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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.67 São Paulo out./dez 2023  Epub 19-Fev-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n67.24141 

Artigos

A ATUAÇÃO PEDAGÓGICA DAS APÓSTOLAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS: DO APOIO ESPIRITUAL AOS IMIGRANTES ITALIANOS À EDUCAÇÃO DA ELITE

THE EDUCATIONAL PERFORMANCE OF THE APOSTLES OF THE SACRED HEART OF JESUS: FROM SPIRITUAL SUPPORT TO THE ITALIAN IMMIGRANTS TO THE EDUCATION OF THE ECONOMICAL ELITE

EL HACER PEDAGÓGICO DE LAS APÓSTOLES DEL SAGRADO CORAZÓN DE JESUS: DEL APOYO ESPIRITUAL PARA INMIGRANTES ITALIANOS A LA EDUCACIÓN DE LA ÉLITE ECONÓMICA

Renata Franqui, Doutora em Educação1 
http://orcid.org/0000-0002-1210-4558

Cezar de Alencar Arnaut de Toledo, Doutor em Educação2 
http://orcid.org/0000-0002-7813-7950

1Doutora em Educação, Universidade Estadual de Maringá - UEM, Maringá, Paraná - Brasil

2Doutor em Educação, Universidade Estadual de Maringá - UEM, Maringá, Paraná - Brasil


Resumo

O texto apresenta a história da fundação do Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus, fundado em 1894 por Madre Clélia Merloni (1861-1930), na Itália. O intuito é discutir os determinantes históricos da atuação pedagógica empreendida pela congregação no Brasil a partir do ano de 1900, especialmente no estado do Paraná. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, que apresenta, a princípio, aspectos gerais da vida e da obra apostólica de Clélia Merloni, nascida em Forlì, Itália. Em seguida, trata da criação do Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus paralelamente ao exame dos eventos históricos que impulsionaram a expansão de suas ações missionárias para diversas regiões do mundo. Além disso, o trabalho discute a atuação do Instituto no contexto brasileiro, cujas atividades foram iniciadas no alvorecer do século XX. Por fim, o texto apresenta e analisa os princípios educativos e os valores norteadores do trabalho das apóstolas do Sagrado Coração de Jesus na área da Educação no país. O trabalho empreendido pelas irmãs Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus consiste em uma estratégia eficiente para promover a assistência educacional cristã por intermédio da formação escolar das crianças e jovens das famílias mais abastadas, especialmente as meninas.

Palavras-chave educação; instituições educativas; instituto das apóstolas do sagrado coração de Jesus; Madre Clélia Merloni.

Abstract

The present text portrays the founding history of the Institute of Apostles of the Sacred Heart of Jesus in 1894, by Mother Clélia Merloni, in Italy. The aim is to discuss the historical determinants of the pedagogical action undertaken by the congregation in Brazil, especially in the state of Paraná. This is a bibliographic research that presents, at first, general aspects of the life and apostolic work of Clélia Merloni. Then, it presents the creation of the Institute of the Apostles of the Sacred Heart of Jesus, parallel to the examination of the historical events that impelled the expansion of its missionary actions to different regions of the world. In addition, the work discusses the Institute's performance in the Brazilian context at the dawn of the 20th century. At last, the text presents and analyzes the educational principles and guiding values of the work of the apostles of the Sacred Heart of Jesus in the area of Education in the country. The work undertaken by the Apostle Sisters of the Sacred Heart of Jesus consists of an efficient strategy to promote Christian educational assistance through the school training of children and young people from the wealthiest families, especially the girls.

Keywords 20th century; italian immigration; institute of the apostles of the sacred heart of Jesus; Mother Clelia Merloni.

Resumen

El texto presenta la historia de la fundación del Instituto de las Apóstoles del Sagrado Corazón de Jesús, fundado en 1894 por la Madre Clélia Merloni (1861-1930) en Italia. El objetivo es discutir los determinantes históricos que motivaron el quehacer pedagógico emprendido por la congregación en Brasil, a partir de 1900, especialmente en el estado de Paraná. Primeramente, presenta los aspectos generales de la vida y de la obra apostólica de Clélia Merloni, nacida en Forli, Italia. Posteriormente, cuenta la historia de la creación del Instituto de las Apóstoles del Sagrado Corazón de Jesús, además de analizar los eventos históricos que impulsaron la expansión de sus misiones alrededor del mundo. Asimismo, este es un debate sobre la labor del Instituto en el contexto brasileño, cuyas actividades se iniciaron en el umbral del siglo XX. Finalmente, el texto analiza los pilares del trabajo educacional de la congregación en el país, cuya labor promueve la asistencia educacional de los hijos de las familias más abastadas, especialmente, las señoritas.

Palavras clave: instituto de las apóstoles del sagrado corazón de Jesús; inmigración italiana; Madre Clélia Merloni; Siglo XX.

1 Considerações iniciais

Este texto apresenta a história da fundação do Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus, fundado em 1894 pela Madre Clélia Merloni (1861-1930), na Itália. O intuito é discutir os determinantes históricos da atuação pedagógica empreendida pela congregação no Brasil a partir do ano de 1900, quando as primeiras freiras desembarcaram na cidade de São Paulo. Rapidamente, as atividades foram expandidas para outros estados, incluindo o Paraná, região que também foi destino de um número expressivo de trabalhadores italianos que migraram para escapar da fome na Itália e em busca de melhores condições de vida.

O estudo apresenta, a princípio, aspectos gerais da vida e da obra apostólica de Clélia Merloni, nascida em Forlì, Itália. Em seguida, conta a história da criação do Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus paralelamente ao exame dos eventos históricos que impulsionaram a expansão de suas ações missionárias para diversas regiões do mundo. Além disso, o trabalho discute a atuação do Instituto no contexto brasileiro, cujas atividades foram iniciadas no alvorecer do século XX. Por fim, apresenta e analisa os princípios educativos e os valores norteadores do trabalho das apóstolas do Sagrado Coração de Jesus na área da Educação no país.

O trabalho está alicerçado na apreciação de alguns documentos e imagens coletados em pesquisa de campo realizada na sede provincial do Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus, em Curitiba. Ademais, o estudo tem como fundamento a análise bibliográfica de biografias publicadas sobre Madre Clélia Merloni.

O uso do gênero biográfico como fonte para pesquisas históricas requer um certo cuidado, tendo em vista que "Quando busca ensinar aos demais por meio de uma vida-modelo, uma biografia não cumpre apenas um papel pedagógico, mas também político" (Ruckstadter, 2006, p. 22). As biografias que tornaram conhecida a trajetória da religiosa trazem uma linguagem em tom literário, por vezes anedótico, apresentando Clélia Merloni como uma heroína. Os principais acontecimentos da história da vida e da obra da madre fundadora foram narrados por autores que, em sua maioria, possuem algum tipo de vínculo com o Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus ou com a vida religiosa. Segundo tais biografias, a vida da religiosa, apresentada a seguir, foi marcada por renúncia e abnegação, bem como por sacrifícios em nome de sua missão apostólica.

2 Vida e obra de Clélia Merloni, fundadora do Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus

A mais antiga biografia sobre Madre Clélia Merloni localizada foi publicada no Brasil em junho de 1958, na cidade de São Paulo. Originalmente escrita em italiano pela Irmã Alda Just, o livro Vida de Madre Clélia Merloni, Fundadora das Irmãs Missionárias Zeladoras do Sagrado Coração de Jesus foi traduzido para a língua portuguesa pelo padre Eugênio Mazarotto (?-1975), com a autorização de Dom Paulo Rolim Loureiro (1908-1975), que na época ocupava o cargo de bispo auxiliar e vigário geral da Arquidiocese de São Paulo.

Em A inexplicável Merloni (1988), padre Afonso de Santa Cruz narra a história de Madre Clélia Merloni desde o nascimento, tratando também da criação do Instituto. De maneira semelhante, na obra Clélia Merloni: apóstola do amor (1992), o religioso Fidélis Dalcin Barbosa também conta a história de vida da Madre e de todo o seu apostolado. O livro faz parte da Coleção Os Fundadores, publicada pelas Edições Loyola, e apresenta diversas fotos que ilustram a história de Madre Clélia Merloni.

Na obra intitulada Madre Clélia: geografia e história (2002), o professor Muricy Domingues situou a vida e a obra da fundadora do Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus no tempo e no espaço por meio de um relato sobre o ambiente geográfico e o período histórico em que a religiosa viveu. As fontes para a pesquisa contemplaram impressos sem periodicidade, periódicos da Instituição e da comunidade leiga, fotografias e outros.

Como um grão de trigo (2017) é também uma biografia de Madre Clélia Merloni e foi escrita pelo jornalista italiano Nicola Gori, a partir de documentos da Positio da Causa de Beatificação da Madre. Além de narrar a história da vida e da obra da religiosa, o autor apresenta um álbum fotográfico, contendo importantes imagens históricas. O livro Amor que não se deixa vencer (2018) é a mais recente obra publicada sobre a vida e os ensinamentos de Madre Clélia Merloni, escrito por Domenico Agasso Junior.

Essas obras ajudam a tornar conhecida a vida de Madre Clélia, embora as particularidades da ambiência característica da época em que viveu não tenham sido consideradas como elementos explicativos da singularidade da trajetória da religiosa.

Clélia Cleópatra Maria Merloni nasceu no dia 10 de março de 1861, em Forlì, Itália. Filha de Gioacchino Merloni (? - 1895) e de Maria Teresa Brandinelli (? - 1864), seus avós paternos foram Antônio Merloni e Antônia Castelli, e seus avós maternos, Pedro Sante Brandinelli e Maria Domingas Ottaviani. Antes do nascimento de Clélia, Gioacchino e Maria Teresa perderam outras duas filhas, Antônia Virgínia Domenica, em 15 de fevereiro de 1858, e Emília Luisa Antônia, em 3 de março de 1860, quando ainda eram bebês1.

A família morava e trabalhava na casa dos Condes Merenda: Fabrício di Giuseppe e sua irmã Clélia Merenda, os quais viriam a ser os padrinhos da menina. Conforme a tradição da época, Clélia foi batizada na Catedral de Forlì no mesmo dia de seu nascimento, recebendo o nome em homenagem à sua madrinha (Barbosa, 1992).

Nos primeiros anos de sua infância, Clélia vivenciou diferentes arranjos familiares. Perdeu sua mãe em 2 de julho de 1864, em decorrência de um severo quadro de saúde e ficou aos cuidados da avó materna, Maria Domingas, uma senhora profundamente religiosa, responsável pelos primeiros ensinamentos cristãos à menina.

Clélia viveu seus primeiros anos em uma modesta residência localizada na via De Benedetti, número 7, na cidade de Sanremo. Na mesma casa, Gioacchino, seu pai, casou-se novamente, unindo-se em matrimônio com a viúva Maria Giovanna Boeri (? - 1883), que rapidamente se afeiçoou a Clélia e passou a auxiliar em sua educação. Diferentemente da avó e da madrasta, o pai, que se tornara um próspero industrial e detentor de vasta riqueza, não era um homem religioso.

Aproxima-se da Maçonaria, obtendo evidentes vantagens, novos conhecidos, relações privilegiadas. A organização é muito poderosa, são maçons muitos dos protagonistas da vida econômica, política e social, entre os quais os construtores mais importantes da nova Itália Unificada. É abertamente inimiga da Igreja Católica, que contrasta nitidamente em todas as ocasiões e em todos os aspectos (Agasso Junior, 2018, p. 15).

Descontente com a forma como a menina vinha sendo educada, Gioacchino expulsou a avó de sua casa, deixando Clélia aos cuidados de Bianca, contratada especialmente para cumprir essa função. Em pouco tempo, Bianca assumiu o lugar de Maria Giovanna e passou a viver com Gioacchino, em concubinato.

Naquele momento, surgiu em Clélia o desejo de se tornar religiosa, o qual não foi bem recebido pelo pai, por almejar que, no futuro, a filha se casasse com um homem da alta sociedade. Contudo, “Clélia não quer se casar, não tem desejo de uma maternidade humana, de estabilidade econômica, de exibição pública de uma felicidade inexistente” (Agasso Junior, 2018, p. 20). Gioacchino decidiu enviar a filha à escola, de modo a evitar os constantes embates entre ela e a nova madrasta.

Em 1872, Clélia recebeu o Sacramento da Confirmação na Basílica de San Siro, em Sanremo. Em 1876, aos vinte e dois anos de idade, entrou, como educanda, para o Instituto das Filhas de Nossa Senhora da Purificação de Maria Santíssima em Savona, onde permaneceu até 1877.

Ainda que contra a vontade de seu pai, em 1883, Clélia tornou-se freira, realizando a vestição na Congregação das Filhas de Nossa Senhora das Neves, fundada em 8 de dezembro de 1843, pelo Padre Giovanni Battista Becchi (1785-1845), e tinha como carisma a educação da infância, e sua espiritualidade está ligada ao Sagrado Coração de Jesus (Agasso Junior, 2018). Na ocasião, seu nome foi alterado para Irmã Albina. Após um terremoto na cidade onde residia, ocorrido em fevereiro de 1887, Clélia retornou à casa do pai para tratar da saúde.

A primeira iniciativa de Clélia em liderar uma obra apostólica aconteceu no ano seguinte, em 1888, quando sua saúde já estava reestabelecida. Clélia abriu em Nevi, Gênova, um orfanato para abrigar meninas pobres, cujas despesas eram custeadas por Gioacchino Merloni. Porém, dois anos mais tarde, em 1889, o orfanato precisou ser fechado em virtude de problemas legais.

Em agosto de 1892, Clélia entrou para a Congregação das Filhas de Santa Maria da Providência, com sede em Como, onde era responsável pela educação das órfãs ensinando-as “[...] catecismo, canto litúrgico, um pouco de italiano, aritmética e tarefas domésticas” (Agasso Junior, 2018, p. 26).

No inverno de 1894, quando Madre Clélia alcançou os trinta e três anos de idade, foi acometida por uma severa tuberculose, tendo sido desenganada pelos médicos. Os biógrafos relatam um suposto milagre do Imaculado Coração de Maria, que a teria livrado da morte. Fato é que Clélia viveu e decidiu consagrar-se perpetuamente à obra cristã, fundando uma Congregação dedicada ao Sagrado Coração de Jesus.

3 A fundação do Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus

Em 30 de maio de 1894, Clélia Merloni fundou o Instituto consagrado ao Coração de Jesus, em Viareggio (Luca-Itália), na Igreja de São Francisco. Na cerimônia que deu início aos trabalhos da Congregação, foram apresentadas as três primeiras Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus: Madre Clélia Merloni, Irmã Elisa Pederzini e Irmã Teresita d’Ingenheim. No mês seguinte, no dia 11 de junho de 1894, foi celebrada a primeira vestição religiosa do novo instituto.

No início, o objetivo do Instituto era prestar assistência e educar meninas órfãs e pobres, para que pudessem ter um futuro com melhores perspectivas (Gori, 2017). Em pouco tempo a Congregação se tornou numerosa, expandindo sua atuação e fundando uma casa em Via di Mezzo e outra em Via della Stella, graças à ajuda financeira do pai de Clélia.

Ainda que tenha desejado um futuro diferente para a filha, Gioacchino Merloni prestou assistência financeira à iniciativa apostólica de Clélia até sua morte, em 27 de junho de 1895, em Sanremo. O fato desencadeou sérios problemas financeiros ao Instituto, forçando as Apóstolas a abandonarem muitas de suas obras. Além disso, de acordo com o Agasso Junior (2018), o infortúnio se deveu à má administração dos recursos, que estava sob responsabilidade de Dom Clemente Leoni, pároco de Sanremo, que assistiu Gioacchino Merloni em seus últimos anos.

Todos os imóveis, todas as casas e o imponente edifício de São Ponciano, o orfanato, o asilo, tudo acaba sendo hipotecado, todos os bens do Instituto penhorados, e, com eles a atividade das Irmãs cai em descrédito geral. Em três anos, a falência é total (Barbosa, 1992, p. 61).

A precária situação financeira em que se encontrava o Instituto foi a motivação para que duas de suas religiosas - Irmã Nazzarena Viganó e Irmã Gioacchina Heim - fossem a Piacenza solicitar autorização ao bispo para pedir esmolas na cidade (Agasso Junior, 2018). O bispo era Dom Giovanni Battista Scalabrini (1839-1905), responsável pela fundação da Congregação dos Missionários de São Carlos, em 1887, instituição dedicada ao cuidado, apoio e acompanhamento de imigrantes italianos em todo o mundo, com o envio de seus religiosos aos países de grande imigração.

Dom Scalabrini atribuía à emigração italiana a seguinte justificativa:

A emigração, na quase totalidade dos casos, não é um prazer, mas uma necessidade inevitável. Sem dúvida há entre os emigrantes também maus elementos, vagabundos e viciados; constituem, porém, a minoria. A imensa maioria, para não dizer a totalidade dos que deixam a pátria para dirigir-se à longínqua América, não pertencem a essa espécie; não fogem da Itália por desprezarem o trabalho, mas porque é este que lhes falta, e não sabem como viver e manter a família (Scalabrini, 1979, p. 46).

O Parlamento italiano aprovou, em 27 de dezembro de 1888, a primeira lei que permitia a emigração, dando início ao intenso êxodo de famílias italianas para a América. Os esforços do governo italiano estavam voltados para resolver o problema da mão de obra e, assim, garantir que o país mantivesse a política agrária centrada na exportação. Tarony afirma que, naquele momento, os debates parlamentares centravam-se “[...] negação da liberdade de emigração, com argumentos que iam desde temor de que a perda de tantos trabalhadores faria aumentar o preço do trabalho, criando dificuldades na ainda frágil economia italiana [...]” (Tarony, 1991, p. 10). Nesse contexto, dada a precariedade em que viviam os migrantes italianos, a Igreja Católica empreendeu esforços para lhes prestar assistência.

Quem poderia dar-lhes a feição de uma comunidade e não de uma pilha de estrangeiros, exceto, em primeiro lugar, um grupo como a sua igreja - que, embora em teoria fosse universal, era nacional, na prática -, uma vez que seus sacerdotes provinham do mesmo povo que suas congregações? (Hobsbawm, 2014, p. 240-241).

A criação de uma associação destinada ao cuidado dos interesses espirituais dos italianos emigrados para as Américas necessitava de pessoas interessadas em cumprir essa missão pastoral, por intermédio de ações que tinham como objetivos:

1.º - Arrancar os emigrantes à exploração descarada aos interesses de emigração, os quais, com intentos lucrativos, esmagam material e moralmente os pobres que caem em suas redes.

2.º - Montar uma secretaria destinada a fornecer o que for necessário para a colocação dos emigrantes que se dirigem aos portos americanos; assim, sempre que um italiano se dirige à Associação, deve encontrá-la capacitada a indicar-lhe uma atividade útil; caso contrário, deve ser dissuadido de emigrar.

3.º - Prestar socorros em casos de acidades ou de doença, tanto durante a viagem quanto depois do desembarque.

4.º - Mover uma guerra implacável - permitam-me a expressão, - contra os comerciantes de carne humana, que não sentem vergonha de recorrer aos meios mais sórdidos a fim de satisfazer sua ganância.

5.º - Promover a assistência religiosa durante a travessia, depois do desembarque e nos locais onde os emigrantes se estabelecerem (Scalabrini, 1979, p. 73-74).

O encontro entre Dom Scalabrini e Madre Clélia permitiu a salvação do Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus, bem como direcionou a obra empreendida pela religiosa à causa dos emigrantes, dado que até aquele momento, o foco estava centrado exclusivamente na assistência às meninas pobres. A acolhida pelo bispo, assim como sua ajuda econômica, que viabilizou o apoio necessário para o prosseguimento de sua missão, estaria, portanto, condicionada à participação das irmãs em sua obra missionária.

A proposta foi aceita por Madre Clélia Merloni. No dia 10 de junho de 1900, foi emitido o Decreto de Ereção da Congregação das Apóstolas Missionárias do Sagrado Coração de Jesus. Além disso, a sede do Instituto foi transferida para Piacenza, na região noroeste da Emília Romanha.

O apoio de Dom Scalabrini e o trabalho das religiosas tornaram o período bastante próspero para o Instituto. Em pouco tempo, o número de casas e de religiosas aumentou significativamente. A quantidade de interessadas no noviciado crescia a cada dia.

Apesar do progresso do Instituto, Madre Clélia, até então à frente da congregação, foi compelida a se afastar. Em “[...] 28 de fevereiro de 1904, é promulgado o decreto de destituição de Madre Clélia, com a passagem do governo à Madre Marcellina Viganò” (Lima, 2018, p. 25). As biografias da religiosa atribuem o afastamento a calúnias e acusações infundadas. Madre Clélia somente seria readmitida no Instituto em 1928, após um período de exílio.

No dia 21 de novembro de 1930, dois anos mais tarde, Madre Clélia faleceu na Casa Geral do Instituto, e teve seu corpo sepultado no Cemitério de Verano, em Roma. Após quinze anos de sua morte, o corpo foi encontrado intacto e transferido para a Capela da Casa Geral, em Roma. Em 23 de abril de 2018, durante o processo de beatificação, o túmulo foi reaberto e o corpo permanecia incorrupto.

Em 26 de janeiro de 2018, o Papa Francisco assinou o Decreto de Beatificação de Madre Clélia Merloni, atestando o milagre que a tornou Bem-Aventurada2. A celebração de Beatificação ocorreu em Roma, no dia 3 de novembro do mesmo ano.

4 A chegada das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus ao Brasil do início do século XX

As primeiras irmãs Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus chegaram ao Brasil no ano de 1900, quando o país vivia os seus primeiros anos de regime republicano. O advento da República desencadeou um processo de expansão das forças produtivas e um progresso material que no Império havia se intensificado, ampliando as perspectivas econômicas nacionais.

A mudança de regime ocorreu em razão de um golpe militar, sem a participação do povo, que assistiu aos acontecimentos de forma “bestializada” (Prado Junior, 1993). Essa ideia também é defendida por José Murilo de Carvalho, que afirma que a república no Brasil foi construída a partir da vitória da ideologia liberal pré-democrática, darwinista, reforçadora do poder oligárquico, e “[...] consolidou-se sobre um mínimo de participação eleitoral, sobre a exclusão do envolvimento popular no governo” (Carvalho, 1987, p. 161).

O esforço adaptativo e passivo às diversas conjunturas que se apresentam historicamente faz parte da história nacional. A adequação às condições do capitalismo ocorreu, portanto, sem grandes perturbações à ordem. “Toda a nossa história, e as alterações que ela assinala, marca as etapas por um esforço de adaptação: da produção colonial ao capital comercial; da produção colonial ao capitalista; da produção semicolonial ao imperialismo” (Sodré, 1990, p. 294).

A mudança para o regime republicano e a tentativa de ajustamento à nova ordem não alteraram substancialmente a economia nacional. Contudo, o liberalismo econômico proporcionava oportunidades comerciais para os países economicamente subordinados. Prado Junior defende a ideia de que a economia brasileira esteve alicerçada no fornecimento de gêneros alimentícios e matérias-primas tropicais à Europa, a partir de uma relação de colonialismo, em detrimento da autonomia de uma economia essencialmente nacional (Prado Junior, 1993).

Os monopólios aqui instalados afetaram diretamente o país, ao passo que seus interesses eram o elemento principal e o fator decisivo para o desenvolvimento econômico. No Brasil, o imperialismo explorou intensamente a riqueza nacional a fim de se apropriar da mais-valia do trabalho e produzindo transformações profundas nos âmbitos político, econômico e social (Prado Junior, 1993).

Embora tenha estimulado o desenvolvimento de atividades de energia e favorecido o progresso econômico no país, a produção de insumos destinados ao comércio internacional continuava a ser a principal base econômica brasileira, tornando evidente a incompatibilidade entre o progresso material e a dinâmica de vida da população.

Considerada do ponto de vista geral do imperialismo, a economia brasileira se engrena no sistema dele como fornecedor de produtos primários, cuja venda nos mercados internacionais proporciona os lucros dos trustes que dominam aquele sistema. Todo funcionamento da economia brasileira, isto é, as atividades econômicas do país e suas perspectivas futuras, se subordinam assim, em última instância, ao processo comercial em que os trustes ocupam hoje o centro (Prado Junior, 1993, p. 328).

O Brasil era um dos principais fornecedores de matérias-primas do mercado mundial e, por isso, suas atividades econômicas eram estimuladas, em grande parte, pelo financiamento internacional. Tratava-se de “[...] um sistema grande, mas frágil, extremamente vulnerável pela sua dependência do exterior” (Sodré, 1990, p. 295).

A conjuntura interna brasileira favorecia esse cenário. A abolição da escravidão desimpediu o desenvolvimento do trabalho livre, ao mesmo tempo em que um grande contingente de imigrantes, especialmente os italianos, desembarcava no país, constituindo a mão de obra necessária - abundante e barata - naquele momento, especialmente para a agricultura, que estava em franca expansão.

A chegada em massa de imigrantes italianos somente foi possível em razão da aprovação de uma política para a introdução de estrangeiros no Brasil, resultado de uma forte pressão exercida por grandes proprietários de terras interessados na força de trabalho de baixo custo. A Lei nº 28, de 29 março de 1884, promulgada no estado de São Paulo, garantia que o governo imperial brasileiro se responsabilizasse pelas despesas de metade das passagens dos imigrantes e também pelo transporte dos colonos até os núcleos de colonização (Alvim, 2000).

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, publicados em 2000, houve dois grandes picos de imigração. O primeiro grupo, composto por 215.239 estrangeiros, entrou no país em 1891, poucos anos após a promulgação da Lei nº 28/1984. Em 1913, pouco antes do rompimento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), emigraram 190.343 pessoas de diferentes nacionalidades com destino ao Brasil.

A maioria dos imigrantes era composta por jovens solteiros do sexo masculino que se sujeitavam a trabalhar em precárias condições em troca de uma baixa remuneração, mas, havia também o esquema de imigração familiar, no qual todos os membros da família - incluindo mulheres e crianças - eram incorporados à dinâmica de trabalho na lavoura cafeeira (Klein, 2000).

Dados do IBGE indicam que os imigrantes italianos representaram mais da metade da população de origem estrangeira que chegou ao Brasil entre os anos de 1884 e 1903, período da instalação da Congregação no país (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2000).

Dentre os imigrantes que chegaram em São Paulo, local escolhido para o estabelecimento inicial da Congregação, a maior parte era composta por italianos (34,64%), seguidos dos espanhóis (16,10%) e dos portugueses (13,73%), os quais contribuíram para o crescimento populacional do país (Levy, 1974). Essa escolha certamente não se deu de forma aleatória. As primeiras irmãs do Sagrado Coração de Jesus que desembarcaram no Brasil, em 1900, encontraram terreno fértil para prestar assistência aos imigrantes italianos, ação missionária idealizada por Madre Clélia Merloni.

A ideia das Irmãs migrarem para o Continente Americano nasceu de dois aspectos: a) a necessidade de acompanhar os emigrantes italianos que deixavam seu país e necessitavam de uma forte assistência espiritual; e b) para a abertura de escolas que possibilitassem a manutenção da cultura cristã local (Domingues, 2002, p. 81).

No dia 18 de setembro de 1900, chegaram as primeiras seis freiras ao Brasil, em São Paulo, com o objetivo de "[...] dedicar as energias e a vida à causa dos Emigrados” (Just, 1958, p. 91). As Irmãs Eliza Pederzini (Superiora), Assunta Bellini (Vice-superiora), Maddalena Pampana, Carmela Tomedi, Agnese Rizzieri e Antonietta Fontana desembarcaram no Porto de Santos e se dirigiram ao Orfanato Cristóvão Colombo, no bairro do Ipiranga, em São Paulo. Dois meses mais tarde, outro grupo de Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus seria designado a ampliar a missão, desta vez no estado do Paraná.

5 A atuação das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus no estado do Paraná

O Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus encontrou um vasto terreno para sua atuação no estado do Paraná. Localizado em um país onde a maioria da população se declarava católica, o Paraná não fugia à regra. Os censos demográficos entre as décadas de 1900 e 1970 registraram a profissão da fé católica em torno de 90% do contingente populacional, conforme dados sistematizados na tabela 1.

Tabela 1 Dados sobre declaração de religião no estado do Paraná 

Censo Total de habitantes Católicos Romanos % Protestantes % Outras ou Sem religião3 %
1900 327.136 291.365 89% 8.775 3% 26.996 8%
19204 685.711 - - - - - -
1940 1.236.276 1.156.484 94% 43.858 4% 35.934 3%
1950 2.115.547 1.943.229 92% 95.546 5% 76.772 4%
1960 4.263.721 3.889.135 91% 226.038 5% 148.548 3%
1970 6.929.821 6.229.101 90% 509.668 7% 191.032 3%

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - Censos Demográficos de 1900, 1920, 1940, 1950, 1960 e 1970.

Naquele momento, o Brasil tentava se ajustar à nova ordem mundial, o que seria propiciado por intermédio da educação, considerada uma alavanca para o desenvolvimento material e progresso dos países subordinados às nações centrais. No projeto de consolidação da sociedade burguesa, a Igreja Católica desempenhou um importante papel. Sua função ideológica seria exercida, também, por intermédio do ensino.

A educação e a instrução deviam servir, não só de marca registrada da classe média urbana em formação, mas ao mesmo tempo como um sinal distintivo desse segmento populacional, estabelecendo-se pouco a pouco, não só a separação material, mas também cultural, com relação às camadas populares dos camponeses e operários (Azzi, 2008, p. 72).

A questão da escola pública e da educação popular estava posta e dela dependeria a manutenção da ordem social sob os moldes do capitalismo. “Modernizar e civilizar, eis a dupla tarefa da burguesia no aprimoramento ou mesmo na continuidade do desenvolvimento da ordem capitalista” (Murasse, 2006, p. 280).

No dia 2 de novembro de 1900 vieram Irmã Giuseppina d’Ingenheim, Irmã Irene Viganò, Irmã Carolina Squassi e Irmã Eufrosina Invernizzi, com destino a Curitiba. Após vinte e nove dias de viagem marítima, as irmãs se instalaram no bairro de Santa Felicidade, que foi fundado por colonos italianos, para assumirem o comando da escola paroquial, a convite do Padre Francesco Brescianini, que, entre os anos de 1895 e 1906, esteve à frente da Paróquia São José e Santa Felicidade administrada pelos Missionários Scalabrinianos.

Importa ressaltar que, naquela época, cada núcleo étnico era responsável pela preservação das características próprias de sua nacionalidade, pois, “a manutenção de formas ancestrais entre os imigrantes não é tributária apenas ao isolamento étnico que favorecia a permanência do idioma e das tradições” (Trindade; Andreazza, 2001, p. 55). Além das escolas laicas e das escolas de imigrantes, a educação no período relativo à Primeira República (1889-1930) foi ofertada por muitas instituições confessionais provenientes dos países de origem dos imigrantes. Embora houvesse diversas escolas protestantes, a maior parte das instituições era mantida por congregações religiosas católicas que, em sua maioria, se alojavam nas proximidades dos núcleos de imigrantes ou em lugares de prestígio (Trindade; Andreazza, 2001).

Foi o caso das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus que, a princípio, os dois primeiros grupos missionários instalados no Brasil formavam um só Vicariato Apostólico. No decorrer dos anos, a sede provincial do Instituto foi alternada entre São Paulo e Curitiba. Em 1958, as casas foram definitivamente divididas em Província de São Paulo e Província do Paraná, sob os cuidados de Madre Nazarena Viganò e Madre Melânia Galli, respectivamente.

Desde a chegada dos Padres Carlistas ao Paraná, havia o projeto de fundação de um colégio de Irmãs, cuja direção deveria ser confiada a religiosas vindas da Itália. A ideia partira do bispo de Curitiba, D. José de Camargo Barros, que desejava pelo menos três Irmãs, para formar uma comunidade religiosa feminina, em Santa Felicidade. O Padre Carlista, Francisco Brescianini, ocupou-se desta tarefa e construiu uma grande casa que serviria de residência para as Irmãs e ao mesmo tempo de escola paroquial, voltada à educação feminina. O Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus aceitou o desafio missionário (Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus, 1999, p. 11).

Em pouco tempo, a primeira escola foi fundada em meio a uma conjuntura de grande precariedade. Agasso Junior narra a carência estrutural do empreendimento: “Na realidade, não há sequer os bancos escolares; falta tudo, de livros a outras ferramentas didáticas” (Agasso Junior, 2018, P. 74). O método pedagógico e o programa curricular utilizados pelas irmãs seguia os modelos vigentes na Itália, isto é, as atividades eram pautadas no método Montessori, com o acréscimo do ensino de Língua Portuguesa, História e Geografia do Brasil (Lima, 2018). Na época, foram atendidas mais de sessenta meninas, filhas de imigrantes italianos pobres vindos principalmente da região do Vêneto.

Existe uma conexão entre o intenso movimento migratório e a campanha pela escola pública no Brasil do final do século XIX e início do século XX, pois ambos são indicativos de uma ruptura no desenvolvimento da sociedade burguesa.

O movimento e a campanha sinalizam a primeira grande crise de superprodução capitalista, gerada nas metrópoles europeias, que estabeleceu a necessidade histórica do reordenamento internacional das relações burguesas e comandou a ampliação do mercado mundial, visando, principalmente, às antigas colônias para drenar seus excedentes de riqueza (capital e trabalho). O Brasil, bem como os demais países, deveria absorver todos esses excedentes (Murasse, 2006, p. 279-280).

A reorganização da sociedade para conduzir o progresso material (científico e técnico) e o progresso moral, dependeria da modernização dos métodos produtivos, via industrialização, e da criação de uma civilização universal, que seria alcançada por meio da difusão da educação pública para todos (Murasse, 2006).

Se, em meados do século XIX, a mecanização da grande indústria não requeria especialização por parte dos trabalhadores, a nova ordem material estabeleceu uma nova mentalidade, que exigia o aprimoramento político e moral. Portanto, era preciso lutar pela educação.

A chegada das irmãs apóstolas e a consequente fundação de escolas para meninas no início do século XX pode ser entendida como uma estratégia para suprir a lacuna de formação no período, especialmente em relação à educação feminina. “Os colégios femininos contribuíram de forma expressiva para o abandono da antiga mentalidade rural, para a adoção das normas da sociedade emergente” (Azzi, 2008, p. 90).

Atualmente, no estado do Paraná, o Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus mantém um total de nove escolas, distribuídas em cinco cidades, as quais estão listadas no quadro 1, a seguir:

Quadro 1 Instituições Educativas mantidas pelo Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus no estado do Paraná 

Nome da Instituição Cidade Ano de Fundação
Escola Imaculada Conceição Curitiba 1900
Colégio Sagrado Coração de Jesus Curitiba 1915
Escola Santa Teresinha do Menino Jesus Curitiba 1956
Escola Social Madre Clélia Curitiba 1957
Colégio Coração de Jesus Nova Esperança 1959
Escola Sagrado Coração de Jesus Ponta Grossa 1963
Escola Social Clélia Merloni Florestópolis 2002
Escola Social Coração de Jesus Piraquara 2007
Centro de Educação Infantil Padre Carlos Zelesny Ponta Grossa 2008

Fonte: Informações coletadas na página oficial do Instituto. Disponível em: http://www.redesagradosul.com.br/unidades-educacionais. Acesso em: out. 20195.

O momento histórico requeria que fosse provida uma educação que facilitasse a inserção feminina na sociedade urbana, pautada pelos moldes burgueses de comportamento. Além de uma educação diferenciada, era necessário oferecer uma formação elevada também nos aspectos comportamentais e morais àquelas que seriam as responsáveis pela educação dos filhos da elite econômica. Para tanto, a educação feita nas escolas mantidas pela Congregação deveria aliar uma ampla formação cultural a uma reta e consistente formação moral.

6 Princípios educativos e valores do apostolado

O trabalho educativo das irmãs Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus no Brasil refere a uma atividade apostólica de evangelização que está presente no país desde os tempos coloniais. Os elos entre a religião católica e os processos educativos no Brasil remetem à chegada dos portugueses e à instalação da pedagogia jesuítica, especialmente à relação entre a Igreja e o Estado português, materializada pelo regime de padroado, a partir do qual o governo português tornava a religião católica oficial e obrigatória também no Brasil. Durante esse regime, embora a Igreja estivesse submetida ao Estado, as autoridades civis não coibiam a ação educativa empreendida pelas ordens e congregações religiosas, as quais assumiram com os jesuítas a liderança absoluta do campo educacional brasileiro.

Em 1759, inspirado pelos ideais do século das luzes e pelas novas ideias sobre educação, Marquês de Pombal (1699-1782) arquitetou os meios para a expulsão dos padres jesuítas, com o intuito de instituir o ensino laico. Ocorre que as ideias pombalinas não se efetivaram e, somadas ao descaso das autoridades públicas, submeteram a educação do Brasil a um período de severa decadência marcado por "descontinuidade, improvisação, amadorismo e falta absoluta de senso pedagógico [...]" (Moura, 2000, p. 71).

A separação completa entre o Estado e a Igreja Católica ocorreria apenas com a instauração da República, em 1889. No dia 7 de janeiro do ano seguinte, o Decreto nº 119-A extinguiu o regime do padroado no Brasil e, assim, o catolicismo deixou de ser a religião oficial do país. A implantação do ensino leigo significava a perda de uma importante esfera de poder da Igreja Católica.

Tal panorama levou a Igreja Católica a um processo de reestruturação institucional, organizando um intenso trabalho de difusão de seu magistério, como meio de recuperar o seu poder como religião dominante. Tornava-se necessário, portanto, que a Igreja se adaptasse aos novos tempos. Na tentativa de manter sua influência na educação, muitas congregações masculinas e femininas chegaram ao Brasil, implantando redes escolares em todo o país. “A instituição católica apostou na educação das classes dirigentes e centrou nelas o melhor de seus esforços na certeza de que, através delas, encontraria um canal adequado para influir na construção da sociedade” (Azzi, 2008, p. 108).

Foi nesse contexto que as Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus expandiram seu campo de atuação. Na atualidade, a congregação está presente em 15 países: Albânia, Argentina, Benim, Brasil, Chile, Estados Unidos, Filipinas, Haiti, Irlanda, Itália, Moçambique, Paraguai, Portugal, Suíça e Uruguai. As ações de sua obra de missão compreendem as seguintes áreas: Educação, Saúde, Serviço de Pastoral e Promoção Humana e Social, além de outras ações.

Com a sede geral situada em Roma desde 1916, o Instituto está organizado em cinco províncias e duas vice-províncias, são elas: Província Itália Setentrional, com sede em Milão; Província Itália Centro-Sul, com sede em Bari; Província dos Estados Unidos, com sede em Hamden; Província do Paraná, com sede em Curitiba e Província de São Paulo, com sede em São Paulo. Há, ainda, a Vice-Província Cone Sul, com sede em Buenos Aires (Argentina) e a Vice-Província Centro-Norte do Brasil, com sede em Brasília.

O trabalho apostólico realizado pelo Instituto é norteado pelo carisma da Congregação fundada por Madre Clélia, que consiste na missão de propagar a devoção ao Coração de Jesus. A evangelização promovida pelas irmãs prevê uma ação reparadora, que as aproxime do exemplo dos Apóstolos de Cristo. "No caso do carisma cleliano, cada indivíduo é chamado a ensinar com o coração, ou seja, com ternura e amabilidade, o que inclui a correção, mostrando o que é certo naquilo que se refere à moral cristã, à cidadania e à ética" (Santos, 2020, p. 17).

No campo educacional, definido pelo carisma cleliano, o trabalho pedagógico do Instituto se baseia em valores cristãos, com vistas a desenvolver a capacidade cognitiva, a criatividade, a intuição e os sentimentos. Vale ressaltar que esta pedagogia cleliana não se configura como um método de ensino sistematizado, mas consiste em fundamentos morais orientadores do trabalho educativo desempenhado pela Congregação.

O documento intitulado Educandato delle Suore Apostole del Sacro Cuore foi escrito na época de fundação do Instituto e apresenta os princípios formativos fundamentais do internato feminino erigido por Madre Clélia. O documento está localizado nos arquivos do Centro Histórico Madre Clélia Merloni, em Curitiba, em meio a outros materiais relacionados à vida da fundadora do Instituto. Embora não tenha sido possível localizar informações como data de emissão, finalidade e autoria, o documento constitui uma fonte importante para a compreensão dos princípios educativos que orientam o trabalho pedagógico da congregação.

No documento, o Educandário é descrito como um espaço que deveria ser amplo e agradável, adequado ao enriquecimento da mente das jovens mantidas pelo Instituto. Empreendida sob uma "vigilância maternal", a formação ofertada estaria alinhada às exigências da família, isto é, "uma educação modesta e simples, mas sólida e completa".

O elemento central da proposta educativa consistia na formação para a prática da religião católica e no desenvolvimento das virtudes. “Nós tentamos não deixar que elas ignorem qualquer coisa que seja necessária ou realmente útil para a mulher cristã, especialmente quando ela tem que exercer uma certa influência com as pessoas ao seu redor”. A afirmação indica a compreensão do Instituto a respeito da função social que era esperada da mulher naquele período. A formação deveria propiciar que as jovens se tornassem referência no que diz respeito ao ideal de mulher cristão, servindo como modelo a ser seguido.

O currículo norteador do ensino na Instituição era composto pelos seguintes conteúdos: leitura e escrita pautados na Gramática "[...] para evitar erros de pronúncia e ortografia"; História e Geografia "[...] não permaneçam estranhas nem ao tempo, nem aos lugares, nem aos personagens que devem conhecer"; aritmética, "[...] que pode ser aplicada às leis ordinárias da vida e, portanto, a alguma relação comercial". O currículo também contemplava o desenvolvimento de habilidades como costurar e bordar, os quais eram considerados “[...] trabalhos indispensáveis para o bom funcionamento de uma casa [...]". O rol de conteúdos ensinados também incluía noções de Literatura, História Natural, Física e Mitologia, completando os saberes considerados pelo instituto necessários "[...] para educar as jovens na ordem e na economia doméstica, bem como na civilização”.

A leitura do documento permite conhecer a proposta educativa para a meninas e jovens confiadas aos cuidados das irmãs no período inicial das atividades do Instituto. A pedagogia que norteou o trabalho educativo do Educandário - e que serviu de inspiração para as demais instituições de ensino mantidas pela Congregação - não demonstra qualquer desalinho em relação às expectativas que recaíam sobre as mulheres da elite no âmbito geral da sociedade europeia, em que figurava. O domínio das letras e dos números, das noções básicas de História e Geografia e outras poucas disciplinas, bem como das habilidades de costurar e bordar consistiam nos saberes necessários à formação feminina, segundo o documento. As jovens formadas sob tais preceitos e a partir dos valores da doutrina católica estariam aptas para exercerem o papel que lhes cabia na sociedade, contribuindo para a disseminação e a consolidação dos princípios cristãos católicos, inclusive no âmbito familiar.

7 Considerações finais

Não é em outro, senão, no mundo sensível que as ideias se materializam, por meio das ações concretas dos sujeitos. Os princípios educativos e valores do Apostolado idealizados, a princípio, por sua fundadora, Madre Clélia Merloni, tornaram-se intervenções reais (e não simplesmente projeções) à medida em que se cumpria a missão evangelizadora das religiosas do Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus. A análise do itinerário iniciado por Madre Clélia Merloni, na Itália, a partir da criação do Instituto e continuado pelas irmãs apóstolas do Sagrado Coração de Jesus permite compreender que as peculiaridades regionais não são elementos alheios à dimensão geral na qual estão inseridas.

Ao desembarcarem no Brasil, em 1900, as irmãs Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus, cujo carisma supõe o desenvolvimento de tarefas educacionais, encontraram um fértil terreno de trabalho apostólico no país que aspirava tornar-se moderno, em uma tentativa de assemelhar-se às nações europeias, aspecto que exerceu significativa influência na maneira pela qual empreenderam a socialização da doutrina cristã via educação escolar. A motivação que impulsionou a vinda das irmãs pioneiras foi a prestação de assistência aos imigrantes italianos que, na época, encontravam, ou pensavam encontrar no Brasil, um local com oportunidade para escapar da precariedade em que viviam em seu país de origem. Ocorre que essa assistência espiritual prestada não era resultado unicamente da ação benevolente e pastoral da Congregação ou mesmo de Dom Scalabrini, mas, também consistia em uma maneira eficiente de sustentar a influência da Igreja Católica sobre a população. Do mesmo modo, a educação escolar capitaneada por congregações religiosas foi um eficaz meio de atuação política da Igreja Católica no Brasil, especialmente durante o século XX.

O alicerce sobre o qual era feita a educação oferecida pelas irmãs era constituído de valores caros à elite que estava em formação. A chegada das irmãs Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus consistiu em uma estratégia eficiente para promover a assistência educacional cristã por intermédio da formação escolar das crianças e dos jovens provenientes das famílias mais abastadas.

1Embora a sede provincial do Instituto das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus, no Paraná, possua um vasto acerto com informações sobre a vida de Madre Clélia Merloni, não foram localizados documentos que contivessem dados referentes aos anos de nascimento e morte de seus familiares.

2O milagre atribuído a Madre Clélia Merloni teria ocorrido no Brasil, na cidade de Ribeirão Preto/SP, em 20 de março de 1951. Um homem com diagnóstico de um tipo de paralisia progressiva chamada Síndrome de Landry havia sido desenganado pelos médicos. A partir de uma novena e do contado com uma relíquia de Madre Clélia - alguns fios do hábito que ela usava em vida, oferecidos por uma Irmã -, o paciente teria se recuperado imediatamente, surpreendendo a equipe médica. Após vinte e cinco anos do milagre, o paciente faleceu de parada cardíaca, em 25 de setembro de 1976. Mais informações sobre o milagre atribuído à Madre Clélia Merloni podem ser encontradas na página de notícias do Vaticano, disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2018-01/o-milagre-que-levara-madre-clelia-merloni-a-beatificacao.html. Acesso em: 27 mar. 2023. Outro suposto milagre, relacionado à fuga da morte obtida pela intercessão à Bem-Aventurada Clélia Merloni, foi investigado pelo Tribunal Ordinário da Diocese de Roma, cujo inquérito foi aberto em 10 de março de 2022. Disponível em: https://madreclelia.org/pt/noticias/abertura-da-investigacao-diocesana-sobre-um-suposto-milagre-atribuido-a-bem-aventurada-clelia-merloni-fundadora-do-instituto-das-apostolas-do-sagrado-coracao-de-jesus/. Acesso em: 27 mar. 2023.

3O Censo Demográfico do Estado do Paraná de 1920 não apresentou dados relacionados à religião dos habitantes.

41900 = Espíritas - 0; Ortodoxos - 521; Israelitas - 17; Outras religiões - 1.881; Sem religião ou Sem declaração de religião - 24.577 / 1940 = Espíritas - 9.421; Ortodoxos - 8.049; Israelitas - 1.033; Outras religiões - 13.484; Sem religião ou Sem declaração de religião - 3.947 / 1950 = Espíritas - 26.230; Ortodoxos - 5.083; Israelitas - 1.340; Outras religiões - 32.043; Sem religião ou Sem declaração de religião - 12.076 / 1960 = Espíritas - 36.870; Budistas - 35.650; Ortodoxos - 5.390; Israelitas - 4.656; Maometanos - 1.146; Outras religiões - 45.951; Sem religião ou Sem declaração de religião - 17.885 / 1970 = Espíritas - 35.715; Outras religiões - 128.085; Sem religião ou Sem declaração de religião - 27.232 (Fonte: IBGE).

5O Instituto mantém, ainda, outras cinco instituições escolares no Rio Grande do Sul, localizadas em Bento Gonçalves, Garibaldi, Nova Araçá, Porto Alegre e Torres. No estado de São Paulo, são cinco escolas, distribuídas em Araçatuba, Bauru, Marília e na capital. Há, ainda, uma unidade no Distrito Federal, duas no Tocantins (em Palmas e em Paraíso do Tocantins), uma no Pará (em Castanhal) e uma na capital do Rio de Janeiro.

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Recebido: 28 de Março de 2023; Aceito: 10 de Agosto de 2023

Editoras: Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista e Profa. Dra. Marcia Fusaro

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