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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.67 São Paulo out./dez 2023  Epub 19-Fev-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n67.25488 

DOSSIÊ 67 - FORMAÇÃO NO ENSINO MÉDIO: CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA

A FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO PÚBLICO PARANAENSE: LIMITES E DESAFIOS NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS

PHILOSOPHY IN PUBLIC HIGH SCHOOL IN PARANÁ: LIMITS AND CHALLENGES IN THE CONTEXT OF EDUCATIONAL POLICIES

FILOSOFÍA EN LA ESCUELA SECUNDARIA PÚBLICA DE PARANÁ: LÍMITES Y DESAFÍOS EN EL CONTEXTO DE LAS POLÍTICAS EDUCATIVAS

Geraldo Balduino Horn, Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre o Ensino de Filosofia1 
http://orcid.org/0000-0003-1056-4822

Avanir Mastey2 
http://orcid.org/0009-0006-8406-4395

Edson Teixeira de Rezende, Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre o Ensino de Filosofia3 
http://orcid.org/0000-0002-5044-8167

1Universidade Federal do Paraná - UFPR, Curitiba, Paraná - Brasil

2Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre o Ensino de Filosofia da Universidade Federal do Paraná - NESEF/UFPR

3Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre o Ensino de Filosofia da Universidade Federal do Paraná - NESEF/UFPR


Resumo

Este texto analisa a experiência da luta política pela manutenção da Filosofia no Ensino Médio no Paraná, com ênfase no período pós-aprovação do Novo Ensino Médio. Inicialmente, apresenta um diagnóstico das políticas públicas ultraliberais implantadas no Paraná nos últimos anos e, sobretudo, do processo de plataformização e seus impactos na prática pedagógica. Mostra como as “sequências didáticas” (aulas prontas) e o controle do fazer pedagógico exercido por meio de RCO+Aulas e da observação das aulas in loco retiram a autonomia da prática docente, produzindo, ao mesmo tempo, precarização na carreira e um adoecimento nunca visto. Em seguida, o texto analisa a reação de alguns setores organizados da sociedade à reforma após a sua implementação, à medida que percebem as contradições e seus impactos no cotidiano escolar. Tomando como referência para a análise documentos oficiais, manifestos, cartas, depoimentos e manifestações de entidades e grupos de pesquisa, o estudo é realizado à luz das categorias “totalidade” e “ser social”, com o intuito de perceber as contradições presentes no contexto das políticas educacionais e curriculares implantadas no Paraná nos últimos anos.

Palavras-chave: ensino de filosofia; ensino médio; Paraná; plataformização; políticas educacionais.

Abstract

-This text analyzes the experience of the political struggle for the maintenance of Philosophy in High School in Paraná, with emphasis on the post-approval period of the New High School. Initially, it presents a diagnosis of the ultra-liberal public policies implemented in Paraná in recent years and, above all, of the process of platformization and its impacts on pedagogical practice. It shows how the "didactic sequences" (ready-made classes) and the control of the pedagogical practice exercised through RCO+Classes and the observation of classes in loco remove the autonomy of the teaching practice, producing, at the same time, precariousness in the career and an illness never seen before. Next, the text analyzes the reaction of some organized sectors of society to the reform after its implementation, as they perceive the contradictions and their impacts on school daily life. Taking as reference for the analysis official documents, manifestos, letters, testimonies and manifestations of entities and research groups, the study is carried out in the light of the categories "totality" and "social being", in order to perceive the contradictions present in the context of educational and curricular policies implemented in Paraná in recent years.

Keywords: teaching of philosophy; middle school; Paraná; platformization; educational policies

Resumen

Este texto analiza la experiencia de la lucha política por la permanencia de la Filosofía en la Enseñanza Media en el Paraná, con énfasis en el período posterior a la aprobación de la Nueva Escuela Secundaria. Inicialmente, se presenta un diagnóstico de las políticas públicas ultraliberales implementadas en el Paraná en los últimos años y, sobre todo, del proceso de plataformización y sus impactos en la práctica pedagógica. Muestra cómo las "secuencias didácticas" (clases preparadas) y el control de la práctica pedagógica ejercido a través de las Clases RCO+ y la observación de las clases in loco quitan la autonomía de la práctica docente, produciendo, al mismo tiempo, precariedad en la carrera y una enfermedad nunca antes vista. A continuación, el texto analiza la reacción de algunos sectores organizados de la sociedad ante la reforma después de su implementación, ya que perciben las contradicciones y sus impactos en la vida cotidiana de la escuela. Tomando como referencia para el análisis documentos oficiales, manifiestos, cartas, testimonios y manifestaciones de entidades y grupos de investigación, el estudio se realiza a la luz de las categorías "totalidad" y "ser social", con el fin de percibir las contradicciones presentes en el contexto de las políticas educativas y curriculares implementadas en el Paraná en los últimos años.

Palabras clave: enseñanza de la filosofia; secundaria; Paraná; plataformización; políticas educativas.

Introdução

Esta pesquisa mostra, a partir de dados empíricos retirados de documentos oficiais e pesquisas realizadas no campo educacional, que o ensino de Filosofia no Brasil, especialmente no Paraná, nos últimos anos, está perdendo espaço significativo na grade curricular e, por conseguinte, no processo de formação dos estudantes do Ensino Médio. A precarização do trabalho docente é percebida em vários níveis: na diminuição expressiva da carga horária na grade curricular; na contratação de professores em regime de Processo Seletivo Simplificado (temporário); na plataformização das atividades docentes; na política curricular que impõe um fazer pedagógico exercido por meio de RCO+Aulas e da observação das aulas in loco, retirando a autonomia da prática docente e causando, ao mesmo tempo, uma profunda precarização na carreira e o adoecimento dos educadores. Em suma, verificamos um total sequestro da autonomia intelectual docente.

A análise também evidencia que a concepção de Filosofia presente nos documentos oficiais é extremamente flexibilizada, singularizada, particularizada, distanciando-se da visão de totalidade e do compromisso com a transformação social, isto é, ela não mais aparece como disciplina com conteúdos específicos e método próprio, sendo visível certa fragmentação das teorias e categorias filosóficas - uma espécie de história da Filosofia solta e desarticulada do mundo real dos estudantes. O ensino de Filosofia, ao mesmo tempo que se distancia da leitura dos problemas que os filósofos realizaram em seu tempo, torna-se uma espécie de descrição positivista apenas de fatos, datas e características histórico-econômicas, afastando-se também dos problemas reais, desafios e angústias que afetam o cotidiano dos educandos.

Nesse contexto, percebemos claramente o esvaziamento da Filosofia como componente/disciplina curricular voltado à formação humana, uma vez que deixa de tocar justamente nas angústias que afetam a realidade dos adolescentes e jovens em processo de formação no Ensino Médio. Além disso, não contribui decisivamente na compreensão da realidade econômica, política e jurídica da sociedade capitalista. Por isso, compartilhamos da posição adotada por Tonet (2018, p. 126), segundo a qual a Filosofia não pode ficar reduzida a ecletismo e pluralismo metodológicos:

E contra todo o ecletismo e pluralismo metodológicos, que predominam, hoje, na Filosofia e nas Ciências Sociais, reafirmamos, com Gramsci (1978, p.186,187), ‘que [...] a filosofia da práxis basta a si mesma, contendo em si todos os elementos fundamentais para construir uma total integral concepção do mundo [...].’ Com isto, Gramsci não quer, de modo nenhum, afirmar que os marxistas detêm a verdade e todos os outros pensadores só dizem falsidades. Ele quer apenas enfatizar que Marx lançou os fundamentos de uma concepção radicalmente nova de mundo. Nada do que foi construído a partir desses fundamentos é verdadeiro simplesmente porque tem esses fundamentos como base. Sua verdade dependerá da correta tradução do processo real, historicamente verificado. Somente a prova ontoteórica e a prova ontoprática poderão demonstrar a verdade ou a falsidade de qualquer conhecimento.

Na esteira desse entendimento, defendemos um ensino de Filosofia que permita ao estudante problematizar, pensar, refletir e produzir conhecimentos, compreendendo a sua realidade e sua ação social no mundo. É importante que ele busque a verdade, sempre no sentido da totalidade da explicação do ser humano, pois, quando o aluno atua no mundo, não o faz abstratamente e, sim, por meio da ação e pensamento concretos, que exigem dele um “ser no mundo” em constante transformação.

Políticas educacionais no paraná: o que está acontecendo

A gestão educacional do governo Ratinho Junior (2019-atual) é marcada por uma perspectiva gerencial/empresarial, tendo à frente da Secretaria de Estado da Educação (SEED), entre 2019 e 2022, o empresário Renato Feder; em 2023, assumiu Roni Miranda, que manteve as políticas adotadas pelo seu antecessor, tendo ambos firmado acordos e parcerias com a Fundação Lemann (Paraná, 2019). Conforme afirma Tramontin (2023, p. 44, grifo nosso),

a função de representantes da concepção de gestão empresarial consensuada pelos Aparelhos Privados de Hegemonia Empresarial, com destaque para a Fundação Lemann que efetivou vários acordos com o governo do estado do Paraná atendendo ao Plano de governo (gestão 2019-2022) seguem a linha de reordenar e transformar o processo educativo, a educação pública, em mercadoria para atender aos interesses do capital, atuando sob a lógica mercadológica na área educacional.

De acordo com Rocha (2022), ao analisar a gestão democrática no estado do Paraná, o governo iniciado em 2019 transformou o papel dos gestores escolares, no sentido de fazer cumprir as tarefas e metas designadas pela política da SEED. Para tanto, os diretores e equipe pedagógica dos colégios da rede educacional do estado “passaram a utilizar uma ferramenta de gestão, baseada em BI (Business Intelligence ou Inteligência Empresarial), para acompanhar a evolução do estudo dos alunos, seu rendimento e frequência nas aulas” (Paraná, 2021a).

De modo geral, os gestores dos estabelecimentos de ensino devem vigiar as metas e funções exercidas pelos professores e estudantes por meio de programa de gestão, denominado Power BI, que coleta dados para controle. Outra medida auxiliar de monitoramento da prática pedagógica é a observação da sala de aula, que consiste em verificar in loco como as metas e tarefas designadas pela SEED são implementadas durante as aulas.

Conforme a Resolução nº 2.857/2021, é atribuição do diretor e diretor auxiliar a observação em sala de aula, devendo

[...] observar a sala de aula e documentar no instrumento de observação, com o propósito de apoiar o professor, quais são suas potencialidades e fragilidades, como está o clima da sala de aula e como este interfere na aprendizagem, bem como se os estudantes interagem com o professor, com o conhecimento e com os colegas (Paraná, 2021b).

A observação da sala de aula contribui para coleta de dados do Power BI, isto é, permite verificar se o material indicado e elaborado pela SEED está sendo bem executado, se as metodologias ativas estão sendo incorporadas e se as atividades (denominadas, nessa política educacional, “mão na massa”) estão sendo solicitadas pelos docentes. Trata-se, em última instância, de garantir que aquilo que foi planejado e disponibilizado pela mantenedora no RCO+Aulas, de fato, se efetive no processo de ensino e aprendizagem na sala de aula. Isso constatado, do ponto de vista profissional, é a prova definitiva do clima de vigilância do trabalho didático-pedagógico, uma das principais causas do adoecimento dos educadores.

De acordo com Osowski e Santarosa (2022), a observação da sala de aula se caracteriza como desrespeito ao docente. Em seu estudo, o relato de uma docente sobre essa prática revelou a gravidade dos acontecimentos: “[...] expondo o objetivo da aula, [...] Mas, de repente, foi interrompida com a porta da sala se abrindo sem que ninguém tivesse batido. Entraram, sem pedir licença, a tutora e o diretor” (Osowski; Santarosa, 2022, p. 119-120).

Ainda, Osowski e Santarosa (2022) indicam que, devido ao medo de punição, os docentes veem sua ação pedagógica, ao cumprir o estabelecido pela mantenedora, dissociada da realidade escolar e da vida cotidiana. Isso evidencia o modus operandi da política educacional desse governo, que coopta a liberdade de cátedra ao impor que as aulas sejam realizadas de acordo com o conteúdo programado nos slides, com atividades e plataformas propostas pela mantenedora via RCO+Aulas.

Considerando os elementos anteriormente descritos, podemos avançar para o papel da gestão escolar no governo de 2019 até os dias atuais. A respeito, a análise de Tramontin (2023) mostra que a educação no estado do Paraná nesse período segue uma perspectiva mercadológica e ultraliberal, visando a alcançar números em avaliações de larga escala. A cobrança e o foco são ferramentas para demonstrar números elevados de acesso por estudantes e professores a plataformas como: “EduTech, Inglês Paraná, Matific, Redação Paraná, Leia Paraná, Robótica Paraná, Khan Academy e Quizizz. [...]. O que importa é o que está nas plataformas e não o que realmente foi apreendido pelo aluno” (Schroh; Longhi, 2023, p. 6, grifo nosso).

De acordo com material divulgado por Basilio (2023), constatamos que houve o investimento em “17 contratos via Portal da Transparência com cifras que beiram os 130 milhões”. Considerando o dinheiro público investido, é preciso fazer uma avaliação pedagógica, para além dos discursos do governo. Nesse sentido, certamente, a pressão que o professor sofre para utilizar as plataformas tem mais a ver com o investimento do que com aspectos pedagógicos, uma vez que a realidade educacional do estudante não é levada em conta no planejamento plataformizado. Uma evidência disso é trazida por Basilio (2023), ao afirmar que “quase 96% reconhecem que há uma cobrança por resultados e metas em relação às plataformas, ainda que de maneira parcial; 43% ainda relatam, mesmo que às vezes, situações de assédio moral e abuso de autoridade em relação ao uso”. Essa constatação nos leva a questionar se as plataformas estão mesmo a serviço da qualidade do ensino e aprendizagem, como vem sendo reiteradamente afirmado nos eventos e cursos promovidos pela SEED.

Trata-se de algo muito grave que vem ocorrendo com as políticas curriculares no Paraná, visto que a implementação de plataformas é feita sem nenhum debate prévio com os docentes, entidades de classe, universidades e faculdades de educação ou setores da sociedade civil responsáveis pela formação inicial e continuada dos professores. Disso, concluímos que a educação, a partir, principalmente, da gestão de 2019, está alinhada para atender à demanda de mercado, em detrimento da compreensão do cotidiano, do mundo da vida e de uma formação cultural mais ampla e cidadã.

Para ilustrar o impacto da gestão educacional no estado paranaense no governo de Ratinho Junior na formação dos estudantes, podemos analisar a Instrução Normativa Conjunta nº 011/2020 (Paraná, 2020), que determinou supressão de 50% da carga horária das disciplinas Arte, Filosofia e Sociologia na grade curricular do Ensino Médio, para a inclusão da disciplina Educação Financeira e acréscimos de uma hora-aula para Português e Matemática.

A reforma do Ensino Médio configurou-se como uma de suas primeiras medidas, como afirmam Silva e Araújo (2021, p. 7):

A diminuição da carga horária de disciplinas, sobretudo Filosofia e Sociologia, e a inclusão de temas como empreendedorismo, educação financeira e projeto de vida, além da realização de parcerias com fundações e associações do terceiro setor como Instituto Unibanco, Instituto de Corresponsabilidade pela Educação e Instituto Ayrton Senna.

Em consonância com a diminuição do tempo pedagógico para aulas de Filosofia, temos a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no estado do Paraná, que ocorreu a partir da Instrução Normativa Conjunta nº 008/2021 (Paraná, 2021c). Pela matriz decorrente dessa normativa, o estudante deve optar por um itinerário formativo (Paraná, 2021d), sendo-lhe apresentadas três opções: Matemática e Ciências da Natureza; Linguagens e Ciências Humanas; e Educação Técnica Profissional. A decisão estudantil ocorre no fim do 1º ano, sendo que, nos itinerários de Matemática e Ciências da Natureza e de Educação Técnica Profissional, as aulas de Filosofia somente serão ofertadas no 1º ano, com carga horária de duas aulas semanais. Isso representa também o término do contato com esse componente curricular.

Sobre os conteúdos do RCO+Aulas, eles devem “corresponder às demandas do quizziz (plataforma de pergunta e resposta que o professor deve postar a cada aula dada para que o aluno responda, pesquisando a resposta ou não e que vai compor 30% de sua nota no bimestre ou trimestre” (Schroh; Longhi, 2023, p. 6), o que implica questionar sobre a liberdade de cátedra nessa política ultraliberal em vigor. Na prática, a organização pedagógica é apresentada no livro de registro de classe on-line (RCO+Aulas), com planejamento das aulas pronto, slides, exercícios e uma atividade de quiz, que o estudante deve realizar e o docente, implementar.

Antes da implementação da BNCC no estado do Paraná, o componente Filosofia contava com seis conteúdos estruturantes presentes nas Diretrizes Curriculares Orientadoras do Estado do Paraná: mito e Filosofia, teoria do conhecimento, ética, Filosofia política, Filosofia da ciência e estética (Paraná, 2008). Havia um quadro de conteúdos básicos para orientar a aprendizagem do estudante, a partir do qual o docente definia o conteúdo específico e elaborava seu planejamento, considerando a realidade local e indagações filosóficas que colaborassem para pensar a vida cotidiana dos educandos.

Para entender e confrontar essas duas realidades, vejamos o relato de Schroh e Longhi (2023, p. 5):

Registro de Classe Online, onde os professores fazem a chamada e registram os conteúdos da aula. Estes conteúdos já estão prontos na plataforma do RCO, basta o educador ligar os equipamentos e ‘passar’ as aulas, muitas vezes, sem precisar prepará-las e buscar um aprofundamento sobre o tema. Nós não sabemos quem fez estes conteúdos e qual os objetivos dos mesmos. Assim em tempo real a frequência vai direto para o Power BI onde semanalmente o SEED e os NRE (Núcleos Regionais de Educação) conferem as porcentagens e fazem a devida cobrança das direções escolares que não alcançaram 95% de frequência dos alunos.

Na realidade educacional vigente da SEED, o componente curricular é pensado de forma centralizada e uniforme para todas as escolas do estado, desconsiderando suas particularidades. Isso ocorre também no planejamento, na definição de conteúdos, nos slides organizados para cada aula e nos exercícios a ser implementados pelo docente (RCO+Aulas), além do controle exercido pelo gestor do estabelecimento via ferramentas de gestão e política de observação de sala de aula.

Se a escolha do estudante for pelo itinerário formativo Linguagens e Ciências Humanas, no 1º ano, terá o componente curricular Filosofia e, no 2º ano, será ofertado o componente curricular Liderança e Ética. Segundo a perspectiva de abordagem da SEED, na trilha de Liderança e Ética (Paraná, 2023), o percurso temático apresenta como princípios: o que é líder, comunicação e liderança e os desafios da atualidade. Seu desdobramento no RCO+Aulas define como conteúdos, por exemplo, no primeiro trimestre: aula - princípios da visão pessoal; aula - proatividade: linguagem reativa e linguagem proativa; aula - proatividade, círculo de influência e conta bancária de relacionamentos.

O componente Liderança e Ética possui uma concepção mercadológica, substituindo um conteúdo filosófico. No RCO+Aulas, apresenta-se como Filosofia I, porém, no Caderno de itinerários formativos: ementa das unidades curriculares ofertadas, o componente consta como Liderança e Ética. Outro aspecto é a definição de quem deve ministrar essas aulas, pois, de acordo com as instruções de distribuição de aula, ela fica a critério do gestor do estabelecimento.

Por fim, no 3º ano do Novo Ensino Médio (NEM), o estudante não tem nenhuma aula do componente Filosofia. Assim, afirmamos que o tempo pedagógico é insuficiente, pois o componente somente é contemplado no 1º ano e, no 2º, ocorre de forma parcial e prejudicada pelos conteúdos propostos pela mantenedora.

Portanto, a implantação do NEM, oriunda da Lei nº 13.415/2017, no Paraná, tem afetado a liberdade de cátedra do docente de Filosofia, as condições de trabalho e o tempo dedicado para a mediação didática, com ausência da realidade local no planejamento, ou seja, a vida cotidiana dos estudantes não é contemplada na seleção de conteúdos específicos, reafirmando, assim, uma concepção pragmática e utilitarista para atender ao mercado.

Em defesa da filosofia: resistências e os desafios em curso

Os movimentos sociais, sindicais e estudantis, com a implementação no NEM, começam a perceber de maneira intensa a necessidade de uma ação enérgica contra a redução das aulas de Filosofia, Sociologia e Arte, o que implica uma posição contrária à reforma do Ensino Médio, definida pela Lei nº 13.415/2017.

A comunidade acadêmica - o corpo de pesquisadores que realizam pesquisas na ciência e educação e nas ciências humanas ligadas ao processo de ensino-aprendizagem - já apresentou estudos que demonstram os limites e a necessidade de enfrentar os desafios do NEM desde o início de sua aprovação. Nesse sentido, a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope, 2018), instituição que congrega pesquisadores e movimentos sindicais e sociais ligados à educação, aprovou um manifesto no qual propõe:

1. Apoio integral aos manifestos publicados pelas entidades organizativas, acadêmico-científicos e políticas que se posicionaram criticamente com relação à reforma do ensino médio, à BNCC e implicações destas sobre a formação inicial e continuada de professores. Dentre as entidades apoiadas estão: CNTE, ANDES, ANPEd, ANPAE, ABDc, CEDES, ANFOPE, FORUMDIR, FINEDUCA, ABRAPEC, SbenBio, ANPOCS, ANPUH, Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio. Quanto às razões para tal apoio, destacamos as críticas dessas entidades aos seguintes aspectos: a separação do currículo do ensino médio em dois blocos distintos, um deles composto por cinco itinerários formativos dos quais o estudante terá acesso a apenas um, o que implica na negação do direito a uma formação básica comum e resulta no reforço das desigualdades de oportunidades educacionais, já que serão as redes de ensino a decidir quais itinerários poderão ser cursados; o reconhecimento de ‘notório saber’ com a permissão de que professores sem formação específica assumam disciplinas para as quais não foram preparados, haja vista que tal medida institucionaliza a precarização da docência e compromete a qualidade do ensino; o incentivo à ampliação da jornada (tempo integral) sem que se assegure investimentos de forma permanente resultará em oferta ainda mais precária, aumentará a evasão escolar e comprometerá o acesso de quase 2 milhões de jovens de 15 a 17 anos que estão fora da escola ou que trabalham e estudam; a profissionalização como uma das opções formativas resultará em uma forma indiscriminada e igualmente precária de formação técnico-profissional acentuada pela privatização por meio de parcerias; a retirada da obrigatoriedade de disciplinas como Filosofia, Sociologia, Artes e Educação Física é mais um aspecto da sonegação do direito ao conhecimento e compromete uma formação que deveria ser integral - científica, ética e estética, formação sob ameaça também pelo que propõe a BNCC do ensino médio que confere ênfase somente aos estudos de Língua Portuguesa e Matemática.

2. Pela revogação da reforma do ensino médio e não aprovação da BNCC do ensino médio.

Ficam explícitos no manifesto: o pedido pela revogação da reforma do Ensino Médio, a não aprovação da BNCC no Ensino Médio, a contrariedade em relação à redução das aulas de Sociologia, Filosofia e Arte, bem como a constatação de que a reforma do Ensino Médio gera o acirramento das desigualdades sociais e a fragmentação do currículo, em que se perde a visão de totalidade do agir numa concepção integral de mundo, pois o indivíduo, para compreender a realidade do mundo, precisa de um saber integral que possibilite compreender as singularidades dos saberes que estão articulados dentro de uma totalidade social. Nesse manifesto, também se constata e se registra a precariedade da formação técnica dos estudantes (Anfope, 2018).

Também no Paraná, os principais grupos de pesquisa denunciam a devastação na educação que as mudanças na reforma do Ensino Médio ocasionaram nas escolas e no processo de ensino-aprendizagem dos estudantes, afastando a possibilidade de compreender a realidade a contento, impedindo, assim, sua ação no mundo como sujeitos históricos. Nesse sentido, destacamos o posicionamento do Coletivo de Humanidades, do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Ensino de Filosofia da Universidade Federal do Paraná (NESEF/UFPR) e do Observatório do Ensino Médio:

O Coletivo Humanidades, o NESEF-UFPR e o Observatório do ensino médio lançam um manifesto em conjunto, denunciando as contradições e falhas da reforma do ensino médio, que será implementada nas escolas. A reforma chega às escolas paranaenses através da Minuta de Diretrizes Curriculares Complementares do Ensino Médio no Paraná. As entidades, compostas por professores, pesquisadores, estudantes e especialistas em ensino, denunciam a devastação que as mudanças gerarão na vida dos estudantes e educadores (Mello, 2021).

O manifesto estabelece uma crítica ao teor da proposta de reforma do Ensino Médio em si, destacando as principais contradições presentes no texto da lei (em relação à redução da carga horária de formação básica de 2.400 para até 1.800, à priorização das disciplinas Língua Portuguesa, Matemática e Inglês, à precarização da formação técnica e profissional, à precarização do trabalho docente etc.). Da mesma forma, destaca alguns questionamentos, críticas e falácias presentes na minuta das Diretrizes Curriculares Complementares do Ensino Médio, que acompanha o Referencial Curricular para o Ensino Médio do Paraná e foi disponibilizada em junho de 2021 para consulta (falso discurso sobre protagonismo estudantil; discurso falacioso de gestão democrática; elaboração de uma matriz curricular, para 2021, que não respeitou as especificidades regionais e locais ao fazer uma padronização sem dialogar nem respeitar as especificidades étnicas, raciais, culturais e sociais da comunidade escolar local - educação do campo, educação escolar quilombola, educação escolar indígena, educação dos ilhéus, escolas bilíngues para surdos; precarização do trabalho de Arte, Filosofia e Sociologia, com a redução da carga horária de duas para uma hora-aula semanal).

Ainda, o manifesto estabelece algumas refutações e tensionamentos quanto à estrutura curricular e ao modelo de gestão escolar propostos pela minuta, em razão da implementação da BNCC (posicionamento contrário à divisão do currículo do Ensino Médio entre formação básica comum e itinerários formativos; manifestação contrária à modalidade a distância para a educação básica; necessidade de definir, com clareza, a responsabilidade pela contratação de professores licenciados ou de profissionais de acordo com o notório saber; repúdio à forma antidemocrática como a reforma do Ensino Médio foi conduzida e realizada sem a participação efetiva da comunidade escolar).

Por sua vez, os grupos de pesquisa e professores dos cursos de pós-graduação, de universidades públicas federais, estaduais e particulares denunciaram e apresentaram para o conjunto da sociedade os riscos e problemas da reforma do Ensino Médio para a educação paranaense. No entanto, não foram ouvidos pelos gestores nacionais e estaduais que tinham a incumbência de implementar e realizar a gestão da educação no Brasil e no Paraná. Nessa esteira, o grupo de estudos NESEF/UFPR se posicionou com veemência pela defesa do ensino de Filosofia, principalmente quanto à necessidade de preservar o método e o objeto de estudo de uma disciplina que possui mais de 2.500 anos de produção de conhecimento nas mais diversas áreas e cujo cabedal de categorias, autores, metodologias e reflexões não pode ser reduzido a meras práticas e estudos sem o arcabouço da área do conhecimento, chamada, definida e delimitada como Filosofia:

A utilização de termos ‘estudos e práticas’ não deixa claro se há carga horária específica disponível aos professores que atualmente trabalham os ‘estudos em práticas’ em disciplinas. Não se consideram incertezas geradas aos docentes, que estão diante da perda de sua jornada de trabalho se ‘estudos e práticas’ corresponderem à não obrigatoriedade dos estabelecimentos de ensino ofertarem carga horária específica (Horn; Machado, 2022).

Compreendemos que a Filosofia possui um fazer, pensar, refletir e produzir conhecimentos que são específicos da sua área e já contribuíram para o surgimento de muitas outras áreas e ciências específicas. Logo, não pode estar reduzida à prática e estudos, como se fosse possível qualquer profissional ou professor de outra licenciatura realizar práticas e estudos de Filosofia, sendo isso considerado aula desse componente no Ensino Médio da escola da educação básica. Por isso, enfatizamos a necessidade das categorias fundamentais da Filosofia quanto à área do conhecimento, tais como: categoria de totalidade, visão integral do mundo, percepção das contradições do cotidiano e da realidade, leitura e compreensão da realidade, ser social no mundo. Defendemos a Filosofia como disciplina pela qual se torna possível entender o processo, conflito e toda a dimensão da luta de classes no seio da sociedade capitalista em que vivemos.

Ainda nesse contexto, destacamos a percepção dos estudantes numa das faixas presentes na manifestação estudantil do dia 15 de março de 2023, em Curitiba, em que estava escrito: “O Novo Ensino Médio nos levará para a velha sociedade”, conforme é possível visualizar em publicação no site do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Paraná (APP Sindicato, 2023). O conteúdo do cartaz segurado pela jovem traduz de forma inequívoca uma das principais armadilhas escondidas nas mudanças propostas pelo NEM: em vez de avanço, retrocesso. O movimento estudantil, tanto secundarista quanto superior, está percebendo a fragilidade da reforma do Ensino Médio e o prejuízo que está gerando com a diminuição das aulas de Filosofia. Assim, o movimento estudantil tem se mobilizado para combater esse processo de precarização da educação pública, que tenta afastá-los das posições de direção política, ética e técnica da sociedade. Na visão deles, trata-se de refutar a reforma do Ensino Médio, após terem constatado que foram manipulados, enganados, uma vez que essa reforma aumentará as desigualdades sociais, tendo em vista que os alunos das escolas particulares terão carga horária de educação geral mais consolidada, enquanto os da escola pública ficarão presos a conteúdos simplistas, espontaneístas, fragmentados e precarizados.

Outra manifestação forte que ilustra bem a indignação dos estudantes do Ensino Médio encontra-se numa entrevista concedida à Rádio Cultura AM 930 pela representante da União Paranaense dos Estudantes Secundaristas, Mariana Chagas. Ela fala sobre o sucesso do ato realizado no dia 15 de março de 2023, convocado pelos estudantes, representações e professores, instituições sindicais de organização dos professores, bem como grupos de pesquisadores e representantes da sociedade. Sobre o ato, afirmou:

Nosso ato foi bom, talvez maior que o ato do Rio de Janeiro e sabe se lá, se for maior do que o ato de São Paulo, então a gente conseguiu uma mobilização grande, nacionalmente, tanto dentro das escolas como indo para as ruas gritando, né, pela revogação do ensino médio a gente conseguiu com que os estudantes levassem seus cartazes, com que os grêmios, fizessem suas falas, representando a realidade dos colégios. E atingiu os trabalhadores e os trabalhadores na rua, né, poder falar efetivamente com a população e fazer com que o movimento fosse demais, massa novamente (Rádio Cultura de Curitiba, 2023).

De acordo com Mariana, a sociedade começa a se mobilizar contra a reforma do Ensino Médio, pois os estudantes e trabalhadores estão percebendo o que os pesquisadores e movimentos sociais organizados já vinham relatando: essa reforma não foi realizada a partir dos interesses dos envolvidos diretamente, isto é, daqueles que estão no cotidiano do processo de ensino e aprendizagem da escola. Os próprios estudantes percebem e falam sobre os interesses econômicos de bancos de empresas ligadas ao setor de serviços que querem interferir na educação, sobre a possibilidade de melhorar a produção de ciência e tecnologia nas mais diversas ciências, bem como da Arte e da Filosofia:

Para que as pessoas entendessem o porquê que a gente tá pedindo a Revogação do Novo Ensino Médio [...] É o processo da implementação no ensino médio ele é uma luta né gigante que a gente faz contra, desde 2015/2016 2014 quando começaram a construir, o projeto ficou implementado no governo Temer, né, e a gente como Movimento de Educação sempre foi contra, né, porque foi um projeto construído lá pelos empresários, pela galera que é ligado com um Bancos Nacionais, Banco Mundial e que a construção desse projeto não foi feita a partir dos Fórum de construção, né, a partir dos fóruns nacionais de educação a partir do GT de construção que pega (Rádio Cultura de Curitiba, 2023).

Conforme essa fala, os estudantes evidenciam a necessidade da construção de uma proposta de Ensino Médio em que estejam presentes os interesses deles e dos professores, bem como do conjunto da sociedade, o que deve ser feito por meio de grupos de trabalho.

Consultas públicas vêm sendo utilizadas como mecanismo de legitimação das políticas públicas da educação desde 2015, no Conselho Nacional de Educação, no Ministério da Educação, na SEED e no Conselho Estadual de Educação do Estado do Paraná. Esse procedimento consiste em colocar algumas questões para que os estudantes e a comunidade possam votar se são favoráveis ou contrários a determinada proposta, com perguntas direcionadas e bem definidas. Devido à baixa quantidade de pessoas respondendo às chamadas de consultas públicas, houve um mutirão nos Núcleos de Educação e na SEED para pressionar diretores e equipe diretiva e pedagógica das escolas para aumentar a quantidade de participação de estudantes, tendo um resultado mais satisfatório, com número maior de participações.

Os alunos compreenderam perfeitamente na sua vida cotidiana, no seu ser social, as contradições do NEM, bem como as suas fragilidades. Conforme reafirmou Mariana Chagas em sua entrevista,

a nossa ira a nossa revolta é porque nós queremos o ensino médio que nos prepare para o Enem que prepare para o vestibular o ensino médio que nos prepare para vida que seja realmente transformador foi prometido aí itinerários de humanas e itinerárias de exatas e essa não é a realidade que a gente recebe né tanto pela falta de professores para atingir todas essas áreas (Rádio Cultura de Curitiba, 2023).

Fica evidente o interesse dos estudantes, principalmente da escola pública, em realizar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), como critério fundamental do processo de entrada na universidade particular pelo Programa Universidade para Todos (Prouni) ou Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) e na universidade pública via Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Ainda, é latente na fala deles a afirmação de que foram enganados pelas propagandas governamentais do Ministério da Educação nos idos de 2016 a 2022, quando se repetia muitas vezes durante o dia, nos principais meios de comunicação social, TV, rádio, jornais e redes sociais, a ideia de que o estudante escolheria o que mais gosta para poder estudar.

A análise expressa nessa entrevista é semelhante às falas e análises que estão aparecendo nos mais diversos movimentos estudantis do Brasil, bem como nas falas e escritas dos alunos nas salas de aula do Paraná e de outros estados da federação, revelando a inconsistência e a precariedade da política pública implantada pela reforma do Ensino Médio. Elas revelam o sentimento de impotência, de frustração, de revolta, mas, ao mesmo tempo, manifestam as suas ações na sua capacidade de mobilização, a vontade de transformação da educação brasileira para que atenda de fato à possibilidade de dar sequência nos estudos e de uma formação adequada ao mundo do trabalho, como prevê o art. 205 da Constituição Federal.

Assim como os estudantes, o APP Sindicato, que representa o conjunto dos professores estaduais do Ensino Médio, assim como o conjunto de funcionários e trabalhadores da educação lotados nas escolas do estado, publicou, manifestou-se e tem se manifestado contra o NEM. Nesse sentido, fez uma publicação na sua página oficial, destacando a imagem dos estudantes sobre o enfraquecimento do processo de ensino-aprendizagem nas Ciências Humanas. Também comentou sobre uma nota de repúdio do Departamento de Ciências Humanas da UFPR que trata da reforma do Ensino Médio, argumentando que essa reforma levará ao aumento das desigualdades sociais, uma vez que os educandos das escolas particulares (mais elitizadas) continuarão tendo acesso a conteúdos das áreas do conhecimento, com a parte diversificada entrando mais nos contraturnos escolares, não prejudicando a formação geral necessária para seguir para os estudos na universidade ou para o mundo do trabalho.

Conforme a publicação do APP Sindicato (2023),

o NEM terá como consequência o agravamento das desigualdades de acesso à educação de qualidade e a perdurar este cenário catastrófico [...], a qualidade da formação escolar dos nossos jovens estará irreversivelmente comprometida. ‘É urgente, portanto, revisar os graves equívocos teóricos e pedagógicos inerentes a BNCC e revogar imediatamente o Novo Ensino Médio. Para o bem da relevância e da qualidade da educação proporcionada aos jovens do ensino médio; para o bem da luta pela diminuição das desigualdades; para o bem do sistema educacional brasileiro, cujos os parâmetros normativos não podem aviltar as melhores reflexões pedagógicas e os principais agentes educacionais’, concluir a moção.

No decorrer desta pesquisa, ocorreu - e continua ocorrendo - um intenso movimento, principalmente no Paraná, pela revogação da reforma do Ensino Médio - movimento #RevogaNEM. Ao mesmo tempo, fundações e grupos empresariais comerciais e financeiros estão articulados em defesa dessa reforma, uma vez que lhes garante seus negócios ligados à área de serviços e vendas de materiais didáticos e de plataformas para a rede de ensino em todo o território nacional.

O movimento pela revogação da Lei nº 13.415/2017 no Paraná tem, desde março de 2023, se manifestado mais intensamente, tanto nas ruas quanto nos espaços escolares, sindicais, estudantis, grupos de pesquisa em educação, nas universidades públicas e em ambientes acadêmicos e científicos, por meio de atos públicos, manifestos, abaixo-assinados e panfletagens. Essas manifestações coletivas, em todo o país, obrigaram o Ministério da Educação a apresentar um projeto de lei, mas ele, além de insuficiente, mantém a lógica dos interesses das fundações, empresas e bancos privados, que, desde 2017, patrocinam o NEM.

De acordo com o entendimento do Comitê pela Revogação do Ensino Médio,

[...] houve um recuo parcial do MEC ao propor em PL recompor a carga horaria perdida das disciplinas da Formação Geral Básica pelo NEM, ao propor aumentar de 1800 horas para, no mínimo, 2400 horas no ensino médio regular. Porém, não existe garantia que todas as disciplinas da Formação Geral Básica voltem a carga horária anterior perdida, podendo existir ‘hierarquias disciplinares’, deixando a cargo dos sistemas de ensino estaduais. [...] O PL do MEC mantém e aprofunda as relações com o setor privado na formulação do currículo ao citar que a oferta dos percursos será feita em articulação com secretarias estaduais de educação e instituições credenciadas preferencialmente públicas para a produção dos itinerários (Comitê..., 2023).

O comitê afirma também que o projeto de lei mantém o equívoco do fatiamento do currículo (cada escola deve oferecer no mínimo dois itinerários), na medida em que quebra o princípio da formação integral, apenas mudando o nome de itinerários para “percursos”. Essa é uma pauta defendida pelo setor privado, principalmente em razão da indústria da produção de materiais para os componentes curriculares, revelando a estreita ligação do Ministério da Educação com o setor privado. Nessa direção, um exemplo mencionado é o acordo do ministério com a Fundação Lemann, que criou o programa de rede de internet nas escolas, com inclusão da recém-criada ONG MegaEdu (ligada ao Ministério das Comunicações), para gerenciar R$ 6,6 bilhões.

Considerações finais

Na gestão ultraliberal do governo Ratinho Junior, foi implementada a Instrução Normativa Conjunta nº 011/2020, que reduziu a carga horária das aulas de Filosofia no estado do Paraná, assim como uma nova estrutura curricular, proposta a partir da Lei nº 13.415/2017, dificultando tanto o trabalho pedagógico com a Filosofia quanto a formação humanitária, cidadã e de diversidade cultural, linguística e social das pessoas envolvidas no processo de ensino e aprendizagem.

A recente gestão educacional de Renato Feder e a atual de Roni Miranda na SEED se caracterizam por práticas gerenciais, com clara orientação para o mercado, em detrimento da formação cidadã e humanitária dos estudantes. Como consequência, as políticas educacionais adotadas impedem o ensino e a aprendizagem filosófica e a compreensão dos elementos presentes na vida cotidiana. Ademais, as políticas educacionais ultraliberais implementadas no Paraná nos últimos anos criaram um programa de formação em serviço, chamado Formadores em Ação, consistindo em um espaço em que os professores são submetidos à lógica de utilização de metodologias ativas e esvaziamento epistemológico e metodológico dos componentes curriculares.

A implantação do NEM no estado manifesta, na grade curricular, a supressão do componente curricular Filosofia no 3º ano do Ensino Médio e sua oferta foi alterada epistemológica e metodologicamente no 2º ano, sendo facultativa, a depender do itinerário formativo escolhido pelo estudante - somente quem escolhe os itinerários Ciências Humanas e suas Tecnologias e Linguagens e suas Tecnologias tem acesso à disciplina Ética e Liderança, o que descaracteriza o ensino da Filosofia. Embora o programa de formação de professores1 se apresente como um requisito para o educador assumir as aulas desse itinerário, predomina a vontade subjetiva dos diretores, com o argumento de que é necessário identificar o perfil do professor, que não necessariamente precisa ser licenciado em Filosofia, conforme consta na resolução sobre distribuição de aulas (Paraná, 2022).

Diante do exposto, constatamos que o componente curricular Filosofia na organização do NEM no estado do Paraná não cumpre seu papel na formação cultural e científica dos estudantes, além de prejudicar sobremaneira a prática docente e, ao mesmo tempo, esvaziar os conteúdos basilares da Filosofia, daí a necessidade de uma luta permanente para garantir duas aulas semanais em todos os anos do Ensino Médio, considerando a organização das Diretrizes Curriculares de Filosofia (Paraná, 2008).

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Recebido: 07 de Novembro de 2023; Aceito: 23 de Novembro de 2023

Editoras: Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista e Profa. Dra. Marcia Fusaro Editores Convidados - Dossiê 67: Prof. Dr. Antônio Joaquim Severino; Profa. Dra. Cleide Rita Silvério de Almeida e Profa. Dra. Elaine Teresinha Dal Mas Dias

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