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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.67 São Paulo out./dez 2023  Epub 19-Fev-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n67.25529 

DOSSIÊ 67 - FORMAÇÃO NO ENSINO MÉDIO: CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA

O QUE ENTENDER POR FORMAÇÃO QUANDO SE TRATA DA EDUCAÇÃO DOS ESTUDANTES NO ENSINO MÉDIO?

WHAT DO WE UNDERSTAND BY HUMAN FORMATION WHEN IT COMES TO THE EDUCATION OF STUDENTS IN HIGH SCHOOL?

¿QUÉ ENTENDEMOS POR FORMACIÓN CUANDO SE TRATA DE LA EDUCACIÓN DE LOS ALUMNOS DE SECUNDARIA?

Marcos Antônio Lorieri, Doutorado em Filosofia da Educação1 
http://orcid.org/0000-0001-6631-2574

1Doutorado em Filosofia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -PUCSP, São Paulo - SP - Brasil


Resumo

Busca-se, aqui, alguma resposta à pergunta colocada no título que indica tratar-se da formação, ou de elementos possivelmente formativos, no âmbito da educação escolar e no Ensino Médio. Indica-se que há uma contribuição possível para a formação dos jovens do Ensino Médio que se dá na oferta de conteúdos formativos que os ajudem no desenvolvimento de sua dimensão subjetiva o que exige o desenvolvimento de sensibilidades que a constituem, como as indicadas no texto. através da oferta de conteúdos cognitivos capazes de auxiliá-los no desenvolvimento dessas sensibilidades as quais, por sua vez, são necessárias para o desenvolvimento de suas subjetividades. Por ser oferecida no âmbito da educação escolar, envolve diversos aspectos, mas tem nos aspectos cognitivos uma ênfase especial. Daí a chamada de atenção sobre eles e a reiterada insistência sobre não se tratar apenas de oferecer informes, também necessários, mas de, ao mesmo tempo, oferecer ajuda educacional para que os alunos elaborem pessoalmente, com elas seus conhecimentos, esses sim, parte importante, não suficiente, dos conteúdos formativos de que necessitam. Formação esta, merecedora dos maiores cuidados possíveis, aliados aos necessários novos cuidados com a formação dos educadores que se propõem a oferecer ajuda educacional e estes jovens.

Palavras-chave: conteúdos cognitivos formativos; ensino médio; formação.

Abstract

Here we seek some answer to the question posed in the title, which indicates that it is about training, or possibly training elements, within the scope of school education and high school. It is indicated that there is a possible contribution to the training of young people in high school that occurs in the provision of training content that helps them in the development of their subjective dimension, which requires the development of sensibilities that constitute it, such as those indicated in the text. through the provision of cognitive content capable of assisting them in the development of these sensibilities which, in turn, are necessary for the development of their subjectivities. As it is offered within the scope of school education, it involves several aspects, but has a special emphasis on cognitive aspects. Hence the call for attention to them and the repeated insistence that it is not just about offering information, which is also necessary, but, at the same time, offering educational help so that students can personally develop their knowledge with them, which is an important part , not enough, of the training content they need. This training deserves the greatest possible care, combined with the necessary new care with the training of educators who propose to offer educational help to these young people.

Keywords: formative cognitive contentes; high school; human formation.

Resumen

Se busca aquí alguna respuesta a la pregunta planteada en el título, que indica que se trata de formación, o posiblemente de elementos formativos, en el ámbito de la educación escolar y secundaria. Se indica que existe un posible aporte a la formación de los jóvenes en el nivel secundario que se da en la provisión de contenidos formativos que les ayuden en el desarrollo de su dimensión subjetiva, lo que requiere el desarrollo de sensibilidades que la constituyen, como las indicado en el texto. mediante la provisión de contenidos cognitivos capaces de ayudarles en el desarrollo de estas sensibilidades que, a su vez, son necesarias para el desarrollo de sus subjetividades. Al ofrecerse dentro del ámbito de la educación escolar, involucra varios aspectos, pero tiene especial énfasis en los aspectos cognitivos. De ahí el llamado de atención hacia ellos y la reiterada insistencia en que no se trata sólo de ofrecer información, que también es necesaria, sino, al mismo tiempo, de ofrecer ayuda educativa para que los alumnos puedan desarrollar personalmente sus conocimientos con ellos, lo cual es un importante parte, pero no suficiente, de los contenidos formativos que necesitan. Esta formación merece la mayor atención posible, combinada con la necesaria nueva atención con la formación de educadores que se propongan ofrecer ayuda educativa a estos jóvenes.

Palabras clave: contenidos cognitivos formativos; escuela secundaria; formación humana.

Introdução

O Ensino Médio, na educação escolar brasileira, é a etapa final do que é denominado de Educação Básica. Talvez a melhor denominação devesse ser “educação escolar básica”, pois a educação escolar é parte, importante sem dúvida, da educação das pessoas, ou seja, de sua formação. Os termos educação e formação não se separam, visto que todas as ações educativas, sejam as oferecidas nas escolas, sejam as oferecidas nas famílias ou em outras situações da existência das pessoas, visam ao que se entende por formação humana. Os seres humanos não nascem “prontos”, ou já “formados”. Eles precisam ser “aprontados” ou formados como humanos, de alguma maneira.1

Pessoas envolvidas com práticas educativas jamais negarão que a educação seja um processo humanizador, variando, obviamente, os entendimentos do que seja, ou deva ser, o ser humano e sua humanização. Há sempre, na educação, um “ser humano em vista: esta é a finalidade da educação, seu caráter teleológico.

Quem se dedica a educar visa a alguma forma de ser gente para os educandos: a educação é sempre formação humana em alguma direção a ser oferecida por pessoas, instituições, sociedades, aos “novos” que vêm ao mundo. Isso não quer dizer que estes “novos”, à medida que “amadurecem”, não participem de sua formação: a autoformação é também um fato.

O que é necessário é analisar tanto a forma humana desejável (e as razões deste desejo), bem como os caminhos a seguir na sua busca. Um desses caminhos seria um equilíbrio entre a desejada autonomia das crianças e jovens e a autoridade educacional dos adultos com os quais se relacionam. Sem perder de vista a necessidade de clareza quanto às razões da legitimidade desta autoridade educacional que, pela sua natureza, é sempre interventiva.

Este texto orienta-se por estas e outras convicções, especialmente no que diz respeito ao que entender por formação quando se trata da educação dos estudantes no ensino médio.

Sobre educar, educação escolar, formação humana e intervenção educative

Educação, num sentido amplo, é o conjunto de modificações que ocorre nas pessoa a partir das relações que estabelecem com a realidade e, em especial, com outras pessoas: relações mútuas, recíprocas. Todas as pessoas educam todas as pessoas: “inter-vêm” no caminhar existencial umas das outras.

Os seres humanos se relacionam também com outros seres da realidade, que não humanos: são relações também modificadoras e, em certo sentido, educadoras.

Educação, num sentido estrito, é o conjunto de modificações intencionalmente provocadas e buscadas nas relações das pessoas entre si, ao menos por um dos lados dessas relações. Ocorre educação se modificações forem produzidas de fato. São relações formadoras: para o bem e para o mal. Daí se dizer de “boa ou de má formação”.

O que seria uma boa ou uma má formação? Depende de princípios ou pressupostos de que se parte.

A educação escolar é exemplo de educação no sentido estrito, de vez que as relações estabelecidas entre os educadores e educandos visam a provocar modificações intencionais, ainda que aí ocorreram modificações não visadas intencionalmente.

As modificações intencionais buscadas na educação escolar e seus resultados têm tido continuidades e variações conforme épocas e culturas.

Uma das modificações intencionais que parece permanecer como alvo constante é a que diz respeito à internalização de certos saberes: provocam-se educandos para que internalizem certos conteúdos de saberes que não possuem, ou que os educadores julgam que não possuem: uma modificação do não saber algo para o saber esse algo.

No caso do “saber agir de certa forma”, parece permanente em todas as instituições educacionais escolares a busca intencional de modificações nas condutas dos educandos. Busca-se que eles passem a agir de certa forma em substituição a formas de agir consideradas não boas, por várias razões.

Há a busca de modificações, infelizmente ainda não tão presente, que é a de os educandos saberem dominar procedimentos de produção de novos conhecimentos ao invés de apenas saberem conhecimentos já produzidos: modifiquem-se de uma postura de heteronomia para uma postura de autonomia intelectual.

Há a busca, ainda tímida, da modificação da heteronomia moral para a autonomia moral: pretende-se, ou se diz que se pretende, que crianças e jovens aprendam a decidir, por si próprios, como agir, a partir de um entendimento do porquê agir de um modo e não de outro.

Outra busca de modificações é a de saber lidar (quando não se sabe: e quem o sabe?) adequadamente com as emoções: saber utilizar esses “móveis” da ação humana2 a favor da própria realização.

Há a presença ainda da busca de um não saber fazer algo para saber fazê-lo, que caminhou na direção da denominada educação profissional, a cargo também de escolas.

Se admitido o que foi dito, pode-se definir educação escolar nos seguintes termos: eeducação escolar é processo intencional que visa, por parte dos educadores, através de relações que estabelecem com os educandos, ao menos as seguintes modificações neles: do não saber certos entendimentos (conhecimentos), para o seu saber; do agir de certa maneira, para outra forma de agir; de uma forma de proceder para aprender, para a forma de proceder “autônoma” nesse processo; de uma forma heterônoma de acatar regras de conduta, para uma forma “decisória autônoma” relativa a essas regras; de uma forma de lidar com as emoções, para outra considerada mais “adequada”. E, ainda, do não saber fazer certas coisas, para o saber fazê-las.

Por ser um processo intencional, envolve escolhas por parte dos educadores: daí que a educação escolar nunca é neutra e sim, política. O educador escolar precisa ter claras suas intencionalidades, seu projeto político e deixá-las claras para os educandos e seus responsáveis.

Paulo Freire diz a respeito:

Outro saber de que não posso duvidar um momento sequer na minha prática educativo-crítica é o de que, como experiência especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no mundo. Intervenção que além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento. (...) Neutra, “indiferente” a qualquer destas hipóteses, a da reprodução da ideologia dominante ou a de sua contestação, a educação jamais foi, é, ou pode ser (2009, p. 98-99. Itálicos e aspas no original).3

A educação é um conjunto de processos de formação humana que tem a ver com formar, que busca “dar” forma: melhor dizer “ajudar a dar-se uma forma”.

Há posições que afirmam ser a forma a essência já dada aos seres e que provém de algum poder a eles externo. Nessa visão as formas já estariam dadas a priori e, aos seres, competiria realizá-las na sua temporalidade como conformações. Daí os caminhos indicativos de formação como intervenções diretivas autoritárias. Se a forma é previamente dada, resta conformar-se ou ser conformado a ela.

Contrariamente a esta ideia de conformação, a forma humana pode ser vista como resultante da constituição de pessoas que ocorre no conjunto de relações que se dão, historicamente, entre os seres humanos e a natureza, e entre eles, sem que haja formas aprioristicamente dadas.

Ao se dizer que educação é processo de constituição de seres humanos, pergunta-se: um processo de constituição da humanidade dos humanos? Ou um processo de constituição da humanidade nos humanos?

Se a primeira, a humanidade dos humanos é construída na própria prática humana do existir sem alguma “essência modelar” a guiar esta construção; se a segunda, haveria “uma humanidade modelar” a ser realizada em cada humano. Na primeira, há a possibilidade de intervenções autoritárias, sim, mas há a possibilidade de intervenções no sentido de “caminhar juntos” sem imposições, pautando-se por proposições de caminhos formativos a seguir. Na segunda, como há um modelo prévio, a intervenção autoritária é a regra, não havendo possibilidade de proposições e sim de imposições.

No âmbito da Filosofia há reflexões sobre a educação vista como formação, como a de Kant em Sobre a Pedagogia (1996) que tem afirmações como estas: “O homem é a única criatura que precisa ser educada. Por educação entende-se o cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a disciplina e a instrução com a formação.” (Kant, 1996, p. 11). E mais: “O homem não pode tornar-se um verdadeiro homem senão pela educação. Ele é aquilo que a educação dele faz.” (Idem, 1996, p. 15)

Savater (1998, p. 29)4 diz: “Nascemos humanos, mas isso não basta: temos também que chegar a sê-lo” e acrescenta: “A condição humana é em parte espontaneidade natural, mas também deliberação artificial: chegar a ser totalmente humano - seja humano bom ou humano mau - é sempre uma arte.” (Idem, p. 31).

Nesta perspectiva, o ser humano precisa da educação, pois o ajuda a fazer-se humano, a formar-se, a constituir-se como humano. Kant diz de se dar uma forma conveniente ao humano: “É entusiasmante pensar que a natureza humana será sempre melhor desenvolvida e aprimorada pela educação e que é possível chegar a dar aquela forma que em verdade convém à humanidade.” (1996, p. 17).

Que forma convém ao ser humano? Haveria uma “fôrma” à qual devem se submeter os que nascem para que desenvolvam seus “germes” de humanidade a um ponto tal de conveniência? Conveniência para quem? Kant fala em germes: “Há muitos germes na humanidade e toca a nós desenvolver, em proporção adequada, as disposições naturais e desenvolver a humanidade a partir dos seus germes e fazer com que o homem atinja sua destinação.” (Kant, 1996, p. 18). Estes germes, diz, não são destinatários do mal, pois, “no homem não há germes, senão para o bem” (idem, p. 24). Cumpre à educação, a esta arte nada fácil e que deve ser constantemente aperfeiçoada (idem p. 19), canalizá-los para o bem. Desvios poderá haver, mas se devem à falta de uma educação conveniente. Uma educação conveniente é aquela que inclui o cuidado, a disciplina e a instrução com formação, como ele diz e acrescenta: “O homem tem necessidade de cuidados e de formação. A formação compreende a disciplina e a instrução.” (idem1996, p. 14) e a formação é:

1)Negativa, isto é, disciplina, a qual impede os defeitos; 2) positiva, isto é, instrução e direcionamento e, sob este aspecto, pertence à cultura. O direcionamento é a condução na prática daquilo que foi ensinado. Daqui nasce a diferença entre o professor, o qual é simplesmente um mestre, e o governante, o qual é um guia. O primeiro, ministra a educação da escola; o segundo, a da vida. (Kant, 1996, p. 30-31). (Os itálicos constam no original).

A formação humana, para Kant, inclui a disciplina que é negativa porque “impede ao homem desviar-se do seu destino, de desviar-se de sua humanidade” (idem, p. 12); e inclui a instrução ou a cultura - “pois que assim pode ser chamada a instrução” (idem, p. 16). “Quem não tem cultura de nenhuma espécie é um bruto; quem não tem disciplina ou educação é um selvagem.” (Idem, p. 16). Para ele, a cultura abrange a instrução e vários conhecimentos (idem, p. 26) e talvez, por essa razão, envolve um trabalho professoral de informação, que ele denomina de escolástico (idem, p. 36-37) e de direção, de “governança” ou de guia para a vida.

A formação é constituidora da humanidade no humano. Há germes de humanidade que é necessário cultivar na direção da realização dessa humanidade. “A espécie humana é obrigada a extrair de si mesma pouco a pouco, com suas próprias forças, todas as qualidades naturais que pertencem à humanidade (idem, p. 12).”

Qual humanidade? Há uma em especial, já definida? Sim e não: há uma nos germes de humanidade; mas há fins humanos que devem ser construídos nas “circunstâncias”. “A cultura é a criação da habilidade e esta é a posse de uma capacidade condizente com todos os fins que almejemos. Ela, portanto, não determina por si mesma nenhum fim, mas deixa esse cuidado às circunstâncias.” (Idem, p. 26).

Como assim? pode-se perguntar. Talvez Kant aposte na inexorabilidade da Razão que apresenta os fins para quem se desenvolve ou supera a minoridade de que fala em “Que é isto a Ilustração?”. “Bons são aqueles fins que são aprovados necessariamente por todos e que podem ser, ao mesmo tempo, os fins de cada um.” (Idem, 1996, p. 27).

Não é fácil esta tarefa de definição dos fins, mas esta é a obrigação da humanidade. Os seres humanos, diferentemente dos animais, que cumprem destinos sem o saber, são obrigados “a tentar conseguir o seu fim; o que ele não pode fazer sem antes ter dele um conceito.” (Kant, 1996, p. 18). Ter um conceito aprovado por todos e que seja o de cada um. A “Razão”, no entendimento de Kant, indicaria a forma de ser gente e o caminho da formação. O que pensar sobre isso?

Diferentemente, para Marx e Engels, a formação humana é uma construção coletiva e histórica que ocorre a partir de elementos naturais dados, mas que se realiza nas relações de produção da vida, pelo agir humano. “O pressuposto de toda a história humana é naturalmente a existência de indivíduos humanos vivos. O primeiro fato a constatar é, pois, a organização corporal destes indivíduos e, por meio disto, sua relação dada com o resto da natureza.” (Marx-Engels, 1979, p. 27). A organização corporal condiciona, por sua vez, aquilo que diferenciará os “homens dos animais, isto é, a produção dos seus meios de vida. (Idem, p, 27). “O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção.” (Idem, p. 28).

Eles apontam os caminhos da realização humana nestas condições históricas: um primeiro momento deste caminho, “primeiro ato histórico” (idem, p. 39), é o da produção dos meios que permitem a satisfação das necessidades de “comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais” (idem, p. 39). Ato que “deve ser cumprido todos os dias e todas as horas” (idem, p. 39). A satisfação destas necessidades conduz a novas necessidades que são cada vez mais ampliadas por conta do processo de procriação que obriga a um trabalho não só para a manutenção de cada vida individual, mas para a vida de todos. Decorre daí o processo de produção coletiva da vida que adquire as mais diversas formas historicamente. Os seres humanos vivem e formam-se como humanos nas relações de produção que implicam em relações sociais.

Daí “Vê-se aqui que os indivíduos fazem-se uns aos outros, tanto física como espiritualmente, mas não se fazem a si mesmos.” (Idem, p. 55). A formação humana se dá nas relações que os seres humanos estabelecem, uns aos outros se fazendo, mas ninguém se fazendo solitariamente. Ela é solidária e se dá nas interações sociais que incluem as relações produtivas e a transmissão, para as novas gerações, “de uma soma de forças de produção” e de uma “relação historicamente criada com a natureza e entre os indivíduos” que, “embora sendo em parte modificada pela nova geração, prescreve a esta suas próprias condições de vida e lhe imprime um determinado desenvolvimento, um caráter especial. Mostra que, portanto, as circunstâncias fazem os homens assim como os homens fazem as circunstâncias.” (Marx e Engels, 1979, p. 56).

Há um papel das gerações mais antigas sobre as novas com a transmissão de certos conteúdos e a afirmação da possibilidade de inovações por parte das novas gerações: a transmissão “de uma soma de forças de produção” e de uma “relação historicamente criada com a natureza e entre os indivíduos” que, “embora sendo em parte modificada pela nova geração, prescreve a esta suas próprias condições de vida e lhe imprime um determinado desenvolvimento.

Kant diz de uma humanidade definida nos “germes de humanidade” e de uma humanidade a ser construída, quanto aos seus fins, nas “circunstâncias”: fins definidos pela Razão. Marx e Engels, apontam as circunstâncias como constituidoras dos humanos e, elas, constituídas pelos próprios humanos nas relações que estabelecem com a natureza e entre si.

As “circunstâncias”, podem ser benéficas ou maléficas para a constituição ou formação de humanos. Daí perguntas: como avaliar as circunstâncias? Que critérios para a definição do que são conteúdos benéficos ou maléficos para a humanização do humano? O que é formação humana boa? A pergunta inicial se amplia: não apenas o que é formação humana, mas o que é formação humana boa. Isto remete à questão antropológica básica: o que é o humano?

Uma das principais contribuições da Filosofia para a Educação é a busca de indicações sobre a finalidade precípua da práxis educativa que é oferecer ajudas para a boa realização das pessoas. Trata-se dos aportes da antropologia filosófica para a educação.

Não uma antropologia abstrata, mas “uma antropologia filosófica capaz de apreender o homem existindo sob mediações histórico-sociais, sendo visto então como ser eminentemente histórico e social.” (Severino, 1990, p. 21). A Filosofia da Educação deve ser entendida como “uma elaboração com vistas à elucidação radical do sentido da educação” no contexto da existência humana. (Severino, 2001, p. 119). Tema da investigação da Filosofia da Educação que, “desse ponto de vista (...) é fundamentalmente uma antropologia, pois toda significação possível da educação está atrelada à da existência humana na sua integralidade.” (Idem, p. 119).

A partir daí Severino diz da formação humana: “O que vem a ser essa formação?” (2002, p. 185). Ele responde: “Nós nos formamos quando nós nos damos conta do sentido de nossa existência, quando tomamos consciência do que viemos fazer no planeta, do porquê vivemos”. (Idem, p. 185). Esta tomada de consciência é o que denomina de dimensão subjetiva que exige o desenvolvimento de sensibilidades que a constituem: a sensibilidade epistêmica, a sensibilidade aos valores morais (consciência ética), a sensibilidade aos valores estéticos (consciência estética) e a sensibilidade aos valores políticos (consciência social).

É toda esta esfera do exercício da dimensão subjetiva da pessoa que nos torna efetivamente humanos. Não bastam a integridade física, biológica, o bom funcionamento orgânico, as forças instintivas para uma adequada condução da vida humana. Sem a vivência subjetiva continuamos como qualquer outro ser vivo puramente natural, regido por leis pré-determinadas, vale dizer, sem possibilidades de escolhas, sem flexibilidade no comportamento. (Severino, 2002, p. 185).

Sensibilidades a serem desenvolvidas com a ajuda da ação educativa sem a qual os educandos terão grandes dificuldades de as desenvolverem. “A educação é então uma atividade, uma prática mediante a qual buscamos aprender a praticar essa subjetividade e encontrar aí as referências para a nossa vida, para as nossas ações que constituem de fato nossa existência real”. (idem, p. 186).

E acrescenta: “... pois, o que se tem em mente é justamente ajudar a criança a se apropriar de conceitos e valores, a praticar seu pensamento, no sentido mesmo de exercer sua subjetividade lógica, ética e estética. E isso é essencialmente formativo.” (Idem, p. 189).

2 Que formação pensar para os jovens do Ensino Médio?

A partir do exposto, pode-se pensar que formação oferecer aos jovens que frequentam o Ensino Médio, a começar pela ideia de ajuda para que eles desenvolvam sua dimensão subjetiva o que exige o desenvolvimento de sensibilidades que a constituem como: a sensibilidade epistêmica, a sensibilidade aos valores morais, a sensibilidade aos valores estéticos) e a sensibilidade aos valores políticos.

Não se trata de reduzir o processo formativo das pessoas a estes aspectos, mas é forçoso concordar que são aspectos fundamentalmente necessários, podendo-se acrescentar a eles mais alguns, inclusive presentes no conjunto dos escritos de Severino, tais como: o desenvolvimento da sensibilidade antropológica (consciência a respeito do que é o ser humano ou os seres humanos), a sensibilidade aos cuidados com o meio ambiente natural aliados aos cuidados com o ambiente social (consciência ecológica).

Uma boa formação humana deve buscar ao menos o desenvolvimento das seguintes seis sensibilidades: a epistêmica, a ética, a estética, a política, a antropológica e a ecológica.

Para isso é possível indicar alguns conteúdos formativos pertinentes ao desenvolvimento de cada uma dessas sensibilidades a serem oferecidos pelo processo educativo escolar no Ensino Médio, foco deste texto.

A) Sensibilidade epistêmica: conteúdos formativos

Por sensibilidade epistêmica entende-se o sentir necessidade de buscar conhecimentos e de otimizar esta necessidade através de esforços para a conquista de saberes considerados necessários para viver bem. Os seres vivos dispõem de recursos (instintivos e/ou adquiridos) que lhes permitem “saber” o que fazer para sobreviver. Os seres humanos, também e de maneiras mais sofisticadas.

Antônio Damásio em O mistério da consciência (2000) diz que a produção de conhecimento tem tudo a ver com o trabalho da consciência e que a vida e a consciência “estão inextricavelmente entrelaçadas” (2000, p. 43), pois

... a sobrevivência depende de encontrar e incorporar fontes de energia e de prevenir todos os tipos de situações que ameaçam a integridade dos tecidos vivos. Por certo é verdade que, sem ações, organismos como o nosso não sobreviveriam, pois, as fontes de energia necessárias para renovar a estrutura do organismo e manter a vida não seriam encontradas e postas a serviço do organismo e muito menos seriam evitados os perigos do ambiente. Mas, por conta própria, sem a orientação das imagens, as ações não nos levariam muito longe. Ações eficazes requerem a companhia de imagens eficazes. (Idem, p. 43).

As afirmações apontam para a necessidade das “imagens”, ou seja, das ideias, para a possibilidade de ações eficazes que garantam aos seres humanos a sobrevivência e, como sabemos, muito mais que isso: “sem a orientação das imagens, as ações não nos levariam muito longe” diz Damásio que acrescenta:

Se as ações estão no cerne da sobrevivência e seu poder vincula-se à disponibilidade de imagens orientadoras, então um mecanismo capaz de maximizar a manipulação eficaz de imagens a serviço dos interesses de um organismo específico conferiria uma enorme vantagem aos organismos que o possuíssem, e esse mecanismo provavelmente teria prevalecido na evolução. A consciência é precisamente esse mecanismo. (Idem, p. 43-44).

Sim, a consciência, ou seja, a “ciência com” cada ser humano, cada vez mais alimentada pelas ideias (imagens mentais) e que, operacionalizadas de certas maneiras, resultam em conhecimentos. Todo ser humano precisa de conhecimentos e precisa aprender a elaborá-los, além de aprender a apropriar-se de conhecimentos já bem elaborados por outros companheiros de existência. Conhecimentos são conteúdos formativos de seres humanos capazes de bem se orientar em suas ações.

Chauí em Convite à Filosofia, diz que consciência é “a capacidade humana para conhecer, para saber que conhece e para saber que sabe o que conhece. A consciência é um conhecimento (das coisas e de si) e um conhecimento desse conhecimento (reflexão) (2003, p. 130).

Há vários graus de consciência, diz ainda: a passiva, a vivida, mas não reflexiva e a consciência ativa e reflexiva que “é aquela que reconhece a diferença entre o interior e o exterior, entre si e os outros, entre si e as coisas”. (Idem, p.132). A respeito deste grau de consciência ela afirma:

A consciência realiza atos (perceber, lembrar, imaginar, falar, refletir, pensar) e visa a conteúdos ou significações (o percebido, o lembrado, o imaginado, o falado o refletido, o pensado). O sujeito do conhecimento é aquele que reflete sobre relações entre atos e significações e conhece a estrutura formada por eles (a percepção, a imaginação, a memória, a linguagem, o pensamento). (Idem, p. 132).

O conhecimento humano é um produto da consciência que colhe dados pela percepção, pela imaginação, pela memória e pela linguagem. Colhe informações. Importante: informações não são ainda, o conhecimento. A educação escolar na maior parte de suas ações centra-se na transmissão de informações e isso não basta para que os alunos “tenham” ou elaborem seus conhecimentos. Uma vez coletados dados/informações, a consciência os relaciona, através do pensar, e constrói entendimentos, isto é, constrói explicações e interpretações da realidade e do próprio ser humano: ou seja, o conhecimento.

É interessante trazer mais contribuições a respeito do que entender por conhecimento. Severino diz:

Conhecimento é a relação estabelecida entre sujeito e objeto na qual o sujeito apreende informações a respeito do objeto. É a atividade do psiquismo humano que torna presente à sensibilidade ou à inteligência um determinado conteúdo seja ele do campo empírico ou do próprio campo ideal. (2014, p. 52):

Talvez se possa dizer assim: conhecimento é uma relação que se estabelece entre o sujeito humano que conhece (sujeito cognoscente) e algum “objeto” passível de ser conhecido (objeto cognoscível) na qual relação o sujeito constrói ou produz explicações significativas sobre o objeto possibilitando-lhe entendimento, esclarecimentos e compreensão sobre ele e indicações de como relacionar-se com ele (o objeto do conhecimento).

Objeto, aqui, é entendido como qualquer coisa, fato, situação, aspecto, atitude, ocorrência etc. que possa ser conhecido pelo ser humano, como: uma bola, um carro, uma situação, uma festa, uma música, uma reação química, um fenômeno da natureza, um fato histórico, uma paisagem, o pôr do sol, a lua, uma emoção, uma operação matemática, a travessia de um rio, um engano de nossa mente, o nosso próprio pensamento, o nosso próprio conhecimento (meta conhecimento), e outros.

Para qualquer objeto de conhecimento o ser humano busca explicações, entendimentos e interpretações. Os entendimentos ajudam na orientação das ações em relação a qualquer um dos objetos. É recurso fundamental para definir a intencionalidade do agir. Tanto para a manutenção de maneiras de agir, quanto para modificações, se for o caso.

Este último é um aspecto importante do conhecimento: quanto mais pessoas puderem ter conhecimentos seguros, melhor elas poderão avaliar suas formas de agir e a forma de agir dos outros. É um aspecto político do trabalho com o conhecimento: quanto melhor as pessoas puderem conhecer a realidade, menos poderão ser ludibriadas e poderão participar com mais segurança das decisões de como as sociedades devem ser organizadas.

Oferecer conteúdos cognitivos, isto é, informações, mas também ajuda educacional para a elaboração delas na produção de conhecimentos, é um dos importantes papéis da escola, aliado a outros. Daí a importância das análises bem fundamentas a respeito dos denominados “conteúdos de ensino” das diversas disciplinas que são indicadas como componentes curriculares na educação escolar. Esses conteúdos de ensino são meios que podem e devem ajudar as crianças e jovens que os “recebem” a elaborar com eles bons entendimentos (compreensão) de si mesmos e do conjunto da realidade da qual foram convidados a participar pelas Forças da Vida e para que, com esta boa compreensão, possam bem orientar suas condutas nesta realidade. Está aí um conjunto precioso de formação a ser oferecido pela educação escolar: trata-se de uma parte da formação humana, mas fundamental.

Todas as pessoas, a começar pelas crianças, têm necessidade (portanto, direito) de conhecimentos bem fundamentados a respeito dos seguintes “objetos cognoscíveis”: a) o ser humano: suas caraterísticas, seu processo de desenvolvimento, sua história, suas diversas necessidades e meios de as satisfazer, suas formas de se relacionar consigo próprios, com os outros e com a natureza etc. b) a realidade natural: seus seres, seus fenômenos, seus recursos, a relação dos seres humanos com ela, incluindo aí o uso adequado de seus recursos e sua preservação etc. c) a realidade social: o que é viver em sociedade, porque o ser humano vive em sociedade, história das maneiras de viver juntos dos seres humanos e como chegamos às maneiras de hoje; d) os meios de comunicação de massa, sua enorme influência na vida das pessoas e seu uso adequado.

Trata-se de conteúdos cognitivos que tradicionalmente são contemplados nos seguintes componentes curriculares: “Ciências naturais”, no Ensino Fundamental, desdobrando-se em Física, Química e Biologia no Ensino Médio; “Estudos sociais”, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, desdobrando-se em História e Geografia nas séries finais do Ensino Fundamental e em História, Geografia e Sociologia no Ensino Médio. Além destes, há os componentes curriculares necessários de Língua Materna, Matemática, Educação Física, Educação Artística, Filosofia e línguas estrangeiras.

São conteúdos formativos que, para o serem verdadeiramente, precisam ser trabalhados, importante insistir, não apenas como informações, mas acompanhados de provocações, orientações e estimulações para que os alunos os elaborem mentalmente produzindo com eles seus próprios entendimentos, sua compreensão a respeito dos aspectos neles abordados. Sem esta elaboração tem-se um processo informativo empobrecido. Isso, progressivamente desde a Educação Infantil, caminhando pelo Ensino Fundamental e alcançado o melhor nível possível no Ensino Médio.

B) Sensibilidade ética: conteúdos formativos

Por sensibilidade ética entende-se o sentir necessidade de buscar entendimentos a respeito das regras de conduta presentes no ambiente social e das justificativas dessas regras que são os princípios e os critérios dos quais elas partem. Não só: ter sensibilidade ética implica estar disposto a submeter tanto as regras de conduta como suas justificativas a análises reflexivas e críticas com vistas a contribuir para uma cada vez melhor “regulação” das relações sociais. Cabe ainda oferecer às crianças e jovens estimulações para se empenharem não só para entendimentos nesta área, mas para se disporem a levar para suas práticas o cumprimento atentamente crítico das regras de conduta necessárias para a boa convivência social.

Esses conteúdos formativos podem ser trabalhados em componentes curriculares específicos (em aulas de filosofia), no aproveitamento de “espaços” ou “deixas” dos diversos componentes curriculares (em biologia convidando os alunos a refletir sobre regras de respeito à vida em geral e à humana especificamente, sobre regras voltadas à conservação da natureza, à defesa de segurança alimentar para as pessoas, de segurança à saúde, de segurança sanitária, relativas aos cuidados de cada um consigo mesmo e outras); em aulas de história chamando atenção para eventos, decisões, atos ao longo da história que possam merecer avaliações éticas; em geografia pode-se provocar os alunos para pensarem sobre a relação dos seres humanos com a terra (fonte sagrada de alimentos e de outros insumos vitais), no tocante à produção de alimentos, no tocante à sua ocupação para moradias, ou em outros aspectos. Em cada componente curricular é possível trabalhar com abordagens no âmbito da ética o que enriquece e desenvolve a sensibilidade dos alunos para este aspecto tão fundamental da vida humana.

C) Sensibilidade estética: conteúdos formativos

Por sensibilidade estética entende-se o sentir necessidade de buscar entendimentos sobre aspectos do ser humano que dizem respeito a tudo que afeta sensivelmente as pessoas: as emoções, os sentimentos, as paixões, os desejos, os impulsos etc. Os seres humanos são sensíveis ao que ocorre com eles e ao que ocorre ao seu redor: sensibilizam-se e isso é natural e, ao mesmo, tempo é cultural devido a maneiras “cultivadas” tanto de lidar com as afecções, quanto de manifestá-las. São diversas as formas de manifestação da sensibilidade humana, seja nas relações, por exemplo, com pessoas que amamos ou odiamos, seja nas relações com outros seres vivos, ou com objetos que nos provocam sentimentos de admiração pela sua beleza, pela sua forma ou brilho ou pelo fato de agregarmos a eles significados que emocionam; ou sentimentos de repulsa por algum ou alguns de seus aspectos. Os mesmos sentimentos agradáveis, ou não, ocorrem com relação a atitudes nossas e de outras pessoas e os manifestamos de alguma maneira. Essas diversas manifestações estão presentes em falas de uns para os outros (declarações de amor, por exemplo ou de repulsa), em certos tipos de olhares ou de contrações da face ou em expressões denominadas de artísticas como poesias, pinturas, músicas, esculturas e demais artes. Sensibilidades manifestam-se também em nossos impulsos, em nossos desejos na busca de satisfação deles, “controladas” ou não. No caso das produções artísticas elas têm dupla função: por um lado são manifestações da sensibilidade de quem as produziu e, por outro são provocadoras da sensibilidade de quem as contempla ou observa.

Tudo o que envolve a sensibilidade humana precisa e merece ser trabalhado educacionalmente desde a mais tenra idade, em todos os âmbitos educacionais e, portanto, no âmbito da educação escolar, através de conteúdos formativos que, no caso das escolas, devem ser colocados à disposição dos alunos. Conteúdos que lhes ofereçam informações para que com elas produzam seus conhecimentos a respeito (seus entendimentos) e sejam ajudados na produção de expressões de suas sensibilidades. O espaço curricular do componente Educação Artística é uma (não a única) oportunidade riquíssima para o trabalho formativo com conteúdos cognitivos a respeito da sensibilidade e com a promoção de momentos de expressão variada dela através da produção de poesias, de músicas, de peças teatrais, de pinturas, de esculturas e outras.

Além disso, é necessário que nas escolas haja a presença de orientadores educacionais que incluam em suas atividades orientações a respeito dos aspectos emocionais, dos impulsos, dos desejos, ou de outros, próprios da sensibilidade humana. Lembrando que orientações não devem ser confundidas com imposições, pois o rico de cada ser humano é sua autoformação ajudada pelas relações que estabelece com outros seres humanos, dentre elas, as relações educacionais.

Infelizmente o aspecto humano da sensibilidade (ou do estético tomado em seu sentido amplo e não restrito ao campo das artes) tem sido negligenciado ou mesmo desconsiderado na educação escolar.

Todas as crianças, em especial os jovens do Ensino Médio, merecem e têm direito de boa ajuda educacional/formativa no tocante a entendimentos e a como lidar com estes aspectos.

D) Sensibilidade aos valores políticos: conteúdos formativos

Por sensibilidade aos valores políticos entende-se o sentir necessidade de buscar entendimentos sobre tudo o que diz respeito à vida das pessoas na “polis”, ou seja, nas sociedades. Viver em sociedade é uma necessidade humana e, ao mesmo tempo, um desafio. Precisamos uns dos outros para nos formarmos como humanos (bons, ou não). As relações de uns com os outros são, por si mesmas, conteúdos formativos. Mas precisam ser qualificadas para que qualifiquem os conteúdos formativos que oferecem e, por conseguinte, para que qualifiquem a formação humana que podem propiciar.

Qualificar é atribuir qualidade, ou qualidades. Boas ou não boas.

Relações humanas opressoras, autoritárias, dominadoras, cerceadoras de liberdades, exploradoras, que humilham, que não auxiliam no desenvolvimento da autoestima justa, têm qualidades, sim, mas negativas, não boas. Relações no interior das sociedades, com estas más qualidades, não deveriam existir. Infelizmente, existem.

Já, relações humanas como as que são o oposto das mencionadas acima, são qualificadas como boas e precisam existir cada vez mais. Elas devem estar presentes nas relações familiares, nas relações educativas escolares, nas relações que ocorrem nos locais ditos de trabalho (lembrando que famílias e escolas são locais de trabalho), nas relações que ocorrem nos momentos de lazer, ou em comemorações, ou em celebrações, ou na prática de esportes e nas relações que ocorrem nos ambientes de exercício do denominado poder político, ou seja, no exercício da governança de sociedades.

Todas essas formas de relações sociais são políticas e devem ser norteadas por valores políticos positivos, ou seja, por qualidades boas para os seres humanos.

Ter sensibilidade aos valores políticos é sentir-se convidado a participar da vida social buscando esses valores positivos.

A educação em geral e a educação escolar especificamente, precisam (devem) oferecer conteúdos formativos voltados ao desenvolvimento desta sensibilidade nas crianças e nos jovens.

São conteúdos que devem ser trabalhados como informações em aulas de história, geografia, sociologia, filosofia, literatura, e outros, mas não apenas como informes e sim oferecendo ajuda para que os estudantes elaborem com elas entendimentos a respeito e pra que, a partir desses entendimentos se sintam dispostos a agir de acordo com eles. É o que as escolas podem fazer. Se os alunos estarão dispostos ou se agirão assim, a educação escolar não pode garantir. Nem as demais instâncias educacionais.

Mas é necessário oferecer estes conteúdos formativos e, com mais razão, para os jovens que frequentam os cursos do Ensino Médio tendo em vista suas possibilidades maiores de entendimentos a respeito e de participação mais efetiva na sociedade, preparando-se com isso para sua participação como adultos.

E) Sensibilidade antropológica: conteúdos formativos

Por sensibilidade antropológica entende-se o sentir necessidade de buscar entendimentos a respeito do que é o ser humano (o que somos), a respeito do sentido da existência humana e de como deve ser esta existência para proporcionar aos seres humanos o que se pode considerar uma vida boa. Trata-se de uma sensibilidade na qual estão presentes as mais diversas questões para as quais há, por certo, respostas, também diversas, e que de alguma maneira são colocadas especialmente pelos jovens do Ensino Médio.

Além das questões relativas ao sentido da existência humana e ao entendimento do que seja o ser humano, há questões que, bem trabalhadas com os alunos, fazem parte importante dos conteúdos formativos a lhes serem oferecidos como: as questões relativas à dignidade das pessoas e ao respeito a ela, às práticas que degradam a humanidade nas pessoas como a exploração, a dominação, a injustiça, a violência física e a simbólica da qual faz parte, por exemplo, o bulling.

Esses conteúdos podem ser oferecidos e estão presentes nos componentes curriculares filosofia (de maneira especial), sociologia, história e ainda, em obras literárias. Lembrando sempre que são conteúdos informacionais que devem merecer elaboração pessoal por parte dos alunos contando com a ajuda mediadora dos professores.

F) Sensibilidade ecológica: conteúdos formativos

Por sensibilidade ecológica entende-se o sentir necessidade de buscar entendimentos a respeito especialmente do meio ambiente natural, ou seja, do Planeta Terra ou da “Pátria Mãe” e de buscar orientações de como agir para a sua preservação, visto ser ela de interesse de todos os seres humanos. Trata-se de tema a ser tratado com os jovens urgentemente o que implica a necessidade de lhes oferecer conteúdos informativos a respeito dos riscos ambientais atuais e de lhes oferecer espaços de elaboração das informações para que as internalizem como conhecimentos (entendimentos) e como convicções que possam ser orientadoras de ações voltadas à preservação da natureza. Há espaços nos componentes curriculares que tradicionalmente compõem os currículos escolares, nos quais esta temática pode ser abordada e trabalhada na direção da internalização de entendimentos a respeito. Este é um conjunto de conteúdos formativos mais do que urgente nos dias de hoje.

Os conteúdos formativos indicados não são muito diferentes daqueles que, tradicionalmente, têm sido oferecidos. O que pode parecer diferente é a insistência no papel dos educadores das escolas de não realizarem apenas uma parte da oferta desses conteúdos formativos: a parte da informação. Conteúdos informativos são necessários, mas não bastam. É necessário estimular os alunos a procederem às elaborações pessoais desses conteúdos, transformando-os em conhecimentos (em entendimentos ou em compreensão) com os quais possam se orientar nas maneiras de agir no mundo, na realidade da qual fazem parte. Somente conteúdos informativos bem pensados, elaborados e reelaborados pessoalmente, transformam-se em entendimentos, em compreensão, em conhecimentos. Quando isso ocorre, esses conteúdos deixam de ser apenas informativos e passam a ser conteúdos formativos.

Este é um dos conjuntos de formação, talvez os mais importantes, que as escolas podem oferecer para seus alunos. E é o que se espera que façam especialmente para os alunos do Ensino Médio. Vale sempre repetir afirmações como esta: os alunos não são depósitos de informes. Eles precisam de informes sim, mas precisam aprender também a elaborá-los pessoalmente para os transformar em conhecimentos. Em isso acontecendo, os informes oferecidos provocativamente e significativamente nos componentes curriculares, tornam-se conhecimentos, tornam-se compreensão, tornam-se iluminadores do agir dos jovens. Um agir, agora, consciente, porque sabido de suas razões e finalidades e que os irá constituindo como pessoas que, espera-se, sabem o que fazem e porque fazem.

Concluindo

A pergunta inicial colocada foi: o que entender por formação quando se trata da educação dos estudantes no ensino médio? No que foi exposto buscou-se indicar que há uma contribuição possível de ser oferecida pela educação escolar para a formação dos jovens do Ensino Médio. Esta contribuição se dá na oferta de conteúdos formativos que os ajudem no desenvolvimento de sua dimensão subjetiva o que exige o desenvolvimento de sensibilidades que a constituem como: a sensibilidade epistêmica, a sensibilidade aos valores morais, a sensibilidade aos valores estéticos, a sensibilidade aos valores políticos, a sensibilidade aos valores antropológicos e a sensibilidade aos valores ecológicos, através da oferta de conteúdos cognitivos capazes de auxiliá-los no desenvolvimento dessas sensibilidades as quais, por sua vez, são necessárias para o desenvolvimento de suas subjetividades. “Subjetividades humanamente boas” precisam do alimento formativo de conteúdos cognitivos que a educação escolar, por sua vocação histórica, tem podido oferecer, ajustando-se ao longo do tempo e em função de necessidades mantidas, renovadas e ampliadas.

A possível novidade do que foi apresentado não reside na indicação dos conteúdos formativos cognitivos, salvo talvez em um ou outro e na maneira de os apresentar e nem na indicação de que conteúdos cognitivos formativos não podem se reduzir apenas a informações ou à transmissão de informes. A possível novidade está, julgamos, na reiterada ênfase relativa à necessidade de que as informações necessárias de conteúdos cognitivos sejam sempre acompanhadas de indicações, proposições e orientações para que os alunos elaborem pessoalmente as informações, as reelaborem reflexivamente e criticamente para que as transformem em conhecimentos próprios e submetidos às suas análises reflexivas e críticas, contando, para isso, também com a necessária ajuda educacional dos profissionais da educação escolar. Um começo importante desta ajuda pode ser a de aliar à pedagogia tradicional do “oferecer respostas prontas”, a já proclamada “pedagogia das perguntas”.5 As perguntas, as vindas “espontaneamente” dos alunos ou neles provocadas por educadores bons perguntadores, são um começo precioso para o envolvimento na busca de produção de entendimentos.

Não sendo assim, os jovens do Ensino Médio terão, quando muito, informações de empréstimo e não entendimentos de propriedade própria com os quais poderão orientar-se em suas vidas, inclusive na busca de novos conteúdos cognitivos, sempre necessários, não suficientes, por certo.

A formação a ser oferecida no Ensino Médio, por ser oferecida em escolas, envolve diversos aspectos, mas tem nos aspectos cognitivos uma ênfase especial. Daí, neste texto, ter-se optado por chamar a atenção sobre eles ficando o convite para que outras abordagens, além de submeter à necessária análise crítica o que aqui foi dito, se debrucem sobre outros aspectos que devem fazer parte da formação a ser oferecida aos nossos jovens. Formação, mais do que nunca, merecedora dos maiores cuidados possíveis, aliados aos necessários novos cuidados com a formação dos educadores que se propõem a oferecer ajuda educacional e estes jovens.

1Paulo Freire diz da “incompletude humana” como justificativa da necessidade da ação educativa. Vide, por exemplo, as páginas 50, 53-59,104 de Pedagogia da Autonomia (2009).

2Moção é movimento e “e-moção” quer significar movimento ou móvel em “direção a”.

3Importante notar que, no pensamento de Freire, fica claro que, nem sempre, há consciência do jogo político que educadoras e educadores escolares estão “jogando”. Daí a necessidade de que elas e eles possam ter esta clareza para que optem conscientemente a respeito.

4Esta é uma afirmação que se coaduna com a ideia de inacabamento de Freire que é por ele posta como fundamento primeiro da necessidade da educação.

5Vide, por exemplo, o bom livro de Paulo Freire e Antônio Faundez: Por uma Pedagogia da pergunta1985).

Nota final

Este texto foi concluído no dia em que completei 83 anos, dos quais 59 dedicados à educação como Professor. Apesar de todas as limitações, continuo acreditando na importância da educação escolar como um dos recursos formativos fundamentais para as novas gerações. Mas vejo a absoluta necessidade de modificações nas maneiras de os educadores das escolas os oferecerem e penso que são eles, os alunos e suas famílias que podem indicar estas modificações a partir de diálogos sérios a respeito.

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Recebido: 13 de Novembro de 2023; Aceito: 23 de Novembro de 2023

Editoras: Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista e Profa. Dra. Marcia Fusaro Editores Convidados - Dossiê 67: Prof. Dr. Antônio Joaquim Severino; Profa. Dra. Cleide Rita Silvério de Almeida e Profa. Dra. Elaine Teresinha Dal Mas Dias

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