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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.67 São Paulo out./dez 2023  Epub 19-Fev-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n67.23602 

Artigos

OS PROJETOS DE VIDA DE FILHOS DAS EXTRATIVISTAS DE BABAÇU NO MARANHÃO, ENTRE CONTINUIDADES E RUPTURAS

THE LIFE PROJECTS OF THE CHILDREN OF BABASSU EXTRACTIVISTS IN MARANHÃO, BETWEEN CONTINUITIES AND RUPTURES

LOS PROYECTOS DE VIDA DE LOS HIJOS DE BABASÚ EXTRACTIVISTAS EN MARANHÃO, ENTRE CONTINUIDADES Y RUPTURAS

Maria de Fátima Sousa Silva, Doutora em Educação1 
http://orcid.org/0000-0001-6513-6361

José Euzébio de Oliveira Souza Aragão, Doutor em Educação2 
http://orcid.org/0000-0003-3284-0189

1Doutora em Educação, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Rio Claro, São Paulo - Brasil

2Doutor em Educação, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Rio Claro, São Paulo - Brasil


Resumo

Este trabalho é parte de uma tese de doutorado, que objetivou conhecer os projetos de vida de adolescentes, filhos das quebradeiras de coco babaçu no leste do Maranhão, na tentativa de entender se em seus projetos está a continuidade das atividades que suas famílias realizam ou se direcionam para outras atividades profissionais. A pesquisa, recorte de uma tese de doutorado, teve a participação de treze adolescentes que cursavam o 8º e 9º ano do Ensino Fundamental em uma escola pública na zona rural maranhense, filhos das extrativistas de coco babaçu, bem como de outros colaboradores que trabalham na educação. Neste artigo serão mencionados apenas os adolescentes. A pesquisa revelou que a escola em que eles estudam, ainda não trabalha com o eixo curricular “projeto de vida”, porém, a partir das falas dos adolescentes, compreendeu-se que trabalhar com esse eixo curricular, primando fortalecer seus projetos de vida, encontra respaldo teórico na perspectiva de ensino freiriana. Vale ressaltar que a escola interfere em seus projetos de vida, pois tanto os alunos quanto os pais, veem nela uma alternativa de melhores condições econômicas e sociais. Portanto, a partir deste estudo, evidenciou-se também que esses adolescentes têm como objetivo conseguir uma formação acadêmica de nível superior para ter uma profissão, que não se relaciona com as atividades do coco babaçu.

Palavras chave: adolescentes rurais; coco babaçu; projeto de vida.

Abstract

This work is part of a doctoral research, which aimed to know the life projects of teenagers, children of babassu coconut breakers in eastern Maranhão, in an attempt to understand if in their projects is the continuity of the activities realized by their families or turn to other professional activities. The research is part of a doctoral thesis and had the participation of thirteen teenagers who attended the 8th and 9th year of elementary school in a public school in the rural area of Maranhão, children of babassu coconut extractivists, as well as other collaborators who work in education, but only the ones will be mentioned here. The research revealed that the school where they study does not yet work with the “life project” curricular axis, however, based on the teenagers' speeches, it was understood that working with this curricular axis, striving to strengthen their life projects, there is theoretical support in the perspective of Freire's teaching. It is noteworthy that the school interferes with their life projects, as both students and parents see it as an alternative for better economic and social conditions. Therefore, from the study, it was also evident that these teenagers have as their main target in their life projects, a higher education academic training to have a good profession that is not related to the activities of babassu coconut.

Keywords rural teenagers; coconut babassu; life project.

Resumen

Este trabajo forma parte de una tesis doctoral, que tuvo como objetivo conocer los proyectos de vida de adolescentes, hijos de rompedores de cocos de babasú en el este de Maranhão, en un intento de comprender si sus proyectos son la continuidad de las actividades que realizan sus familias o si directo a otras actividades profesionales. La investigación, parte de una tesis doctoral, contó con la participación de trece adolescentes que cursaban el 8º y 9º grado de la escuela primaria en una escuela pública de la zona rural de Maranhão, hijos de extractivistas del coco babasú, además de otros colaboradores que trabajar en la educación. En este artículo sólo se mencionará a los adolescentes. La investigación reveló que el colegio donde estudian aún no trabaja con el eje curricular “proyecto de vida”, sin embargo, con base en los discursos de los adolescentes, se entendió que trabajar con este eje curricular, esforzándose por fortalecer sus proyectos de vida, encuentra resultados teóricos. apoyo en la perspectiva docente freireana. Es de destacar que la escuela interfiere en sus proyectos de vida, pues tanto estudiantes como padres la ven como una alternativa para mejores condiciones económicas y sociales. Por lo tanto, a partir de este estudio, también fue evidente que estos adolescentes aspiran a obtener una educación superior para tener una profesión que no esté relacionada con las actividades del coco babasú.

Palabras clave: adolescentes rurales; babasú; de coco; proyecto de vida.

Introdução

O presente texto faz parte de uma tese de Doutorado em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/Campus Rio Claro SP), realizado com o apoio da CAPES e concluída em 2022. A pesquisa foi realizada no povoado rural Bacabinha, pertencente ao município de São João do Soter, estado do Maranhão. Esse povoado é originado de assentamento, habitado principalmente por homens trabalhadores na lavoura tradicional e mulheres quebradeiras de coco babaçu.

Na zona rural maranhense sempre existiu mulheres que exerceram e ainda exercem a atividade de extrativismo de coco babaçu, popularmente conhecidas como “quebradeiras de coco babaçu”. Apesar do aumento das discussões acerca dessa atividade, sobretudo a partir da criação da Lei do Babaçu Livre n° 4.734/86,1, nem todas as regiões do estado tratam dessa temática com o devido apreço, havendo, assim, a necessidade da efetivação da referida lei.

O discurso inicial nesse estudo, traz a luz diversos fatores e desafios que ao longo dos anos têm contribuído para a decadência dessa atividade. Embora o babaçu tenha importância socioeconômica em diversas regiões do Maranhão, as condições de trabalho com esse vegetal são árduas, desafiadoras e desvalorizadas. Ademais, em muitos contextos ainda não se viabilizaram ações que estimulem empoderamento para que as extrativistas constituíssem suas identidades pessoais e coletivas, como acontece em outras regiões, a exemplo da criação do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu - MIQCB2, símbolo de luta, de resistência econômica, afirmação cultural e superação.

De acordo com Mendes (2016) as quebradeiras de coco babaçu têm inspirado publicações e pesquisas em diversas áreas do conhecimento, como o reconhecimento de território, direitos à educação, saúde, livre acesso aos babaçuais etc. No entanto não foram encontrados estudos referentes aos seus filhos.

É comum, que os adolescentes residentes nesse povoado desistam dos estudos ao concluírem o Ensino Fundamental, migrando para os centros urbanos em busca de trabalho, mas, pela ausência de qualificação profissional, são submetidos a explorações e subempregos. São poucos os que conseguem superar essas dificuldades avançando nos estudos e consequentemente conquistando melhores condições de trabalho e de vida.

Um enfoque freiriano perspectivando fortalecer os projetos de vida de adolescentes rurais

No contexto educacional da zona rural, local em que a pesquisa foi realizada, o município oferece o ensino escolar da creche ao 9º ano do ensino fundamental. O Ensino Médio, por sua vez, é ofertado na zona urbana do referido município. Existem muitos alunos que não avançam para o Ensino Médio. Diversos fatores contribuem para tal situação, desde a dificuldade no acesso à escola, até aos problemas de ordem política, econômica, pedagógica e cultural (Lima, 2019).

Com as constantes mudanças que a sociedade vem passando, sobretudo com a globalização e as tecnologias da informação, a zona rural não ficou imune a algumas mudanças. Todavia, estudos sobre a juventude urbana tem sido frequente entre as pesquisas sociológicas no Brasil. Mas em meio a tantas mudanças na sociedade, o que se sabe sobre os jovens da zona rural? Na atualidade, muitos pesquisadores têm despertado interesse por pesquisar a juventude rural. E essas pesquisas têm apontado que esses grupos são os mais afetados pelas transformações que o campo vem sofrendo, principalmente pela política econômica neoliberal que prioriza o agronegócio, desestabilizando a agricultura familiar (Silva, 2002).

A passagem da juventude para a vida adulta tornou-se cada vez mais fluida e imprecisa diante da complexidade e da desigualdade social brasileira. Por esta razão, não é possível pensar em um conceito fechado para definir juventude, mas de forma abrangente, pode-se considerar as diversas juventudes entre semelhanças e diferenças, em um contexto contemporâneo. Haja vista que conforme as circunstâncias, alguns jovens assumem diferentes responsabilidades muito cedo (Severino et al., 2020).

Partindo desses pontos, quais as possibilidades de os adolescentes escolherem um caminho a seguir, pensar e construir um projeto para sua vida? Quando se pensa em projeto de vida, mesmo sem uma reflexão apurada, imagina-se ser o caminho que uma pessoa pode traçar para alcançar seus objetivos, seus sonhos e seus interesses. Algo relacionado a um planejamento, onde o indivíduo se auto conhece, identifica seus interesses e seus potenciais.

Existem muitos grupos de adolescentes nos diversos contextos brasileiros, em que as condições de vida limitam seus pensamentos referente a construção do projeto de vida como um planejamento, que almeja melhores condições a médio e longo prazo. É nesse sentido que as escolas precisam assumir o papel de orientar e otimizar os estudantes sobre novas possibilidades de transformação social a partir de suas realidades.

No contexto educacional brasileiro algumas secretarias (estaduais e municipais) vêm adotando uma perspectiva inovadora com o componente projetos de vida nos currículos das escolas (principalmente no ensino integral), como uma atividade complementar. Segundo essas instituições, a referida política perspectiva orientar os alunos a se auto conhecerem e desenvolverem seus potenciais.

Esse modelo se tornou nacionalmente obrigatório a partir da Lei 13.415/2017 do Novo Ensino Médio - NEM, conforme consta no capítulo II do Art. 5º desta lei, a saber: II - projeto de vida como estratégia de reflexão sobre trajetória escolar na construção das dimensões pessoais, cidadãs e profissional do estudante. Com isso, os alunos do 1º e 2º ano das escolas públicas já estão matriculados no NEM, a partir do ano de 2022, com carga horária de duas horas aulas semanais destinadas às atividades do projeto de vida.

Além disso, o projeto de vida é um componente da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), atual documento normativo que define o conjunto de competências e aprendizagens essenciais que os alunos precisam desenvolver no decorrer de toda a Educação Básica. Uma das orientações da BNCC, é trabalhar com o eixo projetos de vida dos alunos, conforme exposto a seguir:

No Ensino Fundamental/Anos Finais, a escola pode contribuir para o delineamento do projeto de vida dos estudantes, ao estabelecer uma articulação não somente com os anseios desses jovens em relação ao seu futuro, como também com a continuidade dos estudos no Ensino Médio. Esse processo de reflexão sobre o que cada jovem quer ser no futuro, e de planejamento de ações para construir esse futuro, pode representar mais uma possibilidade de desenvolvimento pessoal e social (Brasil, 2018, p. 60).

Conforme explicitado, a BNCC sinaliza o compromisso com a educação integral. Nesse sentido, impõe romper as visões reducionistas, assumindo uma visão plural, singular e integral dos estudantes, primando pela consolidação do ensino básico. A partir da BNCC, o projeto de vida deve estar incluído nos currículos estaduais e municipais de cada região.

Embora a BNCC aponte o projeto de vida como uma proposta inovadora para contribuir com os jovens na materialização de suas expectativas de vida, existem muitas críticas e discussões inacabadas a respeito, principalmente por se tratar de uma perspectiva escolar hegemônica, sendo que existem diversos contextos escolares em que as condições mínimas são negligenciadas pelo poder público. Além das listas de problemas sociais e educacionais peculiares de cada região, existem também os desafios postos aos professores para desenvolverem seus fazeres docentes nesse eixo curricular, sem uma formação específica para tal.

Contudo, esta pesquisa seguiu outra perspectiva, que não se relaciona ao projeto de vida do eixo curricular da BNCC e nem da proposta do NEM. Nela, investigou-se sobre os projetos de vida dos filhos das quebradeiras de coco babaçu da região leste maranhense, no município de São João do Soter (MA), no intuito de conhecer desses jovens seus anseios, desejos, sonhos, desafios e perspectivas pessoais naquela localidade, referente à continuidade das atividades ligadas ao coco babaçu, bem como as suas necessidades educacionais e pessoais.

Quando se perspectiva uma educação transformadora, se encontra respaldo teórico em teorias críticas, as quais concebem a educação como um processo de instrumentalizar as pessoas para uma prática transformadora, que por sua vez, ocorre por meio da aprendizagem crítica, reflexiva e do saber elaborado na cultura.

A superação de uma condição socialmente desfavorável ocorre quando os sujeitos se tornam conscientes e capazes de perceber e questionar os valores que tornam a sociedade injusta e, ao mesmo tempo, conseguem lutar por um projeto de sociedade mais democrática e mais inclusa. Segundo Freire (1996), a escola pública é um local fundamental para desenvolver uma educação emancipatória e humanista.

Nesse sentido, pensar em projetos de vida dos alunos em contextos rurais, significa considerar suas peculiaridades, seus aspectos sociais, econômicos e culturais. Partindo desse ponto, é preciso, através da educação, conscientizá-los criticamente, promovendo discussões e fomentando a ampliação dos seus conhecimentos para além dos conteúdos curriculares, com temas pertinentes que se relacionem com suas vivências, sua formação pessoal, e assim fomentar ideias que possam levá-los a pensar na construção e efetivação de seus projetos de vida.

Numa perspectiva sociológica, a construção de um projeto de vida deve considerar os aspectos da sociedade pluralista, onde circulam propostas distintas, e consequentemente demandas sociais distintas. O projeto de vida necessita estar alinhado à valorização pessoal, social e com a promoção da autonomia. A construção do projeto de vida no âmbito escolar deve ser vista como um eixo interdisciplinar, com a finalidade de evidenciar aspectos significativos de um intenso processo de aprendizagem para a vida.

Diante do exposto, é válido destacar que as características das relações e vivências das crianças e adolescentes rurais são diferentes quando comparados com os que residem na zona urbana. Assim, é necessário reconhecer suas peculiaridades para desconstruir o pensamento colonial, que sempre estereotipou e excluiu as pessoas que habitam na zona rural.

Os estudantes da região em que se ancora o estudo proposto por esta pesquisa têm projetos de vida, tendo em vista que todos frequentam a escola e veem nela uma forma de ascensão social. Em seus projetos, os jovens perspectivam melhores condições de vida por meio do ensino escolar. No entanto, muitos desses adolescentes, por diversos fatores não avançam nos estudos. Dito isso, foi trazida a colaboração do educador Paulo Freire, no que concerne ao fortalecimento dos adolescentes dessa região, para pensarem e avançarem em seus projetos de vida a partir da perspectiva freiriana nas escolas. Explicitamente, Freire não enfatizou sobre projeto de vida, mas estimulou através de seus estudos a se pensar na educação como ato político, para que o cidadão seja sujeito da sua própria vida:

A educação é essencialmente um ato de conhecimento e de conscientização e que, por si só, não leva uma sociedade a se libertar da opressão. É dentro desse quadro que gostaria de dialogar um pouco com ele, caminhar com ele e, ao mesmo tempo, problematizar o seu discurso central, isto é, a possibilidade de uma educação libertadora, transformadora (Freire, 1997, p. 7).

Compreende-se que o autor induz uma perspectiva de esperançar, por meio de uma educação que promova mudança e libertação para uma sociedade mais justa. Nas palavras do autor, é possível encontrar otimismo a partir da consciência da realidade concreta, enxergando as possibilidades e não um otimismo ingênuo, pois as pessoas que perdem suas problematicidades e as possibilidades de sonhar, perdem também seu endereço na história.

Para que isso não ocorra, a educação precisa ter uma perspectiva transformadora, a qual ocorre por meio da aprendizagem crítica e reflexiva da realidade. Ademais, o autor reforça a ideia de mudança, em que somente o ser humano pode ser capaz de proporcionar por meio do processo de conscientização.

Gosto de ser gente porque, mesmo sabendo que as condições materiais, econômicas, sociais e políticas, culturais e ideológicas em que nós achamos geram quase sempre barreiras de difícil superação para o cumprimento de nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sei também que os obstáculos não se eternizam (Freire, 1996, p 31).

O processo de conscientização proposto pelo autor, tem sentido de consciência e de ação sobre a realidade, a qual se realiza na práxis e não na teoria. E, desta forma, deve-se fortalecer os projetos de vida dos estudantes, uma vez que são discutidos os desafios e as possibilidades a serem alcançadas, assim como elevar a autoestima, a confiança e a esperança, tendo em vista que os jovens/adolescentes da zona rural do referido município, desistem de continuar os estudos ao concluir o Ensino Fundamental.

A formação da identidade do sujeito é uma ferramenta integradora de transformação pessoal, de exigência social e de perspectivas em relação ao presente e ao futuro. Nesse interstício, é comum que os adolescentes tenham pensamentos voltados para sonhos e desejos, buscando respostas que nem sempre encontram. E a escola pode contribuir, tanto para aqueles que ainda não conseguem pensar num projeto para sua vida, quanto para fortalecer aqueles que já pensam em projetos para sua vida. Conforme o autor, somos seres inacabados e em movimento, que por sua vez, nos permite pensar no futuro por meio da consciência, visto que só o ser humano tem essa capacidade:

Para mulheres e homens, estar no mundo necessariamente significa estar com o mundo e com os outros. Estar no mundo sem história, sem por ela ser feito, sem cultura, sem "tratar" sua própria presença no mundo, sem sonhar sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem ideias de formação, sem politizar não é possível (Ibid. p. 34).

Por essa razão, pensar em projetos de vida para alunos da zona rural se torna viável e promissor, desde que se identifique seus interesses, seus sonhos, suas fragilidades, seus potenciais, seus projetos. A partir desse ponto, fortalecê-los a não somente a buscarem uma profissão futura, por mais que seja importante, mas a pensarem sobre a viabilidade dessa, os desafios e as possibilidades, e não meramente adaptá-los a uma visão hegemônica de ensino, que não dialoga com suas realidades e necessidades.

Na perspectiva freiriana, a educação envolve práticas articuladas com as realidades sociais dos educandos, a partir de temas geradores, que por sua vez, podem ser apontados pelos alunos em forma de diálogo, buscando engajamento ativo entre professor/a/aluno/a no ato de conhecer. O diálogo, passa a ser uma estratégia para respeitar os saberes, anseios e os desejos dos estudantes (Freire, 1996).

Sabe-se que a tendência neoliberal influencia as políticas, os currículos e os ambientes educacionais, fortalecendo as “[...]práticas pedagógicas tradicionais e conservadoras, que não dialogam com as realidades e necessidades específicas dos estudantes[...]”, que nas ideias de Freire (1996, p. 58) se atrelam a “educação bancária”, que por sua vez, tende a alienar, ao invés de emancipar o sujeito.

É necessário que nos contextos escolares, as práticas docentes promovam reflexões no sentido de não naturalizar ou repetir as práticas excludentes produzidas na sociedade dominante, pois sem essa conscientização, os grupos excluídos não conseguirão superar suas necessidades coletivas, e nem ascender economicamente, socialmente e politicamente, uma vez que estão presos a um sistema alienante que os impede de obter a compreensão da lógica do sistema que os exclui.

Pensar em estratégias escolares pautadas nas ideias freiriana, além dos conteúdos referenciais, é pensar numa prática política-pedagógica de professores/as que comungam com as ideias de Paulo Freire, em que a educação sozinha não muda o mundo, tampouco sem ela o mundo muda. Nessa perspectiva, as ideias desse educador têm fundamentos para desenvolver um trabalho de base em comunidades excluídas de qualquer direito social, buscando tirá-las do isolamento, da exploração e das condições desumanas das quais são vítimas. Reconstruir a autoestima das pessoas por meio da conscientização, é, portanto, dar o primeiro passo para sua libertação (Silva, 2007).

Nessa perspectiva, é interessante recorrer a raiz epistemológica de uma pedagogia defendida por Freire (1996) e, fundamentada na dialogicidade. O diálogo não é qualquer conversa, mas a leitura crítica, problematizadora e transformadora da realidade. Em síntese, é uma práxis curricular, concreta e crítica.

Considera-se que, uma educação escolar que contemple os anseios dos alunos de classes populares, precisa ir além do currículo escolar, partindo dos problemas locais como temas geradores, para contrapor a educação bancária, pois essa não promove libertação, pelo contrário, reproduz autoritarismo e aliena os sujeitos, tendo em vista que, os alunos não conseguem relacionar o que se aprende na escola em suas práticas sociais, tampouco tomar decisões cotidianas. Para Freire (1997) não basta só alfabetizar, mas é preciso aprender o significado e a história das palavras, para assim fazer a leitura crítica de mundo. Por isso, o autor defende o ensino por meio da problematização:

A problematização traz consigo a ideia de que alfabetizar não é apenas ensinar a ler e a escrever as palavras a partir de seus grafemas e fonemas, mas sim um ato de construção de conhecimentos e entendimentos sobre o mundo que nos cerca, o que faz a partir do desvelamento da realidade, do engajamento político e de lutas em prol das transformações das condições concretas de existências (Ibid. p. 114).

Partindo dessa ideia, os alunos desenvolvem o pensamento político para intervir como cidadão autônomo. O autor defende a valorização do contexto que os alunos fazem parte, visto que a perspectiva freiriana valoriza e insere a cultura, os conhecimentos prévios, as vivências e experiências dos alunos no processo educativo. Discutir a educação nessa perspectiva, incide considerar o indivíduo agente da própria libertação, na medida em que adquire conhecimento.

Freire (2013, p.27) reitera ainda que “[...] a educação deve estimular a transformação e a libertação do homem''. Na concepção do autor adaptar é acomodar, e, portanto, não “transforma”. A educação é uma prática de transformação social, que auxilia no processo de libertação do homem, quando para ele, é concebido a conscientização dele mesmo:

No momento em que os indivíduos, atuando e refletindo, são capazes de perceber o condicionamento de sua percepção pela estrutura em que se encontram, sua percepção muda, embora isso não signifique, ainda, a mudança da estrutura. Mas a mudança da percepção da realidade, que antes era vista como algo imutável, significa para os indivíduos vê-la como realmente é: uma realidade histórico-cultural, humana, criada pelos homens e que pode ser transformada por eles (Ibid., p. 43).

É importante destacar que a relação que o autor faz do homem é no sentido ontológico, não como forma de enaltecer a figura masculina. Desse modo, a conscientização se apresenta para as pessoas como fator primordial do movimento do pensamento humano, pois a educação crítica promove o movimento de mudança e de percepção da realidade, uma vez que parte dela (realidade). Assim, o homem realiza a reflexão-ação-reflexão na resolução de situações que antes eram imutáveis, exercendo uma ação criadora.

Isso leva a pensar que é por intermédio do currículo escolar que as “coisas” se consolidam na escola. O que se entende por conhecimento escolar? São os conhecimentos que provêm de saberes e conhecimentos socialmente produzidos nos chamados “âmbitos de referências dos currículos”. No entanto, estes “conhecimentos”, para se tornarem conhecimentos escolares, sofrem uma descontextualização, e além disso não tratam de conflitos específicos, conflitos esses, originados no chão da escola e nos seus diferentes contextos (Candau, 2016).

Por esses e outros fatores, os conteúdos hegemônicos curriculares, não promovem transformações nas classes populares. Nesse sentido, se faz necessário alguns questionamentos: Como ensinar? O que ensinar além dos conteúdos de referências?

Na perspectiva freiriana, embora se considere a importância dos conteúdos curriculares, a práxis educativa parte dos temas geradores, que por sua vez, fazem parte do contexto dos alunos. Contudo, é necessário que o educador/a possua formação e compromisso com sua prática docente, refletindo, pesquisando e criticando-a constantemente. Uma vez que, para além de ter domínio dos conteúdos curriculares, é imprescindível fortalecer e desenvolver a consciência crítica dos alunos, para assim pensar numa transformação, que implica num processo contínuo e ilimitado historicamente, sendo fundamentalmente necessário desconstruir as práticas reprodutoras de exclusões que levam sobretudo ao fracasso escolar dos alunos.

A economia do babaçu e a relação com os projetos de vida dos adolescentes

Conforme sinalizado, o objetivo da pesquisa foi conhecer os projetos de vida de adolescentes, filhos das quebradeiras de coco babaçu no Leste do Maranhão, identificando se seus projetos passam pela continuidade das atividades de suas famílias ou se direcionam para outras atividades. O público-alvo apresentado neste texto, são os treze adolescentes estudantes do 8º e 9º ano do Ensino Fundamental que também participaram da investigação.

A pesquisa é de abordagem qualitativa e descritiva, os instrumentos utilizados para coleta de dados, foram a aplicação de questionários e a realização da técnica de grupo focal. Para interpretação dos dados foi usado o método de Análise de Conteúdo.

Por se tratar de uma pesquisa envolvendo seres humanos, foi necessário submetê-la ao Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos - CEP, e essa obteve aprovação no dia 13 de janeiro de 2021, por meio do Parecer de Número 4.497.048.

Algumas questões deram origem aos problemas de pesquisa, tais como: Quais os projetos de vida, concepções e perspectivas, dos filhos das quebradeiras de coco babaçu do município de São João do Soter - MA? Qual a sua relação com o ambiente onde vivem e a atividade com o coco babaçu? Para facilitar a compreensão, os questionamentos foram divididos e discutidos em subtópicos acerca do tema. Ademais, contextualizou-se as perguntas dirigidas aos adolescentes e, com base no método de análise de conteúdo foram construídas dez categorias dentro da temática do estudo. Reitera-se que neste texto, por se tratar de um recorte da tese, serão apresentadas apenas duas categorias: uma categoria sobre as concepções dos adolescentes referente à economia do babaçu e a outra sobre seus projetos de vida.

No subtópico “perspectivas dos participantes referentes ao coco babaçu”, se questionou sobre a economia desse recurso natural, sobre os desafios, a relação da família com coco babaçu, suas participações no processo de quebra de coco e a comercialização dos produtos e seus derivados. Outro ponto questionado nesse tópico, foi sobre os conhecimentos dos adolescentes referentes à Lei do Babaçu Livre (Lei n° 4.734/86).

Outro questionamento no roteiro de perguntas foi sobre o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu - MIQCB. Esse é um movimento regional ligado a essa atividade, o qual tem visibilidade desde 1990 em regiões do Pará, Maranhão, Tocantins e Piauí. Esse se manifesta como uma organização que representa os interesses políticos, econômicos e sociais das quebradeiras de coco babaçu, e possibilita a essas mulheres seu reconhecimento pela sociedade. Dito isso, os questionamentos foram sobre o conhecimento dos alunos sobre o MIQCB, uma vez que esse foi criado no intuito de fortalecer os grupos, por isso a importância de a escola realizar essa discussão com os estudantes.

Muitas das questões levantadas se deram também, a partir de relatos preliminares dos moradores desses povoados, os quais possibilitaram compreender que, na ausência de perspectivas, sobretudo econômica, muitos jovens filhos das moradoras desses locais migram para as zonas urbanas de outros municípios ou de outras regiões, antes de concluir a educação básica. Com isso, investigou-se o que os alunos pensam sobre o extrativismo do coco babaçu nessa região, se pretendem dar continuidade ou não a essa atividade, bem como as suas expectativas referentes à escola.

Partindo dessas e outras reflexões, elaborou-se o subtópico, “os participantes da pesquisa x seus projetos de vida”. As questões elaboradas versaram sobre projetos de vida; se a escola já trabalha com o eixo curricular projetos de vida; e se teriam algum tema de interesse específico a discutir além dos conteúdos curriculares. Além disso, buscou-se instigá-los sobre seus projetos pessoais, numa estimativa de dez anos.

A sistemática da análise dos dados seguiu o método da análise de conteúdo, considerando as etapas, sob orientações dos autores: Bardin (2011), Gomes (2010), Franco (2018, 2008), Pardo (2006), a primeira fase: (a) pré-análise, (b) exploração do material e c) tratamento e interpretação dos resultados. Embora seja pertinente detalhar as etapas de cada fase do método de análise de conteúdo, neste texto, serão apresentadas de forma mais resumida.

Após a leitura do material, selecionou-se o corpus de análise, separou-se o material respondido pelos participantes, tanto dos questionários, quanto do grupo focal, os quais foram transcritos em sua originalidade para análise; organizou-se em sequência representativa do roteiro de perguntas. As respostas foram apresentadas em dez quadros com as falas dos adolescentes, que também representam as categorias. Para garantir o anonimato dos participantes foram usados codinomes, conforme demonstrado em todos os quadros e no corpo do texto das discussões.

Destaca-se, que o uso de frequência nas pesquisas humanas “em grande parte delas”, qualquer que seja o tema, passa a ter muita importância para análise dos dados, pela quantidade de frequência mencionada nas falas dos participantes (Franco, 2018 p. 60). Nesse caso, a frequência usada corresponde a quantidade de repetições de uma ideia, de um tema ou de uma palavra mencionada nos dados da pesquisa. Dependendo da proporcionalidade de ideias, falas ou frases apresentadas pelos participantes, a frequência pode ser apresentada de forma quantitativa relativa ou absoluta (Franco, 2018).

A terceira fase consiste no tratamento e interpretação dos resultados obtidos. Foram realizadas por meio de sínteses interpretativas e dialogadas com os textos de análises, com a fundamentação teórica, com os problemas da pesquisa e os pressupostos do estudo.

As expectativas dos adolescentes sobre a atividade com coco babaçu

Os quadros representam as categorias e as falas dos participantes, seguindo as semelhanças de ideias por eles/as mencionadas em ordem hierarquizada, utilizando a frequência relativa (Franco, 2018).

No Quadro 1, categoria “perspectivas/alunos sobre o coco babaçu”, estão as falas dos adolescentes sobre suas expectativas referentes à atividade com o babaçu, uma vez que, muitos dos filhos das moradoras desses povoados migram para outras regiões em busca de oportunidade de trabalho. Esses, em sua maioria não concluem a educação básica, e assim, são submetidos a explorações de trabalhos e serviços precários.

Quadro 1 Respostas dos entrevistados sobre a continuidade com a quebra de coco babaçu 

PERSPECTIVAS/ALUNOS SOBRE O BABAÇU
Alunos Respostas Frequência/Relativa/Semelhança
1 Dudu “Não, porque é uma vida muito ruim”. -
2 Caly “Não, porque é muito cansativo”. -
3 Ronaldo “Não, porque eu não acho bom quebrar coco, babaçu, porque é muito ruim”. 23,07%
4 Glória “Não, porque eu pretendo ser outra coisa mais na frente”. -
5 Patrícia “Não, pois pretendo fazer faculdade me formar”. -
6 Mazé “Não, quero me formar e ser alguém na vida, quero ter uma profissão”. -
7 Bil “Não, não dá, porque meu sonho e mim forma numa coisa”. -
8 Vanda “Não, porque eu pretendo sair daqui e viver outra vida, eu quero trabalhar de carteira assinada e ser uma grande advogada”. 38,47%
9 Romário “Não, porque não”. 7,7%
10 Suely “Sim, porque eu não sei a minha vida daqui pra frente e por enquanto eu vou continuar quebrando coco babaçu”. -
11 Inês “Sim, porque não sei direito o que vou ser daqui pra frente, enquanto isso eu vou continuar quebrando coco”. 15,36%
12 Rosinha “Sim, porque eu vou aliás, eu quero mim formar para mim ser uma professora, mais vou sempre continuar com a quebra do coco babaçu”. 7,7%
13 Bira “Sim, porque acho muito bom o azeite do coco e o leite do coco”. 7,7%

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

Conforme os relatos de Dudu, Caly e Ronaldo representando 23,07% dos participantes, a atividade extrativista do coco babaçu é exaustiva e lhes causam cansaço e desafios. Por essa razão não querem continuar. Já os depoimentos de Glória, Patrícia, Mazé, Bil e Vanda, somando 38,47% dos participantes dessa categoria, demonstram que não querem continuar com essa atividade porque querem ter uma formação acadêmica, uma profissão e sair do local em que residem. Vanda, também sonha em algo melhor para sua vida e, com a possibilidade de trabalhar com carteira assinada. Diante desses relatos, os alunos/as, almejam uma profissão futura, a qual não se relaciona com o coco babaçu. Romário (7,7%) afirmou apenas que não, o que indica não querer realizar essa atividade no futuro.

Nos depoimentos de Suely e Inês (15,36%), indica que elas irão continuar desenvolvendo essa atividade, tendo em vista que não conseguem prever seus futuros. Enquanto isso, a participante Rosinha (7,7%) escreve que vai continuar com a quebra de coco babaçu, muito embora ela almeja ser professora. Bira (7,7%) relata que vai continuar porque gosta de consumir os produtos derivados do coco babaçu, e não apontou se pretende ter uma outra profissão no futuro.

A partir dessas análises, compreendemos que o trabalho das mulheres quebradeiras de coco babaçu e de outros grupos tradicionais, vêm se fragmentando dentro do contexto social contemporâneo neoliberal, isso faz pensar, não somente numa releitura crítica dos processos sociais, como em novas interpretações desses, dentro das sociedades de classes.

Embora a criação dos arranjos jurídicos formais criados em prol dos interesses desses grupos, em muitas regiões do estado as quebradeiras de coco babaçu passam por conflitos que não se limitam apenas ao acesso aos babaçuais, ou seja, conflitos por questões de acesso à educação, qualidade de vida e outros direitos assegurados, como: a proteção e a dignidade, previstas na Constituição Federal Brasileira de 1988.

Nas palavras de Saviani (2007), a educação e o trabalho coincidem com a origem do próprio homem, sendo esse diferente dos demais animais que se adaptam a natureza, o ser humano age sobre ela, transformando-a em matéria-prima conforme seus objetivos e interesses. No entanto, o homem precisou aprender a agir e produzir sobre a natureza, resultado dessa ação, é o que chamamos de trabalho. Por isso é comum a afirmação de que a essência do homem é o trabalho, o qual ocorreu por meio da educação a partir dos grupos primitivos. Embora, as condições de trabalho tenham mudado concomitantemente, sobretudo com o surgimento das propriedades privadas, dando origem à sociedade de classes, o homem sempre necessitou do trabalho como garantia de sobrevivência.

Conforme os depoimentos dos participantes nesta categoria, predomina a descontinuidade do trabalho com o babaçu, tendo em vista a relação dos desafios vivenciados cotidianamente, durante suas participações no processo da quebra do babaçu. É certo, que nas sociedades de classes, se prega a valorização das qualificações profissionais, embora saibamos que esta sociedade não inclui todos. Diante do exposto, se percebe o desejo e a necessidade dos adolescentes em cursar o ensino superior como forma de ascensão econômica e social.

As perspectivas dos adolescentes para seus projetos de vida

Quanto a esta categoria, exposta no quadro 2, “profissão/futuro”, traz à luz questões relacionadas às projeções dos participantes numa temporalidade de 10 anos, tendo o ano de 2021 como referência inicial. Esta categoria foi pensada no intuito de identificar quais seus projetos de vida, desejos, sonhos e perspectivas de vida, e se esses se relacionam com o trabalho, com a família, com o consumo ou com a estabilidade financeira.

Quadro 2 Respostas dos adolescentes quando questionados sobre seus desejos, seus sonhos e suas perspectivas para daqui a 10 anos, ou seja, o que desejam estar fazendo nesse período 

PROFISSÃO/FUTURO
Alunos/as Respostas Frequência/
Relativa/ Semelhança
1 Dudu “Eu quero correr boi, ser veterinária”. 7,7%
2 Rosinha “Eu desejo ser uma professora porque sempre foi meu sonho”. 7,7%
3 Caly “Eu desejaria estar formada em direito, queria estar ajudando minha família, enfim eu gostaria de estar assim, fazendo isso. Meu sonho sempre foi ser advogada, então eu gostaria de realizar esse sonho lá no futuro”. -
4 Patrícia “Mim imagino uma advogada, completando meu curso de advocacia, eu quero estar ganhando várias coisas, se meus planos derem certo vou melhorar de vida, estar maravilhosa, pois vou ter concretizado meu sonho”. 15,38%
5 Mazé Quero terminar meus estudos e fazer uma faculdade e me formar”. -
6 Inês “Formada, trabalhando, e fazendo o melhor da minha profissão”. -
7 Suely “Formada em psicologia, trabalhando nessa área e conquistando e realizando meus sonhos e objetivos”. 23,5%
8 Vanda “Eu vou ter meu emprego, vou me sustentar sozinha, vou ter um carro, uma casa, e estarei muito feliz”. 7,7%
9 Ronaldo “Eu desejo ser um bombeiro, um pintor, ou então um caminhoneiro”. 7,7%
10 Bil “Mudado, eu vou estudar muito, quero estudar em outras escolas, morar em outro lugar”. 7,7%
11 Romário “jogador de futebol, porque é muito bom entra numa arena ou estádio com uma torcida gritando seu nome e também faz muito bem pro nosso corpo se exercitar”. -
12 Bira “Jogador de futebol. Porque eu acho bom jogar bola mais meus amigos, é isso eu quero ser um”. 15,37
13 Gloria “Eu ainda não mim imagino, daqui a 9 anos ou a 10 anos”. 7,7%

Fonte: Elaborados pelos autores, 2021.

A partir dos depoimentos nesta categoria, foi possível identificar uma variedade de idealizações de projetos de vida, no entanto, todos os participantes objetivam algo em comum, um trabalho que promova melhores condições de vida, com exceção da participante Glória, que ainda não idealizou sua vida na cronometragem de tempo conforme solicitado na questão.

No relato de Dudu (7,7 %), ela expõe o desejo de estar realizando corridas de boi, que certamente se relaciona com as suas vivências em criar e cuidar de animais e, com as vaquejadas que comumente acontecem na região. Ela expõe também o desejo de ser veterinária, ter uma formação acadêmica, que de certa forma se relaciona com suas atividades cotidianas atuais.

A adolescente Rosinha, que representa (7,7%) participantes da categoria, deseja nesse período ter realizado o sonho de ser professora. Nos depoimentos de Caly e Patrícia (15,38 %), as adolescentes se imaginam advogadas, tendo em vista que sempre sonharam com essa profissão. Caly enfatiza seu desejo em realizar esse sonho no intuito de ajudar sua família. Patrícia demonstra o desejo em materializar seus planos, pois com isso mudará de vida e estará muito bem.

Nos depoimentos de Mazé, Inês e Suely (23,5%) fica muito claro que essas desejam estarem formadas e trabalhando. No depoimento de Vanda (7,7%), a participante expõe o desejo de nesse período ter adquirido sua independência financeira, pois isso lhe promoverá felicidades.

No depoimento de Ronaldo (7,7%), ele aponta três profissões entre as quais deseja estar exercendo, ou pelo menos uma delas neste período. No relato de Bil (7,7%) o participante deseja estar vivendo diferente, ter realizado muitos estudos em outras escolas e estar morando em outro lugar.

Romário e Bira (15,37%), ambos desejam ser jogadores de futebol. Analisando o depoimento de Romário, compreendemos que o desejo de seguir essa profissão está relacionado com a fama, a conquista financeira, a felicidade e o bem-estar. É bem verdade que existe grande repercussão com a profissão/jogador pela mídia, isso tem influenciado muitos jovens a gerar expectativas na projeção de seus projetos de vida.

No depoimento de Bira, o participante demonstra o desejo de ser jogador de futebol, porém, esse está ligado à sua afinidade pessoal a partir das brincadeiras com os amigos.

Atualmente a mídia atrelada a economia neoliberal, invade a vida das pessoas, sobretudo dos jovens, induz ao consumismo como sinônimo de felicidade e realizações. A cultura da fama, acaba impactando crianças e jovens a perseguirem vitórias e sucessos imediatistas, e isto tem causado sérios problemas entre os jovens. As rotas rápidas para conseguir fama e riqueza imediatas propaladas pela mídia em massa, são fantasias e têm causado expectativas frustrantes para muitos, tendo em vista, que apenas um pequeno grupo consegue alcançar o sucesso midiático (DAMON, 2009).

Apenas no depoimento Glória (7,7%), a adolescente relata que ainda não idealizou sua vida conforme o período solicitado na questão.

Conforme as análises das falas dos adolescentes, com exceção de uma participante, todos pensam em seus projetos de vida centrados na importância do trabalho e de ter uma profissão, ressaltando que esses não se relacionam com as atividades desenvolvidas pelos seus familiares nesses povoados. Embora haja alguma semelhança, essas aparecem em outras perspectivas, como exemplo da participante que quer ser veterinária. Portanto, para os participantes, o trabalho é sinônimo de satisfação, independência financeira, felicidade e fama. Tudo isso, integrado aos estudos para obterem uma profissão, em que a maioria sustenta o interesse pela formação superior.

Por considerar a sociedade brasileira com tantas desigualdades sociais e educacionais, as contradições e incertezas em todas as esferas, sendo a zona rural mais afetada, é fundamental que se pense em estratégias que fortaleçam os jovens. Portanto, a escola precisa ir além dos conteúdos escolares pré-estabelecidos e promover algo que possa contribuir para a construção de identidades dos alunos conforme suas realidades.

É válido destacar, que as características das relações, vivências e experiências das crianças e adolescentes da zona rural, são bem diferentes aos da zona urbana, e por isso apresentam suas peculiaridades. O jovem da zona rural desde criança passa a ser aprendiz de diversas atividades típicas, por meio da socialização e da divisão de trabalho familiar.

As pessoas vinculadas ao meio rural, além de enfrentar os desafios rotineiros pelas condições econômicas, pela ausência de estrutura física, pela a falta de acesso às tecnologias, ainda enfrentam uma visão generalista e preconceituosa construída pela sociedade, que os aponta como atrasados, caipiras entre outros. Haja vista, dos desafios enfrentados pelos jovens rurais na construção de suas identidades, ainda são estigmatizados diante desses estereótipos negativos. Por essa e outras razões, se faz necessário fortalecer a juventude rural, para que essa consiga superar seus desafios por meio de uma educação crítica e libertadora.

Conforme exposto nos depoimentos dos adolescentes participantes da pesquisa, compreende-se que todos têm projetos de vida, todos frequentam a escola e veem nela uma forma de ascensão social, perspectivando melhores condições de vida. No entanto, eles reconhecem os desafios, até porque, historicamente muitos adolescentes do meio rural, por diversos fatores não avançam nos estudos, principalmente por migrarem para outras regiões em busca de trabalho, o que acaba sendo um processo mais difícil, pela falta de qualificação profissional.

Diante do exposto, é pertinente pensar numa educação na perspectiva freiriana, principalmente em contextos em que os alunos são desprovidos de políticas públicas, o que torna a construção do projeto de vida por muitas vezes invisibilizada. Embora Freire não tenha explicitado acerca de projeto de vida, suas ideias educacionais permitem pensar na educação como ato político, para que o cidadão seja sujeito e se conscientize da realidade, e dessa forma, possa pensar e agir para transformar seus contextos sociais. Salienta-se que, para pensar a educação nesse enfoque, devem ser discutidos os desafios e as possibilidades a serem alcançadas, assim como elevar a autoestima e a confiança por meio do diálogo, da escuta, dos temas geradores e dos interesses e demandas dos estudantes (FREIRE, 1997).

Considerações finais

Este estudo possibilitou investigar sobre o projeto de vida do(a)s adolescentes filho(a)s das mulheres quebradeiras de coco babaçu no povoado rural Bacabinha, município de São João do Soter (MA). No decorrer do estudo, foram surgindo muitos outros questionamentos, julgados necessários para concretização do trabalho, o que permitiu responder aos problemas de pesquisa propostos por este trabalho.

Para isso, foi necessária a apropriação dos pressupostos teóricos epistemológicos sobre a economia do coco babaçu, o conhecimento sobre as leis e a efetivação dessas para a manutenção das atividades com o babaçu, a relevância do MIQCB formalizado por essas mulheres, e a relação com a educação escolar, com a juventude rural, as políticas públicas para juventude rural e sobretudo, a reflexão sobre o trabalho como atividade necessária na perspectiva humana.

O estudo também evidenciou que, tanto a Lei do Babaçu Livre, quanto o MIQCB, tem representatividade, uma vez que por meio desses aparatos legais, é que se garante o livre acesso aos babaçuais, a proteção das palmeiras e, consequentemente o fortalecimento dos grupos. Todavia, esses temas não são discutidos na escola pelas docentes, uma vez que essas, não têm conhecimento sobre esses dispositivos, apesar de ser uma atividade de extrema importância para a região.

O estudo também possibilitou compreender que a economia do babaçu, apesar de ter sua importância para muitas famílias de baixa renda na região, é uma atividade desafiadora e desvalorizada. E em decorrência de todos os desafios vivenciados nessa localidade, apontados pelos adolescentes, tais desafios os fazem pensar numa outra atividade como projeto de vida principal. Constatou-se que todos almejam uma profissão, e a maioria deseja uma formação superior como forma de ascensão econômica e social, mas, nenhuma das profissões apontadas pelos adolescentes se relaciona com as atividades ligadas ao coco babaçu.

1Lei nº 4734/86, criada para assegurar os direitos e as condições de trabalhos das quebradeiras de coco babaçu, além de proibir a derrubada de palmeira de babaçu, com exceção de áreas destinadas a obras ou serviços de utilidade pública.

2MIQCB - Organização criada dede de 1991 pelas quebradeiras de coco babaçu nos estados do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins representando seus interesses sociais, políticos, econômicos e reconhecimento.

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Recebido: 08 de Janeiro de 2023; Aceito: 26 de Outubro de 2023

Editoras: Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista e Profa. Dra. Marcia Fusaro

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