SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número67AVANCES Y RETROCESOS EN LAS RECIENTES REFORMAS DE LA ENSEÑANZA MEDIA: ¿QUÉ RUMBO TOMARÁ LA ÚLTIMA ETAPA DE LA EDUCACIÓN BÁSICA?ENSEÑANZA MEDIA INTEGRADA: LA EXPERIENCIA DEL CAMPUS REGISTRO DEL INSTITUTO FEDERAL DE SÃO PAULO índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.67 São Paulo oct./dic 2023  Epub 19-Feb-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n67.25565 

DOSSIÊ 67 - FORMAÇÃO NO ENSINO MÉDIO: CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA

POR QUE A FILOSOFIA É NECESSÁRIA NO CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO?

WHY IS PHILOSOPHY NECESSARY IN THE HIGH SCHOOL CURRICULUM?

¿POR QUÉ ES NECESARIA LA FILOSOFÍA EN EL CURRÍCULO DE SECUNDARIA?

Anderson Alves Esteves, Professor1 
http://orcid.org/0000-0003-1479-3323

Antonio Valverde, Professor2 
http://orcid.org/0000-0002-1713-7914

1Professor do IFSP

2Professor do PPG em Filosofia da PUC-SP


Resumo

O ensaio intenciona refletir acerca da necessidade de a disciplina Filosofia compor, em definitivo, o currículo do Ensino Médio. Para tanto, mostra-se precedido de pesquisa acerca da produção acadêmica do ensino de filosofia no Ensino Médio. Passo seguinte, circunscreve a questão das humanidades, desde a retomada dos studia humanitatis pelos humanistas renascentistas. Em seguida, fruto de entrevistas, expõe as opiniões de dois estudantes do Ensino Médio, de escolas pública e privada. Após, as considerações de um professor da rede pública, que analisa motivos para tal necessidade e de suas dificuldades. Por fim, analisa os efeitos do neofascismo ao campo da educação, sob abordagem psicanalítica.

Palavras-chave: ensino médio; filosofia; educação.

Abstract

The essay intends to reflect on the need for the subject Philosophy to definitively form part of the High School curriculum. To this end, it is preceded by research into the academic production of philosophy teaching in high school. The next step, circumscribes the issue of humanities, since the resumption of studia humanitatis by Renaissance humanists. Then, as a result of an interview, it exposes the opinions of two high school students, from public and private schools. Afterwards, the considerations of a public school teacher, who analyzes the reasons for this need and its difficulties. Finally, it analyzes the effects of neo-fascism in the field of education, using a psychoanalytic approach.

Keywords: high school; philosophy; education.

Resumen

El ensayo pretende reflexionar sobre la necesidad de que la asignatura Filosofía forme parte definitivamente del currículo de Educación Secundaria. Para ello, es precedido por una investigación sobre la producción académica de la enseñanza de la filosofía en la escuela secundaria. El siguiente paso circunscribe la cuestión de las humanidades, desde la reanudación de los estudios humanitatis por parte de los humanistas del Renacimiento, y luego, a través de una entrevista, expone las opiniones de dos estudiantes de secundaria, de escuelas pública y privada. Luego, las consideraciones de un maestro de escuela pública, quien analiza los motivos de esta necesidad y sus dificultades. Finalmente, analiza los efectos del neofascismo en el campo de la educación, utilizando un enfoque psicoanalítico.

Palabras clave: escuela secundaria; filosofía; educación.

Pautando

De um rápido levantamento de artigos tarjados Scielo, verifica-se que o tema em pauta tem sido explorado por professores universitários de filosofia, em escala considerável, escritos sob um arco de trinta anos, praticamente. Assim, estudos relativos à relevância da filosofia no currículo do Ensino Médio, acerca da legislação específica, em flutuação constante, e considerações sobre o cenário curricular e das expectativas de tal ensino, foram analisados por Velasco (2022),2 Haddad (2022),3 Carvalho (2019),4 Rodrigues (2012),5 Severino (2010),6 Aspis (2004),7 Fávero et alii (2004),8 Leopoldo e Silva (1992),9 e, sem tarja Scielo, por Esteves & Valverde (2019),10Valverde & Esteves (2015),11 Favaretto (1993),12 dentre muitos outros com ou sem tarjas. Além de livros e capítulos dedicados aos mesmos assuntos. Logo, trata-se de relevância e urgência, dada a dinâmica e a necessidade de firmar o ensino de filosofia no currículo do Ensino Médio, sem tantos “pendulares” (Valverde & Esteves, 2015) desnorteadores aos professores e aos alunos. Ao movimento de acompanhar as oscilações ideológicas e mercadológicas da política educacional, que tendem a diminuir o papel fundamental das humanidades como um todo na formação do jovem estudante, e, em particular, de restrições ao da filosofia. Assunto, debatido desde a fundação da SEAF (Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas), em 1978, e a publicação de revista homônima com artigos de Lima Vaz, Marilena Chauí, Olinto Pegoraro, a publicizarem a necessidade da volta da filosofia, como matéria regular do currículo do 2º Grau. A um tempo em que o Gen. Golbery do Couto e Silva ameaçava com a proibição dos cursos universitários de graduação em filosofia, para além da dos cursos colegiais. Assim, restaria somente os estudos filosóficos pós-graduados. Vez que o ensino de filosofia era considerado com potencial altamente subversivo da ordem social, nacional.

Recordando

As humanidades, studia humanitatis, assim nomeadas por Cícero, foram retomadas ao final da Idade Média, desde o formato antigo romano, porém ampliado. O antigo studia humanitatis, em princípio, se compunham dos estudos de gramática, retórica, história, poesia e filosofia moral, perfiladas de obras clássicas em língua grega e latina, o equivalente a toda literatura e filosofia assimiladas. Tal monumento intelectual, marco civilizatório contra a barbárie antiga, fora retomado pelos humanistas renascentistas, de par com o ideal de vita civilis, a rigor, vita activa civilis, inventada também por Cicero. Uma das bases do ideário de sustentação de outra retomada, a do regime republicano, sobremaneira, em cidades do Norte da Itália, contrariamente, ao monárquico, autêntica oficina de tiranias. Regime republicano e autogoverno. Aos auspícios da incipiente classe burguesa.

Tal arcabouço, transfigurou-se em humanismo cívico florentino, entre os séculos XIV e XV, demarcado pelos humanistas nativos, desde Petrarca, Salutati, Bruni, Alberti, Poggio Bracciolini, até Alberti, na primeira etapa. E inaugurada por Maquiavel a segunda fase de humanismo renascentista.

Ora, ao tempo presente, - sob forte cerração a confundir as possibilidades de compreensão do que se passa no mundo -, a tecnociência tomou de assalto o universo do conhecimento humano. E as humanidades, movidas desde os studia humanitatis, geraram a invenção da ciência moderna, porém, perderam seu lugar hegemônico. Paradoxalmente, a ciência moderna foi fundada por três filósofos, Galileu, Bacon, Descartes. Se antes, a filosofia fora considerada serva da teologia, findou por separar-se da teologia, mas, parece ter cedido seu lugar, novamente, e, ao transcurso do tempo, transformada em serva da tecnociência. Compreender tal deslocamento equivale a localizar o lugar da filosofia frente à tecnociência e ao espírito do tempo presente, sob a guarda do neoliberalismo, “a nova razão do mundo”, a invadir todas as porosidades da vida contemporânea. Pautado pelo princípio de propriedade particular firmado pela teoria da titularidade, secundado na prática do empreendedorismo próprio do sujeito tido e havido como “capital humano”.

Assim, na contramão da subserviência das pessoas à condição econômica do capital financeirizado e ao campo da tecnociência em expansão, será necessário - nem rir nem chorar - mas, compreender, conceitualmente, o que se passa na civilização tecnológica para além de reduções neofascistas e neoliberais, mancomunadas com as religiões mercantis da prosperidade. Por certo, o antídoto seguirá sendo o da reflexão crítica, radical, universalizante, garantida pelo arcabouço acumulado da história da filosofia, que se encontra em disponibilidade, quase completa, na internet, acessível a qualquer pessoa que se espante com o espetáculo do mundo, que é a chave inicial do filosofar. Atitude reinventada desde o thaumazein moderno, a dúvida metódica, o exercício de duvidar dos conhecimentos recolhidos pelos sentidos e os criados pela razão, ao colocar em questão todas as crenças, sejam de que ordem forem. Até ao entendimento da base material da produção, causa primeira do ser social. Sob a guarda da leitura dos clássicos e o consequente catapultar do pensar ao nível do senso comum para o universal. Em síntese, uma nova retomada dos studia humanitatis, com acesso às bibliotecas de obras digitalizadas.

Opiniões / opiniães

Aristóteles costumava colher opiniões acerca de um tema, de modo a antecipar o exercício de uma exposição reflexiva a ser efetivada. Parafraseando a fórmula, recolhemos duas opiniões de estudantes do Ensino Médio acerca da relevância e necessidade do estudo de Filosofia, naquela etapa da formação pessoal e de conhecimento. Ei-las, copiadas na íntegra:

Primeiro,13 a de aluna do 3º ano do Ensino Médio:

“A filosofia é extremamente importante para o currículo do Ensino Médio pelos seguintes motivos: auxilia e estimula o desenvolvimento do pensamento crítico. A disciplina envolve a análise crítica de questões complexas e a busca por respostas fundamentadas em argumentos sólidos. Isso ajuda a desenvolver habilidades de pensamento crítico, o que é valioso em todas as áreas da vida, pessoal e profissional. A filosofia encoraja os alunos a fazerem perguntas fundamentais sobre a existência, a moral, a política e outros aspectos da vida. A reflexão sobre valores e ética também são estimulados. A filosofia ajuda os alunos a refletirem sobre questões éticas e morais, permitindo que eles desenvolvam uma compreensão mais profunda de suas próprias crenças e valores. Além disso, a disciplina ajuda na compreensão das bases da sociedade. O estudo da filosofia explora conceitos políticos, sociais e históricos que moldaram nossa sociedade, auxiliando as pessoas a compreenderem melhor o mundo em que vivem e a participarem de debates e discussões informadas sobre questões sociais e políticas (QUEIRÓZ, 2023).”

Segundo,14 a de aluno do 1º ano do Ensino Médio:

“A filosofia é de suma importância tanto para o Ensino Médio, quanto para toda carreira educacional, pois ela proporciona um ambiente de questionamento para situações e pensamentos que podem ser cotidianos ou não, transpondo o limite do senso comum. Durante esta última fase da escola, surgem diversos questionamentos sobre o que queremos fazer ao terminarmos o Ensino Médio e a filosofia pode agir como aliado para o nosso processo de autoconhecimento, porque ao estudarmos sobre ela, poderemos usar os conceitos de inúmeros pensadores para conseguirmos saber quem nós somos e o que nós queremos nos tornar no futuro (CABRAL, 2023).”

Ao mesmo passo, que o Professor Ricardo Melani reflete:

“Pensar sobre a necessidade da filosofia no ensino médio implica, entre outras coisas, partir de uma ideia, conceito ou noção da própria filosofia. Algo que se sabe polêmico, pois na história dessa área de estudo pululam as definições e os confrontos. Cada pensador ou corrente filosófica, à sua maneira, de acordo com a problemática na qual está envolvido, entende qual deve ser o foco reflexivo da filosofia. No entanto, sem buscar uma definição, gostaria de tratar brevemente de uma característica da conduta humana que, se for verdadeira, releva a importância da filosofia e de sua participação no desenvolvimento dos indivíduos. Trata-se da forma como o ser humano lida com a realidade. Ele não lida apenas de maneira direta ou imediata, mas principalmente de maneira mediada. Ele faz uso do que podemos genericamente chamar de representações ou signos.”15

Ao que adita:

“Se o ser humano realmente lida com a realidade utilizando a mediação das representações ou dos signos; se ele se realiza no devir entre as linguagens, pois ele não nasce pronto; e se a filosofia, pelo menos em parte, é o investigar dessas representações criadas pelo homem; então, a filosofia não ocupa papel menor na formação e no desenvolvimento dos indivíduos. O refletir filosófico não é algo externo ao humano, mas interno. Trata-se, portanto, de aflorar possibilidades propriamente humanas, que, assim como a própria linguagem, são conquistadas pela educação formal e informal. Assim, cabe à escola dar acesso à tradição reflexiva da filosofia e, no mesmo movimento, estimular o refletir filosófico sobre os problemas contemporâneos. É nesse processo que o indivíduo adquire competências e habilidades que o acompanharão em sua vida (MELANI, 2022, 10-11)”

Excurso e incurso psicanalíticos: distanciamento e implicação

Os relatos acima, dos estudantes e do Professor, - na linha da dialogicidade freiriana (FREIRE, 1987) -, ao mobilizarem o papel da filosofia na edificação do pensamento crítico, do autoconhecimento e do desenvolvimento profissional, mostram o quão difícil foi / é lecionar a disciplina em tempos de bolsonarismo (não definitivamente derrotado), à medida em que cada aula tem sido uma agulhada nas feridas narcísicas abertas.

Intrigado com a mudança do comportamento individual das pessoas se integradas à “multidão” (FREUD, 2016, p. 40), Freud pesquisou o porquê da remoção da “superestrutura psíquica” (FREUD, 2016, p. 43) do indivíduo a ponto de se tornar visível seu fundamento inconsciente e de dispensar os recalcamentos (recalques) e a consciência moral, de adotar, em contrapartida, comportamento bárbaro, infantilizado, de rebanho, decréscimo da capacidade intelectual, intensificação dos afetos e semelhança à conduta da “horda primordial” (FREUD, 2016, p. 130), (impulsivo, intolerante, acrítico, crente e cego no poder fantasioso de palavras e discursos ilusórios, que se tornam mais reais que a realidade objetiva; extremista, com pulsões destrutivas despertadas; refratário à lógica e à argumentação e com disposição para harmonizar contradições lógicas sem que entre em conflito por isso; subserviente à autoridade com a qual se identifica e com ela fascinado, desejoso de ser dominado por ela e a ela se dedicar à medida que nenhuma crítica é capaz de paralisá-lo; avesso à novidade e ao progresso...). Adorno interpretou que o trabalho de Freud, assim, “antecipou” a descrição das massas fascistas, “latentes” (ADORNO, 2015, pp. 156-157) ao início da década de 1920, e que se tornava expoente teórico de mudanças sociais e de uma crise a corroer os indivíduos liberais (competitivos, individualistas, autônomos, autossustentados...): como seriam possíveis as massas se os sujeitos ainda atuassem como aquelas supostas mônadas da ideologia liberal? Como demandariam o autoritarismo e agiriam contra si mesmos se ainda tivessem um eu sólido?

A hipótese freudiana versa que a grandeza da intensificação afetiva experimentada pelo indivíduo, na massa, denota o investimento libidinal efetuado por ele, à medida que ocorre identificação e colocação do objeto (o líder) no lugar do ideal do eu, e, ao mesmo tempo, contribui com a coesão da própria massa, dada a quantidade de pessoas que a compõe e que conta com a renúncia de cada indivíduo à sua singularidade. A vinculação entre indivíduo e massa ocorre pelo liame do princípio de prazer. O vínculo afetivo de um cristão com seu deus e sua igreja e o de um soldado com seu general ajuda a coesão da massa à medida que cada um acredita que seus líderes amam a cada um dos membros de maneira idêntica, tomando-os como “substituto do pai” (FREUD, 2016, p. 80). Hitler, cônscio da relação libidinal da massa com ele, de acordo com a interpretação de Adorno, “atribuiu características especificamente femininas, passivas, aos participantes de seus encontros” (ADORNO, 2015, p. 160). No complexo de Édipo, o pai é tomado como ideal e, ao mesmo tempo, interdita o objeto desejado pelo menino, a mãe; com efeito, em algum momento, a hostilidade ao pai aparece e o menino deseja substituí-lo; mais tarde, a identificação pode ressurgir com aqueles que não são os objetos das pulsões sexuais - fenômeno importante para explicar a massa e sua ligação com o líder, uma vez que o objeto amoroso recalcado na infância e ligado a um de seus pais, metamorfoseou-se em ternura e, assim, as aspirações sensuais permanecem no inconsciente e florescem novamente na puberdade, expressando-se como enamoramento e como “medida maior de libido narcísica” (FREUD, 2016, p. 112), apoderando-se do “amor-próprio do eu” e levando-o ao “autossacrifício” (FREUD, 2016, pp. 112-113), tal como se observava na hipnose e nas massas - mesmas submissão humilde, docilidade, falta de crítica, desaparecimento de iniciativa própria. Em outras palavras, hipnotizador e objeto amado tomam lugar do ideal do eu, o que mostra que a relação hipnótica é “uma formação de massa a dois” (FREUD, 2016, p. 116), a hipnose é idêntica às massas.16 A violência da massa não refuta a hipótese: o antigo conflito com o pai renasce, tal como a revolta contra o pai primitivo - onto e filogeneticamente, o fascismo não é retorno ao arcaísmo, mas “sua reprodução na e pela própria civilização” (ADORNO, 2015, p. 162). A massa não é a causa de seu comportamento irracional, este é efeito de seu perfil libidinal - antigo, oculto, inibido, edípico - com o líder. Identificada a ele, a massa, em verdade, projeta-se no líder: trata-se da libido narcísica que fluiu ao objeto e o idealizou; no líder, as demandas fracassadas do eu de cada um dos membros da massa, enfim, encontram alguma forma de satisfazerem-se e engrandecem esses sujeitos. Em outras palavras, o líder idealizado é o amor de cada um a si mesmo e sem os fracassos diários a que está acostumado - Freud “desencantou o conceito de psicologia de grupo” à medida que cada membro do grupo está marcado por “identificação com figuras paternas” (ADORNO, 2015, p. 192). O grupo torna-se uma família e facilita, assim, o vínculo dos “indivíduos da massa entre si” (Freud, 2016, p. 90) dentro da “estrutura libidinosa” (FREUD, 2016, p. 81); o líder amado, ao contar com a diminuição da liberdade dos indivíduos a ele identificados, torna-se o principal fenômeno a ser considerado pela psicologia das massas, uma vez que o vínculo emocional com ela modifica as ações individuais. Identificação e investimento sexual de objeto estão unificados na vida psíquica. Na relação entre os indivíduos entre si e a coesão que alcançam, é preciso remeter à situação ontogenética na qual o ciúme do irmão mais velho pelo mais novo obriga o primeiro a se identificar aos outros membros da família para não se isolar: eis um sentimento de massa ou comunidade, que também se desenvolve na vida escolar e que se orienta pelo espírito de justiça e de igualdade - raiz da consciência moral social e do sentimento de dever, uma vez que transforma a antiga hostilidade na relação positiva vincada pela identificação; da mesma forma que os irmãos são amados da mesma maneira pelos pais, os membros da massa são amados igualmente pelo líder, superior a todos, chefe da horda e pai primitivo que se faz presente, sempre temido e desejoso da submissão dos liderados, materialização do eu do grupo, aquele para o qual os membros devotam seu masoquismo e a quem, irracional e libidinalmente, se dedicam - Brasil acima de tudo. O líder sequer precisa ofertar um “programa positivo” (ADORNO, 2015, p. 171) nem amar os liderados; a posição de líder é combinada com a de pessoa comum - ao mesmo tempo grande e pequeno, chefe e alguém do povo - e facilita o ganho narcísico que os liderados têm ao identificarem-se com ele, ao abandonarem-se ao objeto, ao considerarem que estão eles mesmos na liderança, ao serem seduzidos pelo líder “isolado” (ADORNO, 2015, p. 83) dos demais. O líder é apenas aquele que exprime desinibidamente, que verbaliza as idiotias irracionais que nem todos têm a coragem de dizer e que faz “uso racional de sua irracionalidade” (ADORNO, 2015, p. 182), que expressa, via propaganda de si mesmo, “as sabedorias e bondades aprovadas hoje em dia” (ADORNO, 2015, p. 105) pela massa. O líder, ou a propaganda dele, inclusive os defeitos psicológicos, são, eles mesmos, o “conteúdo” (ADORNO, 2015, p. 140): gratificam os convertidos que, assim, acham-se membros de uma elite, expressam a similitude entre o líder e os seguidores - trata-se de um “ritual” que opõe amigos (in-group) e inimigos (out-group), aumentando a gratificação aos primeiros pela performance do líder ou de seu propagandista, que serve de culto ao status quo. Assim, a racionalidade também é prescindível, supérflua, e substituída por distinções, completamente irracionais, aos malquistos (out-group, intolerados, hostilizados, vitimados por toda sorte de preconceitos) e por marcos identitários aos “cidadãos de bem” (in-group), que se sentem melhores, superiores, puros, identificados reciprocamente pelo “amor semelhante ao mesmo objeto” (ADORNO, 2015, p. 179), basta respeitar os de cima e pisar nos debaixo. O mecanismo out-group x in-group é libidinal e integra uns e exclui outros, sob a direção de Eros e de Thanatos. Eclipsada pelos mais extremos irracionalismo e anti-intelectualismo.

Contrário e melhor

Concluindo pelo contrário e, talvez, pelo melhor, como queria Aristóteles, a necessidade da disciplina Filosofia no currículo do Ensino Médio, em definitivo, é urgente e imprescindível, dados os motivos expostos. Acelerada ao ritmo do espectro do neofascismo a rondar a civilização, e da carga pesada da “nova razão do mundo”, o neoliberalismo. Combinados à expansão, aparentemente, sem limites, da tecnologia na forma inteligência artificial, que aguça o controle social, em curso. Inicialmente, forjado na demanda de mercadorias supérfluas, criada por agências de publicidade, desnecessárias no presente. Assim, como a perda de funcionalidade das agências de opinião pública, vez que os recursos inimagináveis da internet dão conta de veicular qualquer disparate amoral, apolítico, anticivilizacional e relativos às mercadorias.

Frente tal cenário de ruínas e de manipulação do ser social em escala global, a educação figura como último baluarte para o exercício da reflexão crítica. Em luta político-pedagógica contra a invasão bárbara e reducionista do acréscimo de disciplinas tecnológicas na grade curricular do Ensino Médio, que pode retirar a compreensão profunda do que se passa no tempo presente. Então, que se aposte na disciplina Filosofia, no Ensino Médio. Afinal, como quer Bloch: pensar significa transgredir.

13Gabriela Rodrigues Queiróz, 17 anos, estudante do Colégio Rainha da Paz, Alto de Pinheiros, São Paulo-SP. Entrevista realizada dia 11 de novembro de 2023.

14Pedro Cabral, 16 anos, estudante da Etec Guaracy Silveira, Pinheiros, São Paulo-SP. Entrevista realizada dia 11 de novembro de 2023.

15Assim, “O desenho de uma árvore, por exemplo, representa algo independente do indivíduo, que é aprendido ou sentido por ele. Ao mesmo tempo, essa representação se dissocia do representado, quando é utilizada sem a presença dele. Algo similar aconteceu quando, há aproximadamente 40 mil anos, nosso ancestral desenhou um bisão na parede de uma caverna. Estava presentificando um passado, um ser que tinha sido visto anteriormente fora da caverna, e abrindo a possibilidade de um planejar futuro e comunicativo: ‘Como podemos caçar o bisão?’ Toda a temporalidade humana é baseada nesse evento da representação (MELANI, 2022, p. 10). - Certamente, sob provável alusão à noção de homo pictor, de Hans Jonas.

16Tal massa primária consiste de certo número de indivíduos que colocaram um único e mesmo objeto no lugar de seus ideais do eu e que, por conseguinte, se identificaram uns com os outros em seus eus”. (FREUD, 2016, p. 118, grifo dos Autores).

Referências

ADORNO, T. Ensaios sobre psicologia social e psicanálise. Trad. V. Freitas, São Paulo: UNESP, 2015. [ Links ]

BLOCH, E. O princípio esperança. Trad. Nélio Schneider, vol. I, São Paulo: Contraponto / EduERJ, 2005. [ Links ]

ESTEVES, A. A.; VALVERDE, A. J. R. “Lei 13.415/17 - o alijamento da disciplina filosofia do Ensino Médio: o mais recente movimento pendular na educação básica brasileira”, In: Cognitio-Estudos. São Paulo: PUC-SP, vol. 16, n° 2, julho-dezembro, 2019, pp. 176-192. [ Links ]

ESTEVES, A. A.; VALVERDE, A. J. R. “Educação e emancipação em Adorno e Marcuse” In: Cognitio-Estudos. São Paulo: PUC-SP, vol. 13, n° 2, julho-dezembro, 2016, pp. 256-276. [ Links ]

FREIRE, P., “A dialogicidade - essência da educação como prática da liberdade”, FREIRE, P., Pedagogia do oprimido, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. Link de acesso https://cpers.com.br/wp-content/uploads/2019/10/Pedagogia-do-Oprimido-Paulo-Freire.pdf, acessado dia 20 de novembro de 2023. [ Links ]

FREUD, S. Psicologia das massas e análise do eu. Trad. de R. Zwick, Porto Alegre: L&PM, 2016. [ Links ]

MELANI, R. Encontro com a filosofia. 3ª edição, São Paulo: Santillana Educação, 2022. (Coleção ‘Encontro com a Filosofia. Manual do Professor). [ Links ]

VALVERDE, A. J. R.; ESTEVES, A. A. “O movimento pendular da disciplina Filosofia no ensino médio” In: Cognitio-Estudos. São Paulo: PUC-SP, vol. 12, n° 2, julho-dezembro de 2015, pp. 268-281. [ Links ]

VALVERDE, A. J. R.; ESTEVES, A. A. “Aula de Filosofia, na vaga crítica do Esclarecimento” In: Cognitio-Estudos. São Paulo: PUC-SP, vol. 15, n° 1, janeiro-junho, 2018, pp. 60-82. [ Links ]

Recebido: 21 de Novembro de 2023; Aceito: 01 de Dezembro de 2023

“Pensar significa transpor.”

(Ernst BLOCH, O princípio esperança, I, 2005, p. 14)1

Editoras: Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista e Profa. Dra. Marcia Fusaro Editores Convidados - Dossiê 67: Prof. Dr. Antônio Joaquim Severino; Profa. Dra. Cleide Rita Silvério de Almeida e Profa. Dra. Elaine Teresinha Dal Mas Dias

1

Vez que pensar para justificar é ideologia. Ideologia é pensar para justificar...

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons.