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Childhood & Philosophy

versión impresa ISSN 2525-5061versión On-line ISSN 1984-5987

child.philo vol.19  Rio de Janeiro ene./dic. 2023  Epub 15-Mayo-2023

https://doi.org/10.12957/childphilo.2023.73888 

Artigos

Cidadania e comunidade no contexto democrático ocidental: análise filosófico-educacional1

Ciudadanía y comunidad en el contexto democrático occidental: análisis filosófico-educacional

Citizenship and community in the western democratic context: philosophical-educational analysis

Bruno Fonseca OrtegaI  2
http://orcid.org/0000-0003-4109-7649

Roberto Franzini TibaldeoII  3
http://orcid.org/0000-0001-9836-0546

IPontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, Brasil - E-mail: bruno.ortegaaa@gmail.com

IIPontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, Brasil - E-mail: roberto.tibaldeo@pucpr.br


resumo

Este trabalho traz uma análise filosófica acerca da condição atual da educação cívica nas democracias ocidentais, de forma a explorar a problemática do dualismo entre o individualismo extremo e o comunitarismo fechado, que mexeu com as modalidades relacionais e os estilos de vidas específicos que caracterizam a pluralidade humana. Assim, a intenção deste artigo é compreender como a formação do cidadão por meio do suporte da prática da filosofia pode cultivar uma comunidade dialógica, aberta e pluralista capaz de enfrentar de maneira mais consciente e eficaz essa dualidade existente. Para este propósito foi feita uma análise crítica e sistemática de obras e artigos que, ao abordar a questão da relação entre indivíduo e comunidade, pretende ir para além desse dualismo problemático. Dentre os principais resultados está que a Filosofia para Crianças (Philosophy for Children, P4C), de Lipman e Sharp, colabora no desenvolvimento de cidadãos competentes em dialogar e encontrar saídas criativas e éticas, nas diversas circunstâncias do cotidiano. Além disso, ao empoderar cada cidadão, a P4C contribui para o desenvolvimento de comunidades solidárias, plurais, abertas, autocorretivas e engajadas na busca rigorosa do bem comum. Portanto, concluiu-se que práticas filosóficas comunitárias, como a P4C, conseguem contribuir para a educação cívica e a formação de cidadãos responsáveis, oferecendo um possível paradigma para desenvolver o eixo humanístico do indivíduo e a abertura à diversidade.

palavras-chave: práticas filosóficas comunitárias; philosophy for children (P4C); educação cívica; comunidade; responsabilidade.

abstract

This paper endeavors to carry out a philosophical analysis of the current state of civic education in Western democracies, in order to deal with the problematic dualism between extreme individualism and endogamic communitarianism, which alters the relational modalities and specific lifestyles that characterize human plurality. As such, the intention of this article is to understand how the formation of citizens supported by the practice of philosophy can cultivate a dialogical, open, and pluralistic community capable of facing this duality. For this purpose, we carried out a systematic and critical analysis of books and articles that, in dealing with the relationship between the individual and the community, aim to overcome the above-mentioned problematic dualism. Among the results of this study, we found that Matthew Lipman and Ann Sharp’s Philosophy for Children (P4C) program contributes significantly to the empowerment of citizens, and supports the development of their ability to engage in dialogue in search of creative and ethical solutions in the diverse circumstances of daily life. Moreover, P4C contributes to the achievement of communities characterised by solidarity, plurality, openness, and self-correction, and which are oriented toward the rigorous search for the common good. Therefore, we conclude that community-based philosophical practices such as P4C can contribute to civic education and the formation of responsible citizens, offering a possible paradigm to develop the humanistic axis of the individual and promote openness to diversity.

keywords: community-based philosophical practices; philosophy for children (P4C); civic education; community; responsibility.

resumen

Este trabajo ofrece un análisis filosófico sobre la condición actual de la educación cívica en las democracias occidentales, con el fin de explorar la problemática del dualismo entre el individualismo extremo y el comunitarismo cerrado, que se mezcló con las modalidades relacionales y los estilos de vida específicos que caracterizan la pluralidad humana. Así, la intención de este artículo es comprender cómo la formación del ciudadano a través del apoyo de la práctica de la filosofía puede cultivar una comunidad dialógica, abierta y pluralista capaz de afrontar de manera más consciente y eficaz esta dualidad existente. Para ello, se realizó un análisis crítico y sistemático de obras y artículos que, al abordar la cuestión de la relación entre individuo y comunidad, pretenden ir más allá de ese dualismo problemático. Entre los principales resultados se halla que la Filosofía para Niños (Philosophy for Children, P4C), de Lipman y Sharp, colabora en el desarrollo de ciudadanos competentes para dialogar y encontrar soluciones creativas y éticas en las diversas circunstancias de la vida cotidiana. Además, al empoderar a cada ciudadano, la P4C contribuye al desarrollo de comunidades solidarias, plurales, abiertas, autocorrectivas y comprometidas en la búsqueda rigurosa del bien común. Por lo tanto, se concluyó que las prácticas filosóficas comunitarias, como la P4C, son capaces de contribuir a la educación cívica y a la formación de ciudadanos responsables, ofreciendo un posible paradigma para desarrollar el eje humanista del individuo y la apertura a la diversidad.

palabras clave: prácticas filosóficas comunitarias; philosophy for children (P4C); educación cívica; comunidad; responsabilidad.

cidadania e comunidade no contexto democrático ocidental: análise filosófico-educacional

1. introdução

Este artigo apresenta como principal finalidade elaborar uma análise filosófica acerca da condição da educação cívica nas democracias atuais, em que há uma grande influência de aspectos democráticos liberais e de uma forte globalização, que permitiu o avanço de um contexto multicultural. Perante esse cenário se acentuaram vários problemas que mexeram com a estrutura das comunidades locais, ou seja, com as modalidades relacionais e os estilos de vida específicos que caracterizam a pluralidade humana.

Dentre eles serão ressaltados apenas três. O primeiro é a circunstância implantada de uma educação conectada com a condição de “aprendizagem”, ou seja, ao desempenho individual, à resolução de problemas técnicos e às necessidades subjetivas que instigam um ambiente escolar competitivo e individualista que mira somente os resultados e não a formação humana em sentido pleno. Isso acaba refletindo-se em um comportamento social alienado ou em uma base para a configuração de uma comunidade estética ou carnavalesca sem compromisso algum com o futuro (Bauman, 2003; Biesta, 2010, 2013; Bleazby, 2006, 2013).

O segundo é a reação diante das atuais tendências globais e a tentação social do fechamento em comunidades homogêneas que menosprezam as diversidades, colocando-as em uma circunstância de exclusão social não apenas por serem indivíduos que não compartilham de uma mesma localização temporal e espacial imediata, mas também por não possuírem os mesmos valores e ideias que os “cidadãos comuns”. Assim, deve-se questionar a relativa tendência educacional informal que forma pessoas intolerantes, que não permitem mudanças para indivíduos de outras culturas participarem politicamente dentro do mesmo âmbito, de forma a ter os mesmos direitos que os naturalizados possuem (Bauman, 2003; Hung, 2012; Waldenfels, 2011).

Por fim, o terceiro e último problema é o estado de opressão incentivado pelo mercado e realizado pelas instituições de ensino, os quais rebaixam os seres humanos à condição de objetos, tirando a capacidade destes de desenvolverem uma atenção cuidadosa pelo outro e uma consciência crítica. A consequência é que as pessoas não são capacitadas para se tornarem protagonistas de suas realidades, de modo a identificarem-nas como possibilidade e não como algo já determinado ou fixo; e acabam não aprendendo o que significa agir em coletivo em nome de uma palavra libertadora, equilibrando as circunstâncias de um convívio coletivo (Freire, 2020; Nussbaum, 2017).

Desse modo, nota-se que todos esses entraves acabam por prejudicar a capacitação dos futuros cidadãos de se formarem como cidadãos responsáveis e autônomos em poder assegurar a preservação do convívio humano e do mundo diante dos desafios presentes na atualidade.

É a partir desta constatação que surge a principal research question deste artigo: como contribuir para a formação de cidadãos sociáveis e capazes de enfrentar de maneira mais consciente e eficaz problemas contemporâneos como o individualismo, a indiferença ao outro e o “comunitarismo endogâmico” (Pulcini, 2013)? Nesse sentido, o presente artigo tomará como rumo, a fim de trazer possíveis hipóteses para solucionar tal imbróglio, as práticas filosóficas comunitárias em conjunto a uma educação cívica democrática fundamentada em uma cultura da responsabilidade, que tenha como um dos principais nortes a busca de um diálogo pluralista, o qual garanta a todos os indivíduos o mesmo direito de oportunidades e de participação perante a esfera social.

Enfim, esta proposta possibilitará certas sugestões de mudanças do desenvolvimento cívico atual, por intermédio de uma nova compreensão acerca do objeto de estudo escolhido. À vista disso, as etapas deste escrito serão: 1) Um primeiro contato acerca da noção de comunidade e suas especificidades e a importância das práticas filosóficas comunitárias para a preservação deste ambiente diverso (§ 2); 2) A reinterpretação da educação cívica em termos de uma formação cívica baseada em valores humanos e democráticos (§ 3).

2. comunidade e a relevância das práticas filosóficas comunitárias

Primeiramente, é necessário analisar a noção de comunidade, a qual, nas últimas décadas, tornou-se central no debate filosófico em relação a assuntos como a cidadania e a multiculturalidade. De um lado, a cidadania “supõe implicitamente que é preciso ser membro de uma determinada comunidade política para se qualificar como cidadão” (Hung, 2012, p. 40, tradução nossa); do outro, a multiculturalidade

“é a resposta mais comum dada em nossos dias pelas classes ilustradas e formadoras de opinião para a incerteza do mundo sobre os tipos de valores que merecem ser apreciados e cultivados, e sobre as direções que devem ser seguidas com férrea determinação”(Bauman, 2003, p. 112).

Emerge, portanto, uma tensão entre o natural pertencimento do indivíduo a um contexto social homogêneo e a admissão contrária segundo a qual a complexidade e variedade do mundo atual acaba exercendo uma pressão demasiada sobre os indivíduos, os quais têm que enfrentar a relativa incerteza confiando apenas nas próprias forças. Em que sentido a noção de “comunidade” pode ajudar a encarar e superar esse dualismo? Qual tipo de comunidade se almeja e como alcançá-la? Na verdade, mesmo que o conceito de comunidade seja hoje muito debatido, há uma pluralidade de interpretações diferentes do que uma comunidade seja ou deva ser.

Por exemplo, segundo a análise etimológica proposta por Roberto Esposito (2010), o termo conhecido por “comunidade” significa, ao mesmo tempo, algo comum ou grupal, mas também pode estar relacionado ao pertencer e ao fechamento. Contudo, a origem propriamente dita está conectada ao vocábulo latino munus, que lhe dá a atribuição de uma obrigação de servir aos demais sem esperar nada em troca (Esposito, 2010, p. 4). Além disso, está concernente à expressão communitas enquanto conjunto de pessoas, afirma o autor, que estão conectadas por estarem em dívida; não por um “mais”, e sim por um “menos” que as dispõe em défice (Esposito, 2010, p. 6).

Nesse espaço ocorre uma polarização político-cultural que se faz bem evidente na atualidade e que o filósofo da educação Ruyu Hung (2012) aborda, embasando-se na perspectiva de Giorgio Agamben. Segundo Hung, no âmbito político moderno, há a presença de uma suposta oposição entre a condição de ser um “cidadão”, ou seja, de pertencer a um grupo e ter acesso a uma vida politicamente qualificada, e a circunstância de ser um “inumano” sem direito de compartilhar uma vida política qualificada, por causa da determinação de certos padrões impostos pelo contexto social em que o indivíduo está inserido. Neste último especificamente observa-se um fenômeno de politização desumano, desigual e excludente. Similar ao que Bauman expõe ao referenciar que a comunidade moderna chegou a um nível muito baixo, equivalente ao de um gueto, no sentido de tornar impossível o diálogo coletivo, já que essa “característica do gueto torna a política de exclusão incorporada na segregação espacial e na imobilização de uma escolha duplamente segura” (Bauman, 2003, p. 111). Um exemplo que ilustra melhor esta conjuntura é a recente situação que ocorreu em 2017 na capital de São Paulo, onde o prefeito, com suas políticas “higienistas”, ameaçou a expulsão de moradores sem-teto, os quais estavam morando em habitações irregulares debaixo do viaduto da rua da Praça 14 Bis. O ato, realizado a mando do prefeito, foi indelicado e desumano, de modo que forçou estes cidadãos a se retirarem por meio da força de jatos de água e da remoção dos seus pertences, fazendo com que eles se sentissem como “refugiados em seu próprio país” (Redação Rba, 2017). Esta ação apresentou claramente o intuito de tentar “embelezar” a cidade de São Paulo, que é um dos cartões-postais do Brasil. Desse modo, nota-se a intenção do prefeito de retirar as pessoas em situação de rua ou os “inumanos” ou a “minoria étnica” para atrair mais àqueles que se encaixam nos parâmetros culturais e financeiros da capital.

Portanto, para desconstruir esse aspecto excludente e divisório da comunidade, o qual acaba alimentando ainda mais o individualismo, a indiferença ao outro e o fechamento endogâmico, deve-se investigar e chegar a um meio comunitário ético e pedagógico alternativo, em que se possa formar cidadãos que ajam para preservar não apenas a noção de que todo ser humano deva ter seus direitos, independentemente de se estar vinculado a um grupo, etnia ou país; mas também a noção de que todo ser humano deva ser igual ao outro, de forma a tomar como base um simples fato: todos são corpos vivos que se encontram caracterizados por sua interação com o mundo durante o processo de vivência em relação com o “outro” (Waldenfels, 2011).

Sobretudo, antes de abordar uma perspectiva comunitária alternativa deve-se acentuar alguns pontos centrais que ajudarão na compreensão desta e, ao mesmo tempo, permitirão entender que a noção de comunidade não tem que ser apenas ultrapassada, mas também revitalizada para ir além das tentações de fechamento. Diante disso, introduz-se, então, a necessidade de indicar três características ou funções fundamentais da comunidade: “(i) comunidade como fonte de sentido, (ii) comunidade como contexto de práticas, (iii) comunidade como estrutura de autoridade e relações de poder” (Lingua; Monti, 2018, p. 43, tradução nossa). Em outras palavras, a noção de comunidade é plurívoca e, portanto, é uma fonte de alegações significativas, como ocorre tanto nas comunidades religiosas na descrição de símbolos e imagens que permitem aos indivíduos articularem uma percepção acerca da busca de um significado e conteúdo equivalente a de uma vida boa, quanto nas comunidades locais que constroem, por meio de contos e dialetos, a própria identidade cultural e a solidariedade, permitindo a seus membros obterem consciência sobre a definição de cooperação e sobre o contexto histórico tradicional do corpo social. Portanto, essas organizações são capazes de serem elaboradas por intermédio de recursos cognitivos e simbólicos que são concebidos e indagados ao longo do tempo e podem ser utilizados como veículo de socialização, já que através delas atribui-se sentidos, valores e ensinamentos que satisfazem a essência dos seres humanos, a qual é a de serem

animais autocompreensivos cujas interpretações de si, de suas possibilidades e limites morais, sempre acontecem dentro de práticas que testam seu potencial e canalizam seus esforços para dar sentido às suas próprias vidas em cooperação (ou rivalidade) com os outros. Estar inserido em uma comunidade é, nesse sentido, não um destino, mas uma condição de autodesenvolvimento e investigação. (Lingua; Monti 2018, p. 45, tradução nossa).

Todavia, essa ideia alternativa de comunidade tem que enfrentar o contexto social atual caracterizado pela referida polarização entre a perspectiva individualista e a concepção do fechamento comunitário endogâmico. Para entender melhor o desafio, primeiro deve-se dar uma olhada nesses dois extremos. Comecemos pelo molde individualista, também conhecido pelos termos “comunidade estética” e “comunidade de cabide”, cunhados por Zygmunt Bauman (2003). Atualmente este é o protótipo que predomina como estrutura social em vigência. Nesse modelo, encontra-se a valorização e promoção de uma “alienação social” nos aspectos dos interesses individuais e da busca de uma felicidade instantânea. Porém, sabe-se que não existe uma felicidade individual bem consolidada como as propagandas comerciais divulgam, visto que esta depende de laços duradouros vindos do coletivo: “Todos precisamos ganhar controle sobre as condições sob as quais enfrentamos os desafios da vida - mas para a maioria de nós esse controle só pode ser obtido coletivamente” (Bauman, 2003, p. 134).

Todavia, Bauman esclarece que esse tipo de comunidade é o que torna impossível a construção de laços significativos:

Quaisquer que sejam os laços estabelecidos na explosiva e breve vida da comunidade estética, eles não vinculam verdadeiramente: eles são literalmente “vínculos sem conseqüências”. Tendem a evaporar-se quando os laços humanos realmente importam - no momento em que são necessários para compensar a falta de recursos ou a impotência do indivíduo. Como as atrações disponíveis nos parques temáticos, os laços das comunidades estéticas devem ser “experimentados”, e experimentados no ato - não levados para casa e consumidos na rotina diária. São, pode-se dizer, “laços carnavalescos” e as comunidades que os emolduram são “comunidades carnavalescas”. (Bauman, 2003, p. 67-68).

Nesse argumento de Bauman, evidencia-se a noção de que a comunidade estética é uma comunidade sem compromissos de manter um laço duradouro de responsabilidade, além da efetivação de uma perspectiva mais hedonista. Logo, a partir desse tipo de modelo social, promove-se um individualismo, uma autossuficiência e uma meritocracia, que implicam na desvalorização de um pensamento que instiga e respeita um bem comum mais durável. Desse modo, constata-se o possível prevalecer do isolamento social ou da “alienação social” de valores que preservam a vida em um sentido comunitário dentro de um mundo artificial, individualista e desumano, resultando em um incentivo à intolerância ao outro. Assim, por conseguinte, na artificialidade presente, as pessoas são incapazes de desenvolvimento interpessoal e agem num espaço de isolamento social no qual se experimenta uma verdadeira “alienação do Outro”, termo cunhado por Bernard Waldenfels ao declarar que:

a alienação do Outro será inevitavelmente constituída com base em minha “esfera de propriedade”, “dentro e por meio daquilo que é meu” […]. A alienação do Outro será para sempre derivada da sua própria. O Outro aparece como um alter ego, ou seja, estritamente falando, como um segundo eu. (Waldenfels, 2011, p. 53, tradução nossa).

Ainda mais, vale ressaltar que esse fenômeno da “alienação do Outro”, exibido no argumento de Waldenfels, é também incentivado no meio educacional pelo modelo tradicional da “educação bancária”, que Paulo Freire (2020) afirma ser constituída por uma noção de depósito de informações, na qual o educador é o depositante; e o educando, o recipiente a receber essas informações. Tal qual se configura um ensino com uma perspectiva de doação ou de entrega do conhecimento sem um possível vínculo dialógico ou direto com a capacidade do estudante de desenvolver um raciocínio de entendimento por si próprio. Como resultado disso, este se torna um ser “oprimido” e determinado pelas ordens de um poder “opressor” que utiliza da educação como instrumento mantenedor ou controlador do status quo da sociedade.

Em contraste com essa esfera social individualista e excludente, Bauman (2003) indica o modelo de uma “comunidade ética”, caracterizada por um tecido social de compromissos éticos de longo prazo que permitiriam uma transformação mais ética da coletividade, de direitos inalienáveis e deveres firmes, que, devido à sua durabilidade prevista e, melhor ainda, institucionalmente garantida, pudesse ser tratada como variável ofertada no planejamento e nos projetos de futuro. Nessa perspectiva, os compromissos seriam do tipo do “compartilhamento fraterno” e do “cuidado mútuo”, ratificando o direito de todos a um seguro comunitário contra os erros e as desventuras provocadas pelos riscos inseparáveis de uma vida individualizada.

Esse tipo de comunidade parece mais apta do que o individualismo a suscitar a atmosfera adequada para a formação cívica. Mas como evitar que essa “comunidade ética” não se feche e se torne, por sua vez, excludente? Ao retomar a divergência entre o individualismo e a perspectiva do fechamento comunitário, a filósofa Jennifer Bleazby (2006; 2013, p. 113-138) acrescenta alguns aspectos interessantes para a tentativa de ir além desse dualismo. Segundo Bleazby, a primeira perspectiva se caracteriza por uma interpretação egocêntrica do conceito de “autonomia”, que surgiu na idade moderna. A acepção atrelada à autonomia seria aquela que provoca ideais de cidadania e sociedade que normalizam o interesse próprio, o conflito individual e a competição, enquanto desvalorizam e desencorajam a interconexão, o cuidado e o altruísmo, visto que esse ideal individualizado de autonomia é

caracterizado pela autossuficiência e independência, que implicam que um está livre da influência de outros. Uma vez que a autossuficiência e a independência são vistas como características da autonomia; dependência, intersubjetividade e comunidade são vistas como opostas à autonomia e à maturidade. Assim, enquanto a autossuficiência e a independência são vistas como virtuosas, a dependência e a interligação com outros são considerados pontos fracos. (Bleazby, 2006, p. 31, tradução nossa)

Em desacordo com essa posição há a visão comunitária, em que - segundo Bleazby - para ter personalidade é preciso ser membro de um âmbito coletivo, de forma que os indivíduos estão interconectados e dependentes uns dos outros para o desenvolvimento da sua própria identidade e autonomia. Isso deve-se à convicção de que a ordem social pode superar a interpretação individualista dos direitos e das liberdades, visto que a comunidade fornece as próprias circunstâncias, as quais dão origem aos sujeitos autônomos.

Além disso, a perspectiva comunitária propõe a saída do individualismo e do atomismo social por intermédio do compartilhamento de subjetividades, já que - acrescenta Bleazby, indo além das reflexões sociológicas de Bauman - se espera que os indivíduos se tornem mais transparentes entre si, de forma a direcionar a uma sociedade totalizada, unificada e harmoniosa, em que as diferenças individuais são transcendidas. Porém - acrescenta ainda Bleazby, retomando as reflexões de Iris Marion Young (1986) - esse tipo de intersubjetividade não é viável, visto que, para se exteriorizar aos outros completamente, o sujeito teria que ser uma unidade caracterizada por uma transparência total de autoconhecimento. Entretanto, conforme Young (1986, p. 11, tradução nossa), “os sujeitos não são unificados e completos, mas heterogêneos, descentrados e sempre estão em processo de devir”. É a persuasão nessa noção tão monolítica, unificada e transparente da dimensão individual que conduz ao desejo de atuação em comunidades homogêneas, já que é somente em “comunidades com outros muito parecidos comigo que se pode chegar perto de ter essa noção do self com as suas relações com o outro” (Bleazby, 2006, p. 36, tradução nossa). Mas, para isso, é necessário que tal conformidade, estimulada por esse tipo de corpo social, exija a rejeição das diferenças, através da restrição e opressão de sujeitos que não se condizem ou não se ajustam à cultura dominante.

Em outras palavras, a análise de Bleazby e Young confirma que a conjuntura atual é caracterizada por um dualismo de tendências antitéticas, ambas inevitavelmente problemáticas: por um lado, o individualismo não pode evitar de interpretar a autonomia humana de maneira atomista e egocêntrica, caindo num extremo; por outro lado, a perspectiva comunitária não consegue reconhecer a legitimidade da autonomia individual e acredita fortemente na capacidade da comunidade em fornecer esclarecimento existencial aos seus membros, e assim cai no extremo oposto do fechamento endogâmico.

Ir além desse dualismo requer efetuar duas operações: 1) De um lado, reconhecer a possível contribuição do extremo individualista, o qual, ainda que certamente problemático, legitima, todavia, uma pluralidade de pontos de vista subjetivos e particulares, assim como a ideia da autonomia individual - valores nos quais estão baseados o liberalismo político moderno, os valores democráticos e a formulação e o reconhecimento dos direitos individuais; 2) Do outro, tentar imaginar e praticar formas comunitárias abertas, plurais e dinâmicas, ou seja, que não caiam no fechamento endogâmico - um perigo do qual qualquer projeto comunitário tem que estar constantemente consciente.

Após a explanação em detalhes sobre esses pontos centrais para a compreensão acerca da comunidade, assim como dos relativos perigos, cabe mencionar, então, a perspectiva filosófica-pedagógica da “Filosofia para Crianças” (Philosopy for Children, P4C) desenvolvida por Matthew Lipman e Ann Sharp. Essa prática é capaz de juntar a autonomia individual e o pensamento comunitário e mira o envolvimento dos(as) estudantes, de forma reflexiva, com a presença de estímulos especificamente formativos de base humanística. Além disso, esse projeto pode ajudar a reformular o dualismo mencionado acima entre indivíduo e comunidade para eles(as) poderem superar os problemas associados ao individualismo e comunitarismo nas escolas e oferecerem uma pedagogia e um ideal de comunidade que facilite o respeito recíproco, a valorização das diferenças e a busca da autonomia, bem como a interconectividade e interdependência entre os indivíduos.

Para o funcionamento deste projeto, é necessário o suporte ofertado pela “comunidade de investigação filosófica” (Lipman, 2003; Sharp, 1987), a qual propõe uma prática da filosofia, de forma a unir um grupo de indivíduos que colaborativamente se engajam em um diálogo interpessoal crítico e reflexivo para construir um significado pessoal e para confirmar o entendimento mútuo. Da mesma maneira que Freire (2020) evidencia sobre a demanda de um ensino para os adultos que aplique a ideia de um círculo de cultura, a qual sugere uma educação que se adapte à realidade ou ao contexto presente, utilizando de termos do cotidiano dos(as) envolvidos(as) para compreenderem com uma maior facilidade, além de promover um processo de aprendizagem da leitura e da escrita que se realiza por meio de um debate sobre questões centrais do cotidiano, como trabalho, cidadania, alimentação, liberdade, felicidade, valores éticos e política. Desse modo, dentro da “comunidade de investigação filosófica” é necessário ter conhecimento a respeito de alguns fatores que são significativos para sua compreensão, como os seguintes:

Em primeiro lugar, acho que precisamos ver que a comunidade de investigação não está sem objetivo. É um processo que visa gerar um produto - algum tipo de acordo ou julgamento, por mais parcial e provisório que seja. Em segundo lugar, o processo tem um senso de direção; ele se move para onde o argumento o leva. Terceiro, o processo não é meramente conversa ou discussão; é dialógico. Isso significa que tem uma estrutura. Assim como um debate parlamentar é governado por regras parlamentares de ordem, a investigação tem suas regras de procedimento, que são amplamente lógicas por natureza. Quarto, precisamos considerar um pouco mais de perto como a razoabilidade, a criatividade e o cuidado [reasonableness, creativity, and care] se aplicam à comunidade de investigação. Finalmente, há a questão de usar a comunidade de investigação para operacionalizar e implementar as definições de pensamento crítico, criativo e cuidadoso [critical, creative, and caring thinking]. (Lipman, 2003, p. 83-84, tradução nossa).4

Cabe mencionar que essa proposta prioriza a criação de uma experiência de aprendizagem profunda e significativa em uma espécie de modelo educacional colaborativo-construtivista através do desenvolvimento de três elementos interdependentes: o social, o cognitivo e a presença do ensino guiado. Este último elemento Sharp (1984) declara ser um dos mais importantes para que o projeto funcione, visto que é o(a) docente-facilitador(a) que motiva os(as) estudantes a participarem da aula, através de uma construção dialógica do saber. Para esse fim, o(a) professor(a)-facilitador(a) tem que ser “pedagogicamente forte, mas filosoficamente discreto” (Sharp, 2018b, p. 90; ver também Lipman, 1996, p. 18), cuidadoso, objetivo e razoável em suas colocações para abordar e aprofundar questões filosóficas. Ademais, o(a) docente pode fazer uso das ferramentas de investigação, que são ofertadas pelos manuais de docência do currículo de Filosofia para Crianças em conjunto às novelas filosóficas5. Esses materiais foram criados pelos fundadores da P4C, com o intuito de facilitar tanto o processo formativo dos(as) docentes como o processo educativo dos(as) estudantes, disponibilizando tanto direcionamentos que o(a) facilitador(a) pode seguir na prática em sala de aula quanto um ambiente contextualizado às questões que norteiam a vida dos(as) estudantes ou uma exemplificação de situações dialógicas concretas adequadas à sua faixa etária.

Além disso, o(a) facilitador(a) também deve instigar o desenvolvimento da autonomia de pensamento dos(as) estudantes através do diálogo investigativo a partir, ou em torno, de questões filosóficas. Esse diálogo tem que ser respeitoso dos pontos de vista de cada participante e ser exigente quanto à apresentação de bons argumentos para a defesa desses pontos de vista. O fortalecimento da autonomia individual ocorre simultaneamente à capacidade de respeitar as opiniões e crenças dos outros indivíduos através de uma dialogicidade aberta, graças à qual “se aprende a ‘reconhecer as vozes’ e a ‘distinguir as ocasiões adequadas de expressão’, de modo que o educando seja gradualmente iniciado na ‘habilidade e parceria’ de uma conversação contínua” (Lipman, 2003, p. 24, tradução nossa). O mútuo respeito é o ambiente relacional no qual pode amadurecer a “autocorreção”: por exemplo, quando um dos participantes não tem bons argumentos, a comunidade de investigação pode convidá-lo a revisá-los, além de ajudá-lo para que o participante consiga autocorrigir-se. Dessa maneira, a comunidade toda consegue também amadurecer em termos de conhecimento e habilidades relacionais. Pode-se apenas acrescentar que essa solidariedade na e da investigação conjunta (Lipman, 2008, p. 118-119) é um dos aspectos que evidenciam a possibilidade de ultrapassar o supracitado dualismo entre individualismo e fechamento comunitário. Nesse sentido, Ann Sharp propõe mais duas reflexões. Por um lado, afirma que é graças à prática dialógica da filosofia que se pode ir além do paradigma individualista que caracteriza a sociedade consumista: “Uma vez que os seus membros estão empenhados na promoção e no desenvolvimento uns dos outros, estas comunidades de investigação são mais promissoras para o desenvolvimento da consciência global do que as pedagogias atomísticas e individualistas que se centram na autonomia, na autorrealização e na autossuficiência” (Sharp, 2018c, p. 237, tradução nossa). Por outro lado, sublinha a centralidade do “cuidado”, enquanto componente afetivo e relacional que revela tanto a transição de uma “associação de indivíduos” para uma “comunidade de investigação”, como o nascimento de um “nós” aberto e construtivo capaz de ir além do fechamento comunitário:

Uma tal comunidade pressupõe o cuidado (care): atenciosidade (care) com os procedimentos de investigação, com os outros enquanto pessoas, com a tradição que herdamos, com as criações uns dos outros. Assim, há um componente afetivo no desenvolvimento de uma comunidade de investigação na sala de aula que não pode ser subestimada. As crianças têm que mudar de uma postura de cooperação, em que obedecem às regras de investigação porque querem ganhar mérito, para uma postura em que consideram a investigação um processo de colaboração. Quando colaboram verdadeiramente, é uma questão de nós e não apenas de sucesso pessoal. É uma questão que tem a ver com as nossas ideias, as nossas realizações e o nosso progresso. (Sharp 2018a, p. 45, tradução nossa).

Similar ao que Freire relata ao expor que para haver diálogo, ou seja, o “encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando […] na relação eu-tu” (Freire, 2020, p. 109), é essencial que eles e elas possuam: 1) Amorosidade ao mundo e aos outros seres humanos; 2) Humildade sincera em relação à condição de saber que o diálogo é estabelecido coletivamente e não de forma autossuficiente; 3) Fé crítica no poder de criar e de transformar do humano como um ato de criação e recriação; 4) Coragem e compromisso com a causa humana que a interação promove de todos poderem ter iniciativas de mudança; 5) Capacidade de desenvolver um pensamento crítico que estimule a solidariedade e recuse a dicotomia entre mundo e seres humanos. Como resultado disso, ocorre a preservação de uma ótima condição de vida na coletividade.

Desse modo, ainda cabe aludir, então, acerca do caráter ético da comunidade de investigação filosófica, cuja finalidade é a promoção de um âmbito que estimule: 1) A investigação filosófica de uma maneira reflexiva e autocorretiva de pensar e de agir por si próprio, ou seja, o uso da autonomia; 2) A capacidade de realizar julgamentos éticos racionais; 3) O entendimento de si próprio ou o autoconhecimento; 4) A aplicação de uma consciência cooperativa que forneça uma percepção razoável do mundo e de maneiras que incentivam o bem comum (Sharp, 1984). Além disso, com vistas a esse fim, é possível vislumbrar o benefício da formação de um cidadão autônomo, responsável, razoável e reflexivo guiado por valores democráticos e capaz de cuidar do futuro. Vale dizer, portanto, que com o conjunto de vantagens expostas anteriormente acaba-se por propiciar a geração de uma condição de vida coletiva, em que, de acordo com Gert Biesta,

concebe a democracia como uma situação em que todos os indivíduos podem ser sujeitos, em que todos podem agir no sentido arendtiano, em que todos podem vir “ao mundo”. […] isso não significa que todos podemos fazer simplesmente o que quisermos. O insight crucial apresentado por Arendt - um insight de imensa importância para o “mundo da diferença” (Säfström; Biesta, 2001) em que vivemos hoje - é que só podemos ser um sujeito num mundo que partilhamos com outros que não são como nós e que são capazes de suas próprias ações. Ser um sujeito, “vir ao mundo”, só é possível se nossos inícios são adotados por outros de maneiras sem precedentes, imprevisíveis e incontroláveis. Nesse sentido, ser um sujeito tem realmente a dimensão de estar sujeito ao que é imprevisível, diferente e outro. Mas essa é a condição paradoxal para que a subjetividade apareça e para que a democracia se torne possível. (Biesta, 2013, p. 153).

A partir desse argumento, que está coerente com o sentido próprio da P4C de Lipman e Sharp (ver, por exemplo, Lipman, 2008, p. 141-152; Sharp, 2018c), permite-se a possibilidade de lidar com o multiculturalismo, o qual, para Bauman (2003), é tensionado em sua aceitação passiva da diversidade e em seu risco de um descompromisso em relação a todos os restantes, isto é, aqueles que se encaixam na categoria dos “outros” de uma cultura considerada “tolerante”. A P4C vai além dessa tensão, pois os participantes participam livremente de um diálogo comunitário enquanto processo plural apropriado para envolver a todos em um processo colaborativo e significativo de busca do bem comum. Dessa forma, sob o mesmo ponto de vista, Waldenfels (2011) aborda que o fenômeno da interculturalidade consentiu-se com a possibilidade do convívio ou do entrelaçamento entre mundos culturais diferentes, os quais, pelo processo de interação recíproca, acabam se modificando e complementando, a fim de que se gere uma experiência compartilhada entre eles, garantindo o mesmo direito que os supostos “normais” tenham para aqueles classificados como “estranhos”, sem a recorrência a um “pseudo-coletivismo”, ou seja, sem que essa experiência compartilhada se caracterize como uma relação dualística e opositiva entre “nós”, seres de uma específica comunidade ou nação, e “eles”, enquanto forasteiros não pertencentes à mesma soberania nacional e que não devem ter os mesmos direitos que “nós”.

Por fim, vale destacar que o projeto de Filosofia para Crianças (P4C) coopera no desenvolvimento de cidadãos competentes em dialogar e encontrar saídas criativas e éticas, nas diversas circunstâncias do cotidiano. Sendo assim, a P4C é um dos meios que possibilita alcançar a tão almejada comunidade democrática, que seria a “ideia regulativa para o desenvolvimento da estrutura social” que as práticas filosóficas comunitárias ambicionam conquistar por intermédio da educação (Lipman, 2003, p. 204; ver também Dewey, 1979). Isso ocorre pelo fato de que este projeto propõe um modelo de comunidade aberta e pluralista que salvaguarda uma autonomia existencial adequada em coletividade em base de compromissos éticos de longo prazo que permitiriam a transformação ética do meio social e atestaria direitos inalienáveis a todos os indivíduos sem restrição. Logo deve-se, portanto, trabalhar por uma comunidade desse tipo por meio da prática educacional da filosofia.

3. o papel da educação cívica na formação de cidadãos responsáveis

A educação cívica manifesta o mesmo objetivo de conquistar tanto esse ambiente comunitário quanto a formação de cidadãos que possam cultivar esse corpo social ético e heterogêneo diante das problemáticas contemporâneas. Nessa lógica, Timo Hoyer (2019) expõe que, para que ocorra a concretização do ensino para a cidadania, deve-se partir da seguinte premissa: a possibilidade da aquisição de uma plena cidadania pode acontecer efetivamente apenas através do fornecimento do direito a todos e todas de terem uma formação ou aprendizagem que valorize a aquisição de valores democráticos por meio de práticas que estimulem os(as) jovens a alcançarem experiências em seu próprio íntimo de sentimentos de respeito, empatia e justiça. Logo, a ideia de que “a formação é cidadania” está certa, visto que o direito à formação seria como um “direito de todo cidadão e cidadã de participar social e politicamente da sociedade plural, livre e democrática” (Hoyer, 2019, p. 153). Nessa perspectiva, a base da educação cívica equivale, então, precisamente ao fato de não se dar por satisfeito com a preservação formal da igualdade de chances, pois tal igualdade ocorre somente ao custo do favorecimento de grupos que já são privilegiados enquanto os que se encontram em desvantagem não conseguem alcançar totalmente essa equidade, dado que só conquistam em teoria as possibilidades objetivas de participar livre e individualmente da formação elevada, da cultura e da própria democracia.

Consoante a isso, tanto a política como os defensores da coincidência entre formação e cidadania devem ter o compromisso de criar chances efetivas e não apenas formais de igualdade por meio da educação e de formas de ensino que sejam adequadas, tais como as que são norteadas pelos seguintes critérios: 1) Os sujeitos possam conduzir um modo de vida emocionalmente satisfatório para si mesmos, de modo a ser possível de ser justificável diante dos demais; 2) Os indivíduos se alteram e estabilizam como cidadãos e cidadãs do mundo; 3) Estas mesmas pessoas possam almejar participar de maneira crítica, responsável e tolerante dos processos sociais e culturais (Hoyer, 2019).

Esses preceitos podem ser sintetizados nos seguintes dois termos: justiça e felicidade. Para que elas sejam cultivadas, é crucial a preservação de um ambiente que tenha respeito pela diversidade do outro, de modo que a propensão da sua felicidade se refere de maneira muito semelhante ao que acontece com os espaços em que os limites externos da liberdade tocam a felicidade dos outros. Isso é o que permite uma convergência ética de base que orienta o foco do sujeito e de suas representações de uma vida boa na direção de uma comunidade dialógica, a qual leva em consideração um âmbito dos interesses do outro e da formação de um entorno compatível para todos.

Da mesma forma, Martha Nussbaum discorre que se um país quiser se beneficiar de um tipo de democracia humana e sensível ao povo, empenhada em oportunizar possibilidades de “vida, liberdade e busca da felicidade”, este precisará desenvolver em seus cidadãos as seguintes habilidades:

Capacidade de raciocinar adequadamente a respeito de temas políticos que afetem a nação, de examinar, refletir, argumentar e debater, não se submetendo nem à tradição nem à autoridade; Capacidade de reconhecer seus concidadãos como pessoas com direitos iguais, mesmo que sejam diferentes quanto a raça, religião, gênero e orientação sexual: olhá-los com respeito, como fins, não apenas como ferramentas a serem manipuladas em proveito próprio; Capacidade de se preocupar com a vida dos outros, de compreender o que as diferentes políticas significam para as oportunidades e experiências dos diferentes tipos de concidadãos e para as pessoas que não pertencem a seu próprio país; Capacidade de conceber cabalmente diversos assuntos complexos que afetam a história da vida humana em seu desenvolvimento: refletir acerca da infância, da adolescência, das relações familiares, da doença, da morte e muito mais, de forma que se caracterize pela compreensão de um amplo conjunto de histórias humanas, não apenas pela reunião de informações; Capacidade de julgar criticamente os líderes políticos, mas com uma compreensão fundamentada e realista das possibilidades de que eles dispõem; Capacidade de pensar no bem da nação como um todo, não somente no bem de seu próprio grupo local; Por sua vez, capacidade de perceber seu próprio país como parte de um mundo complexo em que diferentes tipos de assuntos exigem uma discussão transnacional inteligente para que sejam solucionados. (Nussbaum, 2017, p. 25-26).

Diante dessas capacidades, cabe envidar-se mais especificamente em alguns tópicos fundamentais para a formação cívica, tais como o reconhecimento e a apreciação da alteridade e a orientação de um sentimento de responsabilidade. Conforme Jonas, esta deve “proceder de forma ‘histórica’, apreender seu objeto na sua historicidade. Esse é o sentido preciso do elemento que caracterizamos aqui como ‘continuidade’ […] na questão da continuidade através do tempo há uma identidade a ser garantida, que integra a responsabilidade coletiva” (Jonas, 2006, p. 185-186). A responsabilidade floresce graças à relação entre “continuidade” e “mútuo respeito” que se dá por uma espécie de comprometimento educativo intergeracional, voltado de maneira não tão exclusiva para o indivíduo singular. Essa relação se desdobra na tentativa de favorecer o devir individual e a autonomia do futuro cidadão, que tem a sua própria historicidade e que consegue, no seu processo de desenvolvimento como ser humano, sua identidade de forma histórica. Porém, além disso, e de modo inerente, encontra-se a comunicação da herança coletiva, como seu primeiro som articulado e a preparação para a vida em sociedade, de modo que forme indivíduos capazes de preservar um “mútuo respeito” entre si e de manter o horizonte da “continuidade”, aprimorando-se no mundo histórico da coletividade. Logo, é irrealizável este engajamento educativo deixar de ser “político”, mesmo no mais privado dos âmbitos6.

Discutindo a questão da responsabilidade cidadã, Biesta fornece uma análise crítica de algumas tendências educacionais atuais, as quais visam formar os jovens para uma participação ponderada e responsável em questões políticas, econômicas, assim como na vida social e cultural. Essas tendências são norteadas pelos seguintes conceitos: 1) conhecimento e compreensão; 2) habilidades e competências; 3) valores e disposições; e 4) criatividade e empreendimento (Biesta, 2008, p. 40). Isso, por sua vez, está relacionado a duas convicções básicas. A primeira é a ideia de que os(as) jovens aprendem mais sobre cidadania sendo cidadãos ativos (learning by doing). Isso exige, então, que as escolas modelem o tipo de sociedade na qual a cidadania ativa é incentivada, proporcionando a todos(as) os(as) jovens oportunidades para assumir responsabilidades e exercer a escolha. A segunda é que a formação da capacidade para a cidadania deve ser fomentada com o intuito de motivar os(as) jovens a serem membros ativos e responsáveis de suas comunidades tanto em um aspecto local quanto global.

O problema levantado por Biesta é que esta visão de educação cívica, praticada atualmente em alguns Estados, privilegia indebitamente uma perspectiva subjetiva e individualista, exemplificada no fato de que a cidadania é descrita como uma “competência”, baseada em um conjunto de conhecimentos, habilidades e disposições entendidas em termos de responsabilidade e escolha individual, que capacitaria o cidadão para refletir com base nesses saberes e agir a favor da comunidade. Trata-se, portanto, de uma concepção do domínio da cidadania que tem uma ênfase demasiada no desempenho individual, tanto no que diz respeito ao exercício da cidadania - como à cidadania ativa - quanto no que diz respeito às formas como a cidadania pode ser aprendida. Com certeza, o desempenho individual do cidadão tem que ser orientado para o desenvolvimento da própria comunidade, mas - sublinha Biesta (2008, p. 46-47) - a educação cívica atual não tem suficiente conhecimento do que uma comunidade é ou deve ser, nem reflete suficientemente no possível risco de fechamento comunitário (ver acima no § 2).

Além das reflexões mencionadas acerca do sentido dialógico e aberto da comunidade na prática da P4C, é útil acrescentar algumas sugestões jonasianas. Jonas sugere uma responsabilidade do indivíduo perante o coletivo, a qual leva em consideração a seguinte premissa: “Todo o Ser vivente é seu próprio fim, e não tem necessidade de outra justificativa qualquer” (Jonas, 2006, p. 175). Apoiado na ideia de dignidade intrínseca exposta por essa premissa, o ser humano não possui nenhuma outra vantagem em relação aos outros seres viventes, a não ser a de que só ele pode assumir a responsabilidade de garantir as finalidades aos demais seres, incluindo àqueles que partilham com ele a condição humana. Assim como o fim último da própria existência pode ser reunido de maneira singular no seu próprio fim: o padrão de toda responsabilidade é aquele do ser humano pelo ser humano. Entre outros panoramas, a ideia de responsabilidade expressa que, por mais unilateral que seja essa relação em si, em cada situação particular, há a possibilidade de se reverter essa condição pela inclusão da própria reciprocidade:

De fato, a reciprocidade está sempre presente, na medida em que, vivendo entre seres humanos, sou responsável por alguém e também sou responsabilidade de outros […]. A marca distintiva do Ser humano, de ser o único capaz de ter responsabilidade, significa igualmente que ele deve tê-la pelos seus semelhantes - eles próprios, potenciais sujeitos de responsabilidade -, e que realmente ele sempre a tem, de um jeito ou de outro: a faculdade para tal é a condição suficiente para a sua efetividade. (Jonas, 2006, p. 175-176).

A partir dessa alegação de Jonas, que consegue quebrar tanto o paradigma individualista como aquele do comunitarismo fechado, abre-se a precedência para adentrar a perspectiva de Biesta (2010) acerca de uma responsabilidade relacional, que vai além do entendimento da responsabilidade de Bauman (2003), segundo o qual o agente moral e comprometido está apenas sendo visto como “uma forma singular do ‘nós’ ético” e, portanto, dentro desse “nós” ético, o “eu” é intercambiável com o “outro”. Contudo, o “eu” e o “outro” dessa relação moral não são trocáveis entre si e, por isso, não podem ser “somados” para um “nós” plural, já que a responsabilidade pelo outro, por assim dizer, é unilateral, não recíproca e irreversível.

Tendo em vista isso, Biesta (2010) afirma que o compromisso de cada sujeito pelo outro está sempre “lá”, uma vez que essa responsabilidade não é estabelecida nem decorre da decisão dele(a) de ser responsável ou não, mas sim da impossibilidade de não ser responsável por esse “outro” aqui e agora. É essa impossibilidade de não ser responsável que constitui a capacidade moral do ser humano no seu sentido investigativo e relacional (Sharp, 1984, 2018a, 2018c). Além disso, dentro de um ponto de vista similar ao que foi explorado tanto por Biesta como por Waldenfels, vale destacar que o “chamado moral” ou o fator que motiva uma ação embasada na responsabilidade é anterior ao pensamento, isto é, ser comprometido em relação ao outro faz parte da condição humana geral, assim, a responsabilidade moral é ser pelo outro antes que se possa estar com um outro específico.

Enfim, vale enfatizar que a educação cívica contribui de várias maneiras no cultivo de um meio comunitário dialógico, aberto e relacional com o fomento de um desenvolvimento educacional do indivíduo que o capacite para participar mais social e politicamente dentro de uma sociedade que respeite a pluralidade, a liberdade e a democracia. Para isso surgiram práticas como a P4C e propostas de ensino e aprimoramento das habilidades necessárias a serem empregadas nos futuros cidadãos. Essas práticas e propostas estão baseadas em uma perspectiva ética responsiva a contextos variados e capaz de orientar o foco do sujeito e de suas representações de uma vida boa na direção de uma comunidade ética aberta, dialógica e pluralista. Com o propósito de que se obtenha êxito, é necessário esforçar-se na formação cívica, focando-se em alguns específicos tópicos, tais como: 1) O reconhecimento e a apreciação da alteridade presente no valor de uma responsabilidade recíproca, em que cada um é pelo outro antes que se possa estar com o outro; 2) Um sentimento de responsabilidade cidadã, que ocorre no desenvolvimento da capacidade para uma cidadania ativa e cuidadosa, em que permite aos(às) jovens a serem membros ativos e responsáveis de suas comunidades tanto em um aspecto local quanto global. Logo, faz-se preciso incentivar um ensino cívico adequado nas instituições escolares que contenham essas ideias.

4. considerações finais

Neste trabalho foi possível constatar como a formação de cidadãos responsáveis e autônomos por meio das práticas filosóficas comunitárias e da educação cívica pode contribuir para o alcance de comunidades éticas abertas, dialógicas e pluralistas. Desse modo, será possível enfrentar, de maneira mais cuidadosa e eficiente, problemas sociais e educacionais contemporâneos, assim como o dualismo entre individualismo extremo e comunitarismo fechado que caracteriza o mundo global atual (Bauman, 2003; Bleazby, 2006, 2013; Pulcini, 2013). Sendo o primeiro, o individualismo extremo, movido pela vontade particular do indivíduo, a qual favorece a promoção de uma “alienação social” nos aspectos dos interesses individuais e da busca de uma felicidade instantânea. Por consequência, eleva-se o espaço de atuação de um isolamento social das pessoas devido à carência de desenvolvimento interpessoal vindo da artificialidade presente, levando o indivíduo a uma “alienação do outro” (Waldenfels, 2011). Por outro lado, há o comunitarismo fechado ou “endogâmico” (Pulcini, 2013), o qual promove um agir padronizado por uma comunidade homogênea e conformativa, em que as relações são feitas entre indivíduos que compartilham de uma única e mesma cultura supostamente dominante, provocando a rejeição das diferenças, por intermédio da recusa e opressão de sujeitos que não se ajustam à cultura dominante.

Diante dessa conjuntura, é apresentada a perspectiva filosófico-educacional de práticas filosóficas comunitárias como a Filosofia para Crianças (P4C), desenvolvida por Matthew Lipman e Ann Sharp, cujo paradigma formativo cívico e democrático exprime uma possibilidade de ir além do dualismo acima mencionado. A análise crítica dessas experiências trouxe três contribuições que cooperam na viabilidade de ir além dessa dualidade: 1) Promoção de um âmbito que estimule a formação de futuros cidadãos capazes de dialogar e imaginar juntos saídas criativas e éticas, nas diversas circunstâncias do cotidiano; 2) Viabilização de uma possível reformulação desse dualismo através do desenvolvimento, nas escolas, de uma pedagogia e de um ideal de comunidade que facilite o respeito recíproco, a valorização das diferenças e a busca da autonomia, bem como a interconectividade e interdependência entre os indivíduos; 3) Incentivo a um paradigma educativo mediado por habilidades e valores democráticos, que fazem com que o(a) estudante seja alguém justo(a), empático(a), respeitoso(a) com a diversidade, sensível ao bem comum e que sabe conviver em sociedade.

Ademais, essa possibilidade praticada tanto pela P4C quanto pela educação cívica é coerente com a perspectiva baseada na responsabilidade trabalhada por Waldenfels (2011) e Jonas (2006), já que com essa alternativa se oportuniza o desenvolvimento da capacidade moral do ser humano, de modo que, por conseguinte, ele aprenda a assumir a responsabilidade de assegurar as finalidades aos demais seres, incluindo aqueles que partilham com ele a condição humana. Portanto, as práticas filosóficas comunitárias como a P4C, entendidas como ensino cívico, fundamentado por uma cultura da responsabilidade, conseguem contribuir para a formação de cidadãos responsáveis, de forma a oferecer um possível paradigma para desenvolver o eixo humanístico do indivíduo e a abertura à diversidade.

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Recebido: 02 de Março de 2023; Aceito: 30 de Abril de 2023

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