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Educação UFSM

versão impressa ISSN 0101-9031versão On-line ISSN 1984-6444

Educação. Santa Maria vol.44  Santa Maria  2019  Epub 11-Nov-2020

https://doi.org/10.5902/1984644435193 

Artigo Demanda Contínua

A adoção de apostilas na Educação Infantil: reflexões sobre uma unidade didática

The adoption of learning packages in Kindergarten: reflections on a didactic unit

Marlon Dantas Trevisan*  Universidade Federal do Mato Grosso - Campus de Rondonópolis
http://orcid.org/0000-0002-5822-0677

Gilvane Reinke**  Universidade Federal do Mato Grosso - Campus de Rondonópolis
http://orcid.org/0000-0002-5204-588X

Simone de Cássia Soares da Silva***  Universidade Federal do Mato Grosso - Campus de Rondonópolis
http://orcid.org/0000-0003-0945-8280

*Professor doutor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) - Campus de Rondonópolis, Rondonópolis, Mato Grosso, Brasil. marloneanela@uol.com.br

**Mestranda na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) - Campus de Rondonópolis, Rondonópolis, Mato Grosso, Brasil. gilreinke@hotmail.com

***Mestranda na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) - Campus de Rondonópolis, Rondonópolis, Mato Grosso, Brasil. simonedecassia2@hotmail.com


RESUMO

O presente texto reflete sobre a utilização de apostilas nas rotinas pedagógicas da Educação Infantil. Dados quantitativos são apresentados, revelando que a aquisição destes materiais por parte das prefeituras tem se expandido como política pública em nível nacional. Com aportes teóricos em Bakhtin (2011), Vygotsky (1991), Peirce (2005) e Dewey (1979), pretende-se analisar de que modo aparecem conceitos sobre aquisição da língua, experiência e signo, dentre outros de natureza comunicativa, no projeto discursivo dos materiais, especialmente em uma unidade didática coletada de um conhecido sistema de ensino, voltada para a faixa etária de cinco anos. Deste modo, o trabalho se caracteriza metodologicamente como análise semiótico-documental, concluindo que, se por um lado, os exercícios analisados encantam pelas imagens, diagramação e outras qualidades, por outro, reproduzem procedimentos tradicionais do ensino de língua, acentuando a dependência das crianças em relação ao educador, não valorizando a oralidade, a escrita espontânea e demais expressões do protagonismo delas na aprendizagem. Pelos conflitos inerentes à adoção de tais aparatos pedagógicos no contexto da Educação Infantil, defende-se a necessidade de ampliação do debate sobre tal, de modo que a adoção dos sistemas apostilados possa ser reavaliada, sem prejuízos para a infância.

Palavras-chave: Apostilas; Educação Infantil; Linguagem

ABSTRACT

This text reflects on the use of learning packages in the pedagogical routines of kindergarten. Quantitative data are presented, revealing that the acquisition of these materials by municipalities has expanded as public policy at the national level. In this paper, Bakhtin (2011), Vygotsky (1991), Peirce (2005) and Dewey (1979) will analyze how concepts on the acquisition of language, experience and sign, among others, of communicative nature appear in the project discursive use of materials, especially in a didactic unit collected from a well-known teaching system, aimed at the age group of five years. In this way, the work is methodologically characterized as semiotic-documentary analysis, concluding that if, on the one hand, the exercises analyzed enchant the images, layout and some advances, on the other, they reproduce traditional procedures of language teaching, accentuating children's dependence in relation to the educator, not valuing orality and spontaneous writing, among other expressions of their protagonism in learning. Due to the conflicts inherent to the adoption of such pedagogical apparatuses in the context of Kindergarten, it is defended the need to broaden the debate on this, so that the adoption of the apostilled systems can be re-evaluated without prejudice to childhood.

Keywords: Learning packages; Kindergarten; Language

Introdução

Este trabalho aborda tensões inerentes ao debate sobre a utilização de sistemas apostilados nas rotinas pedagógicas da Educação Infantil, apresentando uma análise semiótica e linguística de exercícios de uma apostila destinada a crianças de 5 anos, pertencente ao conhecido Sistema Positivo de Ensino, confeccionado no estado do Paraná. Também apresentaremos dados quantitativos da adoção dos materiais no estado de São Paulo, a partir da pesquisa de Adrião (2012), e Mato Grosso, conforme coleta que realizamos em outubro de 2017. Nosso arranjo teórico busca na filosofia da linguagem, especialmente russa e norte-americana, tecer reflexões gnosiológicas inerentes à natureza do enunciado (BAKHTIN, 2011), ao papel da atividade sóciointerativa no desenvolvimento das funções psíquicas, segundo Vygotsky (1998), bem como conceitos de experiência e signo, tal como os conceberam Dewey (1979) e Peirce (2005). Destarte, procuramos contribuir para o debate em questão, sobretudo pela retina metodológica dos estudos comunicativos e semióticos, com viés documental; um desafio, dados os conflitos que se enumeram quando o que está em jogo vem a ser a formação das crianças e seus direitos.

A aquisição de tais materiais tem se tornado uma política municipal praticada em escala ascendente, abrigando um tortuoso paradoxo: por um lado, o contexto acadêmico, que forma professores, reprova maciçamente as apostilas, prova disto tivemos com a moção de repúdio veiculada pela ANPed - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação -, GT 07, em 2011, condenando a aquisição dos sistemas apostilados por prefeituras no país; por outro, verificamos a classe docente que atua na Educação Infantil e as utiliza, em sua maioria (com respeito aos educadores paulistas, 69%) a favor do uso das mesmas (ADRIÃO, 2012). No estado do Mato Grosso, nosso lócus de pesquisa, temos 62,5%. Vale ressaltar que, neste estado, quando se trata de docentes que nunca adotaram tais aparatos didáticos nas rotinas da Educação Infantil, apenas 37,4 % os defendem, segundo dados que levantamos em outubro de 2017.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem em Domicílios Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - PNADC/IBGE -, temos 8,5 milhões de crianças matriculadas na Educação Infantil. Deste total, 3,4 milhões frequentam a creche (Faixa etária: 0 a 3 anos); 5,1 milhões estão na pré-escola (faixa etária de 4 e 5 anos), dos quais 23,2% são atendidos pela rede particular. (IBGE, 2017) Um dado que vem a atestar a adoção massiva destes aparatos pedagógicos por parte de prefeituras também nos fornece Adrião (2012): no estado de São Paulo, entre os anos de 1998 (primeira aquisição) e 2007, apenas 15 municípios haviam comprado os materiais; em 2010, 310 haviam feito o mesmo (48% das prefeituras).

Para conhecermos o cenário de tais políticas no estado do Mato Grosso, pedimos a 226 educadores que respondessem a um questionário aplicado durante o Seminário 1 do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) - MT, realizado nos dias 28 e 29 de outubro de 2017. Das 141 prefeituras mato-grossenses, 30 adotam atualmente os materiais no contexto da Educação Infantil, perfazendo um total de 21,4%.

Quadro 1 Adoção dos sistemas apostilados para a Educação Infantil no estado do Mato Grosso (dados atualizados em maio de 2018) 

MUNICÍPIO APOSTILA ADOTADA
1 Acorizal Apostila Própria
2 Alto Paraguai Sistema Positivo de Ensino
3 Alto Taquari Sistema Educacional Família e Escola - SEFE
4 Araguaiana Apostila Própria
5 Aripuanã Apostila Própria
6 Bom Jesus do Araguaia Apostila Própria
7 Cáceres Sistema Positivo de Ensino
8 Campinápolis Sistema Positivo de Ensino
9 Campo Verde Sistema Educacional Família e Escola - SEFE
10 Cláudia Supera
11 Colniza Apostila Própria
12 Conquista D’Oeste Sistema Positivo de Ensino
13 Figueirópolis D’Oeste Apostila Própria
14 Gaúcha do Norte Sistema Positivo de Ensino
15 Ipiranga do Norte Sistema Positivo de Ensino
16 Itiquira Sistema Positivo de Ensino
17 Mirassol D’Oeste Apostila Própria
18 Nova Bandeirantes Apostila Própria
19 Nova Ubiratã Sistema Positivo de Ensino
20 Nova Xavantina Apostila Própria
21 Paranaíta Sistema Positivo de Ensino
22 Porto Estrela Apostila Própria
23 Reserva do Cabaçal Apostila Própria
24 Riberãozinho Coleção Bem Querer
25 Salto do Céu Apostila Própria
26 Santa Carmem Alfa & Beta
27 Santa Cruz do Xingu Lápis na Mão
28 São José do Rio Claro Apostila Somos
29 S. José Quatro Marcos Lápis na Mão
30 Tapurah Sistema Positivo de Ensino

Fonte: Dados dos pesquisadores

Podemos observar que o Sistema Positivo de Ensino fora adquirido por 33,3% das prefeituras do estado de Mato Grosso, perdendo apenas para as apostilas próprias - materiais elaborados por docentes das redes municipais, um modo de baixar os custos de aquisição. Tendo em vista a liderança de mercado daquele sistema apostilado também em diversos outros entes federados, escolhemo-lo para uma análise que será apresentada na etapa final do presente trabalho.

Em sua tese sobre os sistemas de ensino, João Carlos Amilibia Gomes chama à atenção o caráter político dessa tendência, destacadamente mercadológica. Tal processo de incorporação nos projetos curriculares da escola pública expressa uma perspectiva pedagógica técnico-produtivista, perpetuando valores, posturas e conhecimentos necessários à manutenção de um modelo de sociedade, o neoliberal. Gomes (2012, p. 19) entende os sistemas de ensino “como artefatos pedagógicos que produzem significados em meio a redes de poder e verdade, discursivamente tecidas”.

Em contrapartida, Paula Louzano, coordenadora da pesquisa Sala de aula estruturada, patrocinada pela Fundação Lemann, revelou que o controle exercido por esses materiais tem resultados positivos no processo de aprendizagem. A melhora na organização do tempo contribui para o melhor aproveitamento da matéria ensinada, bem como exploração de conteúdos, sem a necessidade das extenuantes cópias do quadro negro. A aquisição de apostilas faz aumentar em 5 pontos as notas dos alunos em matemática e língua portuguesa, na Prova Brasil, mais propriamente denominada ANRESC - Avaliação Nacional do Rendimento Escolar. Esta se constitui, juntamente à ANEB - Avaliação Nacional da Educação Básica - e a ANA - Avaliação Nacional da Alfabetização - os mecanismos avaliadores em larga escala do SAEB - Sistema de Avaliação da Educação Básica (BRASIL, 2005). Tais indicadores se alinham a outros, externos ao contexto escolar e suas singularidades, que tanto podem ajudar, como sinalizadores de desempenho da escola pública, como a submeterem a humilhantes critérios que, quantitativamente facilitam o controle estatal, mas oprimem a comunidade escolar. Não se constitui intento deste trabalho adentrar tal debate, pelo limite de linhas, mas nos parece relevante mencioná-lo, pelo que atinge o contexto da Educação Infantil, impondo uma lógica escolarizante, verticalizada, de modo a fazer com que certas instituições antecipem expedientes didáticos do Ensino Fundamental1, com o que, após dois anos, já surjam elogios para os pequenos egressos da pré-escola, na Provinha Brasil, que avalia as condições de alfabetização das crianças do segundo ano (BRASIL, 2007).

Aportes teóricos para a reflexão

O estudo dos mecanismos envolvidos nos processos comunicativos e educativos infantis sempre se revela um norte desafiador. Vemos muitas razões para tal empreendimento, tais como a constatação, ao perquirirmos os caminhos da alfabetização e do letramento, de que os educadores pouco conhecem a verdadeira noção de gêneros discursivos, que supõe a compreensão do conceito de enunciado (BAKHTIN, 2011) e suas dimensões semiótica, verbal, social, espaço-temporal, sobretudo o fato de tal elemento discursivo constituir-se uma unidade concreta e real da comunicação, um acontecimento único, diferentemente da oração - objeto linguístico. Comumente, costumamos entender enunciado e oração (ou frase) como sinônimos, o que compromete a ação educativa, especialmente na alfabetização, pois ao contarmos ou lermos uma história infantil, se não separarmos, ainda que intuitivamente, tais aspectos, poderemos não atingir o universo cognitivo da criança. Tal entendimento impacta também a pré-escola, à medida que se pode insistir mais na aquisição arbitrária de um repertório de letras e até palavras escritas, do que na narratividade das crianças e seus diversos meios de registro.

Para Bakhtin (2011), os enunciados são elos na corrente discursiva que resultam das relações dialógicas com outros enunciados, cuja estrutura se representa, dentre outras, pela tríade: sujeito do discurso / objeto do discurso / interlocutores. Assim, a linguagem é constituída pelo principio dialógico, representada por discursos orais ou escritos. Conforme postula Bakhtin:

Aprender a falar significa aprender a construir enunciados (porque falamos por enunciados e não por orações isoladas e, evidentemente, não por palavras isoladas). Os gêneros do discurso organizam o nosso discurso quase da mesma forma que o organizam as formas gramaticais (sintáticas). Nós aprendemos a moldar o nosso discurso em formas do gênero e, quando ouvimos o discurso alheio, já adivinhamos o seu gênero pelas primeiras palavras [...] (BAKHTIN, 2011, p.283).

Assim, o enunciado se materializa nos gêneros, que por sua vez se multiplicam permanentemente e são produtos da atividade humana; por se caracterizarem como tal, são regidos por relações dialógicas que vão se constituindo ao longo da história. Deste modo, refletir sobre o enunciado é refletir sobre comunicação, realização de discurso capaz de produzir sentido, considerando o que efetivamente se passa na vida dos indivíduos. De acordo com Bakhtin (2011):

Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo, não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo de linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional. (BAKHTIN, 2011, p. 261)

Consideramos relevante afirmarmos com o autor que os gêneros surgem da regularidade de enunciados ordenados pela tríade acima descrita: tema, estilo e composição. Não há destarte criação no processo discursivo, a fala humana pressupõe algo já dito por alguém em dado momento. O que existe é a capacidade humana de pensar e construir comunicação a partir de memórias enunciativas já existentes. Não há neutralidade na construção do enunciado, este é produzido por uma subjetividade em determinada situação, sempre estruturado por “barulhos produzidos por outros enunciados” (BAKHTIN, 2011, p. 289).

O legado de Vygotsky, em especial no que concerne às aquisições de linguagem, coaduna-se com as asserções de Bakhtin. Freitas (2006) destaca na psicologia vygotskyana as seguintes temáticas:

a) as funções mentais superiores não podem ser reduzidas a processos elementares, existindo diferentes níveis de funcionamento psicológico com características próprias e irredutíveis; b) o pensamento e a consciência não são uma emanação de características estruturais e funcionais internas, mas são, ao contrário, fortemente influenciados por atividades externas e objetivas, realizadas no ambiente social. Essa é a ideia de gênese social do pensamento; c) atividade é definida como uma unidade de análise, integrando as características sócio-interativas e individuais cognitivas das condutas; d) a cooperação social na atividade se realiza por meio de instrumentos como signos dentre os quais os signos verbais desempenham um papel primordial. É pela internalização progressiva desses instrumentos de cooperação que se constrói o pensamento consciente, que transforma e regula as outras funções psíquicas. (FREITAS, 2006, p. 89)

O ambiente social é o cenário cujas atividades externas e interativas determinarão a formação do pensamento infantil, conforme verificamos no fragmento citado. Notemos quão diferente do senso comum e mais profunda se concebe a ideia de “atividade”: como unidade cognitiva, ao unir os aspectos sócio-interativos aos individuais.

Experiência e linguagem

Além da tradição russa supracitada, com relação aos estudos acerca da linguagem, contamos também com as contribuições dos fenomenólogos Peirce e Dewey, sobretudo quanto à descrição dos signos envolvidos na estrutura dos diversos códigos inerentes aos discursos pedagógicos, em especial, os que engendram as apostilas. Para aqueles que por ventura possam estranhar tal arranjo teórico, vale-nos ressaltar que há muitas coincidências entre os legados em questão, apesar das circunstâncias políticas que os separaram. Eis um exemplo pertinente para o que afirmamos: tanto a gnosiologia russa recebeu influência de Hegel (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2002), quanta a norte-americana, especialmente Dewey (CUNHA, 2010), assim como de Aristóteles, para ficarmos com dois dos mais consagrados autores da História da Filosofia. Poder alinhar, com as devidas ressalvas, tais escolas parece-nos atender bem às exigências de um pluralismo teórico, que tenha superado tabus hermenêuticos, contíguo a tempos mais democráticos. Contextos ideológicos distintos (a que pertençam certos autores chamados para uma discussão) não podem mais atravancar a pesquisa, desde que se preserve a integridade de suas ideias.

Dewey (1979) afirmara que a experiência infantil se orienta por elementos como a afeição, o vivo contato humano, o apreço a objetos e interações, de modo algum por fatos, ordenanças legais, alheios à subjetividade das crianças, que busca sempre a totalidade, sem quebra de consciência, cuja coesão se mantém pelos interesses pessoais e sociais. Trata-se de um arranjo existencial de grande plasticidade, cuja fluidez desfaz-se e recompõe-se com grande dinamismo, caracterizando a vida infantil.

Dewey faz esta descrição em consonância com as proposições de Peirce. A filosofia peirceana se divide em Fenomenologia, Ciências Normativas e a Metafísica. A Fenomenologia busca refletir e descrever as categorias universais dos signos: Primeiridade, Secundidade e Terceiridade, em especial o modo como a mente em geral processa os signos, lançados na experiência (PEIRCE, 2005).

Em termos qualitativos, pode-se afirmar que tudo o que existe pode ser signo, na dimensão da primeiridade. Destarte, a qualidade é contígua à primeiridade; a existência, à secundidade e a índole de lei, à terceiridade. Tal concepção, eminentemente triádica, revela sua natureza fenomenológica, sobretudo por buscar uma descrição da experiência (aquilo que nos passa e também, de algum modo, transformamos).

Uma tríade que origina todos os outros signos vem a ser: representâmen / objeto / interpretante. Das relações diversas que cada correlato desta tríade mantém com os outros, surgem as notórias classificações sígnicas peirceanas. O representâmen é o nome dado por Peirce ao objeto sígnico perceptível, o veículo que traz para a mente algo que está fora, sendo considerado assim um signo em sua própria natureza (NÖTH, 2003). Declarou Peirce:

Um signo ou representamen, é tudo aquilo que, sob um certo aspecto ou medida esta para alguém em lugar de algo. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa um signo equivalente ou talvez um signo mais desenvolvido. Chamo este signo que ele cria o interpretante do primeiro signo. O signo está no lugar de algo, seu objeto. Está no lugar desse objeto, porém, não em todos os seus aspectos, mas apenas com referência a uma espécie de ideia. (PEIRCE 2005, CP, 2.228)2.

O objeto, na semiótica de Peirce, é o “objeto correspondente ao referente, a coisa” (NÖTH, 2003, p.67), e este tanto pode ser real, algo material, existente no mundo, do qual temos conhecimento perceptível, como também pode ser mental ou imaginário.

Peirce define o interpretante como o “próprio resultado significante”, o “efeito do signo” (PEIRCE, 2005, CP, 5.474-475), pode ser também “algo criado na mente do intérprete” (CP, 8.179). Um signo dirige-se sempre a alguém ou algo que o interpreta, isto é, cria na mente receptora um signo equivalente, ou mesmo um signo mais desenvolvido. Peirce denominou tal signo de interpretante do primeiro signo. (PEIRCE, 2005, CP, 2.228)

Da relação do representâmen com o objeto, temos o ícone, que faz parte da categoria da primeiridade, um signo cuja natureza se apresenta absolutamente qualitativa, guardando semelhanças estruturais com a estrutura do objeto representado. Exemplo de ícone: o desenho de uma aranha. Este pode ser classificado assim porque se parece com o objeto (aranha), mas nada garante que se trate mesmo dela.

Ainda na classificação dos ícones, há os hipo-ícones. Estes signos foram divididos por Peirce em três níveis: imagem, diagrama e metáfora.

Hipo-ícones podem ser grosseiramente divididos de acordo com o tipo de Primeiridade da qual participam. Aqueles que participam de simples qualidades, ou Primeiras Primeiridades, são imagens; aqueles que representam as relações, principalmente diádicas, ou assim consideradas, das partes de uma coisa por relações análogas em suas próprias partes, são diagramas; aqueles que representam o caráter representativo de um representamen pela representação de um paralelismo em outra coisa são metáforas. (PEIRCE, 2005, CP 2.277)

Os hipo-ícones são ícones com certas qualidades materializadas, diferentemente dos ícones puros, estes apresentam o caráter de possiblidade bem mais amplo, tais como uma palheta de cores nas mãos do artista.

Com relação aos índices, se os compararmos aos signos icônicos e aos símbolos, vemos que as características daqueles diferem sobremaneira aos destes últimos, segundo Peirce:

Os índices podem distinguir-se de outros signos ou representações por três traços característicos: primeiro, não tem nenhuma semelhança significante com seus objetos; segundo, referem-se a individuais, unidades singulares, coleções singulares de unidades ou contínuos singulares; terceiro, dirigem a atenção para os seus objetos através de uma compulsão cega [...] Psicologicamente, a ação dos índices depende de uma associação por contiguidade e não de uma associação por semelhança ou por operações intelectuais (PEIRCE, 2005, CP, 2.306)

Relâmpagos no céu podem ser classificados como índices, garantindo a presença do objeto chuva. Os índices normalmente se configuram como signos naturais; temos aqueles denominados de existência, como fumaça na floresta, representando fogo, e os de referência, como uma placa de trânsito indicando curva à direita.

O símbolo faz parte da terceiridade; neste signo, “a relação entre representâmen e objeto é arbitrária e depende de convenções sociais” (NÖTH, 2003, p. 83). Geralmente o símbolo se refere ao objeto em virtude de uma lei associação de ideias gerais. Trata-se de um signo que também situa o objeto em uma série, tal como o símbolo: Clarice Lispector. Este nome, além de recuperar um ente individual, dentro do conjunto “mulheres”, garante sua representação e existência, pela natureza indicial dos nomes próprios. Por força da lei e das convenções sociais (tais como a língua portuguesa), temos a universalização representativa do signo em si mesmo, do objeto e dos interpretantes (significados) inerentes ao mesmo.

Embora o símbolo seja um signo de alta complexidade, cunhado no seio das experiências sociais, ele pode degenerar, noutras palavras, perder a função de referencialidade. Para Peirce, o símbolo genuíno deverá denotar um contexto individual e um caráter geral. O filósofo nos fornece o exemplo de um pai que, proferindo a palavra “balão”, aponta para o objeto no céu. Toda vez que o filho pensar no termo “balão”, terá em sua memória um signo genuíno, uma vez que recobrará o ícone mental do objeto e o índice, caracterizado pelo braço e mão do pai, apontando o que fora representado. O aspecto icônico conferiu generalidade ao objeto e o indicial, a garantia de singularidade. Imaginemos que uma criança jamais tenha visto um balão e indague ao pai sobre o que seria tal objeto e a resposta seja: “É algo como uma grande bolha de sabão”; o que o pequeno teria para o termo “balão” seria um exemplo de símbolo degenerado, posto que disporia de um ícone mental, que apenas enuncia a possibilidade de representação, sem o aspecto indicial, que conecta o signo à existência, garantindo a referencialidade. Há, para Peirce, dois tipos de símbolos degenerados: singular - cujo objeto é um ente individual, denotando somente os caracteres daquela particularidade - e abstrato - cujo objeto único seria um caráter geral (PEIRCE, 2005, CP, 3.293).

Após esta breve apresentação das linhas gerais da semiótica pragmatista, cremos ter deixado mais clara a harmônica relação que há, a nosso ver, entre as escolas russa (Vygotsky e Bakhtin) e norte-americana (Dewey e Peirce), quanto ao que descreveram sobre gnosiologia, em especial, a análise dos diversos códigos-signos que estruturam a experiência da criança. O que também nos estimula em grande medida a aproximarmos tais mananciais teóricos vem a ser o viés fenomenológico que, a nosso ver, os caracteriza. Tal composição teórica, cremos ideal para as abordagens do objeto investigado, no que em sua complexidade for possível fazê-lo, destacando-se as lições das apostilas. O motivo de não termos ficado apenas com um referencial reside no fato de que as lacunas apresentadas em um sistema são curiosamente preenchidas pelo outro. Fiquemos com um exemplo: embora Bakhtin e Vygotsky narrem de modo vigoroso o desenvolvimento das funções cognitivas ditas superiores, vemos em Peirce um mapeamento dos signos sem precedentes na Filosofia da Linguagem. Uma situação inversa: os estudos exaustivos de Vygotsky sobre o desenvolvimento da criança (0 a 6 anos - nosso foco), brincando ou enfrentando problemas, são aspectos empíricos que, salvo melhor entendimento, não verificamos nas produções de Dewey, tampouco em Peirce.

Asserções semióticas e linguísticas de uma unidade didática apostilada

O material que doravante analisaremos pertence ao Sistema Positivo de Ensino, empresa do setor educacional sediada no Paraná, que fornece apostilas para a Educação Básica em diversos estados brasileiros. Para a Educação Infantil, faixa etária de 5 anos, o livro do aluno se divide em 1º, 2º, 3º e 4º volumes, cada um organizado em, no máximo, 3 unidades didáticas. Nossa reflexão abordará aspectos semióticos e linguísticos da unidade 6 - “Uma Turma da Pesada” -, do 3º volume, cuja capa vem intitulada: “Superação: entender os seus limites”. (CORDI, 2009).

Após o exposto, iniciamos nossa análise, enumerando impressões semióticas da ilustração que introduz a unidade 6, conforme a teoria sígnica de Peirce (2005), apresentada neste trabalho.

Fonte: (CORDI, 2009, p. 03)

Figura 1 Ilustração introdutória da unidade didática 6 

A ilustração se apresenta com o título “Uma turma da pesada” (em cor branca), ao lado do número “6” (colorido e texturado por folhinhas verdes, em contraste com o magenta ao fundo). A criança, que ainda não lê, certamente perguntará à professora o que está escrito ali. Imaginamos então a explicação docente... “a turma dos dinossauros era bem pesada!”... Trabalhoso será recuperar e explicar a antiga gíria, “da pesada”, uma vez que pouco se usa atualmente. De qualquer modo, os símbolos linguísticos são lançados, onde os olhos em geral se fixam primeiramente, tal como fazemos ao ler um jornal. Todo acesso a textos por parte das crianças não alfabetizadas tem valor pedagógico e de letramento, muito embora semioticamente se trate de signos que apresentam degeneração, ou seja, perda de referencialidade.

As cores magenta (quente) e sua complementar verde (fria), distribuída em diversos tons, predominam, em um contraste que ocupa praticamente a página inteira. Outras contribuem para a composição, tais como matizes de cinza, azul, além de pequenas inserções de vermelho, preto, dentre outras cores.

Com relação aos volumes, temos contrastes também entre as figuras centrais, com o degradê em cinza, em certa contraposição às figuras à esquerda, que apresentam diferenciado tratamento visual, de modo a sugerir outra tridimensionalidade, parecendo estarem para fora do magenta e até da página. Esta última impressão se obtém, dentre outros recursos, pela textura que lembra espuma, tecido, lã, entre outros materiais estimuladores do tato. Tais efeitos também mantêm contraste com as texturas da imagem à direita, cujas sensações táteis e visuais se inserem noutro plano, sugerindo maior profundidade, com texturas de fotografia, um tanto mais lisas, destacando as duas figuras centrais.

Em termos de ritmo visual e linhas de força, temos duas curvas que ascendem da borda inferior esquerda, atravessam o centro da página (contorno cervical dos dinos), apontando para a borda superior, realçando a imponência dos hipo-ícones. Contrastando com as figuras da esquerda, texturadas ludicamente, temos uma grande parábola que opera como um recorte, separando os planos.

Com relação à iluminação, temos outro contraste: o ícone magenta se apresenta como um efeito de canhão de luz; as figuras dentro da parábola revelam tons sombrios. Há pequenos focos de luz branca, vindos das letras do título e das figuras à esquerda da imagem.

Em secundidade, temos ao centro dois dinossauros em destaque. Sua postura apresenta índices de força corporal, majestade, gigantismo, integração à natureza. Esta se apresenta inóspita, com o predomínio de elementos da floresta, tendo ao fundo montanhas e o céu com nuvens, sugerindo amplidão. Tal paisagem se insere em um recorte de planos, criando-se uma sensação onírica, algo como uma grande bolha de sabão, que conserva as memórias.

Há um curioso contraste entre a paisagem dentro do círculo e as figuras das crianças, à esquerda. Estas apresentam um tratamento visual que nos remete às animações contemporâneas, parecem saltar do fundo magenta. Uma garotinha negra e um garotinho branco, de cabelos crespos, na verdade são bonecos de rostos bem gordinhos, óculos verdes, que fazem referência àqueles utilizados no cinema 3D. Ambos sorriem para a paisagem pré-histórica. Diversos índices garantem a sensação de realidade da composição visual, dentre os quais destacamos a direção das faces das crianças e do dinossauro maior, temos a sensação de que se comunicam.

Com relação à terceiridade, enumeramos os símbolos que nos parecem mais evidentes, uma vez que buscá-los em sua plenitude inviabilizaria a escrita do texto, pelo que promovem de expansão de sentidos, naquilo que Peirce denominou semiose (SANTAELLA, 1983). A cor magenta, ao fundo, simbolizaria a afetividade, aspecto essencial da aprendizagem (repare-se que a cor envolve o conhecimento) e que tanto caracteriza a infância. A metáfora da bolha, onde se inserem os dinossauros, sugere que a memória permanece, ainda que frágil, capturada pelos óculos 3D das crianças, sugerindo também que o conhecimento pode ser divertido como fazer bolhas. As figuras infantis aludem à importância da diversidade étnico-racial e de gênero, sobretudo pelas roupas: um vestido branco e vermelho (com bolinhas brancas); o menino usa uma camiseta, com listas azul claro, verdes, beges e brancas. Os dois personagens figurativizam de modo cômico e agradável a infância. Ampliando camadas de símbolos, vemos a valorização da amizade, da união (sugerida até pela textura dos cabelos), o amor ao conhecimento científico, metaforizado pela relação entre as figuras das crianças e a paisagem com os dinossauros. Estes sugerem a grandeza do passado.

Concluindo, chama-nos à atenção a competência com que os ilustradores estruturaram as imagens, os recursos plásticos de diversas naturezas, contrapondo a técnica fotográfica (conferindo índices de realismo), inerente à natureza pré-histórica e o tratamento de animação para as personagens infantis, realçando-lhes o encanto, a graça, comicidade e mesmo a loucura, sugerida pelo colorido das lentes e aros dos óculos. Havemos de reconhecer quão sedutores se apresentam tais elementos visuais, inegavelmente poéticos, instigantes. Certamente impactam a subjetividade dos pequenos leitores, por todas as razões sígnicas aqui descritas e outras inerentes à experiência estética.

Refletindo sobre as atividades propostas pela unidade didática apostilada

A unidade 6, do 3º volume, após apresentar a ilustração, propõe 43 exercícios (relativos a 40 questões), distribuídos por 21 páginas, divididos em oito subunidades (nas apostilas destinadas ao Ensino Fundamental e Médio, seriam aulas) orientadas em geral por temas inerentes ao assunto dinossauros e a necessidade de ampliação do repertório de letras da criança. Trata-se de um capítulo destinado à aquisição de linguagem (leitura e escrita). O caderno (3º volume), como um todo, conta com outras duas unidades: 7 - “Ciranda de Poemas”, com 66 exercícios (relativos a 45 questões) e 8 - “Um mundo de figuras”, com 76 exercícios (relativos a 62 questões).

Retomando a unidade 6 - “Uma Turma da Pesada”, verificamos que a primeira sequência (subunidade) apresenta 10 exercícios sobre a temática, dos quais analisaremos mais detidamente os 3 primeiros (figura 2); a segunda apresenta o conceito de fóssil e pegadas; a terceira retoma a aquisição de letras e insere a ideia de impressão da mão (contorno), relacionando-se isto à concepção anterior de pegada; a quarta apresenta o tema musical Fósseis, 14º movimento da peça “O carnaval dos animais”, de Camille Saint-Saëns (1886), propondo a escrita espontânea, apreciação da linguagem musical e o desenho; a quinta enuncia o tema paleontólogo, bem como propõe construção de objetos com sucata e uma brincadeira; a sexta enfoca os tipos de dinossauros, colagem de adesivos (retirados do material de apoio) com imagens dos répteis gigantes, votação da turma pelo animal mais popular, foco na quantidade de letras dos nomes dos dinossauros e, em seguida, nos nomes das crianças reunidas em grupo, além de localização de letras em um alfabeto; a sétima “aula” reflete sobre fósseis encontrados no Brasil, recorrendo ao material de apoio novamente, propõe-se também um desenho que conte como seria se a criança encontrasse ossos de dinossauro em um terreno e socialização das soluções; a oitava retoma os nomes aprendidos de dinossauro, reforçando a aquisição de letras, apresentando um jogo de cartas - o dinojogo - com escrita de palavras, propondo conclusivamente um desenho sobre o dinossauro predileto e a socialização dos resultados.

Abaixo, apresentamos uma atividade de escrita (3 pequenas tarefas), a primeira da unidade didática 6, tendo como tema central os dinossauros. Vale-nos lembrar que são exercícios destinados a crianças que completam 5 anos de idade, normalmente não alfabetizadas, sem condições ainda de estabelecerem relações entre fonemas e grafemas, ou imagens e palavras / grafemas.

Fonte: (CORDI, 2009, p. 04)

Figura 2 Primeira atividade de escrita com a temática dos dinossauros  

A atividade tem como título “No Ritmo dos Dinos”. A apostila se apresenta inteira com letras versais (caixa alta), o que facilita a memorização gráfica das mesmas pelas crianças. O primeiro passo, determinado pelo item 1, é a audição da música “Tiranossauro Fax” (NOVAK, 2002). A estimulação musical sempre promove experiências estéticas, emoções, lembranças, inferências que contribuem para a aprendizagem. Quanto mais íntimas estiverem as crianças da linguagem musical, maiores condições de uma escuta atenta, reconhecendo timbres, ritmo, tessituras, etc (GORDON, 2000). Há inegáveis benefícios na utilização de tal recurso didático, em especial o fato de se apresentarem subsídios que operam como pré-requisitos concernentes ao tema estudado, no caso, os dinossauros.

Após a audição, o item 2 propõe que a criança escreva as letras iniciais da palavra correspondente às dez imagens seguintes: “dado”, “ioiô”, “nariz”, “osso”, “sapo”, “sapo”, “abacaxi”, “uva”, “rádio” e “osso” novamente. Como se trata de crianças ainda não alfabetizadas, não vemos outro modo de os pequenos resolverem o exercício, se não for com a professora mostrando no alfabeto, normalmente localizado acima da lousa, ou escrevendo na mesma, para eles copiarem. Aqui constatamos um aspecto que merece atenção na didática do apostilamento: a dependência da criança em relação ao professor e, por conseguinte, a perda de autonomia. A lição, em seu item 3, segue em uma direção tradicional, com respeito ao ensino da língua: palavras soltas, como pertencentes a um arquivo abstrato e universal, sem o componente de experiência comunicativa que somente os enunciados propiciam, conforme declarou Bakhtin (2011). O aspecto social da língua (enunciação comunicativa) não é considerado, pois os hipo-ícones são dados segundo sua relação grafêmica com a palavra “dinossauro”. Na verdade, temos mais uma vez o peso do ensino arbitrário, mnemônico, mecânico, à medida que o foco vem a ser o repertório de letras e correspondentes fonemas, que a criança precisa memorizar. Comênius, em 1655, foi o precursor do método iconográfico, que apresentava a correspondência entre as palavras e imagens dos objetos correspondentes (MENDONÇA, 2011). Tal expediente, salvo engano, torna-se mais recomendável a crianças em fase de alfabetização, o que não é o caso daquelas que completam 5 anos, a quem os exercícios se destinam.

O item 3 determina que a palavra “dinossauro” seja montada com as letras do alfabeto móvel. Obviamente que se trata de mais uma tarefa irrealizável pela criança, ainda não alfabetizada. A única possibilidade se dá com a intervenção adulta, acentuando-se os aspectos de dependência da criança. Sabemos todavia que tais rotinas propiciam ganhos para as crianças, em relação à escrita e leitura. Depoimentos de professores do Ensino Fundamental I comumente afirmam que os “alunos” oriundos de instituições de Educação Infantil, cujos currículos adotam apostilas, apresentam melhores condições de alfabetização do que os que vieram de unidades que os deixavam mais livres para brincar. Tal percepção se confirma pelos dados que coletamos em 2017, no estado do Mato Grosso: 50,0 % dos docentes daquele segmento (Fundamental I da rede pública) são favoráveis aos materiais na pré-escola. Repare-se que o montante entre os docentes que atuam neste contexto praticamente duplica, após os terem adotado, conforme dado já apresentado neste ensaio, sinal de que as apostilas são eficientes em seu propósito de conquistar os usuários; uma heurística mercadológica, cujas nuanças se afinam com o contexto internacional privatista. Disto inferimos que há inegavelmente um propósito escolarizante, que afeta o cotidiano de nossos pequenos. Não será surpresa se estes também defenderem as apostilas, todavia são dados que não temos e pretendemos buscá-los brevemente.

Não nos restam dúvidas sobre os resultados estatísticos de tal projeto, sob a lógica aqui descrita, uma política pedagógica que também encontra forte eco nas concepções educativas da família. Nosso posicionamento, em que pesem estes aspectos, é de que a infância tem direitos a serem garantidos, e um maior desempenho na modalidade seguinte - Ensino Fundamental I - não pode ser argumento para o desrespeito a tais direitos. Estes podem ser aviltados (sobretudo a investigação empírica, a expressão artística, o brincar livre, dentre outros)3, quando um sistema apostilado, se não houver preparo docente, passa a ser o carro chefe das rotinas pedagógicas no contexto da Educação Infantil.

Se analisarmos os exercícios da unidade, sob o ponto de vista vygotskyano de atividade (FREITAS, 2006), veremos que há poucas coincidências. Para o autor, a atividade genuína supõe, conforme expusemos na apresentação de nossos referenciais teóricos, a integração entre os aspectos cognitivos sóciointerativos e individuais, expressos nas condutas. Pelo acentuado teor de dependência pedagógica que a apostila imprime à criança, com relação ao papel do professor, e este, com respeito ao projeto didático do material, não podemos afirmar que as propostas analisadas possam ser conceituadas como atividades, pelo menos do ponto de vista da psicologia vygotskyana, e experiência comunicativa, conforme o conceito de enunciado bakhtiniano. Este elo na cadeia discursiva que origina os gêneros textuais (BAKHTIN, 2011), podemos já verificar no diálogo entre bebê e mãe. Tal fenômeno linguístico em sua materialidade é que propicia interações intersubjetivas e intrassubjetivas, de modo que uma atividade mediada por enunciados produz sentidos de existência para os falantes. Destarte, não podemos analisar o expediente da apostila como produção escrita enunciativa; para sê-lo, a ilustração deveria estimular a verbalização de enunciados orais infantis como: “Ai, que medo!”, ou “Dino, meu amigo!”, que poderiam ser anotados pela professora, na função de escriba. Do texto coletivo, ela escolheria uma palavra para ser explorada, destacando-se desta uma letra, como o “M” de “medo”. São exemplos breves, sugeridos a título do que se poderia considerar atividade de escrita, posto que verificamos, com o cuidado de pesquisa documental, em toda a unidade didática (43 exercícios), apenas duas propostas de escrita espontânea, de modo que, com suas garatujas, desenhos, rabiscos de letras e outros registros do que pensam e falam pudessem expressar alguma autoria. Pelos limites do presente texto, não pudemos contemplar muitos exercícios da unidade analisada, mas ratificamos que os mesmos, ainda que tenham explorado a interessante temática dos dinossauros, revelam uma lógica centrada no docente, a quem cabe a função de transmitir as informações, sem o que os pequenos não conseguem fazer o que lhes pedem. Um exemplo do que afirmamos se encontra na sexta subunidade, em que temos o exercício mais recorrente para a aquisição de escrita, a técnica metodológica de solicitar que a criança complete com uma letra a grafia de uma palavra, associada a uma imagem, procedimento de alfabetização.

Fonte: (CORDI, 2009, p. 20)

Figura 3 Atividade de escrita: retomando nomes de dinossauros 

Indagamos: que valor enunciativo pode ter uma palavra como “Uberabatitan”? Conforme o arranjo teórico que apresentamos na presente reflexão, assentado em pressupostos da filosofia da linguagem norte-americana e russa, infelizmente há mais aspectos que desabonam o exercício do que o recomendariam. Chamamos à atenção um fator (contíguo à negação da experiência) que tem comprometido as rotinas escolares da Educação Básica, gerando um secular desinteresse pelas mesmas, percepção que nos fornecem os estudos semióticos: a degeneração simbólica. (TREVISAN, 2016) Constatamo-la em praticamente todos os trechos da unidade didática analisada. Símbolos genuínos supõem ícones (que são fornecidos pelo exercício - figura 3) e índices (signos de existência; no caso, fósseis de dinossauros a serem contemplados nos museus e não imagens dos mesmos). Com exceção das crianças que moram em cidades onde haja tais acervos, o que temos vem a ser um símbolo degenerado de tipo abstrato, segundo Peirce (2005, CP, 3.293), caracterizando o objeto dinossauro. Melhor do que termos apenas hipo-ícones dos grandes répteis (desenhos, fotos, etc.), ainda que bem produzidos, seria termos signos garantidores de existência, no caso, índices como um ovo ou algum vestígio ósseo.

Com respeito ainda à degeneração simbólica (perda da função de representatividade sígnica), há um flagelo que precisamos também apontar: o tempo de confinamento em sala se constitui a grande queixa das crianças com relação às rotinas pré-escolares. Tal enunciado ouvimos em instituições municipais mato-grossenses que não adotam apostilas. Imagine-se o que têm a dizer os pequenos usuários das mesmas. Somente o 3º volume do material que ora analisamos contém 185 exercícios; durante o ano, eles precisam completar 4 volumes. Ao folhearmos as tarefas, verificamos como é rara a proposição de alguma atividade externa, o que indiretamente significa que a aprendizagem se assenta em símbolos esvaziados de sua genuína função de referencialidade, sobretudo pela ausência de signos indiciais (PEIRCE, 2005, CP, 3.293). Isto ocorre obviamente porque o projeto pedagógico da apostila privilegia os conteúdos icônicos (signos naturalmente degenerados, apenas semelhantes ao que representam), dada a dificuldade de rotineiramente enunciar um índice. Este signo mantêm com os objetos do vivido uma orgânica relação, de modo que sejam garantidos enquanto existentes; para tal, há a exigência de vivências concretas e, quando possível, externas. Exemplificando, melhor procurar folhas no jardim da U.M.E.I. (Unidade Municipal de Educação Infantil) do que as colorir na apostila, ao estudarem vegetais; daquele modo, a criança constrói conhecimento assentado em legitimação simbólica (o cheiro de uma planta vem a ser um signo indicial).

Os hipo-ícones (imagens) merecem elogio, pelo que encantam, estimulam narrativas, releituras, potentes instrumentos de linguagem. Em que pesem os aspectos positivos, as impressões sobre a didática apostilada tornam-se definitivamente sombrias, quando observamos que há um empobrecimento da experiência (DEWEY, 1979), naquilo que significa apreensão do vivido (signos naturais) e o desencanto com a aprendizagem poderá ocorrer, sobretudo pelo cansaço de exercícios repetitivos. Estes se consolidaram na educação jesuítica, fundamentada na autoridade, cópia, memorização, maniqueísmo (ROMANELLI, 2010); um conjunto de saberes de caráter aristocrático e formalista que tem orientado, séculos a fio, a aprendizagem ocidental, tornando o conhecimento escolar não raro algo distante dos interesses e da afetividade discente. Neste sentido, Dewey (1979) foi veemente em afirmar que nenhum conteúdo fará sentido para uma criança, se não a envolver afetivamente, condição para que seu apreço intelectual se desenvolva.

Outro aspecto que requer análise vem a ser a pouca valorização da oralidade nas propostas da unidade didática. Vimo-la ocorrer na sétima subunidade, quando se pediu às crianças que narrassem para os colegas (com um desenho) como seria se encontrassem ossos de dinossauro em um terreno próximo a sua casa. Uma pena a apostila não propor algo como a professora gravar em um celular as narrativas, prenhes que seriam de enunciação e autoria. O enunciado oral (BAKHTIN, 2011) deve ser estimulado na Educação Infantil, de modo que sua passagem para o escrito seja a menos arbitrária possível. Sentimos falta de propostas de produção oral, viabilizada por recursos de baixo custo voltados, por exemplo, para a dramatização, como fantoches, dedoches, minipalco, fantasias, etc. Obviamente que cabe ao educador promover tais situações, no preparo de seus encontros com as crianças, contudo a exigência de cumprir as rotinas prescritas pela apostila poderá inviabilizar experiências artísticas que desenvolvam a oralidade. A importância desta se constitui unanimidade entre autores que refletem sobre o contexto da Educação Infantil, em especial pelo que defendem dos processos de letramento (KRAMER, NUNES, CORSINO, 2011; OSTETTO, 2002; SOARES, 2010); a mesma abordagem aparece de modo recorrente nos documentos oficiais. (BRASIL, 1998; BRASIL, 2010; BRASIL, 2017)

Considerações

Ao encerrarmos a presente reflexão, afirmamos que defender ou condenar definitivamente os sistemas de ensino não nos parece algo razoável, à medida que as licenciaturas em Pedagogia não conseguem promover uma formação inicial que forneça condições ao profissional de apresentar uma proposta pedagógica consistente para a modalidade educativa. (PIMENTA et al, 2017) Somente exercendo a profissão, no convívio com as crianças, colegas e comunidade, mediante formação contínua, produzindo pesquisa, é que tal identidade se consolidará. Um investimento pessoal, mas também coletivo; esforço nem sempre recompensado em termos financeiros, o que permite a ocupação de preciosos espaços institucionais, por parte da iniciativa produtivista e empresarial.

Há obviamente vantagens na adoção dos materiais apostilados (do contrário, não teriam a aprovação da maioria dos profissionais que os adotam) - coerência e coesão na escrita das propostas, produção gráfica e visual de grande qualidade, variedade de gêneros discursivos, alguns jogos, farta informação, agilização de procedimentos docentes, dentre outras -. Pelo que expusemos aqui, todavia, à luz de duas tradições filosóficas voltadas para a linguagem (semiótica norte-americana e o dialogismo russo), os traços desabonadores se impõem severamente sobre o que porventura possa significar vantagens: exercícios que acentuam a dependência da criança com relação ao adulto, performatividade com o excesso e repetição de tarefas, escassez de produção escrita livre, ausência de investigação empírica, pouca valorização da oralidade em todos os seus registros e gêneros, confinamento das crianças em sala; contíguo a todos estes, destacamos um flagelo maior: a degeneração simbólica e o consequente esvaziamento da experiência (vida/aprendizagem), ocasionados pela ancoragem do material em hipo-ícones (embora de grande beleza, são apenas possibilidades representativas), bem como a ausência de signos indiciais (garantidores de existência, conforme a perspectiva peirceana), segundo demonstramos. Com relação ao enunciado bakhtiniano, elo da cadeia comunicativa, vimos também grande distanciamento no projeto didático-discursivo, sobretudo pela difícil enunciação infantil e o destaque a palavras isoladas a serem memorizadas graficamente.

Nesse sentido, propomos que se amplie e aprofunde o debate sobre a adoção dos sistemas apostilados de ensino nos contextos da creche e pré-escola, com o intuito de redimensionarmos tal política pedagógica, de modo a cessarem os evidentes prejuízos para a infância. O que está em jogo não vem a ser uma fase da vida, visão superada, mas uma categoria social que tem direitos garantidos pelas leis e que são aviltados rotineiramente.

Referências

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1Procedimento proibido pelas DCNEIs - Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, no capítulo 13, Articulação com o Ensino Fundamental (BRASIL, 2010, p. 30).

2Em respeito à comunidade semioticista peirceana, usaremos daqui por diante a seguinte forma para citar Peirce (2005): PEIRCE, 2005, CP 2.277 - Colected Papers, Livro 2, Capítulo 277.

3A BNCC - Base Nacional Comum Curricular, em que pese sua subserviência a prescrições educacionais universalizantes e produtivistas, que situam o Brasil no cenário educativo internacional e neoliberal (MACEDO, 2015), enuncia como direitos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças na Educação Infantil: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. (BRASIL, 2017, p. 36)

Recebido: 14 de Outubro de 2018; Aceito: 15 de Janeiro de 2019

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