, novelist, essayist, translator, historian, poet, occupant of chair no. 15 of Academia Brasileira de Letras and director of Brazilian National Library. The study included a brief, subjective introduction to introduce the reader to the context surrounding the reading of the works and, subsequently, the writing of this essay. In addition to the introduction, a detailed description of the structure of each book was provided to demonstrate the sensitivity, delicacy and depth of the writing of this author whose unique characteristic is the multiculturalism imprinted in his works. As well as pointing out the cultural multidiversity, this essay sought to express the transdisciplinarity that runs through the writing of the chosen texts. In his works, Lucchesi goes through mathematics, astrology and music with the lightness and depth necessary to fully engage the reader. In addition, this essay sought to provoke the reader about the relationship between the processes of subjective reflection and the constitution of consciousness of the subject's relationship with its collective. Everyday lives and experiences that test the consistency of a conceptual basis that is sometimes hardened, but which is in fact constantly changing as we become aware that the only truth that runs through our existence is the continuous movement of change.

Keywords: Marco Lucchesi; subjectivity; change.

Resumen

El ensayo analiza las obras O Poeta do Diálogo y Maví, de Marco Lucchesi, escritor, novelista, ensayista, traductor, historiador, poeta, ocupante del sillón nº 15 de la Academia Brasileña de Letras y director de la Biblioteca Nacional. El estudio incluyó una breve introducción subjetiva para introducir al lector en el contexto que rodeó la lectura de las obras y, posteriormente, la redacción de este ensayo. Además de la introducción, nos hemos esforzado por ofrecer una descripción detallada de la estructura de cada libro en un intento de demostrar la sensibilidad, delicadeza y profundidad de la escritura de este autor cuya característica única es el multiculturalismo impreso en sus obras. Además de señalar la multidiversidad cultural, este ensayo ha tratado de expresar la transdisciplinariedad que recorre la escritura de los textos elegidos. En sus obras, Lucchesi atraviesa las matemáticas, la astrología y la música con la ligereza y la profundidad necesarias para enganchar plenamente al lector. Además, este ensayo ha pretendido provocar al lector sobre la relación entre los procesos de reflexión subjetiva y la constitución de la conciencia de la relación del sujeto con su colectivo. Vidas y experiencias cotidianas que ponen a prueba la consistencia de una base conceptual que a veces se endurece, pero que en realidad cambia constantemente a medida que tomamos conciencia de que la única verdad que atraviesa nuestra existencia es el movimiento continuo del cambio.

Palabras clave: Marco Lucchesi; Subjetividade; cambio.

A vida não se constitui de forma linear. Ledo engano dos ingênuos, juvenis, crédulos e insensatos, que insistem em alicerçá-la de forma mais prudente e racional possível. Talvez, essa seja uma busca inconsciente, com o fito de protegerem-se das agruras, dos impactos e das incertezas que a doce e a amarga vida nos convida - e nos obriga - a experimentar todos os dias.

Aqueles que buscam por uma vida serena e pacata, em algum momento são arrebatados por uma lógica incerta, mutável e inconstante, promovida pelas relações que se estabelecem cotidianamente. Assim, são arremessados para um abismo de incertezas, dúvidas e angústias, que atravessam sua essência e desestabilizam tudo aquilo que parecia tão sólido e consolidado.

Após esta abrupta tempestade de emoções, cercada pela euforia da busca incessante por uma resposta objetiva e pontual, diante de um estado de mutação incontrolável, vem a mais bela e temível conclusão: que a vida não é linear, tampouco racional. A vida está em constante mudança e nem sempre conseguimos ter controle sobre ela, principalmente sobre aquelas mudanças que estão à nossa volta.

Nesse momento, o medo, a fragilidade e, por vezes, a dor, é inevitável. Todavia, a dor que a princípio domina e sufoca, com o tempo, suaviza e ensina. Uma dor que convida à reflexão sobre valores, posturas e sentimentos. Aos poucos, ela se acalma e se faz companheira, não mais como dor, mas como consciência. Essa consciência corresponde ao reconhecimento da incompletude, a nossa mais pura e tenra essência.

Nesse cenário, é imperativo que se permita o movimento do refazer-se, num contínuo vir a ser que nos constitui como sujeitos materiais e sensoriais, diante das inúmeras relações tecidas durante nossas vidas.

A necessidade de uma introdução profunda e complexa, se deve ao fato de o trecho referir-se ao depoimento de uma leitora que encontrou, nas obras de Marco Lucchesi, uma nova forma de enxergar as mudanças ocorridas diante das diversas fases de sua própria vida.

Transformações contraditórias e profundas, causadoras de inúmeras crises existenciais, até serem compreendidas como naturais e necessárias. Essa compreensão foi mediada com a leitura de Maví1 e de O poeta do Diálogo2, ambas escritos por Marco Lucchesi.

A aproximação com a obra de Marco Lucchesi permite novos olhares sobre a vida, promove a coragem do leitor em sair de um estado de falso conforto que sufoca e acorrenta para um novo processo de entendimento e de autoconhecimento, livre de preconceitos, angústias ou temores em assumir quem de fato se é ou se deseja vir a ser.

E neste contexto de descobertas, a obra Maví representa a vida tendo a morte como elemento fundamental na sua constituição. Ciclos que necessitam de encerramento para que novos sejam iniciados, morrer para continuar a viver.

Maví é um convite à leitura introspectiva, alicerçada por um panorama rico, no que tange à diversidade cultural. Um exercício poético de compreensão não linear das sensações que nos permeiam e que nos constituem, de uma forma leve e serena. Contudo, sem deixar de ser, ao mesmo tempo, robusta, inquietante e profunda. Dialeticamente, fascinante.

Organizado em dezoito títulos, incluindo o posfácio de Alva Matínez Teixeiro, o livro apresenta poemas que remetem à cultura oriental. Uma demonstração do vasto conhecimento cultural do autor. É impactante se deparar com citações e poemas inspirados na cultura árabe ou hindu, em autores do passado e da atualidade, conduzindo a construção atemporal de uma trilha reflexiva e sensorial, articulada e tecida pela delicadeza e pela profundidade das poesias.

Além disso, é necessário apontar que a obra está dividida em dois grandes temas: Toque, representado pela epígrafe fascinante de Mangalesh Dabral, quando descreve que “de muito longe é possível tocar”. Ou seja, o toque não se configura apenas pela materialização do ato, mas pelo poder sensorial da emoção. Essa primeira parte é composta por nove poemas que demonstram sentimentos, musicalidade e, sobretudo, novamente, o vasto conhecimento cultural do autor, haja vista que, são poemas estruturados em termos e/ou costumes da tradição oriental.

A segunda parte, intitulada Centro, convida à reflexão sobre a centralidade que alicerça e enfraquece, enquanto o autor promove a leitura sobre partidas, ausências, pausas e incertezas. Este segmento também é composto por nove poemas e iniciado pelas palavras de Roberto Juarroz, quando descreve que “o centro é a ausência de um ponto, de infinito e, mesmo só se conhece, com ausência”. Esta segunda parte exprime a ideia da dialética existente entre a vida e a morte.

A delicadeza e a profundidade da obra também nos é revelada a partir da escolha dessas epígrafes, pois a intencionalidade que cada uma traz, em proporcionar ao leitor a relação direta com a mensagem proposta nos poemas que se seguirão, convidam às primeiras imersões sobre a temática. Uma escolha que também ressalta a multidiversidade de Marco Lucchesi, haja vista que, no primeiro capítulo, cita de um jornalista indiano e, no segundo, um poeta, bibliotecário, crítico e ensaísta argentino. Essa diversidade altamente complexa, estimula o desejo do leitor em buscar outros títulos e outras obras do autor. Tal processo pode ser relacionado com o conceito de “curiosidade epistemológica”, alcunhado por Paulo Freire.

O decorrer da leitura demanda a pesquisa de muitos termos, palavras, autores e personagens que não fazem parte do repertório cultural ocidental. Como no poema Improviso, onde encontra-se a palavra “vedas”. Ao entender o seu significado - conhecedores - é possível reconhecer a intenção do autor em apontar que, mesmo os conhecedores e sábios passam pela dúvida, pela dor e, até mesmo, pela insegurança, o que fica aparente no trecho [...] oscila uma vogal dentro de mim [...] (LUCCHESI, 2022, p.15). As reflexões sobre esse poema permitem interpretar a coragem de reconhecer a fragilidade como processo e não como fraqueza.

Pode-se dizer o mesmo do poema Samsãra, que significa movimento contínuo. De origem budista, representa nascimento, vida, decrepitude e morte. Após o conhecimento do significado da palavra, é possível a interpretação global de um texto leve e, ao mesmo tempo, robusto e emblemático.

O processo de leitura e de descoberta, que move o sentimento investigativo e curioso, é evidenciado no poema Lendo Shah Hussain. Texto que se refere a um poeta do século XVI, nascido no Paquistão e que é considerado pioneiro da forma kafi - poesia musicalizada - da poesia punjabi. Ora, diante desse contexto, cabe a seguinte reflexão: em que momento de nossa formação, nós, ocidentais, teríamos acesso a esse conhecimento? Só mesmo Marco Lucchesi para proporcionar tal experiência.

Outro poema que traz esse processo de busca de novos conceitos é Miragem com o termo “tuaregues”, ou seja, pastores, seminômades e agricultores do deserto do Saara. Nele, Lucchesi convida a pensar sobre a complexidade e a simplicidade do mundo nos areais. O poema instiga a uma postura reflexiva, dialética e universal sobre a imensidão e a finitude do mundo de cada um.

Já nos poemas Aquário e Atlas é possível perceber a ideia da musicalidade, atividade tão presente na vida de Lucchesi. Ao mesmo tempo, também provoca a percepção de uma conquista que em Aquário é inalcançável e que, em Atlas, se materializa. Em ambos, o autor utiliza da natureza para expressar as sensações.

Na segunda parte da obra, organizada sob a mesma forma, nove poemas, o autor traz, mais intensamente, temáticas relacionadas com a partida e a passagem, ou seja, a própria morte. Recorre à cultura oriental, expressa no poema Lendo Ghalib, onde um poeta indiano, nascido no século XVIII, que escreveu em indiano e em persa, traz, em suas poesias, a ideia de que a vida é uma luta dolorosa que só terminará no fim da própria vida.

Adeus, o primeiro poema dessa trecho da obra, chega como um grande “abre-alas” da temática. Fala sobre a passagem e as sensações no leito de morte, descrevendo com muita delicadeza e complexidade os últimos momentos de uma vida. A tensão, os pensamentos e a chegada mansa da escuridão, até o “lânguido réquiem”, ou seja, a prece para os mortos indicando que a morte anunciada foi concretizada.

No poema Ada é possível perceber o clamor de um amor que se perde na passagem que está prestes a acontecer [...] implora uma distância de cristal, antes que caísse a noite indefinida [...] (LUCCHESI, 2022, p. 37). O trecho “noite indefinida” refere-se à morte. O amante clama por sua amada antes da inevitável partida.

Além da cultura oriental identificada, é possível perceber a estreita relação do autor com a astrologia. Em Mare Crisium, que pode ser traduzido como “mar lunar” e que designa diversas configurações morfológicas presentes na superfície da Lua, Lucchesi, além de colocar à baila seus conhecimentos sobre o assunto, faz uma belíssima relação da solidão existente no satélite, cuja maior visibilidade acontece na madrugada, com a solidão existente no ato da morte, quando descreve que [...] “a solidão açoita a madrugada” (LUCCHESI, 2022, p. 39).

Já a poesia São Paulo, proporciona um encantamento especial quando decifrada a mensagem das velas e lençóis na relação com a morte, principalmente quando Lucchesi resgata os rituais do azul, sempre tão presente e emblemático em seus poemas. A leitura desse poema, particularmente, promove a percepção do enigma que envolve o livro desse autor que é, simplesmente, sensível e genial.

Lendo Gahalib é um poema leve na sua estrutura e extremamente profundo na sua mensagem. Nele, Lucchesi consegue, em duas frases, trazer o conceito de vida e de morte tendo a astrologia como pano de fundo. Considera a luz do dia e a Ursa, constelação boreal, como vida, reiterando essa ideia quando indica que suas filhas usam véu - durante o dia as estrelas, suas filhas, são imperceptíveis ao olho nu - e, quando noite, representada pela morte, sobem nuas para o céu, ou seja, as estrelas são visíveis e encantadoras aos observadores.

Voltando a falar sobre a vida e seus sobressaltos, a poesia Mar é a representação mais fidedigna do descontrole que temos sobre essa mesma vida. O mar bravio, no qual a luz vai se despedindo, é justamente a luta pela vida com o anúncio da morte iminente. Não podemos controlar a vida, pois não podemos deter a gestação das águas.

Nesse contexto envolvente e subjetivo, o poema Pane sintetiza toda a obra. No momento da percepção da chegada da morte, Lucchesi representa a vida como a longa estrada que vai se acabando com o final do combustível. O motor já se perde na escuridão, o pranto escuro se faz presente e seu pequeno sol não resiste. A luz teve fim, não resistiu e a morte o envolveu no sussurro do vento sublime. Quanta sutileza, profundidade e sensatez.

No decorrer da leitura de Maví, Lucchesi permite as mais intensas reflexões de forma muito sútil e suave, nas quais o leitor precisa, a todo momento, deixar-se envolver na leitura, nas tramas e nas mensagens muitas vezes enigmáticas e carregadas de significados ocultos e subjetivos. Um deleite material e, sobretudo, essencial.

Diferentemente da estrutura petica encontrada em Maví, O poeta do Diálogo é um livro organizado no formato de entrevistas cedidas pelo autor para diversos interlocutores e em diferentes contextos de produção. Desse modo, considerando o gênero escolhido, a análise da obra fundamentou-se na reflexão das categorias encontradas nos relatos do autor. Por meio desse processo de categorização buscou-se compreender o conteúdo e a intencionalidade da obra. São temáticas variadas nas quais transparecem a facilidade do autor em perpassar por diferentes assuntos.

Neste contexto, pode-se dividir a obra em duas partes, sendo a primeira, mais robusta, onde são apresentados os conteúdo das entrevistas, a pluralidade e a diversidade do autor, sua característica multifacetada e sua facilidade em perpassar por diferentes assuntos, ou seja, as questões voltadas para o autor e suas obras. Já na segunda, mais reduzida, encontram-se as discussões que envolvem a literatura e os desafios acadêmicos, sociais ou políticos da sociedade contemporânea brasileira.

Conhecedor não só de poesia, Lucchesi é também um exímio estudioso da música, da matemática, da teologia, da filosofia, da astronomia e das artes em geral. A expressão “Torre de Babel”, citada em muitas entrevistas concedidas, descreve bem as múltiplas faces desse autor.

Na primeira parte, as entrevistas promovem, muitas vezes, as reflexões sobre as obras de Lucchesi em busca de sua intencionalidade com a escrita. Em outras, um resgate conceitual, reflexivo, a fim de favorecer comentários que expressem os pontos nevrálgicos e subjetivos que sustentam suas obras como o papel da metáfora, a articulação entre a tradução e a poesia. a língua como expressão metafísica, entre outros.

O termo “Torre de Babel”, talvez a primeira categoria a ser tratada, pode ser interpretado como o desejo do autor em não ter que tecer escolhas entre um paradigma e outro. Entre o “ou” o “e”, o escolhido é “e”. Assim, abarca o conceito de multiplicidade às polarizações como ciência e teologia. Neste sentido, foi indicado por Ítalo Calvino, na tese Seis propostas para o próximo milênio, como autor representativo da multiplicidade. Quando perguntado por Nonato Gurgel sobre essa indicação, Lucchesi afirmou que só sabe se articular na pluralidade, envolvendo a multiplicidade como um grande portal que se abre para novas perspectivas e experiências.

A diversidade é constante e se comprova nas inúmeras abordagens e interlocuções em que o autor dedica seus estudos, não só na poesia, no romance ou nas traduções, mas também na inquietação sobre a matemática, na sua trajetória com a música, no aprofundamento na filosofia, na curiosidade sobre astrologia, no seu encantamento pelas artes, além de dominar mais de vinte idiomas. Um autor polivalente que expressa versatilidade, profundidade e complexidade em suas obras.

A complexidade, também como uma das categorias dessa obra, traz a ideia de unidade transcendental que articula todos os elementos envolvidos em uma grande rede que liberta e rompe com os conceitos que aprisionam os sentimentos, que promove a fluidez da existência contextualizada na simplicidade da poesia que se confunde com o universo.

Categorias que não poderiam deixar de ser indicadas são a disciplina e a liberdade, citadas na entrevista concedida à revista Guesa Errante. Neste diálogo fica evidente a paixão do autor pelos estudos, pela leitura e por essa curiosidade que o move o tempo todo. Processos que exigem a disciplina do olhar atento e a liberdade na escuta e na percepção do sensível.

Propor a poesia como uma das categorias desse pensamento não seria aconselhável, visto que, ela permeia todo o discurso e obra do autor, entendida como o lugar e a vontade capaz de transformar o mundo. Lucchesi afirma que a poesia é uma forma de sentir e organizar o mundo e as coisas. E é por meio da poesia que tudo pode. Contudo, a linguagem pode ser entendida como uma categoria que aparece de forma robusta e representa, principalmente, a união entre a obra e o tradutor. O gosto pelas diferentes línguas se justifica pelo anseio de ultrapassar as fronteiras da linguagem, reconhecendo os poemas no seu formato original.

Lucchesi considera que toda língua é uma porta de entrada, uma forma de sonho. Nesse cenário, o autor sonha com uma língua universal, chegando até mesmo a criar uma língua artificial, a “Laputar”, original da ilha imaginária do livro Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift.

Desse modo, a leitura da obra permite afirmar que a linguagem, para Lucchesi, é o arcabouço, seja da poesia, do romance, ou da tradução. Neste contexto complexo e poético, encontra-se também o Lucchesi tradutor, que revela o quanto é uma tarefa árdua e magnífica a tradução, a qual pode ser considerada como mais uma categoria nesta obra. O autor aponta sobre a dificuldade em manter as pluralidades que não lhe pertencem, como as metáforas e as alegorias. Sendo assim, não consegue identificar onde começa o tradutor e onde termina o poeta.

Para o autor a tradução é uma arte, como pode ser comprovado na leitura da entrevista cedida à Zóia Prestes. Nela, Lucchesi afirma que o tradutor precisa conhecer muito bem a língua original e reconhecer seus variados horizontes culturais para que a tradução possa ser autêntica às intencionalidades da obra original. Ainda sobre a tradução, Lucchesi afirma ser um anfíbio de duas culturas, brasileira e italiana, outra categoria que expressa sua relação intrínseca com a Itália, país de origem da sua família e que explica sua facilidade em transitar entre as duas culturas.

Mesmo quando trata das questões da matemática, da música ou da astrologia, Lucchesi o faz de forma poética, o que remete o leitor a sentimentos calorosos que afagam e acolhem. Ao discorrer sobre a experiência que tem com essas áreas, sempre se direciona às relações pessoais que estabeleceu, vínculos que ficam evidentes, principalmente quando trata da obra A Divina Comédia, de Dante Alighieri, que, desde muito cedo, fez parte de suas leituras cotidianas e que, além de o remeter às origens de sua família, é fonte de beleza e verdade poética. Dante o inspirou no encontro da poesia com o mistério.

A filosofia também é uma categoria neste estudo, pois está sempre presente em suas obras, seja na poesia, no romance ou nas traduções. Isso se deve aos estudos, desde muito cedo, sobre esse campo do conhecimento e ao fascínio que o autor tem pela epistemologia da ciência. Do mesmo modo pelo qual a filosofia perpassa pelas obras de Lucchesi, a música também ocupa lugar relevante nas suas produções. O autor indica que a música é a luz que o guia, a janela que se abre e que é essencial em seu cotidiano.

Após mencionar as principais categorias que alicerçaram as entrevistas sobre as questões voltadas às obras e às características fundamentais do autor como a diversidade, a complexidade, a linguagem, a liberdade, a disciplina, a filosofia, a música e a tradução, cabe dissertar sobre as entrevistas voltadas aos desafios sociais, acadêmicos e políticos da sociedade atual brasileira, postura admirável de um autor integral.

Ao tratar questões sociais, Lucchesi se mostra um defensor das classes menos favorecidas, principalmente àquelas sem acesso à leitura. Esse fato se consolida ao revelar que a desigualdade social é anterior a todos os problemas e que só poderá ser combatida por meio da educação. Afirma que o Brasil é um livro que ainda está sendo escrito e que precisa sê-lo feito por todos, diante da diversidade cultural existente.

O autor reconhece que a sociedade passa por um período nebuloso em que as pessoas se orgulham em demonstrar sua ignorância e que, infelizmente, o país vem lendo cada vez menos. Contudo, reforça a importância dos professores na luta para o fortalecimento da leitura, um importante instrumento que promove a capacidade de sempre se indignar frente às desigualdades.

Quando esteve à frente da Academia Brasileira de Letras, Lucchesi liderou ações sociais importantes para a chegada de livros a lugares de vulnerabilidade social e que, em muitas vezes, as políticas públicas não acessavam. Foram visitas e projetos em presídios, entrega de livros inseridos em cestas básicas, envio de livros em navios que viajaram para fora do país e livros entregues juntamente com remédios em projetos conjuntos com a saúde. Além de todo esse trabalho, houve também, projetos em comunidades quilombolas e em aldeias indígenas. Atualmente, o poeta e escritor tem a missão de gerir a maior biblioteca da América Latina, com 10 milhões de obras: a Biblioteca Nacional.

A diversidade e o comprometimento encontrados nas obras de Lucchesi podem ser identificados também nas ações sociais das quais faz parte. Um intelectual, como dizia Gramsci, orgânico, pois, ao mesmo tempo em que contribui para a produção do conhecimento, luta para que esse mesmo conhecimento possa chegar às mais variadas classes sociais, na medida em que, por meio dele, possa combater ou minimizar as desigualdades.

Diante da reflexão de apenas duas das inúmeras obras de Marco Lucchesi, Maví e O Poeta do Diálogo, é possível perceber o quanto o autor provoca o leitor a estabelecer reflexões ímpares, que vão desde o encontro com a subjetividade e a necessidade do reconhecimento do “eu” enquanto sujeito existencial, até a necessidade de conscientização coletiva, necessária para a urgente ação de mudança social que leva à diminuição das desigualdades.

São provocações permeadas de conhecimento não só da linguagem poética, mas da matemática, da astrologia, da música e da multiculturalidade. Essas provocações instigam o sentimento de incompletude e projetam a necessidade de conhecimento contínuo.

Desse modo, além do deleite literário, sua poesia se torna um afago existencial que apoia e acolhe o leitor nas suas mais diversas fases e faces, alicerçando-o na experiência exitosa de se permitir aceitar a diferença e o novo, libertando-o da temível ideia das verdades absolutas. Ademais, a poesia de Lucchesi promove a necessidade urgente da postura emancipadora e coletiva da sociedade.

A verdadeira certeza, expressa nas diversas poesias de Lucchesi, é o processo vital e inegociável da mudança.

1LUCCHESI, Marco. Maví. Guaratinguetá, SP: Penalux, 2022.

2LUCCHESI, Marco. Poeta do diálogo. BAPTISTA, Ana Maria Haddad, (org. et al.). Belo Horizonte, MG: Tesseractum, 2022.

Referências

LUCCHESI, Marco. Maví: Guaratinguetá, SP: Penalux, 2022. [ Links ]

LUCCHESI, Marco. Poeta do diálogo. BAPTISTA, Ana Maria Haddad, (org. et al.): Belo Horizonte, MG: Tesseractum, 2022 [ Links ]

Recebido: 10 de Agosto de 2023; Aceito: 04 de Setembro de 2023

Editoras: Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista e Profa. Dra. Marcia Fusaro

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