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Educação UFSM

versão impressa ISSN 0101-9031versão On-line ISSN 1984-6444

Educação. Santa Maria vol.44  Santa Maria  2019  Epub 11-Nov-2020

https://doi.org/10.5902/1984644428556 

Artigo Demanda Contínua

A oferta de matrículas e cursos de licenciatura presenciais em universidades gaúchas1 2

The offering of bachelor’s degree enrollments and in-class courses in gaucho universities

Márcia Souza da Fonseca* 
http://orcid.org/0000-0001-9215-4370

Mara Rejane Vieira Osório** 
http://orcid.org/0000-0003-3703-5226

Maria Manuela Alves Garcia*** 
http://orcid.org/0000-0003-0127-4276

Jair Jonko Araujo**** 
http://orcid.org/0000-0002-5728-8936

*Professora Associada da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. mszfonseca@gmail.com

**Professora adjunta da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. mareos@gmail.com

***Professora Titular aposentada da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. garciamariamanuela@gmail.com

****Professor efetivo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. jair.jonko@gmail.com


RESUMO

O artigo descreve e problematiza a oferta de matrículas e cursos de licenciatura em Pedagogia, Letras e Matemática, na modalidade presencial, nas universidades públicas e privadas gaúchas, no contexto da forte pressão oficial pela expansão das universidades brasileiras. Considerando a importância desses cursos no campo das políticas de avaliação e formação docente para a educação básica, e das políticas oficiais de expansão da educação superior desde o final da década de 1990, este estudo justifica-se pela ausência de pesquisas que tenham como foco o impacto dessas políticas no caso do Rio Grande do Sul. Utiliza-se uma metodologia de tipo quantitativa e descritiva a partir de dados dos Censos da Educação Superior (2000, 2007 e 2013). Esses dados são interpretados a partir de estudos que têm como foco a educação superior e a formação de professores. Com a análise observa-se que houve queda no número total de matrículas, nos cursos estudados, no período 2007-2013. Entretanto, enquanto a queda foi bastante significativa nas universidades privadas, as universidades públicas mantiveram um crescente número de matrículas, devido à criação de novas universidades públicas em regiões do estado desassistidas pela esfera federal e, ainda, à expansão da oferta de cursos e vagas nas universidades públicas já existentes. Constata-se, também, a forte presença das universidades privadas na oferta dos cursos estudados, especialmente na região Metropolitana do estado, em virtude de ser a região de maior desenvolvimento econômico e concentração populacional. Por outro lado, as universidades públicas vão desbravando as regiões mais pobres e remotas do estado.

Palavras-chave: Universidades; Licenciaturas; Rio Grande do Sul

ABSTRACT

This article describes and problematize the offering of bachelor’s degree enrollments and courses, such as Pedagogy, Languages and Math, in the in-class modality, in public and private universities from the state of Rio Grande do Sul, in the southern region of Brazil, in the context of strong official pressure for expanding of Brazilian universities. Considering the importance of these courses of policies of evaluation and educational formation for primary education and the official policies of expansion of superior education since the end of the 1990’s, this study is justified by the absence of researches focused on the impact of these policies in the case of the state of Rio Grande do Sul. It was used a quantitative and qualitative methodology from the data of Censos da Educação Superior (2000, 2007 and 2013). The data are interpreted from studies focused on superior and teachers’ education. From the analysis, it is observed that there was a drop in the total number of enrollments, in the courses studied, during the period of 2007-2013. However, while the drop was pretty significant in private universities, the public universities kept a growing number of enrollment, due to the creation of new public universities in regions of the state uninhabited by the federal sphere and, yet, due to the expansion of offering of courses and public university vacancies already existent. It is also noticed the strong presence of private universities in the offering of courses studied, especially in the metropolitan region of the state, due to be a region of bigger economic development and population concentration. On the other hand, the public universities are innovating in the poorer and more remote regions of the state.

Keywords: Universities; Bachelor’s Degree; Rio Grande do Sul

Introdução

Este texto tem como objetivo conhecer e analisar a oferta em licenciaturas presenciais, considerando cursos e matrículas em Pedagogia, Matemática, e Letras, em universidades situadas no estado do Rio Grande do Sul (RS), no contexto da forte pressão das políticas educacionais oficiais pela expansão das universidades brasileiras, especialmente nas duas últimas décadas.

Tratamos desses três cursos por representarem áreas de conhecimento que têm sido priorizadas para medir a qualidade do desempenho dos alunos na Educação Básica, nas avaliações externas e de escala nacional. A escolha pelo RS é motivada por duas razões: por ser o estado onde atuamos como professoras e pesquisadoras e por percebermos que são frequentes os estudos que se detêm a pensar a oferta de matrículas e cursos de licenciatura em âmbito nacional, mas são mais raros os que se dedicam a estudar essa questão considerando o RS. Nosso interesse pelas universidades justifica-se pois, historicamente, são estas instituições que constituem um campo diferenciado na formação inicial de professores pela ênfase na articulação entre ensino, pesquisa e extensão.

Considerando os cursos pesquisados, perguntamos: Como veio se dando a expansão e/ou retração desses cursos e seu número de matrículas no RS, considerando os anos de 2000, 2007 e 2013? Como se configura a oferta desses cursos e o número de matrículas em relação à categoria administrativa das universidades e às diferentes mesorregiões do RS? Que aspectos poderiam justificar essas diferenças?

Para responder essas questões, utilizamos uma metodologia de tipo quantitativa e descritiva: consideramos a distribuição das universidades gaúchas nas mesorregiões do estado e utilizamos dados e informações coletados a partir dos microdados do Censo da Educação Superior (CES), realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), nos anos de 2000, 2007 e 2013. O universo dos cursos de licenciatura em Pedagogia, em Letras e em Matemática de todas as universidades do RS considerou exclusivamente cursos presenciais.

O INEP, ao longo dos anos, foi modificando e aperfeiçoando a sistemática de coleta dos dados relativos ao CES. Algumas das dificuldades que encontramos, especialmente na identificação do número de matrículas nos anos selecionados para estudo, dizem respeito à metodologia de coleta e divulgação desses dados e suas modificações ao longo dos anos selecionados.

Os dados que estão disponíveis na base do INEP sobre os cursos de licenciatura em Pedagogia, em Letras e em Matemática e as matrículas nesses cursos nas universidades gaúchas, no ano de 2000, referem-se ao primeiro semestre letivo.

A partir do Censo de 2007, realizado em 2008, já com as regulamentações do Decreto n. 6.425, de 4 de abril de 2008, a coleta de dados do INEP relativas à educação superior passa a realizar-se com maior precisão, já que alunos, turnos, instituições e profissionais da educação são tratados como unidades básicas de informação, possibilitando que o Censo fosse aperfeiçoando o sistema de coleta de modo a evitar que algumas dessas unidades fossem agregadas. No Censo de 2007, há informações acerca do número de matrículas no 1º e 2º semestres, separadamente. Optamos por trabalhar com os dados do 1º semestre, tendo em vista que, no ano anterior pesquisado (2000), esse foi o critério adotado pelo INEP.

A partir de 2009 o INEP introduz outras modificações na coleta de dados. A data de referência do Censo passa a ser o 2º semestre do ano recenseado, considerando os dados individualizados dos alunos e não mais agregados por cursos (Brasil, 2010). Assim, a partir desse ano, as matrículas referem-se a três situações de vínculo dos alunos a cursos: cursando, provável aluno formando ou formado naquele ano, resultando um dado mais preciso do que o critério adotado até então.

Através do levantamento realizado, observamos algumas tendências na oferta desses cursos e no número de matrículas e fizemos relações e inferências considerando as políticas de expansão da educação superior brasileira desde o final da década de 1990.

Nossa escolha pelos anos indicados baseou-se na necessidade de observar as tendências na oferta desses cursos e suas matrículas, tomando como referência os dispositivos legais que instituíram, por um lado, a obrigatoriedade de formação de nível superior para o conjunto dos professores da educação básica, por intermédio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996; por outro lado, a expansão e interiorização da educação superior brasileira, através de programas como o REUNI (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), o PROUNI (Programa Universidade para Todos), a UAB (Universidade Aberta do Brasil), a EaD (Educação à Distância), etc., estes já em meados da década de 2000. Já a escolha do Censo de 2013 justifica-se por ser o mais recente na base de dados do INEP, quando do início da pesquisa.

As licenciaturas no contexto da expansão da Educação Superior no novo milênio

A Educação Superior (ES) foi produzida e adquiriu destaque, nos últimos tempos, como requisito fundamental para responder a demandas que mantêm e fazem funcionar a atual sociedade (nomeada, por alguns, de neoliberal): uma economia globalizada e competitiva, flexível, com base em tecnologias arrojadas e conhecimento complexo, etc.

A expansão da Educação Superior e sua reconfiguração atual precisam ser compreendidas em associação com esse movimento mais amplo e geral que tem delegado, para este nível de escolarização, a responsabilidade com o tipo de formação que é considerada, no momento atual, como importante e necessária para a formação profissional e, em particular, dos professores que atuam na Educação Básica. Como salientado por Rose (1996), toda sociedade precisa de um corpo de expertises (ou autoridades) que seja capaz de formar seus sujeitos para viverem conforme um modelo de vida social. Certamente, em tempos de novas agendas sociais, políticas e econômicas, reformar o professor e seu trabalho tem sido, então, um esforço contínuo, pois o trabalho do professor tem papel fundamental na preparação de novas condutas.

No Brasil, desde a década de 1990, assistimos a uma série de medidas que buscam promover políticas de incentivo à expansão do ES. O Ministério da Educação (MEC), especialmente entre os anos de 2003 a 2014, investiu num conjunto de políticas e ações para o ES justificando a necessidade de expandir, qualificar e democratizar este nível escolarização. Neste sentido, é visível que, nas últimas décadas, o quadro que se apresenta é de crescimento da oferta e do acesso a Educação Superior. Segundo o relatório A democratização e expansão da educação superior no país 2003-2014, organizado pela SESu/MEC, as matrículas na Educação Superior passaram de 3,9 milhões em 2003 para 7,3 milhões em 2013. O resultado total deste movimento equivale a 86% de crescimento de matrículas neste período (Brasil, 2014, p.26). Este crescimento das matrículas aconteceu, segundo o mesmo relatório, como resultado de um conjunto de ações: criação de 18 novas universidades federais; fomento à Educação a Distância, que teve um crescimento de 2200% (matrículas passaram de 49.911 em 2003 para 1.573.573 em 2013); criação de 173 novos campi de universidades federais em cidades do interior; criação do PROUNI e do REUNI; políticas de incentivo à permanência de estudantes; reforma do FIES; e uso do ENEM nos processos seletivos (Brasil, 2014, p.27). Soma-se, a estes números, a reestruturação dos Institutos Federais de Educação (IFES) que foram autorizados a ofertar cursos de licenciaturas na área de Ciências e Matemática e de educação profissional.

Na avaliação de Borges (2015), essa expansão da Educação Superior foi muito aligeirada, desordenada, de pouca qualidade, distribuída de forma desigual pelas regiões do País; continua excludente e, em comparação aos países do mesmo nível, o acesso a esse nível de escolarização ainda é o mais baixo do continente. Esse crescimento teria, ainda, se caracterizado pela diminuição dos investimentos públicos, sucateamento das universidades públicas. Por esse caminho, segundo Borges (2015), o crescimento do ES acabou se concentrando em instituições privadas de ES, de baixa qualidade, centradas unicamente no ensino. Para exemplificar o argumento de Borges, é possível observar com os dados do Censo da Educação Superior de 2014 que, embora as matrículas, neste nível de educação, estejam concentradas em universidades públicas, boa parte das ofertas continuam sob domínio das privadas: nos cursos presenciais, concentram 90% e, nos cursos a distância, 72% das matrículas; as federais contam com 7% nos cursos presenciais e 17% nos cursos a distância (Brasil, 2016).

No caso das licenciaturas, observamos que a obrigatoriedade de formação superior para todos os professores da Educação Básica, instituída pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 9.394/96), foi um marco de fundamental importância. Em nome da exigência legal e dos diferentes discursos que apresentavam a precariedade na formação dos docentes em serviço, entre estes, os das avaliações nacionais e internacionais, dos organismos internacionais, das pesquisas e da literatura educacional, viu-se emergir uma série de políticas e programas voltados para atender essa demanda de formação superior dos professores.

Atualmente, duas ações oficiais têm sido consideradas como políticas que contribuíram de modo considerável com o processo de crescimento de cursos de formação inicial de professores: o REUNI e a EaD.

O REUNI, foi criado em 2007 pelo Decreto n. 6.096, com a finalidade de ampliar o acesso e a permanência de estudantes no ES. Embora não seja uma política direcionada à formação inicial de professores, para Gatti (2011, p.119), o programa foi de grande impacto para as licenciaturas, pois, “das 54 universidades federais existentes à época, 53 aderiram e 26 apresentaram projetos de renovação curricular”. A autora observa um acréscimo de 32% nas matrículas em licenciaturas presencias nessas universidades entre 2007 e 2009.

Embora seja difícil fazer uma avaliação mais concreta sobre a Educação a Distância, pois existem poucas informações oficiais disponíveis, sabe-se que foi uma modalidade que, também, interferiu nos rumos das licenciaturas, em especial, pelo financiamento público e investimento privado para a criação de polos e oferta de cursos em diferentes municípios, o que resultou numa ampliação significativa no número de cursos e de matrículas nesta modalidade.

No âmbito das universidades públicas, contribuiu com este fenômeno a Universidade Aberta do Brasil (UAB). A UAB, maior investimento público em EaD até hoje, foi instituída pelo Decreto Presidencial n. 5.800, de 08 junho de 2006, e tinha como finalidade principal a expansão e a interiorização da oferta de curso de educação superior, prioritariamente, para atender a demanda de formação inicial e continuada de professores para a Educação Básica. Com esse interesse, a UAB foi apresentada como uma ideia positiva, inovadora e pioneira; assim, capacitada para a transformar e modernizar a formação inicial de professores, para qualificar a formação dos professores que atuavam na Educação Básica, mas que não possuíam formação no ES e, também, como oportunidade para ampliar a oferta de cursos e de matrículas naquelas áreas em que havia déficit de professores. Por estes caminhos, a UAB foi crescendo e se ampliando: em 2009, constavam no sistema 74 Instituições de Educação Superior que concentravam 418 cursos, 557 polos e 170.000 alunos. Em 2011, já eram 92 instituições, 930 cursos; destes, 697 eram cursos de formação de professores; ou seja, 74,9% no conjunto dos cursos que passaram a ser disponibilizados eram para formação de professores (GATTI; BARRETO; ANDRÉ, 2014, p. 64). Observando o crescimento das matrículas na UAB de modo amplo, verifica-se que, em sete anos (entre 2007 e 2013), houve um crescimento na ordem de mais ou menos trinta vezes, com os números de matrículas passando de 6.650 em 2007 para 246.502 em 20133.

Conforme as informações apresentadas, não se pode negar a influência da EaD na expansão do ES e das licenciaturas. Todavia, o modo como aconteceu a criação, o crescimento e as ações de formação via EaD têm sido bastante criticados. Gatti e Barreto (2009), por exemplo, considerando o período inicial da EaD no Brasil (2006-2007), desconfiava dos rumos e das justificativas de que, através desta modalidade de formação, seria possível resolver o problema histórico de injustiça (social, econômica e geográfica) quanto ao acesso ao ES. Para a pesquisadora, a EaD foi montada de forma rápida e se expandiu descontroladamente pelo país e esse fenômeno “parece não coadunar com o tempo requerido para que políticas desse porte e dessa envergadura tenham condições de expandir com base no amadurecimento de experiências [...] que assegurem a qualidade dos serviços prestados” (idem). No mesmo sentido, mas com dados mais recentes, Dourado (2011) sinaliza que o crescimento da EaD esteve aquém de acompanhamento e avaliação necessários para garantir a sua qualidade. Para Dourado,

Os desdobramentos desse processo tiveram como consequência a expansão da EaD, oferecida em larga escala, com qualidade questionável [...] em IES que - verdadeiros balcões de negócios - respondem por grande parte das matrículas nas diferentes áreas do conhecimento, sobretudo na formação de professores (p.187).

Outra questão a ser mencionada como demanda para o crescimento das licenciaturas foi o conjunto de reformas implementadas na Educação Básica: a ampliação do tempo de escolarização para 9 anos (Lei 11.274 de 2006); extensão da obrigatoriedade da escolarização desde a Pré-Escola até o Ensino Médio e o reconhecimento da Educação Infantil como direito das crianças pequenas e da responsabilidade do Estado brasileiro em garantir esse direito através da oferta de creches (BARRETO, 2015, p. 681). Portanto, a Educação Básica, espaço qualificado para o trabalho dos professores que se formam nas atuais licenciaturas, também, acarretou um conjunto de necessidades para o ES (cursos, matrículas, recursos, estruturas, professores). Nessa linha, um bom exemplo é a afirmação de Freitas (2014, p. 431), de que, para dar conta das recentes reformas em relação à universalização da Educação Básica, serão necessários mais do que 500 mil novos professores.

Examinando esse movimento de expansão, Maués e Camargo (2014) defendem que, embora seja evidente o crescimento das políticas e dos esforços para dar conta da formação superior dos professores, estes investimentos não alcançaram os objetivos desejados. Por exemplo, o incentivo à expansão de cursos de licenciaturas aconteceu porque estes cursos demandam baixo investimento e, no caso da formação de professores em serviço, o próprio professor, por vezes, bancou a formação em instituições privadas, a realizava de modo intensivo em espaços, às vezes, não apropriados e dissociados dos lugares de exercício de suas funções. Foram ações que aconteceram afastadas de investimentos na valorização dos professores.

É de fundamental importância salientar, também, a relação entre o déficit de professores para atuar na Educação Básica e o crescimento das licenciaturas. Constantemente tem-se ouvido que determinadas áreas, como Física e Química, desde longa data, enfrentam problemas com a carência de professores. Porém, quando se examina o crescimento do número de cursos e das matrículas em licenciaturas, parece que a prioridade não tem sido efetivamente dar conta deste problema. Barreto (2015, p. 681) mostra que do “total de cursos registrados pelo Censo da Educação Superior de 2011, 26% deles eram de formação de professores para a educação básica”; destes cursos, a maior oferta era de Licenciatura em Pedagogia que computava, neste censo, 1.801 cursos, constituindo-se, assim, como a área que ofertava o maior número de cursos entre o conjunto de licenciaturas existentes no Brasil.

Quando se observam os dados do Censo da Educação Superior de 20144 sobre o total de matrículas nas licenciaturas, essa evidência se mantém: o curso de Pedagogia computa 648.998 matrículas, representando um percentual de 44,3% do total de matrículas em licenciaturas. Já as matrículas nas licenciaturas de Química e Física aparecem respectivamente nos décimo e décimo primeiro lugar da lista; a primeira concentra 35.892 (2,5%) e a segunda 25.102 (1,7%) das matrículas no conjunto geral das licenciaturas (BRASIL, 2016).

Observamos que, embora, as políticas nacionais sejam produzidas e ganhem espaço a partir de justificativas que enaltecem a afinidade com a melhoria da Educação Básica, parece que ainda estão muito afastadas das reais necessidades deste nível de escolarização; ou seja, não cresceram em proporção suficiente para atender às demandas da EB, expandiram-se de modo tímido, descontrolado, concentraram-se nos cursos de Pedagogia e se desenvolvem pouco articuladas com as questões da EB. Maués e Camargo (2014) sugerem que a expansão das licenciaturas é pouco representativa no contexto da expansão do ES, pois cresceu basicamente pelo viés da formação em serviço que vem sendo estimulada a partir do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR), uma política emergencial que busca atender às exigências de formação implementadas pela LDB. Dados do Censo da ES de 2014 corroboram com essa ideia, pois mostram que, em termos de matrículas na graduação, há uma hegemonia do bacharelado, que concentra 68% das matrículas, em relação às licenciaturas que somam apenas 18,8% das matrículas (Brasil, 2016).

Todavia, há que se considerar que o crescimento das licenciaturas produziu efeitos positivos na condição de titulação dos professores em serviço na Educação Básica. Segundo relatório do MEC5, em 2000, no Ensino Fundamental, havia 45,9% de professores com ES na rede pública e 62,5% na rede privada; no Ensino Médio, na rede pública constavam 88,2% e na rede privada 89,1%. Considerando o período entre 2000 e 2012, observa-se que o percentual de crescimento de professores com Educação Superior foi o seguinte: no Ensino Fundamental, na rede pública houve um crescimento de 74,5% e na rede privada o aumento foi de 18,2%; no Ensino Médio, o percentual de crescimento na rede pública foi de 5,9% e da rede privada foi de 3,1%. Em 2013, o relatório demonstra crescimentos destes percentuais: no Ensino Fundamental da rede pública, o número de professores com Educação Superior passa para 80,1% e, da rede privada, passa para 73,9%; no Ensino Médio da rede pública passa para 93,5% e, da rede privada, para 91,9%.

No bojo desse movimento, considerando os nossos interesses de pesquisa e as licenciaturas que estudamos (Pedagogia, Matemática e Letras), perguntamo-nos sobre o caráter desta expansão no Estado do Rio Grande do Sul.

Expansão e retração dos cursos de licenciatura em Pedagogia, Matemática e Letras no estado do Rio Grande do Sul

Segundo os Censos da Educação Superior de 2000, 2007 e 20136, eram estes os dados relacionados ao total de cursos presenciais e regulares de licenciatura em Letras, em Matemática e em Pedagogia, ofertados no RS, em universidades públicas e privadas:

Tabela 1: Total de cursos de licenciatura em Letras, Matemática e Pedagogia oferecidos em universidades públicas e privadas no RS - 2000/2007/2013 

Anos Cursos em Universidades Privadas Cursos em Universidades Públicas Total de cursos
2000 117 22 139
2007 134 39 173
2013 128 42 170

FONTE: MEC/INEP/Microdados dos Censos da Educação Superior 2000/2007/2013

No ano de 2000 eram oferecidos 139 cursos dentre os pesquisados, destes, 15,83% estavam localizados em universidades públicas e 84,17% em universidades privadas. Em 2007 houve um acréscimo no total de cursos oferecidos, nas duas categorias administrativas. Nas universidades públicas o aumento foi bem mais significativo, 77,27% em relação a 2000, enquanto nas privadas o percentual não passou dos 14,53%.

Este acréscimo do número de cursos em universidades públicas está relacionado principalmente à criação da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), em 2001, e da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), em 2005. Com a criação da UERGS mais 7 municípios do estado são atendidos com os cursos de Letras (Porto Alegre) e Pedagogia (Bagé, Osório, São Francisco de Paula, Cruz Alta, Alegrete e São Luiz Gonzaga). Já a UNIPAMPA, desde o seu início ofereceu cursos de licenciatura nos municípios de Bagé (Letras - Português e Matemática) e Jaguarão (Pedagogia e Letras - Português e Espanhol). Também, nas universidades públicas onde essas licenciaturas já existiam foram criados cursos noturnos dessas mesmas licenciaturas: a UFPEL e UFSM passam a oferecer o curso de Pedagogia à noite a partir de 2006 e a FURG a partir de 2007.

No ano de 2013 o número total de cursos manteve-se praticamente o mesmo em relação a 2007. Dos 170 cursos, 42 eram ofertados em universidades públicas e 128 em universidades privadas. Embora com decréscimo na oferta total de cursos, as universidades públicas continuaram aumentando a oferta discretamente (7,69% em relação a 2007), enquanto as universidades privadas tiveram uma queda discreta na oferta de 4,48% em relação a 2007.

O acréscimo de cursos na rede pública, comparando os anos de 2007 e 2013, tem relação com a ampliação da UNIPAMPA, que passa a ofertar, em 2012, mais um curso de licenciatura em Matemática em Itaqui; e ainda, com a criação do curso noturno de licenciatura em Matemática na UFPEL, em 2008; e com a criação da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), em 2009, que, passa a oferecer os cursos Letras - Português e Espanhol, em Cerro Largo, e Pedagogia, em Erechim.

Se discriminarmos os três cursos de licenciatura estudados no período de 2000 a 2013, conforme a Tabela 2, podemos inferir alguns movimentos na oferta dos cursos considerando a categoria administrativa das universidades gaúchas. A oferta de licenciatura em Matemática diminuiu progressivamente nas universidades privadas em todo o período estudado, ao contrário das universidades públicas que aumentaram discretamente a oferta desse curso. Letras e Pedagogia tiveram um aumento significativo na oferta de cursos em 2007, em relação a 2000, considerando as duas categorias administrativas. Nota-se que o curso de Letras, embora com menos oferta em 2013, relativa a 2007, na rede privada, permanece com mais cursos ofertados do que em 2000. Na rede pública, o curso de Letras teve um acréscimo na oferta, no período estudado. Os cursos de Pedagogia, considerando o ano de 2000, aumentaram a oferta em 2007 em ambas as categorias administrativas. Já em 2013, observa-se, na rede privada, um discreto aumento de 2 cursos de Pedagogia, e, na rede pública, um decréscimo de 4 cursos. Isso pode ser melhor observado na tabela abaixo.

Tabela 2: Total de cursos de licenciatura em Letras, Matemática e Pedagogia oferecidos em universidades públicas e privadas no RS - 2000/2007/2013 

Anos Letras Matemática Pedagogia
Privadas Públicas Privadas Públicas Privadas Públicas
2000 41 09 31 06 45 07
2007 51 13 29 07 54 19
2013 48 18 24 09 56 15

FONTE: MEC/INEP/Microdados dos Censos da Educação Superior 2000/2007/2013

Outro dado importante de ser explorado a partir dos dados dos Censos da Educação Superior (2000-2007-2013) diz respeito ao número de matrículas no conjunto dos três cursos investigados no período da pesquisa. Podemos perceber, pelo gráfico 4, que as universidades privadas detêm o maior número de matrículas considerando os três anos, mas é visível a perda de matrículas nesses cursos, nessa rede, em relação a 2007, quando se analisa 2013. Em 2000, 80,34% (17.466) das matrículas nos cursos pesquisados estavam em universidades privadas, percentual que diminui para 78,73% (19.662), em 2007, e para 58,52% (8.616), em 2013, reduzindo-se à quarta parte se tomarmos como base o ano de 2007. Em síntese, comparando o movimento de matrículas nos cursos investigados, considerando-se as duas redes de ensino, observa-se que a perda de matrículas deu-se inteiramente nas universidades privadas.

FONTE: MEC/INEP/Microdados dos Censos da Educação Superior 2000/2007/2013

Gráfico 1: Total do número de matrículas nos cursos investigados por dependência administrativa - 2000/2007/2013 

Em relação ao número de matrículas pode-se perceber na Tabela a seguir um movimento diferente do observado anteriormente quanto à oferta dos cursos. O comportamento em 2007, relativamente a 2000, é de acréscimo no número de matrículas nos cursos de Letras e Pedagogia, considerando as duas categorias administrativas das universidades. Por outro lado, considerando esses mesmos anos, a licenciatura em Matemática teve um acréscimo no número de matrículas na rede pública e um decréscimo nas universidades privadas.

Considerando o ano de 2013, tomando como base 2007, observa-se uma queda de mais de 50% nas matrículas nos três cursos pesquisados, na rede privada. Considerando esses mesmos anos, na rede pública, observa-se um acréscimo no número de matrículas nos cursos de Letras e Pedagogia e uma constante desse número nos cursos de Licenciatura em Matemática, o que pode ser observado na tabela a seguir.

Tabela 3: Total de matrículas em cursos de licenciatura em Letras, Matemática e Pedagogia oferecidos em universidades públicas e privadas no RS - 2000/2007/2013 

Anos Letras Matemática Pedagogia
Privadas Públicas Privadas Públicas Privadas Públicas
2000 5.587 2.035 3.478 934 8.381 1.298
2007 5.860 2.442 3.248 1.090 10.554 1.780
2013 2.390 2.495 1.050 1.087 5.176 2.526

FONTE: MEC/INEP/Microdados dos Censos da Educação Superior 2000/2007/2013

Alguns aspectos parecem explicar esse movimento de decréscimo de matrículas presenciais nas instituições e cursos investigados, especialmente na rede privada de ensino. Um deles foi o forte incremento da EaD nesses anos e a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB) nas universidades públicas que, a partir de 2007, passou a ter como missão colaborar com o processo de formação inicial e continuada de professores para a educação básica. Para se ter uma ideia do impacto da EaD nesses números, segundo o Resumo Técnico do Censo da Educação Superior (Brasil, 2015, p. 42), 11% (451.193) do total de matrículas em EaD no Brasil estavam concentradas em cursos de licenciatura, sendo que dessas, 78,33% (353.397) eram em instituições privadas de educação superior (Idem, p. 55).

Outra possibilidade da diminuição do número de matrículas presenciais nos cursos estudado nas universidades privadas pode também estar relacionada à criação de diversos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFES), a partir de 2008, numa política de diversificar os lugares da formação de professores. A partir dessa data, diversos IFES por todo o país passam a se ocupar, também, com a formação inicial de professores em cursos de licenciatura. Só no RS, foram criados nestes institutos, cursos de Licenciatura em Matemática nos municípios de Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Ibirubá e Canoas e, de Pedagogia, em Bento Gonçalves e Porto Alegre.

Como se pode concluir, a oferta dos cursos investigados e o número de matrículas nesses cursos presenciais e regulares foi, nos anos considerados, fortemente afetada pelo movimento de expansão das universidades públicas, orquestrado pelas políticas oficiais, bem como pela criação da EaD e da UAB no campo da formação de professores. No entanto, a expansão ocorreu de modo diferenciado, quando se consideram as universidades públicas e privadas do RS. Comparando os dados de 2000 e 2013, enquanto as universidades públicas promoveram um crescimento discreto e sustentável da oferta de cursos e suas matrículas, a partir de meados da década, mantendo quase que inalterada essa oferta ainda em 2013. Por sua vez, as universidades privadas, após o aumento significativo da oferta que se observa em 2007, não conseguiram manter esses números conforme mostram os dados de 2013.

A expansão no RS e as diferentes mesorregiões do estado: algumas relações com aspectos sociais e econômicos

O estado do RS, segundo divisão estabelecida pelo IBGE, se divide em sete mesorregiões que congregam todos os municípios: Mesorregião Metropolitana, onde se localiza Porto Alegre, capital do estado; mesorregião Centro Ocidental, Centro Oriental, Nordeste, Noroeste, Sudeste e Sudoeste. Na mesorregião Centro Ocidental se concentra o menor número de municípios, com oferta, atualmente, de apenas 2 dos cursos estudados; enquanto na mesorregião Noroeste, 13 municípios ofertam ao menos um dos cursos estudados.

Considerando somente os dados dos Censos da Educação Superior dos anos pesquisados, no período de 2000 a 2013, nos cursos de Licenciatura em Letras, Matemática e Pedagogia no RS, temos algumas informações que merecem análise, em se tratando da oferta por cursos e matrículas nas mesorregiões que compõem o estado.

Nas tabelas abaixo descrevemos a distribuição da oferta dos cursos e matrículas por mesorregião, nos anos considerados pelo estudo:

Tabela 4: Distribuição do número de cursos e de matrículas em universidades públicas e privadas no RS, conforme mesorregiões - 2000 

Mesorregiões Universidades Privadas Universidades Públicas
Cursos Matrículas Cursos Matrículas
Centro Ocidental 3 380 5 1.191
Centro Oriental 5 1.174 0 0
Metropolitana 19 5.145 4 1.261
Nordeste 14 2.622 0 0
Noroeste 37 5.191 0 0
Sudeste 32 1.353 13 1.815
Sudoeste 20 1.581 0 0

FONTE: MEC/INEP/Microdados do Censo da Educação Superior 2000

Pela tabela acima, podemos inferir que no ano de 2000 haviam 21.713 matrículas nas duas dependências administrativas, nos três cursos pesquisados. A maior concentração de alunos estava na região Metropolitana, com um total de 29,50% e a menor, na mesorregião Centro Oriental, com 5,40% de matrículas. No mesmo ano, as universidades públicas da mesorregião Sudeste detinham a maior concentração de alunos matriculados, 42,53%, e a menor, na Centro Ocidental, com 27,71% de matrículas em relação ao total. As mesorregiões Centro Oriental, Nordeste, Noroeste e Sudoeste não apresentaram matrículas, nas duas categorias administrativas, em nenhum dos três cursos pesquisados.

Ainda em 2000, nas universidades privadas, a maior concentração de matrículas estava na mesorregião Noroeste, com 29,75%; e a menor na mesorregião Centro Ocidental, num total de 2,18%.

Tabela 5: Distribuição do número de cursos e de matrículas em universidades públicas e privadas no RS, conforme mesorregiões - 2007 

Mesorregiões Universidades Privadas Universidades Públicas
Cursos Matrículas Cursos Matrículas
Centro Ocidental 3 312 5 1.084
Centro Oriental 16 964 0 0
Metropolitana 28 8.702 6 1.688
Nordeste 15 2.152 2 1
Noroeste 38 5.155 1 0
Sudeste 11 520 20 2.295
Sudoeste 23 1.857 5 244

FONTE: MEC/INEP/Microdados do Censo da Educação Superior 2007

No ano de 2007, de um total de 24.974 matriculados nos três cursos pesquisados, nas universidades do RS, a maior concentração se manteve na mesorregião Metropolitana, com 41,60% do total de alunos e a menor na mesorregião Centro Oriental, que detinha 3,86% dos matriculados. Nas universidades públicas a maior concentração de matriculados estava na mesorregião Sudeste, com 43,20% e a menor na mesorregião Nordeste, com apenas 0,02% de alunos matriculados. As mesorregiões Centro Oriental e Noroeste não apresentavam matriculados em nenhum dos três cursos pesquisados. Dentre as universidades privadas a maior concentração de matriculados estava na mesorregião Metropolitana, com um total de 44,26% e o menor número de matriculados correspondia à mesorregião Centro Ocidental, num percentual de 1,59%.

Tabela 6: Distribuição do número de cursos e de matrículas em universidades públicas e privadas no RS, conforme mesorregiões - 2013 

Mesorregiões Universidades Privadas Universidades Públicas
Cursos Matrículas Cursos Matrículas
Centro Ocidental 3 79 5 1.112
Centro Oriental 10 867 0 0
Metropolitana 43 3.677 5 1.682
Nordeste 16 1.187 1 57
Noroeste 43 2.339 4 391
Sudeste 6 279 19 2.206
Sudoeste 7 188 6 660

FONTE: MEC/INEP/Microdados do Censo da Educação Superior 2013

Em 2013, com um decréscimo de 58,96% em relação às matrículas em 2007, as universidades nas duas categorias administrativas somavam 14.724 matrículas. A mesorregião Metropolitana concentrava o maior percentual, 36,40%, enquanto a mesorregião Sudoeste detinha 5,76% do total de alunos.

Nas universidades públicas, a maior concentração de matrículas nos três cursos pesquisados se manteve na mesorregião Sudeste, com 36,12% do total; e o menor percentual se concentrou na mesorregião Nordeste, com 0,93%. A mesorregião Noroeste não apresentou alunos matriculados em Matemática e a mesorregião Centro Oriental não apresentou alunos matriculados em nenhum dos três cursos. Nas universidades privadas, de um total de 8.616 matrículas, 42,68% se concentravam na mesorregião Metropolitana e 0,92% na mesorregião Centro Ocidental.

As tabelas anteriores indicam a distribuição não uniforme entre cursos e matrículas nas sete mesorregiões do estado para os anos de 2000 e 2007. Nestes casos, o maior número de cursos encontrava-se na mesorregião Noroeste, ao passo que o maior número de matrículas estava na mesorregião Metropolitana.

Em 2013, o maior número de matrículas como de cursos está na mesorregião Metropolitana, região sede de cinco grandes universidades - UFRGS, PUCRS, UNISINOS, ULBRA, FEEVALE - sendo que as quatro últimas são privadas. A maior concentração da população gaúcha nessa região, sua urbanidade e o PIB mais alto do estado podem explicar esse fato.

A região Noroeste, que nos dois primeiros anos considerados pela pesquisa concentrou a maior oferta de cursos em universidades privadas, teve perda absoluta de população no período de 2001-2011. Embora com perda populacional, a mesorregião se mantinha, em 2013, em segunda posição em relação à participação no PIB do estado e, os dois municípios com maior participação eram os que concentravam as duas maiores universidades privadas, que ofereciam os três cursos pesquisados, Universidade de Passo Fundo (UPF), em Passo Fundo, e Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), em Erechim. Dados da Fundação de Economia e Estatística (FEE), de 2011, revelam que, embora com perda populacional, a mesorregião teve o segundo maior crescimento de PIB per capita do estado, 42,9%, ficando atrás, apenas, da mesorregião Sudeste. Ou seja, a concentração de renda por habitante aumentou significativamente no período, o que pode justificar a manutenção da quantidade de cursos (28) oferecidos nas universidades privadas.

Em 2000, a mesorregião sudeste detinha 42,53% de matrículas em universidades públicas distribuídas em 11 municípios, enquanto em universidades privadas o maior número de matrículas estava concentrado na região noroeste, 29,75% das matrículas em 13 municípios da região. Em 2007, a mesorregião sudeste detinha 43,20% de matrículas nos cursos investigados em universidades públicas, enquanto que, em universidades privadas, o maior número de matrículas estava concentrado na região metropolitana, com 44,26% dos estudantes em 8 municípios.

A mesorregião Centro Oriental permaneceu sem os cursos investigados em universidades públicas durante todo o período pesquisado. Em 2000 e 2007, duas universidades privadas, a Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) e a Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), eram responsáveis por esses cursos e matrículas em Santa Cruz do Sul, Cachoeira do Sul, Sobradinho e Venâncio Aires.

Em 2013, nesta mesorregião, a oferta se restringe a 2 municípios: Santa Cruz do Sul e Cachoeira do Sul. Essa baixa presença dos cursos de licenciatura que estudamos nessa região do estado, ainda que seja a mesorregião que possui a segunda maior densidade demográfica, com 45,30 habitantes por km², provavelmente pode ser correlacionada ao fato de ser a mesorregião que apresenta a menor área (17,2 mil km²) e a taxa de menor urbanização (69,81%) do estado. Fatores como a menor área geográfica da mesorregião Centro Oriental, a economia agrária e a “ruralidade” podem estar relacionados à ausência de oferta dos cursos investigados e de matrículas nesses 3 cursos de licenciatura. Observa-se, portanto, que os cursos de licenciatura em estudo estão presentes nos municípios mais populosos da região.

Em 2013, enquanto em universidades privadas o maior número de matrículas (42,68%) estava concentrado na região metropolitana, na mesorregião sudeste encontrava-se o maior percentual de matrículas (36,12%) de universidades públicas. Aqui, a criação da UNIPAMPA Jaguarão ampliou de forma significativa o número de cursos e matrículas, principalmente nas habilitações do curso de licenciatura em Letras. Na rede privada, a maior concentração de matrículas se manteve na mesorregião metropolitana.

Em todos os anos pesquisados, a mesorregião sudeste apresentou maior número de cursos e matrículas em universidades públicas do RS. Os dados nos informam que a iniciativa privada se estabelece em municípios com PIB e densidade demográfica mais elevada, enquanto que o poder público vai desbravando as regiões mais distantes e de menor poder aquisitivo. As políticas de interiorização da universidade pública em muito contribuíram para esse panorama, ainda que as regiões mais rurais do estado continuem desatendidas na oferta dessas licenciaturas pelo ensino público de nível superior, como é o caso das mesorregiões Centro Oriental e Nordeste.

Considerações finais

Pretendemos conhecer e identificar algumas tendências de crescimento e retração na oferta de matrículas e cursos presenciais de licenciatura em Letras, Matemática e Pedagogia das universidades gaúchas, considerando os anos de 2000, 2007 e 2013, com base em dados do Censo da Educação Superior do INEP. Também buscamos relacionar os dados encontrados com as políticas do governo federal para a educação superior, que, desde o início do novo milênio, alteraram diversos aspectos e regras desse nível de ensino, visando a democratização do acesso, a interiorização, a integralização e regionalização da universidade.

Indicamos que houve crescimento na oferta global dos cursos estudados e matrículas nas duas esferas administrativas, pública e privada, quando levamos em conta o período que vai de 2000 a 2007. Em 2013, mesmo mantendo-se constante o número de cursos, cai significativamente o número total de matrículas, em relação a 2007.

Essa tendência difere quando consideramos distintamente o universo das universidades públicas e privadas do estado. Nas universidades públicas, há um crescimento constante e sustentável dos cursos e matrículas nessas instituições, quando se trata de comparar 2000 e 2013. Aqui se evidenciam os efeitos da criação de 3 novas universidades no RS a partir do ano de 2000 (UERGS, UNIPAMPA e UFFS), a ampliação de vagas pelo REUNI em universidades públicas com a abertura de novos cursos, inclusive, no turno da noite.

É notória a forte retração da presença das universidades privadas nas matrículas do ano de 2013 nesses cursos presenciais de licenciatura, comparando com os números de 2007: uma diminuição de 56,18%, sendo que a maior parte deste decréscimo ocorreu na mesorregião Metropolitana. Supomos que a larga proliferação da EaD no campo da formação inicial de professores, incluindo a criação da UAB, aliada às outras políticas de expansão das universidades públicas, concorrem para explicar as flutuações na oferta.

Dentre os pesquisados, o curso de Pedagogia foi o único que, embora com queda de 50% nas matrículas, se manteve com maior número de matrículas em universidades privadas.

Pelos números apresentados ao longo do trabalho, pode-se perceber que houve queda no número total de matrículas em universidades gaúchas, nos cursos estudados, no período 2007-2013. Entretanto, enquanto a queda foi bastante significativa nas universidades privadas, as universidades públicas mantiveram um crescente número de matrículas.

Ao analisarmos a distribuição dos cursos e das matrículas pelas diferentes mesorregiões do estado, constatamos, também, a forte presença do setor privado na oferta de universidades e cursos que são objeto deste estudo, especialmente nas regiões mais populosas e desenvolvidas do ponto de vista econômico. Por outro lado, o setor público vai investindo nas regiões mais pobres e interioranas do estado.

Referências

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1Apoio CNPQ

2Para o desenvolvimento deste trabalho contamos com a colaboração dos acadêmicos Jéferson Barbosa Costa e Tainá Melo Silveira, bolsistas |AT-CNPQ e IC-CNPQ, respectivamente.

3Relatório Educação Para Todos no Brasil 2000 2015 http://unesdoc.unesco.org/images/0023/002326/232699POR.pdf

4Resumo técnico: Censo da Educação Superior 2014 http://portal.inep.gov.br/informacao-da-publicacao/-/asset_publisher/6JYIsGMAMkW1/document/id/636024

5Relatório Educação Para Todos no Brasil 2000-2015 http://unesdoc.unesco.org/images/0023/002326/232699POR.pdf

6De acordo com os microdados do CES 2013, 49 dos 128 cursos de universidades privadas encontram-se em extinção, não ofertando novas vagas, mas ainda com matrículas.

Recebido: 10 de Agosto de 2017; Aceito: 07 de Agosto de 2018; Publicado: 15 de Julho de 2019

Correspondência Márcia Souza da Fonseca - Universidade Federal de Pelotas - UFPel - Rua Gomes Carneiro, nº 1 - Centro -CEP 96010-610. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.

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