Introdução
A Teoria do Ensino Desenvolvimental2 surgiu na ex-União Soviética, a partir da segunda metade da década de 1950, associada à pedagogia, filosofia, fisiologia e, em especial, à psicologia cultural-histórica da atividade. Seus principais fundamentos estão nos pressupostos teóricos elaborados pelo marxismo sobre a condicionalidade histórico-social do desenvolvimento psíquico da criança; na tese de L. S. Vigotski e S. L. Rubinstein sobre o papel da educação e da aprendizagem no desenvolvimento; nos princípios dialético-materialistas fundamentais da psicologia soviética, especialmente no princípio da unidade da psique e a atividade (S. L. Rubinstein e A. N. Leontiev) no contexto da teoria psicológica da atividade (A.N. Leontiev); em alguns casos, em estreita vinculação com a teoria da formação por etapas das ações mentais e tipos de aprendizagem proposta por P. Ya. Galperin, N. F. Talizina e outros (DAVIDOV; MÁRKOVA, 1981/2018) e, por fim, na teoria dos reflexos condicionados de I. Pavlov (PUENTES, 2017).
A psicologia cultural-histórica da atividade, ao mesmo tempo em que dispõe de uma matriz teórica comum que se inspira na obra de L. S. Vigotski, S. L. Rubinstein e A. N. Leontiev interpreta de maneiras diferentes alguns dos principais postulados desses autores, sobretudo de Vigotski (2004, 2010, 2013). Isso gerou distintos sistemas didáticos, entre os quais, os mais representativos são: sistema zankoviano, sistema Galperin-Talízina e sistema Elkonin-Davidov-Repkin (PUENTES, 2017, 2018a,b; LONGAREZI; PUENTES, 2017; PUENTES; LONGAREIZI, 2017a,b; PUENTES, CARDOSO; AMORIM, 2017).
Dessa maneira, a concepção de Aprendizagem Desenvolvimental que chegou ao Brasil e que continua a influenciar educadores e pesquisadores está vinculada, em maior grau, à psicologia cultural-histórica da atividade, aos três sistemas didáticos mencionados e, em especial, ao sistema Elkonin-Davidov-Repkin. A concepção de Aprendizagem Desenvolvimental dos sistemas Galperin-Talizina e Zankoviano, além de conter aspectos específicos que a diferem da abordagem anterior, continua muito restrita a um número reduzido de grupos de pesquisa e a escassas publicações (NÚÑEZ, 2018; NÚÑEZ; RAMALHO, 2018; AQUINO, 2013; PUENTES, 2018).
No sistemático processo de adoção e aperfeiçoamento da Aprendizagem Desenvolvimental no Brasil alguns problemas têm sido enfrentados. Além da questão das generalizações indevidas, os pesquisadores tem enfrentado o problema da disponibilidade significativa de fontes bibliográficas em qualquer língua, inclusive em russo, ucraniano, bielorrusso, lituano e etc., sobre a temática; a escassez de familiaridade com esses idiomas eslavos com alfabeto cirílico, o que obriga a recorrer a traduções efetuadas por terceiros que dominam a língua, mas nem sempre a teoria; o enorme distanciamento espacial, temporal, histórico, político, cultural e educacional que existe entre o modelo de sociedade que conhecemos e a sociedade que caracterizou o período soviético que se pesquisa; o enorme desafio que representa o diálogo com interlocutores diretos que não estão mais fisicamente presente, o que compromete a comunicação, a compreensão da teoria e impõe a necessidade da interlocução com fontes indiretas.
Diante de tais dificuldades, o presente artigo procura abordar aspectos específicos que ajudem a esclarecer: a origem do termo “Pазвивающее обучение” (Aprendizagem Desenvolvimental), seu verdadeiro significado na tradição desenvolvimental soviética, os problemas de tradução associados a ele e as consequências disso para o desenvolvimento da teoria no Brasil; bem como a função da Didática nessa perspectiva.
O termo “Pазвивающее обучение”: aspectos relacionados com sua emergência na teoria desenvolvimental.
A Aprendizagem Desenvolvimental surgiu no interior da psicologia marxista soviética bem antes do que o próprio termo que depois a fez internacionalmente conhecida: Pазвивающее обучение. Primeiro foi delineado o conceito Pазвивающее обучение, depois foi criado o termo. Com outras palavras, a gênese e o aprimoramento das ideias sobre Aprendizagem Desenvolvimental passaram do conceito ao termo, do conceito que apareceu pela primeira vez sobre a forma da relação entre aprendizagem e desenvolvimento para a designação deste de forma mais sucinta e correspondente a seu conteúdo pelo termo Pазвивающее обучение.
O registro mais antigo do termo Pазвивающее обучение está associado à publicação de um livro (de igual título) de Yakimanskaya (1979). O texto original está disponível para consulta na internet em língua russa e é uma peça rara muito pouco citada posteriormente, pelo menos no interior do sistema Elkonin-Davidov-Repkin. A mesma contém os resultados de estudos realizados pelos diferentes sistemas didáticos soviéticos (analisa a produção de Zankov, Galperin, Elkonin e Davidov), nas décadas de 1960-1970, que permitiram fundamentar experimentalmente o protagonismo da aprendizagem desenvolvimental na formação psíquica das crianças e determinar algumas condições psicológicas e pedagógicas específicas para sua implementação.
Sendo assim, a origem do termo Pазвивающее обучение deve ter acontecido em um período que se estende ao logo de cinco anos, mais exatamente entre a publicação do livro Обучение и развитие (Aprendizagem e desenvolvimento) de Zankov (1975), quando a relação entre os termos aprendizagem e desenvolvimento ainda se expressava com o emprego da conjunção de ligação “u” (e) e a divulgação do livro citado de Yakimanskaya (1979), em que a expressão passou a ser empregada.
O segundo mais antigo registro do termo está vinculado ao livro intitulado Учебная деятельность и моделирование (Atividade de estudo e modelagem, 1981) de V. V. Davidov e A. U. Vardanian. Os autores atribuem a origem do conceito Pазвивающее обучение ao resultado de pesquisas sobre o problema da vinculação entre aprendizagem e desenvolvimento (Zankov, Elkonin etc.) e, especialmente, aos trabalhos associados ao psicodiagnóstico (K. M. Gurevich, Z. I. Kalmykova, V. I. Lubovsky, N. I. Nepomnyaschaya e etc.). O termo Pазвивающее обучение foi introduzido, uma única vez e sem tratamento conceitual algum, ao mesmo tempo em que era elaborado outro conceito também muito importante: “воспитывающее обучение” (educação para a aprendizagem).
Em outros textos escritos por V. V. Davidov, entre 1981 e 1985, inclusive naqueles destinados a análise da Atividade de Estudo nos quais as expressões “desenvolvimento” e “aprendizagem” foram muito comuns, o termo Pазвивающее обучение não foi novamente utilizado. O mesmo só reaparece, em 1986, na obra mais conhecida de V. V. Davidov intitulada Проблемы развивающего обучения: Опыт теоретического и экспериментального психологического исследования (Problemas da aprendizagem desenvolvimental: a experiência de pesquisa teórica e experimental na psicologia). Depois dessa publicação, o termo se popularizou inclusive fora do sistema Elkonin-Davidov-Repkin. Entretanto, parece que só seria depois de 1995, com a publicação dos livros de Davidov intitulados О понятии развивающего обученияe (O conceito de aprendizagem desenvolvimental, 1995) e Теория развивающего обучения (Teoria da aprendizagem desenvolvimental, 1996), que essa concepção psicológica e pedagógica assumiria explicitamente o status de teoria.
Tanto no primeiro trabalho quanto no segundo, Davidov (1995, 1996) admitiu que a teoria da aprendizagem desenvolvimental fosse uma criação não apenas sua, mas também de outros psicólogos e didatas soviéticos. Reconheceu a contribuição importante realizada, nas décadas de 1960-80, por diferentes autores de seu país - L. A. Venguer, A. Vlasova, V. I. Lubovsky, N. A. Tsipina, Z. I. Kalmykova, I. Ia. Lerner, M. I. Makhumutov, L. F. Obukhova, I. S. Yakimanskaya -, em aspectos da aprendizagem para o desenvolvimento em áreas importantes como, por exemplo, educação pré-escolar, educação primária e secundária, educação de crianças com retardo mental etc.
De acordo com Davidov (1995), esses teóricos tinham fundamentado o papel essencial da aprendizagem no desenvolvimento, para revelar algumas condições psicológicas e pedagógicas específicas da aprendizagem desenvolvimental. Além disso, tinham elaborado uma crítica das teorias da independência entre aprendizagem e desenvolvimento, bem como da "coincidência" entre ambos. Contudo, o resultado de seus estudos permitia apenas esclarecer e especificar a influência mútua da aprendizagem no desenvolvimento de certas funções psíquicas das crianças.
As bases de uma teoria da aprendizagem desenvolvimental só foram estabelecidas depois e como fruto, principalmente, do trabalho desempenhado pelos membros dos sistemas didáticos Zankoviano e Elkonin-Davidov-Repkin, bem como das pesquisas experimentais realizadas pelos grupos de Sh. A. Amonashvili sobre o papel da comunicação no desenvolvimento e de V. S. Bibler especialmente no campo da "escola do diálogo de culturas". Entretanto, surpreende que Davidov, diferentemente de Yakimanskaya (1979), não tenha incluído o sistema Galperin-Talizina na lista dos grupos que participaram desses aportes (DAVIDOV, 1995).
Entre os sistemas e grupos que Davidov (1995) menciona existiram divergências filosóficas, psicológicas e pedagógicas significativas a respeito da relação entre aprendizagem e desenvolvimento. Por esse motivo, melhor do que falar do surgimento e consolidação de uma teoria da aprendizagem desenvolvimental no singular, seria afirmar a existência de várias teorias da aprendizagem desenvolvimental. O próprio Davidov (1995), assim o reconheceria ao escrever: “[...] agora existem várias teorias bastante conhecidas de aprendizagem desenvolvimental. O tempo dirá qual delas individualmente ou em síntese com as outras se justificará” (DAVIDOV, 1995, p. 10).
A efetividade dessas teorias da aprendizagem desenvolvimental dependeu, segundo Davidov (1995), de uma descrição das condições específicas de implementação para um número de indicadores essenciais, sendo os principais: 1) as principais formações psicológicas de uma determinada idade, que surgem e se desenvolvem nesse período etário; 2) a atividade principal desse período, que determine o surgimento e desenvolvimento das formações correspondentes; 3) o conteúdo e os métodos de implementação conjunta dessa atividade; 4) as inter-relações com outros tipos de atividades; 5) um sistema de métodos para determinar os níveis de desenvolvimento das formações psicológicas; 6) a natureza da conexão desses níveis com as peculiaridades da organização da atividade principal e das outras atividades relacionadas a ela.
Já no segundo livro, Davidov (1996) se focou especificamente na análise da teoria da aprendizagem desenvolvimental a partir da perspectiva própria do sistema Elkonin-Davidov-Repkin. No mesmo, faz um conjunto de afirmações relevantes sobre a teoria: 1) a mesma se sustenta nas teses fundamentais de Vigotski, que foram mais amplamente desenvolvidas e concretizadas de maneira definitiva na prática escolar; 2) procura combinar as duas direções que tinham emergido no interior da escola de Vigotski e que por mais tempo tinham permanecido separadas: a atividade e a histórico-cultural; 3) procura dar forma de conceito científico à hipótese de Vigotski sobre o papel da aprendizagem no desenvolvimento psíquico do homem (DAVIDOV, 1996, p. 517); 4) a teoria, na forma atual, ainda está longe de ser completa (ela precisa ser melhorada e esclarecida, especialmente a partir da obtenção de novos fatos); 5) é desejável que a futura apresentação da teoria seja libertada dos fundamentos teóricos e históricos (em caso absolutamente necessário) e se foque principalmente em regularidades psicológicas e pedagógicas específicas da organização da aprendizagem para o desenvolvimento, a partir de indicadores precisos e meios metodológicos para a sua detecção (DAVIDOV, 1996, p. 522).
Entretanto, a chegada do termo Pазвивающее обучение ao ocidente esteve fundamentalmente associada à publicação, em inglês e espanhol, do livro de Davidov intitulado Проблемы развивающего обучения (Problemas da aprendizagem desenvolvimental, 1988). Por esse motivo, muitos passaram a considerar esse como o ano de origem do termo, Davidov como o responsável por sua paternidade e, no caso específico do Brasil, a assumir e propagar interpretações errôneas sobre algumas das teses fundamentais dessa teoria, em parte, associado a erros de tradução dos originais e ao modo particular como psicólogos e educadores latinos e norte-americanos interpretaram e reformularam essas teses.
A tradução do termo “Pазвивающее обучение”.
Um dos mais graves problemas com os quais a concepção psicológica e pedagógica desenvolvimental teve que lidar nessas décadas de surgimento, reconhecimento, aceitação e implementação no ocidente está relacionado às traduções, começar pela termo Pазвивающее обучение para idiomas, tais como, inglês, espanhol e português, no sentido de “ensino desenvolvimental”.
Com isso, a ideia que passou a prevalecer é a de que a concepção desenvolvimental era, de certa maneira, uma teoria do ensino, com o foco no professor, no conteúdo pronto, na transmissão, na instrução e na memorização dos estudantes, tal e como o fazem outras teorias tradicionais e outras propostas didáticas de autores soviéticos, tais como, Savin (1972/1976), Yacoliev (1979), Danilov (1978), Skatkin (1975/1978), Lerner (1975/1978) e etc.
Sendo assim, ao mesmo tempo em que se adotou e reconstruiu uma concepção cultural-histórica da didática com matiz brasileiro, que por muitos motivos é amplamente reconhecida e respeitada no âmbito acadêmico nacional, foram-se também cometendo erros ao longo desse percurso, sendo que a maioria deles estava associada a problemas de interpretação e de compreensão da teoria.
Aprendizagem em lugar de ensino: não é possível ensinar a atividade
O emprego da palavra “ensino” para traduzir o conteúdo do termo obutchenie na perspectiva da teoria desenvolvimental é simplesmente incorreto. Dado o fato de que no interior dessa concepção o foco da escola está colocado na formação das necessidades e dos motivos que levam à formação das operações psíquicas (ELKONIN, 1974) e dos conceitos científicos (DAVIDOV, 1986), isto é, à transformação da atividade para a forma subjetiva (LEONTIEV, 1975), é impossível supor que a atividade psíquica, como qualquer outra, bem como as necessidades e os motivos que a sustentam, possam ser ensinados.
Leontiev (apud DAVIDOV, 1996), ao analisar as particularidades da abordagem da atividade para aprender, foi o primeiro a afirmar que os conceitos científicos não podiam ser transferidos ou ensinados. Segundo o autor, os conceitos só poderiam ser o produto da atividade humana. A esse respeito escreveu que “o conceito não pode, portanto, ser transferido para o aluno, o conceito, como um reflexo da realidade, não pode ser ensinado.” (LEONTIEV apud DAVIDOV, 1996, p. 447, grifo nosso).
De acordo com Leontiev (apud DAVIDOV, 1996), a organização da aprendizagem devia necessariamente correlacionar-se com o caráter da atividade principal na qual ela é implementada, bem como com as particularidades das formações psicológicas relacionadas à idade que surgem e se formam dentro dessa atividade. No estudo da questão sobre a relação existente entre atividade e consciência, Leontiev (1944, 1947), ao considerar especificamente o problema da aprendizagem consciente, concluiu que a conscientização da Atividade de Estudo se correlacionava com seus motivos, porque são eles os que dão certo significado, ou seja, caracterizam o verdadeiro papel dessa atividade na vida humana. Sendo assim, a aprendizagem consciente não se constitui pelo conteúdo do conhecimento adquirido pelos alunos e nem pela profundidade de sua compreensão, mas pelo significado que a própria aprendizagem adquire para os alunos.
Davidov (1996) e Repkin (1997), por sua vez, não apenas lembraram a tese leontiviana da impossibilidade de que a atividade pudesse ser ensinada, como defenderam e reafirmaram o valor heurístico da mesma. De acordo com Davidov (1996), A. N. Leontiev acreditava que o significado da atividade humana em lugar de ser ensinado (научить), só podia ser criado (воспитывается). A esse respeito Davidov (1996) escreveu que “é a educação de uma pessoa que lhe dá os verdadeiros motivos da aprendizagem e forma seu real significado.” DAVIDOV, 1996, p. 448).
Repkin (1997), ao explicar a impossibilidade de ensinar a atividade humana, especificamente a Atividade de Estudo, recorreu para as condições que levam à ação, isto é, o surgimento do objetivo (motivo). De acordo com o autor, o objetivo como tal não pode ser proposto, ensinado ou formado de fora para dentro, pois o mesmo surge na esfera da transição de uma atividade para a outra. A esse respeito escreveu que “[...] formar os motivos desde fora, por exemplo, é impossível. Eles são o produto da vida do homem entre seus pares, o resultado de sua atividade em comum.” (REPKIN, 1997, p. 30-31).
Segundo Repkin (1997) o verdadeiro papel da educação devia ser criar as condições adequadas para a transformação dos objetivos, motivos e ações existentes na atividade. No caso específico da atividade psíquica, essa transformação não podia ser um produto direto do “ensino”, por tal razão, a teoria desenvolvimental devia ser a organização adequada da aprendizagem que cria as condições para o surgimento dessa atividade.
Sendo assim, a teoria desenvolvimental representaria uma concepção específica da aprendizagem e, ao mesmo tempo, um modo particular de sua organização. Leontiev (apud DAVIDOV, 1996), ao afirmar que a atividade em lugar de ser ensinada só poderia ser aprendida, deixou estabelecida uma condição: deve “ser organizada e produzida uma atividade adequada para que o aluno seja colocado em uma relação adequada com a realidade” (apud DAVIDOV, 1996, p. 447). O estudo é a atividade principal que se ocupa da organização didática da aprendizagem que cria as condições adequadas para o desenvolvimento psíquico e subjetivo (PUENTES, 2018).
Que concepção específica da aprendizagem a teoria desenvolvimental sustenta? Em que ela se diferencia das restantes concepções da aprendizagem? Qual papel é reservado a Atividade de Estudo na organização didática da aprendizagem desenvolvimental? Quais condições pedagógicas são necessárias para que o professor e os alunos desempenhem o novo papel no interior da teoria da aprendizagem desenvolvimental? Essas e outras questões são respondidas a seguir.
Tipos de aprendizagem: funcional e desenvolvimental (colaborativa e autônoma).
Davidov (1996) estabeleceu basicamente duas teorias da aprendizagem na história da educação europeia e americana: teoria da aprendizagem reflexo-associativa e teoria da aprendizagem do ponto de vista da atividade. Os fundamentos da primeira teoria foram constituídos pelos conceitos de associação, reflexo, estímulo-resposta. A mesma supõe que o corpo humano tem uma capacidade especial para captar, preservar e reproduzir algo que foi experimentado previamente. Essa capacidade permite que a pessoa estabeleça e reproduza as conexões entre os eventos individuais de sua vida que estão próximos no tempo, no espaço, e que têm algumas semelhanças ou diferenças entre si. Essas conexões foram chamadas de associações. Graças a elas, na consciência e no comportamento de uma pessoa existem transições naturais de um evento para outro. Dessa forma, as associações podem ser consideradas como a base da memória e da capacidade de aprender (DAVIDOV, 1996). O autor situa no interior dessa teoria diferentes versões: os representantes do behaviorismo, o educador russo K.D. Ushinsky, os seguidores da aprendizagem programada, os psicólogos e didatas soviéticos V.V. Kraievski, I. Ya. Lerner, etc.). Aqui a aprendizagem é funcional, mecanicista e espontânea.
A segunda teoria está baseada nos conceitos de “tarefa” e “ação”. Ambos os conceitos são considerados componentes fundamentais da atividade global: o primeiro inclui o objetivo apresentado nas condições específicas de sua realização; o segundo pressupõe a transformação de um objeto pelo sujeito dela. As raízes dessa teoria estão nos pedagogos alemães (F. Fraebel, A. Disterweg e outros) e russos (P. F. Kapterev, outros), no psicólogo e educador americanos John Dewey, nos representantes da “teoria da aprendizagem social” (A. Bandura e E. Maccoby), nos autores da teoria da aprendizagem cognitiva (J. Bruner, C. Peipert etc.) e nos psicólogos russos (S. L. Rubinstein, A. N. Leontiev, P.Ya. Galperin, D. B. Elkonin, entre outros).
Na ex-União Soviética, especificamente, foram desenvolvidas diversas variantes da teoria da aprendizagem do ponto de vista da atividade. A maior parte delas utilizam nos seus trabalhos apenas alguns dos componentes da estrutura da atividade, sobretudo, os motivos (L. I. Bozhovich e colaboradores) e as ações (P. Ia. Galperin, N. F. Talizina e colaboradores). Mas, há também outras teorias importantes, tais como, teoria da aprendizagem problêmica (M. I. Makhmutov e colaboradores) e a teoria de V. S. Bibler (1969) que revelam de forma consistente o papel da atividade na formação de conceitos teóricos (DAVIDOV, 1996). Contudo, só a teoria da aprendizagem do ponto de vista da Atividade de Estudo desenvolvida pelo sistema Elkonin-Davidov-Repkin determina o processo de assimilação de acordo com todos os principais componentes da atividade como um todo - necessidades, motivos, tarefas, ações e operações (DAVIDOV, 1996).
Ao considerar a aprendizagem do ponto de vista da Atividade de Estudo, a abordagem da aprendizagem desenvolvimental do sistema Elkonin-Davidov-Repkin se diferencia de todas as demais teorias não apenas pelo fato de considerar a atividade de maneira global (com todos os principais componentes), mas também por elaborar uma concepção muito particular de aprendizagem. Com outras palavras, mesmo sendo uma teoria da aprendizagem, do mesmo modo que o são as teorias reflexo-associativa, cognitiva, social e algumas das variantes da teoria da aprendizagem do ponto de vista da atividade, a teoria desenvolvimental do sistema Elkonin-Davidov-Repkin delas se diferencia significativamente.
Os representantes do sistema desenvolvimental Elkonin-Davidov-Repkin não enxergam a aprendizagem do mesmo modo que o fazem as demais teorias, especialmente, as teorias reflexo-associativas e cognitivas americanas e europeias que se sustentam na ideia de J. Piaget sobre a aprendizagem enquanto resultado apenas da atividade independente dos estudantes, a partir da solução de problemas que se encontram no seu nível de desenvolvimento real. Esse tipo específico de aprendizagem só permite o desenvolvimento de conceitos empíricos, porque é funcional, mecanicista, espontânea, não orientada e não regulada.
Enquanto as outras teorias consideram impossível a existência de qualquer outro tipo de aprendizagem além do funcional (espontânea, memorística, não orientada e não regulada), o sistema Elkonin-Davidov-Repkin identifica mais uma aprendizagem: a desenvolvimental. A aprendizagem desenvolvimental, por sua vez, a depender do nível evolutivo de formação da Atividade de Estudo pode atingir dois estágios diferentes: colaborativa (assistida, orientada ou regulada) e autônoma (independente ou autorregulada). Os representantes desta teoria defendem também a tese que a didática adequada deve criar as condições para que os estudantes desenvolvam uma Atividade de Estudo que permita o trânsito desde o nível mais simples de aprendizagem (funcional) até o mais complexo (desenvolvimental), atingindo os estágios da aprendizagem colaborativa e autônoma.
Textos de Davidov (1996) e Repkin (1997) são cruciais no sentido da análise do entendimento que os principais representantes da teoria tinham, a partir da década de 1970, em relação com esses dois tipos de aprendizagem. A aprendizagem funcional está relacionada com o esforço dos indivíduos que estão sozinhos tentando assimilar um ou outro conteúdo, enquanto a aprendizagem desenvolvimental envolve a participação de outras pessoas (professores ou pedagogos) na organização desse processo e pode ser descrita como a colaboração entre os alunos e o professor. (DAVIDOV, 1996, p. 252).
A primeira aprendizagem é certamente possível porque o que se procura interiorizar só exige da mobilização de formações psicológicas já maduras (essa aprendizagem opera no nível de desenvolvimento real do sujeito) e está associada com o desenvolvimento funcional do intelecto, que consiste no enriquecimento quantitativo do conteúdo das formações psicológicas existentes por intermédio das ações intelectuais e conceitos (ZAPOROZHETS, 1978). Essa aprendizagem pode acontecer por duas vias bem diferentes: a) no âmbito da sala de aula como resultado da ação de ensino do professor; b) de maneira individual tanto na escola como fora dela (aprendizagem independente). Nos dois casos, o resultado é sempre o mesmo: a assimilação ou reprodução mecânica e descritiva de aspectos isolados da realidade e dos fenômenos que não são capazes de provocar desenvolvimento qualitativo.
De acordo com Davidov (1991), nesse tipo de aprendizagem o aluno assimila o conteúdo empírico, apresentados para elas na forma pronta e completa, por meio de ilustrações e explicações passadas pelo professor e durante esse processo. Depois, passam para a generalização e aplicação do conhecimento adquirido às situações particulares. Praticam-se métodos passivos de aprendizagem, sobretudo, o método ilustrativo-explicativo que se baseia na teoria da associação e representatividade sensorial.
A segunda aprendizagem faz referência à outra forma de assimilação. A mesma se baseia especialmente na teoria de Vigotski (1935/2013) sobre a zona de desenvolvimento possível, que, diferentemente das teorias cognitivas, parte do pressuposto que a boa aprendizagem é aquela que estimula e cria as condições necessárias para o desenvolvimento, porque em lugar de agir sobre funções já maduras, sem ignorar o nível atingido, orienta-se na direção do amanhã do desenvolvimento onde as formações psicológicas se encontram na fase inicial de maturação. Trata-se, aqui, de colocar o aluno perante situações de estudo que só pode resolver, na fase inicial, com a ajuda do professor em um tipo de atividade especialmente organizada para tal fim; posteriormente em um tipo de atividade bastante similar, mas sozinho. Essa é a “aprendizagem desenvolvimental”: colaborativa na fase inicial (assistida, orientada ou regulada) e autônoma na etapa final (auto orientada e autorregulada). As aprendizagens desenvolvimental colaborativa e autônoma são responsáveis pelo desenvolvimento por estágios (por idades) que tem lugar na vida das pessoas e se caracteriza pelas mudanças qualitativas no intelecto e sua reestruturação (ZAPOROZHETS, 1978).
Davidov (1980) também fez referência à aprendizagem desenvolvimental autônoma. De acordo com o autor, esse tipo de aprendizagem, do mesmo modo que a colaborativa, só se constitui na Atividade de Estudo que é característica da concepção desenvolvimental e começa a se manifestar nas crianças no final do segundo ano e, sobretudo, no terceiro do nível fundamental. As primeiras expressões desse tipo de aprendizagem aparecem junto com a emergência de alguns dos componentes da Atividade de Estudo, especialmente, a autorregulação.
A capacidade de autorregulação da criança, a que Davidov (1980) faz menção, é uma das manifestações mais claras de existência de características específicas da aprendizagem desenvolvimental autônoma, porque ela permite que a criança assimile o sentido e o conteúdo da ação de avaliação e começa a captar como se assimila um modo generalizado de ação para resolver tarefas. Mas, como a aprendizagem desenvolvimental depende da formação integral da Atividade de Estudo, a mesma só está completa quando essa atividade está totalmente formada. O processo de formação da Atividade de Estudo se inicia no primeiro ano do nível fundamental, atinge níveis consideráveis no terceiro e quarto ano, mas só está completamente formada no final do nível fundamental (nono ano).
Repkin (1997), também abordou os dois tipos de aprendizagens mencionados. Considerou a aprendizagem funcional, como Davidov (1980), orientada a proporcionar, por intermédio do ensino do professor, um conjunto (combinação) de conhecimentos, hábitos e habilidades que deverão ser memorizados pelo estudante. A mesma opera no nível de desenvolvimento real da criança. A partir desse tipo de aprendizagem, algum nível de desenvolvimento é alcançado, mas como resultado ou como produto para o qual não está encaminhada a aprendizagem, ou como uma consequência secundária, pois esse desenvolvimento não é planejado, nem previsto e pode ser grande ou pequeno. A aprendizagem não está dirigida ao desenvolvimento, mas a um tipo de preparação funcional do indivíduo, o qual não questiona como se desenvolve a personalidade. O objetivo dessa aprendizagem pressupõe a aquisição de certo nível de conhecimentos, hábitos e habilidades. A esse respeito Repkin (1997) escreveu:
Obtêm-se resultados espontâneos e imprevisíveis e se adaptam a eles (por exemplo, a aprendizagem diferenciada a partir dos interesses, das capacidades: teste, seleção etc.). Nesses casos, a aprendizagem não planeja o desenvolvimento do indivíduo, não se encaminha para esse como seu objetivo e não conta com o desenvolvimento como o ponto de partida (REPKIN, 1997, p. 344).
Na aprendizagem funcional, a metodologia de ensino regula a atividade do professor que representa uma descrição do que o professor deve fazer. Mas, o que fazem neste momento as crianças não está incluído na tarefa da metodologia. Em contrapartida, na Aprendizagem Desenvolvimental, a figura central sobre a qual o sucesso recai não é o professor, mas o aluno. E a função do professor não é a transmissão do conhecimento, mas a organização da Atividade de Estudo dos alunos. Em relação a isso, é necessário estabelecer o outro caráter das relações entre o professor e os alunos e dos alunos entre si. No ensino tradicional, baseado na demonstração e na explicação, no relacionamento do professor com seus alunos, manifesta-se alguma autoridade. São relações de subordinação: eu ensino, eu controlo e assim por diante.
A Aprendizagem Desenvolvimental, por sua vez, leva em consideração o desenvolvimento da criança e estabelece as condições adequadas para o novo desenvolvimento. A esse respeito Repkin (1997) escreveu que “somente nesse sentido se pode separar a Aprendizagem Desenvolvimental e a aprendizagem não desenvolvimental (ou funcional)” (REPKIN, 1997, p. 8).
A aprendizagem desenvolvimental colaborativa passou a ser tema fundamental, especialmente, a partir da própria década de 1960 (ELKONIN, 1960; DAVIDOV, 1961; REPKIN, 1968). A maior parte dos grupos de pesquisa se dedicou a essa tarefa. Repkin (1968, 1975, 1976a,b, 1977, 1978, 1997) coordenou, como parte do trabalho do grupo de Kharkov, diversas pesquisas cujo objetivo era analisar o processo de desenvolvimento desse tipo de aprendizagem pela via da formação da Atividade de Estudo.
O aluno na aprendizagem desenvolvimental colaborativa assume um caráter ativo, diferentemente da postura passiva que adota na aprendizagem funcional (primeira característica dessa aprendizagem). Isto é uma exigência fundamental porque o conteúdo escolar, longe de ser introduzido como produto pronto e acabado, é apresentado na forma de uma tarefa (segunda característica). A tarefa faz com que o objeto da assimilação se transforme em uma Atividade de Estudo (terceira característica). A organização psicológica desse conteúdo por parte do professor é indispensável para garantir o êxito do processo pedagógico (quarta característica). A função do professor não se encaminha para a ação de ensinar, mas para a organização psicológica do conteúdo escolar na forma de tarefa. Dessa maneira, ele regula a Atividade de Estudo e o próprio processo de aprendizagem da criança, dele participando de maneira colaborativa.
Em um artigo em que aborda o conceito de Atividade de Estudo, Repkin (1976a) retoma a questão sobre as características desse tipo de atividade no caso específico da aprendizagem desenvolvimental colaborativa, sendo ainda mais explícito na hora de definir o papel que desempenha cada um dos participantes desse processo (professor e alunos). De acordo com o autor, a função da Atividade de Estudo era normatizar o processo de aprendizagem desenvolvimental de tal maneira que o aluno, a partir das tarefas de estudo, possa reproduzir a estrutura social em que está inserido. Essas normas não têm um caráter abstrato-geral e sim concreto-histórico.
Dado que as crianças não têm acesso direto a essas normas sociais, porque as mesmas estão materializadas nas exigências dos adultos, a Atividade de Estudo tem o papel de organizar o processo de aprendizagem pela via do estabelecimento de um tipo novo e específico de relações sociais. Essas relações sociais que se estabelecem se dão na forma de orientação, controle, avaliação e colaboração entre o professor e os alunos. Repkin (1976a), a respeito disso, escreveu:
A Atividade de Estudo não pode ser compreendida somente como uma forma de dinamismo do indivíduo. A sua natureza social autêntica consiste em que ela é uma forma de colaboração da criança e do adulto, caracterizada pela existência de uma meta comum, pela divisão e cooperação das funções no processo de alcance dessa meta. Obviamente, o caráter e as formas da colaboração não permanecem constantes, porém essa está sempre presente na Atividade de Estudo constituindo sua principal característica (REPKIN, 1976a, p. 296).
Ficou explicitamente definido que a Atividade de Estudo não representa nem a atividade específica de aprendizagem do aluno e nem a atividade de ensino do professor, vista cada uma individualmente, mas o compartilhamento das metas, funções e ações comuns que aluno e professor elaboram, redefinem e realizam de maneira colaborativa desde o começo do processo de aprendizagem desenvolvimental.
Pesquisas realizadas por membros do grupo de Kharkov, sob a coordenação de Repkin (1978), estabeleceram os aspectos principais da colaboração entre o professor e os alunos que levam às transformações do conteúdo e da estrutura da aprendizagem desenvolvimental dos estudantes. A participação de todos os sujeitos envolvidos não se dá na forma de atividade isolada, mas de ações conjuntas que levam à concretização da Atividade de Estudo. Além disso, descreve em que consiste cada ação em específico, bem como em que caso se trata de ações do professor e em qual do estudante. De acordo com o autor, os elos principais dessa atividade cooperativa podem ser descritos de alguma maneira e para cada elo pode ser indicado um sujeito da atividade - o professor (P) ou o aluno (A) (Quadro 1):
Ações | Descrição | Sujeito |
---|---|---|
Ação 1 | A formulação da tarefa prática, exigindo um novo modo de ação. | A |
Ação 2 | A análise das condições da tarefa, que ditam a necessidade de um novo modo de ação. | P+A |
Ação 3 | A definição de uma meta intermediária (propriamente de estudo) e do modo de seu alcance. | A+P |
Ação 4 | A determinação das condições e modos da ação de estudo definida no modelo do objeto | P+A |
Ação 5 | A formulação de uma tarefa que exige a reprodução e (ou) concretização da ação de estudo escolhida. | P |
Ação 6 | A análise das condições da tarefa, a reprodução (concretização) da ação de estudo com base no modelo do objeto. | A |
Ação 7 | O controle e avaliação da ação de estudo reproduzida. | P |
Fonte: Repkin (1978, p. 332).
São sete ações ao total. Duas delas estão relacionadas diretamente com o aluno; outras duas com o professor; e as três restantes com ambos. Trata-se de um processo de ações bem sincronizado, pois a falha de elos isolados ou a transferência da ênfase para este ou aquele elo (por exemplo, a avaliação dos resultados práticos finais da ação de estudo em vez da avaliação de seus modos) destrói a atividade cooperativa integral, transformando-a em uma sucessão de ações que dão continuidade uma à outra em um grupo de ações isoladas apenas casualmente interferentes do professor e dos alunos.
Um dos objetivos fundamentais da aprendizagem desenvolvimental colaborativa é criar as condições para que se inicie o processo de formação dos interesses cognitivos que permitem a proposição independente da tarefa de estudo. Esse processo tem lugar ao longo dos três primeiros anos do nível fundamental. Quando os interesses cognitivos foram formados e eles adquiriram um caráter estáveis, então o aluno passa a estar na condição de propor tarefas de maneira autônoma. Sobre o trânsito da aprendizagem desenvolvimental colaborativa para a autônoma Elkonin (s/a) escreveu:
A formação da atividade de estudo é o processo de transição paulatina do cumprimento de alguns elementos dessa atividade ao próprio aluno, para a realização autônoma sem a intervenção do professor (ELKONIN apud MARKOVA; ABRAMOVA, 1977/1986, p. 106)
A aprendizagem desenvolvimental autônoma é o propósito final da Atividade de Estudo. Desde a metade da década de 1970, o grupo de Kharkov esteve envolvido em pesquisas sobre as condições de domínio das formas independentes da Atividade de Estudo na escola. Os pesquisadores chegaram a conclusão que se para o acolhimento da tarefa era suficiente o interesse cognitivo (aprendizagem colaborativa), para sua proposição independente (aprendizagem autônoma) era necessário um interesse estável em relação à área de conhecimentos teóricos dada.
Os estudos mostraram que os interesses estáveis começavam se revelar quando o aluno estava no final do quarto ano do nível fundamental. Então, a aprendizagem desenvolvimental autônoma começou a ser introduzida no início do quinto ano, passando gradualmente da solução de tarefas propostas pelo professor para a proposição independe dos alunos com base nos materiais do livro e posteriormente de leitura mais complexa.
Contudo, se bem os motivos semânticos permitem que o aluno seja capaz de estabelecer a tarefa de estudo, os mesmos não garantem que ela seja realizada pela sua natureza instável. De acordo com Matveeva, Repkin e Skotarenko (1975), os motivos semânticos garantem a proposição da tarefa, mas não o desejo do aluno a fazer isso. Por tal razão, são também necessários os motivos ativos porque eles incitam e estimulam o aluno a estudar. Ficou comprovado que só os interesses cognitivos estáveis conseguiam desempenhar a função de motivos ativos. As pesquisas também confirmaram que esses motivos estão solidamente formados no final do nível fundamental. Dessa maneira, ao sair da escola fundamental, o aluno está em condições de agir como professor de si mesmo. Assim, já no começo do nível médio, o estudante é capaz de abandonar a posição de aluno e se transformar num parceiro do professor. Parafraseando Repkin (1997), pode se afirmar que o aluno deixa de ser escravo dos acontecimentos e passa a ser um criador de sua própria vida, pois “é certo que os acontecimentos ditam sua vontade, mas a liberdade do ser humano consiste precisamente que ele pode mudar os acontecimentos e, assim, se tornar o mestre de seu destino” (REPKIN, 1997, p. 341).
Considerações finais
O texto comprova, com base na análise da obra e do pensamento dos autores representativos da teoria, que o significado do termo Развивающее обучение é Aprendizagem Desenvolvimental em lugar de Ensino Desenvolvimental, como comumente tem sido traduzido no ocidente, especialmente, no Brasil.
Desde a perspectiva da teoria desenvolvimental é errado todo tipo de esforço por empregar a palavra “ensino” para tentar expressar o conceito e o conteúdo do termo russo obutchenie. A teoria desenvolvimental, longe de se tratar de uma concepção que se foca na instrução e na transmissão de conteúdos prontos, é uma concepção da aprendizagem porque parte do pressuposto de que aquilo que deve ser o conteúdo da escola de nível fundamental, isto é, a atividade psíquica (o pensamento teórico) não pode ser ensinado, apenas pode ser aprendido pelo aluno que emerge na condição de sujeito na Atividade de Estudo.
Nesse sentido, a obutchenie (aprendizagem) não é atividade-guia, muito menos Atividade de Estudo, ela é um processo e um momento. De acordo com Vigotski (1996), a obutchenie é um “momento internamente necessário e universal no processo de desenvolvimento”, no qual aparece a “função psíquica superior no desenvolvimento de uma criança”; um processo que orienta e estimula outros processos internos de desenvolvimento. O desenvolvimento humano se produz mediante a formação dessas conexões. Kostiuk (2005), por sua vez, também considerava a aprendizagem um processo e não uma atividade. Todos esses autores (Vigotski, Kostiuk, Leontiev, Elkonin, Davidov e Repkin), consideravam que o processo de aprendizagem se dava pela via da assimilação (interiorização) da experiência externa, social, que existe nos meios de produção, nos livros, no idioma etc.
A obutchenie (aprendizagem) não é nem um processo e nem um momento espontâneo no desenvolvimento do aluno. Ela só acontece sobre a base de adequadas condições de organização. Vigotski afirmava que “a obutchenie (aprendizagem) não é desenvolvimento, mas a adequada organização da obutchenie (aprendizagem) de uma criança leva ao desenvolvimento psíquico” (VIGOTSKI, 1996, p. 30). Autores como Leontiev, Elkonin, Davidov e Repkin comprovaram que o “estudo” é a atividade-guia específica que durante o nível fundamental se ocupa da organização das condições adequadas que favorecem o processo de obutchenie (aprendizagem).
Davidov e Repkin identificaram e caracterizaram, através de suas pesquisas, dois tipos principais de aprendizagem: funcional e desenvolvimental. De acordo com ambos os autores, o verdadeiro papel da escola deve ser criar as condições organizativas adequadas que potencializem ao máximo a Aprendizagem Desenvolvimental dos estudantes. Esse tipo de aprendizagem pode alcançar dois estágios diferentes em seu processo evolutivo: aprendizagem desenvolvimental colaborativa (assistida ou regulada) e aprendizagem desenvolvimental autônoma (autorregulada). A primeira aprendizagem é formada entre o primeiro e quarto ano do nível fundamental e a segunda entre o quinto e nono ano do mesmo nível.
Como pode ser observado, na aprendizagem desenvolvimental colaborativa a função do professor não se encaminha para a ação de ensinar, mas para a organização psicológica do conteúdo escolar na forma de tarefa, de cuja solução ele também participa em um processo de elaboração conjunta. Nessa fase da Atividade de Estudo, a participação colaborativa do professor é indispensável porque os interesses cognitivos que permitem a proposição independente da tarefa de estudo ainda são instáveis.
De acordo com os representantes da teoria, atingir a aprendizagem desenvolvimental autônoma dos alunos é a máxima aspiração e o mesmo só é alcançado no final do nível fundamental quando os interesses cognitivos foram formados e eles adquiriram um caráter estáveis.