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Educação UFSM

versión impresa ISSN 0101-9031versión On-line ISSN 1984-6444

Educação. Santa Maria vol.44  Santa Maria  2019  Epub 11-Nov-2020

https://doi.org/10.5902/1984644431380 

Artigo Demanda Contínua

Um drama no currículo - oficinas de transcriação

A drama in the curriculum - transcreation workshops

Karen Elisabete Rosa Nodari* 

Sandra Mara Corazza** 

*Doutora em Educação, professora Titular do Departamento de Humanidades do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. kernodari@gmail.com

**Doutora em Educação, professora Titular do Departamento de Ensino e Currículo da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. sandracorazza@terra.com.br


RESUMO

Este artigo aborda o currículo do projeto Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida, desenvolvido pelas oficinas de transcriação entre 2011 a 2014 ocorridas em seus 4 núcleos universitários: UFRGS (coordenação), UFPel, UFMT e UNIOESTE, ao modo empírico-transcendental de Deleuze. Isto significa remontar às condições daquela experiência, ao seu espaço sub-representativo, ou seja, articular os seus Espaços, Imagens e Signos, a unidade (EIS) com o Autor, Infantil, Currículo e Educador, a unidade (AICE), a fim de descrever o campo de experimentação criado. Neste sentido, cabe saber: Quais foram as ideias que animaram o planejamento daquelas oficinas? Como se deu a criação do seu currículo? O seu desenvolvimento partiu de um material prévio de formas? A análise dos 26 Roteiros respondidos pelos integrantes daqueles núcleos aponta determinadas particularidades nos campos problemáticos propostos. Sendo que, a totalidade dos núcleos utilizaram-se dos signos nos seus procedimentos de invenção. Em especial, destaca-se a potência dos artísticos na criação dos seus campos problemáticos bem como, na criação do currículo.

Palavras-chave: Currículo; Trancriação; Signos

ABSTRACT

This article deals with the curriculum of project Escrileituras: reading-writing in the midst of life, developed through transcreation workshops, by the empirical-transcendental mode of Gilles Deleuze, from 2011 to 2014, in its four university nucleuses: UFRGS (coordination), UFPel, UFMT and UNIOESTE. This account implies to go back to the context of that experience, in its under-representative space, which means to articulate its Spaces, Images and Signs (the EIS unit) with Author, Children, Curriculum and Educator (the AICE unit), with the purpose of describing the field of experimentation. In this sense, it is necessary to indicate the ideas that subsidized the planning of those workshops, ways of creating the curriculum and the development of materials and forms. The analysis of the Scripts (26), which were answered by the members of the nuclei, points out particularities in the problematic fields proposed, although the total amount of them uses, in its procedures of creation of the curriculum, the potency of the artistic signs.

Keywords: Curriculum; Transcreation; Signs

Introdução

Deleuze (2006) deixou claro na conferência intitulada O Método da Dramatização que a questão o que é não é potente para se descobrir a ideia de algo. Muito mais interessante é indagar, ao modo de um detetive num filme policial: quem, como, onde e quando − a fim de que algo mais interessante surja, uma espécie de drama espaço-temporal que envolvem os conceitos possa se revelar. Portanto, ao modo deleuziano este artigo não buscará definir o currículo desenvolvido pelas oficinas de transcriação dos quatro núcleos universitários: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)/ Coordenação, Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e Universidade do Oeste do Paraná (UNIOESTE), integrantes do projeto Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida, coordenado pela profa. Dra. Sandra Corazza porém, evidenciar o drama didático que o animou e que estava por detrás do seu logos, a fim que os caminhos inventivos daquelas oficinas possam ser inventariados.

Uma vez que procurar fixar o currículo do projeto Escrileituras seria um movimento característico do pensamento representacional que desde Platão transformou o ato de pensar num tribunal. Tendo em vista ser o filósofo grego quem instaurou um fundamento para julgar os fenômenos diante de uma Ideia modelo. De modo a estabelecer uma hierarquia entre os pretendentes, a partir do modo como cada um a representa. De fato, é a Ideia que constitui o fundamento, ao possuir em primeiro lugar, uma qualidade que cada fenômeno só pode possuir em segundo lugar, e assim por diante. Portanto, ao se escapar da armadilha de descrever as generalidades daquele currículo, o tribunal da razão não pode mais ajuizar sobre ele. Bem como, deixa de exercer o efeito nefasto de eliminar as diferenças e barrar o movimento da vida. Persegue-se, com Deleuze (1992), a criação de suas regras facultativas. Uma vez que, inexistem juízos fundamentados de modo absoluto ou segundo princípios universais. Portanto, foge-se de um modelo específico, pré-figurado de currículo, ao qual qualquer outro seria submetido as regras da identidade e da semelhança, aos critérios do raciocínio lógico e representativo, a fim de liberar a sua diferença e afirmar outros modos de existir bem como, a produção da novidade. Afinal, como nos mostra o filósofo francês (1988, p. 223) no terceiro postulado da imagem dogmática do pensamento: a forma nunca inspirou outra coisa que não fossem conformidades.

E, o que significa romper com um fundamento para que se evidencie o currículo do projeto Escrileituras? Isto quer dizer concebê-lo de modo empírico transcendental − um dos movimentos característicos da filosofia deleuziana que tem como uma de suas premissas colocar em relação direta a sensibilidade e o pensamento. Além de ir contra a ideia de que o pensamento ocorre somente por uma boa vontade e da correta aplicação de um método para se chegar a verdade. E assim, a violência exercida pelas experimentações propostas por aquele currículo passam a agir diretamente sobre as faculdades dos seus participantes, a fim de explorar as dimensões das Ideias nele subjacentes. Experimentações de leituras-escrituras livres das formas e das categorias que normalmente se quer reparti-las, tais como: objetiva ou subjetiva, física ou mental, mas não das matérias. Sendo que tudo está em relação com outra coisa, sem que exista uma consciência disso, uma vez que, para Deleuze (2001) as relações são exteriores a seus termos. Trata-se de uma operação inspirada na leitura deleuziana do empirismo de Hume, a chamada casualidade das relações que libera o pensamento dos caminhos pré-definidos. Portanto, as oficinas desenvolvidas pelo projeto Escrileituras − ao longo dos seus quatros anos de existência propuseram experimentações inéditas com o pensamento e a vida dos seus integrantes, apostaram no acaso dos encontros entre os corpos - que são relação entre forças, as dominantes e as dominadas e os signos que afetam a sensibilidade, com o propósito de afirmar diferentes modos de pensar e de existir. Neste sentido, torna-se inevitável descrever a sua singularidade bem como, evidenciar os seus objetivos, abrangência e modo de funcionamento.

Projeto Escrileituras - O retorno

Como o nome já sinaliza o projeto Escrileituras concebia a escrita - tendo em vista as indicações de Corazza (2007) como um processo de escrileitura, no qual escrita e leitura ocupam posições intercambiáveis e potencializadoras, o que colocava o leitor num papel ativo na produção de um texto que podia ser escrevível ou traduzível de forma múltipla. E assim, diferentes linguagens foram trabalhadas incitadoras de outros modos de relação com a escrita, com a leitura e com a vida. Isto implicava em experimentar outras formas de expressão, de afecções e de enfrentar e ordenar o que ainda não se materializou no campo da aprendizagem.

A partir da base de dados do INEP tal iniciativa postulou a articulação entre a educação básica, as licenciaturas e a pós-graduação, visando a elevação do índice de desenvolvimento da educação básica (IDEB) das escolas participantes. Através de experimentações com a pesquisa, o currículo e a didática, a formação de professores e o exercício da docência promoveu a criação de propostas inéditas de estudos e práticas de escrileituras, com a intenção de implementar a qualificação de professores e alunos daquela etapa educacional bem como, a dos currículos dos cursos de licenciaturas nas universidades e centro federais de educação. Tais ações desenvolvidas apostaram na alfabetização enquanto prática e conceito, situada além da apropriação do código escrito, indispensável para responder a demandas sociais.

Filiado ao campo conceitual operatório deleuziano postulou em termos educacionais, uma didática e um currículo tradutórios, seguindo as indicações de Corazza (2013), tendo como base os conceitos de diferença pura e de signo, tal como formulado por Deleuze (1988) e o de invenção postulado por Bergson (1979). A diferença aqui citada refere-se a um sentido outro. Não está ligada aos estudos culturais, mas à filosofia da Diferença, à noção de multiplicidade: um constante movimento, de maneira que se é múltiplo em si mesmo. Atrelada a uma reversão do platonismo - em que a ideia do Uno é recusada, o mundo é pensado como multiplicidade. Quanto ao signo, não se trata de uma questão lingüística, circunscrita a correspondência significante e significado, mas aquilo que exerce sobre a subjetividade uma ação direta, sem mediação da representação. E, por último, quanto à invenção segue-se a filosofia de Bergson no seu duplo sentido − o da imprevisibilidade dos resultados e o da formulação de problemas e não o da sua resolução. Além de remetê-la a um processo que se dá o tempo.

Nos domínios da didática e do currículo é que ocorrem a potência afirmativa do trabalho do professor-pesquisador. E, apesar das conhecidas mazelas educacionais do nosso país resiste-se e insiste-se em educar.... Sendo que são nos processos tradutórios que se consegue maquinar a educação, com prazer e espírito aberto a uma aventura. Tais processos tradutórios via currículo e a didática implicam numa dupla operação: remeter a educação a tradição, sem restaurar o idêntico, de modo a surgir o divergente através de escrileitura de signos, espaços e imagens. Por meio da didática da tradução - com os atravessamentos do Autor, Infantil, Currículo e Educador (AICE) o currículo é transcriado - na convergência entre Espaços, Imagens e Signos (EIS); de modo que os mapas da civilização e da cultura são diferenciados, numa crítica-clínica da escrita e da leitura, da educação e da vida.

E assim, as matérias originais provenientes da Arte, da Ciência e da Filosofia Deleuze e Guattari (1992), passam a ser traduzidas de forma didática na cena dramática da aula, num processo permanente de criação e recriação. Vale destacar que os processos disparadores da produção dos textos tinham como característica dispor de uma ideia a ser dramatizada: lida, falada, enunciada, transformada e escrita de forma variada. Ideia que tem o poder de acionar cada faculdade, na medida em que ela constitui seu campo problemático − faculdade que só se exerce tendo uma ideia como problema. O que interessava no planejamento das propostas das diferentes oficinas era o rompimento com o pensamento da recognição pelos seus integrantes. De modo que, as suas faculdades deixassem de se comunicar num sentido comum, ou seja, entrassem no seu exercício disjuntivo, a fim de explorar as dimensões e deslocamentos das ideias propostas. Tal subtração do logos conecta o pensamento com o seu Fora, o devir, com o intuito de possibilitar o surgimento de escritas intensivas e potentes.

No sentido de articular os planos de pensamento artístico, científico e filosófico, o projeto propunha planos específicos de trabalho, organizados em tempos, espaços e propostas específicas, de modo a contemplar uma espécie de tipologia de Oficinas: Filosofia, Teatro, Lógica, Música, Biografemas, Matemática, Artes Visuais, Fotografia, Cinema, Exercícios do Informe, Espiritografia, Cheiros e Sabores, Trollário das Licenciaturas, etc. Sendo que cada oficina, ao modo barthesiano o autor era estimulado a desocupar o território identitário de modo a possibilitar uma abertura ao novo e ao desejo de escrever. As oficinas de escrileituras passam a ser entendidas como lócus de produção. No entanto, é importante esclarecer que a ideia de Oficina não implicava um local onde se realizam consertos, ajustes ou retificações, muito menos tratava de um lugar no qual um ofício é exercido, como tekné de escritura-e-leitura. A via da experimentação foi característica do desenvolvimento do projeto.

Tal iniciativa ocorreu nos 4 núcleos universitários, anteriormente citados. Cada um deles desenvolveu oficinas e auto oficinas de transcriação cujos procedimentos estavam ligados ao campo do vivido, das sensações e das invenções; implicavam a ruptura com o tempo cronológico e o ingresso no da duração, permitindo atravessar a ortodoxia dos textos, a fim de liberar outros modos de existir, reivindicando novas possibilidades de inscrever signos e de escriturar sentidos. Neste sentido, os resultados das escrileituras eram textos que possibilitavam o deslocamento da autoria entre leitor e escritor, a fim de se transformarem em exercício de pensamento.

Para favorecer a criação de outras maneiras de expressão, de afectos e de modos de enfrentar e de ordenar o que ainda não está materializado no campo da aprendizagem, surgem os procedimentos. Ou seja, modos de erguer monumentos com a matéria, neste caso palavras e frases, trabalhados de maneira a fazer vibrar a sensação no texto, no leitor e no escritor. Bem como, um jeito de fazer surgir novos sentidos, outras paisagens. Tais como, um ponto de vista singular de uma vida. Neste sentido, um procedimento é um modo de conduzir para possibilitar a criação, o pensamento criador. Criar procedimentos é pensar didáticas que possibilitem aos participantes das oficinas saírem do pensamento representacional, que é da ordem da recognição - na qual um mesmo eu reconhece um mesmo objeto e ingressarem no pensamento sem imagem, da ordem da invenção, o que possibilita a criação de sentidos.

Não é nenhuma novidade o fato do pensamento criador não ocorrer com facilidade. O que o senso comum entende por pensar é, na maioria das vezes, a repetição de uma ideia bem conhecida, uma acomodação do pensamento - não há necessidade de elaborar uma ideia, ela é previamente dada. De modo que, sem que se rompam com os antigos hábitos, com os esquemas recognitivos, o pensamento inventivo não surge. Tal criacionismo pedagógico movimentado por procedimentos exploratórios experimentais segundo Corazza (2012); Feil (2011) partiram de clichês - formas, sentidos, interpretações, indivíduos, identidades e conhecimentos; a fim de identificar a imagem dogmática de pensamento correspondente - que tem na recognição um de seus pressupostos e também seu modelo, com o intuito de borrá-los e escavá-los, através de conjuntos operatórios de traços pré-individuais: involuntários, contingentes, não-representativos, não-ilustrativos, não-figurativos e não-narrativos animaram o plano e a execução das oficinas de transcriação.

Como consequência, torna-se necessário trazer à tona a processualidade proposta através do trabalho inventivo com a escrita. A invenção é o produto de uma tensão constante entre duas tendências: a da criação e a da repetição. A criação não é rara ou fruto do acaso, mas exige esforço para que seja ultrapassada a tendência repetitiva. Uma vez que, seguindo Bergson (2006), é por meio de experimentações com uma matéria e abertura a imprevisibilidade que se cria o novo. Experimentação que não produz efeitos instantâneos, uma vez que a transformação de uma ideia numa forma pode implicar numa gestação, uma espera, o que envolve o tempo, a duração. Logo, o desafio dos procedimentos criados consiste em acionar o plano da forças, do informe - o que implica tempo da diferença, pois facilmente se acessa o plano das formas, ou seja, a matéria.

De modo que colocar em cena o drama do currículo do projeto Escrileituras, significa remontar às condições da sua experiência, ao seu espaço sub-representativo, ou seja, articular os seus Espaços, Imagens e Signos, a unidade (EIS) com o Autor, Infantil, Currículo e Educador, a unidade (AICE). Entretanto, movimentar (EIS) é não remontar este bloco a uma instituição específica, território, ou cultura, que remontaria a verdadeira educação, assim como (AICE) não trata de uma infância, de uma docência específica, reflexo de uma realidade, mas como subjetividades dispersas.

Portanto, é da perspectiva criacionista da didática que cabe indagar: Quais foram as ideias que animaram o desenvolvimento das oficinas de transcriação do projeto Escrileituras, ou melhor quais foram os campos problemáticos propostos pelos seus núcleos, a fim de que a faculdade dos seus participantes fosse colocada num exercício superior? E, como o projeto Escileituras criou um currículo, a partir de, Espaços, Imagens e Signos (EIS)? Além disso, é possível afirmar que o seu desenvolvimento pressupunha um material prévio de formas?

A necessidade tornar explicita no campo didático a teoria tradutória que orientou o funcionamento das diferentes oficinas realizadas pelos núcleos do projeto Escrileituras: UFRGS, UFPel, UNIOESTE e UFMT motivou a realização de um exercício por parte dos seus integrantes, elaborado pela profa. Dra. Sandra Corazza. Não se tratava de reconstituir as teorias que utilizaram ou que os mobilizaram, mas o que na práxis das diferentes oficinas desenvolvidas era o seu norte. E, com base nesta teoria, procurar reconstituir, em cada etapa, a sua experiência de professo-tradutor, o seu trabalho na cena da aula, seus pontos claros e obscuros. Neste sentido foi solicitado a cada participante uma elaboração dos procedimentos tradutórios em didática que embasaram a sua prática.

Tal produção partiu do pressuposto de que o que permitiu a cada pesquisador responder as suas questões foi, inicialmente, o resultado do plano elaborado, ao colocar a didática a funcionar, como um professor que se apropriou da teorização do projeto. No entanto, o exercício exigia que o pesquisador continuasse teorizando mais vezes, de modo que as escrileituras solicitadas, consistisse numa zona híbrida: nem prática ou teórica.

A seguir na íntegra, o Roteiro para Inventariar Procedimentos Didáticos de Tradução em uma Aula. Inicialmente, eram solicitados os dados de identificação da aula (ou da oficina) selecionada, dentre os quais: “Título, duração e data(s) de realização da aula/oficina que será enfocada [...]”. Após, vinha o “Modo de fazer”, qual seja:

Pense em uma aula ou oficina já realizada e em você como professor-tradutor desta mesma aula ou oficina. 2. Então, responda o que é solicitado, digitalizando as suas respostas em folha à parte. 3. Envie o Roteiro respondido com o título ROTEIRO PROCEDIMENTOS TRADUÇÃO para o seguinte e-mail [...], até o dia [...].

Os principais movimentos solicitados foram cinco (5), acompanhados das suas correspondentes especificações e possibilidades de ser pensado, dispostas em notas complementares, situadas abaixo de cada movimento e que correspondem, respectivamente, a mesma quantidade de asteriscos, quais sejam:

I - “Indique o PENSAMENTO* DE PARTIDA** que foi traduzido”.

* PENSAMENTO: Ideia. Texto. Língua. Tese. Conteúdo. Unidade. Leitura. Capítulo. Trecho. Sistema. Plano. Conjunto. Ponto. Referência. Perspectiva. Corrente. Ordem. Forma. Modo. Figura. Cena. Drama. Caso. Imagem. Signo. Espaço. Marca. Indício. Ícone. Traço. Mito. Visão. Retrato. Significação. Sentido. Opinião. Conceito. Argumento. Tema. Saber. Conhecimento. Discurso. Voz. Fala. Origem. Valor. Verdade. Universal. Besteira. Certeza. Dificuldade. Presença. Relação. Elaboração. Autor. Obra. Escola. Filosofema. Lógica. Teoria. Prática. Coisa. Objeto. Sujeito. Tratado. Estrutura. Fato. Real. Realidade. Ideologia. Funcionamento. Pista. Parâmetro. Hierarquia. Processo. Mecanismo. Método. Currículo. Enunciado. Frase. Proposição. Exemplo. Reflexão. Regra. Operação. Cálculo. Fórmula. Função. Problema. Enigma. Etc. ** DE PARTIDA: “Original”.

II - “Descreva a IMAGEM DOGMÁTICA* DO PENSAMENTO de onde você partiu**”.

* IMAGEM DOGMÁTICA: Ortodoxa, moral, de julgamento.

** DE ONDE VOCÊ PARTIU. Use os seguintes indicadores: IDP calcada na boa vontade do pensador e na boa natureza do pensamento; baseada no ideal e na ilusão; imagem do senso comum natural, do consenso e do bom senso de direito; contém pressupostos subjetivos ou implícitos, do tipo: “todo mundo sabe...”; “ninguém pode negar...”; “todos reconhecem que...”; imagem da opinião ou da doxa; atende ao modelo da recognição: do Estado, da Igreja, dos valores estabelecidos do tempo, etc.; subordina a diferença às representações: da identidade, da semelhança, da analogia, da oposição; imagem cujos problemas são definidos pela possibilidade de serem resolvidos; obedece ao postulado do negativo ou do erro e ao postulado do saber, para o qual há subordinação do aprender ao saber e da cultura ao método.

III - “Descreva o MÉTODO DE INVENÇÃO*, criado ou usado por você, que colocou** um PROBLEMA***, ou um campo problemático****, como uma IDEIA problematizante e problemática, concernente a uma ordem de acontecimentos ou de afecções; que fez uma gênese efetiva da verdade; uma produção do verdadeiro no pensamento; e que criou os termos nos quais o problema se formulou, os meios e os termos de que você dispôs para formulá-lo”.

* MÉTODO DE INVENÇÃO: Essencialmente problematizante (crítica de falsos problemas e invenção de verdadeiros), diferenciante (cortes e intersecções) e temporalizante (pensar em termos de duração).

** COLOCOU: Suscitou, confeccionou, constituiu, posicionou um problema: “colocar o problema não é simplesmente descobrir, é inventar” (Deleuze, 1999, p.9).

*** UM PROBLEMA: Essencialmente problematizante, diferenciante e temporalizante, que fez uma crítica aos falsos problemas e à invenção dos verdadeiros problemas.

**** CAMPO PROBLEMÁTICO: Como objetidade ideal, que tem sua suficiência e implica atos constituintes e investimentos.

IV - “Mostre como as suas traduções fizeram a REVERSÃO DA IMAGEM DOGMÁTICA DO PENSAMENTO de partida*”.

* REVERSÃO DA IMAGEM DOGMÁTICA DO PENSAMENTO: Reversão desde as seguintes operações: subtração ativa e crítica das transcendências e seus efeitos, das ficções e dos universais, que asseguram um pensamento do juízo como teoria do conhecimento e como doutrina moral; combate entre forças de pensamento, submetidas a torções, para comporem um centro de metamorfose; operações de privação de constantes e de elementos de estabilização; extração dos elementos estáveis, dos marcadores de poder e dos critérios preexistentes (valores superiores); transposição em termos de menor, expondo o sentido majoritário a determinações virtuais; subordinação da forma ao movimento e do sujeito à intensidade dos afetos; subtração de um (ou de mais de um) dos termos do pensamento/problema/texto/ideia/etc., que sustenta(m) os problemas desenvolvidos pelos sistemas que a sua tradução foi transformando; redefinição das questões, das personagens recalcadas, das figuras do juízo de conhecimento, em sua forma moral ou teológica; luta contra a fraqueza, a má consciência, a tolice e a baixeza do pensamento; apreensão daquilo que há de novo no existente, sem determinar novos modos de comportamento ou de existência; criação de novas regras de transformação, inversão e desvio; devastação de significações/sentidos/conteúdos/etc., para a tradução poder afrontar os seus limites; acionamento de experiências do pensamento, ativação de problemas não dados e criação de novos problemas.

V - “Escreva como você traduziu e criou outro PLANO DE IMANÊNCIA ou uma NOVA IMAGEM DE PENSAMENTO*”.

* NOVA IMAGEM DE PENSAMENTO. De modo a: transpor os limites para arrancar deles as novas ideias/pensamentos/textos/etc.; proliferar a nova posição filosófica/artística/científica; variar a ideia/problemas/etc.; realização de outra escritura/intepretação/leitura, desta vez, com extensão da imanência, que avaliou como o existente se preenche de imanência; pensar de novo, sem o julgamento, as transcendências e a IDP; criação de um método de invenção de novos problemas/ideias/textos/etc.; afirmação da diferença, potências do salto, do intervalo, do intensivo, dos simulacros e dos demônios; exercícios do informe ou do devir da forma, dos disparates e dos paradoxos de sentido; pensamento da diferença, via signos novos, ou o ponto de partida daquilo que forçou o pensamento a pensar; realização do empirismo superior ou transcendental, que pensa as condições da experiência real e cria conceitos, perceptos e funções; fidelidade à imanência, contra a doutrina do juízo e a forma predicativa da seleção transcendente entre os pretendentes; afirmação da imanência e da univocidade do ser, recusando o pensamento categorial e analógico.

Tendo por base a leitura do Roteiro acima − respondido por 26 integrantes dos quatro núcleos universitários de Escrileituras passa-se a elucidar as suas questões. Ou seja, após vários anos de estudo, encontros e participação em seminários, o que da teoria estudada se refletiu nos procedimentos didáticos das oficinas? No entanto, é importante destacar que o objetivo do exercício não era a reconstrução de uma teoria, mas que emergisse no campo didático a teoria tradutória que norteou o seu funcionamento.

Uma vez que, a direção do trabalho educacional, seguindo a formulação de Corazza (2014) de ensinar, escrever, pesquisar, orientar pode ser sintetizada a ocupar Espaços, fazer Imagens e se confrontar com Signos, expressos pela unidade (EIS). No caso específico dos Roteiros, interessa a relação que o planejamento das oficinas travaram com o Espaço, quais Imagens animaram o seu desenvolvimento, assim como, a relevância do trabalho com os Signos. Portanto, as questões: I) Indique o pensamento de partida que foi traduzido, II) Descreva a imagem dogmática do pensamento (IDP) de onde você partiu e a III) Descreva o método de invenção propostas daquele instrumento são capazes de fornecer as pistas para que os elementos que compõem a unidade (EIS) surjam.

Os roteiros didático de tradução frente ao espaço, imagens e signos (EIS)

O encontro com os signos como modo de ensinar ou de forçar a pensar foi o pensamento de partida traduzido pela maioria das oficinas: (04) num total de (09) instrumentos do Núcleo UNIOESTE: “O livro Pensar em Deleuze: violência e empirismo no ensino de filosofia de Esther Heuser nos deu a pensar o encontro com os signos como possibilidade de ensino”, “(...) Na obra deleuziana Proust e os signos (2003) o filósofo afirma que não há em nós uma boa vontade de pensar, um desejo, um amor pela verdade. Nas demais encontram-se: um pensamento criador para uma nova relação ético-político no âmbito do trabalho, a filosofia com crianças de Lipman: “Tendo, a partir deste a ideia de introduzir a filosofia com crianças de modo a desenvolver nelas a visão crítica, criativa e ética do seu pensamento”, trecho do volume II de Em busca do tempo perdido de Proust: “mais especificamente, o trecho do segundo dos sete volumes intitulado: À sombra das moças em flor, de sua segunda parte: Nomes dos lugares: o lugar”, transcriar a escrita adolescente, sendo que (01) instrumento não respondeu. De modo que, a imagem dogmática do pensamento (IDP) de onde o professor partiu aponta para o rompimento com a (IDP) característica da filosofia tradicional presente em (06) oficinas, o ato de criação de poemas, complexo, algo que só adultos podem fazer (01) oficina, sendo que (02) instrumentos não responderam a esta questão.

A ideia do corpo foi o pensamento de partida traduzido pela maioria das oficinas do Núcleo UFMT (04) instrumentos num total de (06). Tal pensamento apresentou nuances desde trechos de cartas que expressam um sofrimento forte de crise: “texto de cartas de Artaud, Nietzsche e Van Gogh, escritas em situações de sofrimento ou consideradas em crise. Cartas que relatam experiências em circunstâncias de confinamento, dor”, definições de saúde bem como, o corpo sem órgãos (CsO) e como criá-lo: “É preciso um começo, sempre. Então, que seja com a noção de (CsO) de Deleuze e Guattari, (...) Se ao (CsO) não se chega e ele é um limite é preciso de alguma maneira trazê-lo como prática ou um conjunto dela”.

A imagem dogmática do pensamento (IDP) do ato de ensinar foi apontada por (01) oficina, sendo que esta questão não foi respondida por (01) instrumento. Portanto, a maioria das respostas que dizem respeito a (IDP) possuem relação com o corpo disciplinado, objeto de censura e interdito, adoecido, vigiado como o do louco, num total de (05) instrumentos. Sendo que, a questão dos métodos de ensino como garantia do aprendizado foi mencionado em (01) oficina.

O docente foi a ênfase, tanto com relação ao seu adoecimento (02) instrumentos, como a sua formação (01) instrumento do pensamento de partida que foi traduzido pelos (05) instrumentos do Núcleo UFPel. Sendo que, as outras duas oficinas optaram por algo diverso: a ideia de criança como etapa de vida: “Foi traduzida a ideia de criança como um ser humano no início do seu desenvolvimento (...) Ideia desenvolvida por Platão, mais especificamente no livro II da República” e a dança e a filosofia na escola pública. Sendo assim, as repostas relativas a imagem dogmática do pensamento (IDP) estão ligadas ao docente, tanto com relação ao seu adoecimento: “Discurso recorrente, de diversos setores sociais, mais especialmente dos espaços educacionais, que indicam o sofrimento de uma categoria fragilizada, principalmente por órgãos do Estado: os docentes (01) e a medicina ocidental (01), quanto a sua identidade (01). E, em relação as outras duas oficinas, a (IDP) foi igual ao pensamento traduzido”.

E, por último, o tema da escrita consistiu no pensamento de partida que foi traduzido por (02) dos (04) instrumentos integrantes do Núcleo UFRGS. Seja através da sua transcriação pelo movimento de um corpo: “Transcriar a Escrileitura com a prática do movimento. Tornar o movimento cotidiano do ambiente escolar e valorá-lo como um movimento dançante” ou por aquilo que está presente quanto se escreve sobre uma vida: “Quando se escreve sobre uma vida do que se trata? O que cabe nesta escrita? Somente fatos, datas, uma cronologia como a velha conhecida linha do tempo?” Outra oficina utilizou o conhecimento como invenção, enquanto que a última enfatizou a poesia modernista. Logo, imagem dogmática do pensamento (IDP) das oficinas estavam ligadas ao questionamento de que somente o que é grande integra a escrita de uma vida (01) instrumento, ao cógito cartesiano: penso, logo existo (01) instrumento bem como, a (IDP) do professor de literatura (01) instrumento, sendo que (01) instrumento não respondeu.

Todos os núcleos fizeram tentativas de romper com o pensamento representacional e com os seus esquemas de recognição uma forma de anular, nos participantes das oficinas, as repostas sensório-motoras frente as diferentes situações. Ação resultante da imagem sensório-motora, ou clichê que se faz das coisas ou situações. Uma vez que, de acordo com Bergson (2005) sempre se percebe de acordo com algum interesse, ou seja, sempre se percebe menos. Portanto, foram realizadas várias tentativas de colocar os participantes das oficinas em relação com outras forças, em relação com o que dá a pensar, de forma que o pensamento ao buscar outras referências e alternativas possibilitasse a escrita inventiva. Os professores-pesquisadores partiram da necessidade de acabar com a IDP dos integrantes das oficinas de maneira que a gênese do ato de pensar fosse instaurada. Tal processo nomeado por Abreu (2007), de subtração/constituição é desencadeado pelos signos. Ou seja, trata-se de retirar o que impedia o pensar para que algo, o novo, surja. Assim, o pensamento ao deixar de se apoiar em princípios passa a ser acionado pelos signos.

Os procedimentos que compunham os variados métodos de invenção dos quatro núcleos de Escrileituras fizeram uso dos signos que possuem certas especificidades. Em especial, destaca-se a presença dos artísticos nas oficinas. Isto confirma o seu papel superior em relação aos mundanos, amorosos e sensíveis que Deleuze lhes confere em Proust e os signos. Por serem os únicos imateriais tem o poder de acionarem o pensamento puro dos escrileitores. De modo que, o seu pensamento foi forçado a ir em busca da sua interpretação e sentido, ou seja, da sua essência. Diferentemente do uso dos demais tipos que por ainda serem materializados surgem parcialmente encobertos nos objetos que os portam.

Importante destacar que a totalidade dos núcleos realizaram as mais diversas tentativas de promover um encontro com os signos - aqueles que não remetem a coisa alguma, significação transcendente ou conteúdo ideal. Algo que atinge apenas uma das faculdades daqueles participantes, sem que as outras possam apreendê-lo, e então correr para o seu reconhecimento. De forma que, quando o embate ocorria, irrompia algo mais forte que despertava, através da sensibilidade, todo o organismo, não somente a inteligência. Isto não significa que se tratava de um objeto portador de identidade, mas algo de diferencial nele, correlato do exercício divergente do processo cognitivo. Tal ação possibilitava aos participantes das oficinas romperem com o hábito e as suas verdades objetivas e assim, uma chance ao pensar e a fabulação criadora tinham lugar.

Os signos das artes agiram como operadores do deslocamento do pensamento dos participantes das oficinas não somente no espaço, como também no tempo - instância contraditória que relaciona os fragmentos, sem no entanto, tirá-los da solidão que os caracteriza. Ainda, de acordo com o pensamento da exterioridade das relações, o tempo é a instância que exerce a função da parte heteróclita, num conjunto em que o próprio tempo articula transversalmente. A busca da verdade por parte dos integrantes das oficinas dependerá sempre com o encontro com os signos que desencadeiam o pensar. Signos que para Deleuze (2003) implicam um aprendizado temporal e, não um saber abstrato. Sendo o tempo entendido como devir, capaz de reunir os fragmentos sem totalizá-los ou unifica-los que desfaz o compromisso com o julgamento e o reconhecimento. Tempo da criação, da produção da diferença. Logo, seguindo Deleuze (2003, p. 16): procurar a verdade é interpretar, decifrar, explicar, e essa explicação se confunde com o desenvolvimento do signo em si mesmo. E assim, o pensamento dos escrileitores é arrastado em direção à interpretação e a criação, ao deixar cronos para ingressar em aion, tempo e intensivo e fabulador.

Neste sentido, os signos exerceram uma ação paradoxal frente a unidade (EIS). Pois, como foi dito anteriormente, a fim de que o pensamento inventivo se manifeste é necessário que certas condições ocorram, como: preparação, experimentação e transcriação. Isto requer que os escrileitores ocupem um Espaço, ao mesmo tempo que, uma determinada disciplina dos corpos imposta pelo contato com diferentes matérias emissoras de signos ocorra. No entanto, os signos não deixam de agir na via oposta, ou seja, no traçado das linhas que travam contato com o Fora, com o impensado. Movimento imprescindível para que o sedentarismo do pensamento dos escrileitores se rompa e desse modo, passem a habitar o território inventivo. Afinal, é por abalos que uma nova escrita se cria, num traçado divergente e não pela convergência das faculdades na identificação do conhecido.

Tais constatações trazem implicações para a elaboração do currículo do projeto Escrileituras bem como, para os seus movimentos didáticos transcriadores. Uma vez que, a utilização dos signos das artes nos procedimentos didáticos-tradutórios não significa que estes se evidenciaram diretamente nas matérias escolhidas, sejam elas − filosóficas, literárias, musicais, nutricionais, mas que estas os envolveram. Portanto, há que se romper com determinadas crenças para que o encontro com os signos ocorra e as sensibilidades dos participantes das oficinas possam ser despertadas. Tais como, a crença objetivista que tem como característica atribuir ao objeto o signo que porta - atitude comodista inerente ao encontro com qualquer um dos seus tipos. Como bem advertiu Deleuze, em Proust e os signos, tal fato é decorrente de uma inclinação natural do pensamento representacional e a da percepção. Vale destacar que o objetivismo não é uma tendência única porém, um composto de muitas outras. Tais como, é a orientação da memória voluntária que se lembra das coisas e não dos signos. Além de ser a direção do prazer e da atividade prática que tem por base a posse das coisas. Do mesmo modo que é a tendência da inteligência.

Este fenômeno se explica por mais de uma razão. O signo pode ser entendido de várias formas Abreu (2007): uma matéria do mundo, um fragmento não totalizável, não sendo uma aparência, nem uma aparição, nem objetivo, nem subjetivo. Ainda, pode ser concebido como uma intensidade, segundo Deleuze em Diferença e repetição. Sendo que, cada signo possui duas metades, relaciona-se a um objeto, mas significa alguma coisa díspar só conhecida por aquele que com ele trava um encontro. Além disso, é a partir deste contato fortuito e ocasional, uma sensação é despertada e por pressão, coação, o pensamento é convocado a pensar um estranhamento. Sendo assim, é possível constatar que cada núcleo de Escrileituras possui suas particularidades quanto ao modo de usar estes objetos de experiência.

Os campos problemáticos dos núcleos de Escrileituras

De modo que, no núcleo UNIOESTE um campo problemático foi construído por meio de obras literárias, leituras dramáticas, poemas, brain storming, jogos que envolveram uma sensibilização do sentir, ou melhor, dos sentidos dos participantes.

A grande maioria das oficinas do núcleo UFPel formou um tecido problemático através da leitura de poemas, audição de música, fragmentos de vídeo e filme. Tais matérias foram agenciadas com os conceitos filosóficos e movimentos dos corpos dos escrileitores.

Com relação ao núcleo UFMT, o pensamento dos escrileitores compôs seu campo problemático por meio de cartas com descrição estética, leitura de poema de Manoel de Barros, além de experimentações sonoras e visuais através da música. Houve um grupo que trabalhou com os signos sensíveis dos alimentos que acionaram ora a memória involuntária, ora a imaginação dos escrileitores. Tais signos de acordo com Deleuze (2003) são verídicos, afirmativos e alegres, no entanto por ainda estarem ligados ao mundo material a sua interpretação pode fracassar.

E, por último, em termos do núcleo UFRGS, o campo problemático ocorreu pela emissão dos movimentos de um corpo, pela dança e a sensação das palavras: mar, terra, ar, leve e pesado; da junção entre a perda de uma metade de si e o puctum, o insignificante de uma foto, de conceitos filosóficos e da leitura de poemas.

Portanto, os mais diversos procedimentos de invenção postulados pelos quatro núcleos de Escrileituras não partiram de um conjunto prévio de formas mas, de estratégias que tinhas por objetivo liberar o pensamento dos escrileitores da sua imagem dogmática. Aquela que pressupõe que a inteligência surge antes que o pensar ocorra e que espera que ele siga um caminho já trilhado, estabelecido de antemão, dentro de uma retidão que favorece o desvio das forças que podem impedi-lo de chegar a verdade, no caso, como se ela já estivesse dada e só esperando para ser desvelada.

Conclusão

É da perspectiva criacionista da didática que se perseguiu as ideias que impulsionaram o plano das oficinas de transcriação, ou melhor, os campos problemáticos instaurados e desenvolvidos pelos quatro núcleos universitários: UFRGS, UFPel, UFMT e UNIOESTE integrantes do projeto Escrileituras. Bem como, aquelas relativas a criação do seu currículo, tendo por base Espaços, Imagens e Signos (EIS), além de investigar se o seu desenvolvimento pressupunha um material prévio de formas.

Neste sentido, tornou-se necessário remontar ao planejamento e desenvolvimento das suas oficinas, denominadas de oficinas de transcriação que implementaram diversas experimentações com o pensamento e a vida dos seus participantes, no decorrer dos quatro anos de sua vigência, ou seja, entre os anos de 2011 a 2014, em cada um dos núcleos. Portanto, remontou-se aos seus procedimentos que visavam liberar o pensamento das restrições impostas pelo modelo representacional platônico, como as regras da identidade e da semelhança, a fim de originar textos fabuladores, inéditos que diferiam de todo e qualquer modelo prévio. Ou seja, os procedimentos surgiram para favorecer a criação de outras maneiras de expressão, de afectos, e de modos de enfrentar e ordenar o que ainda não estava materializado no campo da aprendizagem.

Ao romper com um fundamento do pensar o currículo do projeto Escrileituras procurou colocar em relação direta a sensibilidade e pensamento dos seus participantes, uma das características do empirismo transcendental de Deleuze. De modo que o drama do seu currículo, a sua dimensão sub-representativa, isenta do logos, onde Espaços, Imagens e Signos (EIS) se articulam com Autor, Infantil, Currrículo e Educador (AICE), a partir de uma tradução das matérias originais ligadas a Arte, a Ciência e a Filosofia emergissem.

Neste sentido, retomou-se o exercício solicitado e respondido pelos professores-pesquisadores integrantes daqueles núcleos sobre os procedimentos tradutórios em didática que embasaram suas práticas. Sendo que tal tarefa exigia que o pesquisador continuasse teorizando mais vezes, de modo que as escrileituras solicitadas, consistisse numa zona híbrida: nem prática ou teórica. Portanto, as respostas dos escrileitores pertencentes aos quatro núcleo universitários aquele instrumento denominado: Roteiro didático de tradução de uma aula ou oficina, mais especificamente, as suas questões: I) Pensamento de partida, II) Imagem dogmática do pensamento e III) Método de invenção ao acionarem o seu espaço sub-representativo permitem visualizar as particularidades de seus campos problemáticos.

Portanto, pode-se afirmar que o núcleo UNIOESTE se caracterizou por erigir seu campo problemático com base no encontro fortuito com os signos, tendo em vista que são eles que dão a pensar. Por sua vez, o núcleo UFPel utilizou diferentes matérias emissoras de signos agenciadas com conceitos filosóficos e movimentos dos corpos dos escrileitores. Ao mesmo tempo, em que o núcleo UFMT lançou mão de diferentes matérias emissoras de signos, agenciadas a uma situação problemática relacionada a formação de um Corpo sem órgãos (CsO). E, por último, o núcleo UFRGS, apostou na colocação de um problema que poderia estar associado ou não aos signos das artes.

Destaca-se o papel preponderante dos signos das artes nos procedimentos inventivos bem como, na criação de um currículo por parte dos integrantes das oficinas. Uma vez que, por serem desmaterializados eles acionaram, diretamente, o seu pensamento. A utilização deste tipo de signo instaurou um campo problemático no qual os escrileitores penetraram em busca de decifração do seu sentido. Signos potentes capazes de deslocar o pensamento dos participantes das oficinas não somente no espaço mas, também, no tempo. Sendo que, pela sua exigência de interpretação demandaram uma outra disciplina ao pensamento dos participantes das oficinas permitindo que uma escrita nova, fabuladora surgisse. Signos portadores de problemas e interpretações, de modo que não se encontram, de forma direta, nas matérias envolvidas nos procedimentos inventivos, mas nelas estavam implicados.

Referências

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Recebido: 01 de Março de 2018; Aceito: 15 de Maio de 2018

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