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Educação UFSM

versión impresa ISSN 0101-9031versión On-line ISSN 1984-6444

Educação. Santa Maria vol.44  Santa Maria  2019  Epub 11-Nov-2020

https://doi.org/10.5902/1984644436264 

Artigo Demanda Contínua

A condição esportiva

The sports condition

Renan Santos Furtado* 

Carlos Nazareno Ferreira Borges** 

*Professor Mestre da Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil. renan.furtado@yahoo.com.br

**Professor doutor da Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil. enosalesiano@hotmail.com


RESUMO

Compreende-se que discutir questões conceituais é um importante pressuposto para a formação e intervenção profissional, para isto, construiu-se um ensaio que discute conceitualmente o esporte. A ideia é favorecer o debate da formação, partindo do campo da Educação, uma vez que o esporte é um conteúdo de componente curricular da educação básica, e abrange diferentes áreas, constituindo-se como um fenômeno da modernidade. Utilizou-se um quadro teórico formado por autores que discutem a categoria esporte no Brasil e, também, foram feitas releituras por meio da incorporação de conceitos e elaborações de Bourdieu (1983) e Elias e Dunning (1992). No itinerário do texto é realizado um exame do processo de transformação experimentado pelas práticas corporais, sobretudo o jogo. Tal processo de transformação tem sido tratado na literatura como esportivização. Segundo os argumentos apresentados, conclui-se que práticas corporais são colocadas gradualmente sob uma condição que as tornam esportes - a condição esportiva - podendo cessar, gradualmente, retornando-as à forma original.

Palavras-chave: Condição Esportiva; Esporte; Esportivização

ABSTRACT

It is understood that discussing conceptual issues is an important prerequisite for professional training and intervention. For this purpose, an essay was built that conceptually discusses sport. The idea is to favor the debate of education, starting from the field of Education, since sport is a content of curricular component of basic education, and covers different areas, constituting itself as a phenomenon of modernity. It was used a theoretical framework formed by authors who discuss the sport category in Brazil and, also, rereading through the incorporation of concepts and elaborations of Bourdieu (1983) and Elias and Dunning (1992). In the itinerary of the text an examination of the transformation process experienced by body practices, especially the game, is performed. Such transformation process has been treated in the literature as sportivization. According to the arguments presented, it is concluded that bodily practices are gradually placed under a condition that makes them sports - the sports condition - and may gradually cease to their original form.

Keywords: Sports Condition; Sport; Sportsmanship

Introdução

O que é o esporte? Essa é uma questão recorrente, inicialmente na Educação Física, talvez pelos atuantes na intervenção e produção do conhecimento na área se considerar possuidores desse objeto. No entanto, trata-se de uma questão que certamente ocupa diversos estudiosos das chamadas Ciências do Esporte1, sejam eles fundamentados em matrizes das ciências biológicas ou humanas. Da mesma forma, sendo o campo da Educação Física compreendido no universo da Educação enquanto componente curricular na Educação Básica acredita-se que a questão de partida se torna pertinente. A abordagem conceitual que permeia o chamado fenômeno esportivo interessa tanto à formação de professores, quanto às diversas formas de intervenção escolar que possuem o esporte enquanto conteúdo.

Damatta (2003), Helal (2014), Guedes (2012), Lovisolo (2012), Damo (2017), Rubio (2016), Vaz (2016), Melo (2017), Rose (2004), Rose Jr, Oliveira e Liz (2010), Gentilet et al. (2016), Araújo (2013) são apenas alguns dos estudiosos de diferentes campos como a Sociologia, a Antropologia, a Filosofia, a Psicologia, a Educação, a História, a Fisiologia, a Medicina e outras áreas, que vêm se debruçando em pesquisas e reflexões sobre o fenômeno esportivo. Como se afirma, a recorrência dos debates relacionados aos conceitos de esporte, em que estes e outros pesquisadores se atentam, por se tratar de um termo tão polissêmico, onde não há consenso.

Vale ressaltar que nas diversas áreas têm sido frequentes os esforços de realizar o estado da arte sobre estudos dedicados ao esporte em cada uma. Apenas a modo de evidenciação, exemplifica-se estudos como Vieira et al. (2010) acerca da Psicologia do esporte; Ferreira et al. (2009) sobre a sociologia do esporte; Vilas-Boas(2002) a respeito da Biomecânica do Desporto. Por haver, também, nos estudos a demonstração de querelas conceituais, há a necessidade de instigar o leitor à reflexão e, se possível, pensar alguma síntese conceitual.

Nesse sentido, arrisca-se neste ensaio discutir conceitualmente o esporte tomando como norte três eixos. No primeiro, utilizando abordagens conceituais mais recorrentes para o termo na área da Educação Física, no sentido de mostrar alguma densidade, mas também, alguma fragilidade. Em seguida, argumenta-se quanto à invenção do termo esporte, reconhecendo, no entanto, que a existência do fenômeno denominado de esportivização é real, e que, a partir da transformação do jogo, enquanto elemento fundamental recria diversas outras práticas humanas, sobretudo o jogo, transformando-as em esporte. No segundo eixo, buscou-se trazer para a reflexão as contribuições produzidas em dois clássicos sociológicos que abordam o esporte, sendo eles, Pierre Bourdieu (1983) e Norbert Elias (1992). Esse último teórico do processo civilizador dá importante papel ao esporte em suas elaborações teóricas, mas, serão utilizadas, em específico, suas contribuições em parceria com Eric Dunning (1992).

Por último, no terceiro eixo de discussão, avistam-se como as abordagens conceituais constituem classificações que, também, se fazem recorrentes quando se trata do esporte e que parecem formar campus, modelos ou dimensões de práticas esportivas. Sendo elas, que por muitas das vezes, parecem sustentar os conceitos dominantes no campo. Nesta oportunidade, faz-se um esforço de síntese para propor uma classificação.

Esportivização, condição esportiva e reversão de processos

Pois bem, o que se busca quando falamos a palavra esporte? Seria o mesmo qualquer forma de atividade física com gasto energético e movimento corporal? Talvez, alguém ainda assim o entenda, afinal, da mesma maneira que a ginástica foi usada durante muito tempo para designar qualquer prática de atividade sistematizada com essas características, assim também, foi com o esporte. Por entender assim, muitas vezes, recomendações médicas para a não sedentariedade foram denominadas de ginástica, esporte e hoje atividade física.

Por essas expressões serem popularizadas, talvez ainda hoje, seja possível encontrar alguém dizer que andar de bicicleta, correr ou patinar na rua são formas esportivas. Será que assim nos referindo às práticas corporais2 consolidadas na humanidade e perpetuadas em toda história conhecida da civilização, com ou sem ligação direta a tradições religiosas, alimentícias, de guerra ou simbólicas de um povo, conforme podemos ler na tradicionalíssima e não menos criticada obra de Ramos (1983)? Será que também, de modo semelhante, fazemos alusão às práticas corporais permeadas de novos sentidos da modernidade? Afinal, retornamos a questão: Do que estamos falando quando nos referimos ao termo “esporte”?

Tem sido comum na Educação Física a alusão ao chamado fenômeno esportivo, por entender que a manifestação esportiva envolve muitas dimensões relacionadas ao ser humano. Dessa forma, pode-se encontrar, também, na produção do campo da Educação Física diversas tipologias e matrizes teóricas para a análise daquilo que se denomina fenômeno esportivo. Para dialogarmos rapidamente com duas dessas tipologias e matrizes teóricas, inseridas no campo das ciências humanas e sociais, podemos citar inicialmente a reflexão de cunho filosófico-fenomenológica de Kunz (1991; 2004). Segundo esse autor o esporte faz parte da cultura de movimento dos seres humanos, sendo assim, uma dimensão explícita do próprio “se movimentar” e que, em sentido amplo como propõe o autor, deve olhar para representações além do mundo do esporte de rendimento3.

É bem na linha dos argumentos apresentados acima que atividades cotidianas como andar de bicicleta, caminhar, fazer ginástica, brincar e dançar, podem ser compreendidas pela Educação Física como práticas esportivas e problematizadas na escola justamente por fazerem parte da cultura de movimento dos alunos. Embora flexibilize o conceito de esporte, observa-se que essa abordagem generaliza bastante, e pode representar uma forma de ampliar o domínio do conceito de esporte sobre outras práticas, isto é, pode complicar mais do que ajudar.

Em outra abordagem Stigger (2005) e Bracht (2005) concordam que o esporte precisa ser estudado por via de sua historicidade, das relações sociais e políticas em âmbito geral, considerando principalmente a inserção na dinâmica daqueles que praticam ou são influenciados por agentes ditos “esportivos”. Trata-se do uso de abordagens sociológicas e antropológicas para o entendimento da dinâmica da reprodução social e cultural do fenômeno esportivo.

Para Bracht (2005) o esporte moderno é uma atividade da cultura corporal de movimento humano, com caráter competitivo e gênese na cultura europeia do século XVIII, sendo em síntese, um processo de transformação dos elementos da cultura popular junto às práticas corporais da nobreza inglesa. Parte dessa afirmativa será corroborada mais adiante. Por hora, a discussão amplia-se quando Stigger (2005) acrescenta à gênese e conceituação do esporte, elementos históricos essenciais para a compreensão dessa prática.

O autor supramencionado discorre sobre duas teses antagônicas a respeito da gênese do esporte, sendo elas a da continuidade e a da ruptura. A primeira entende o esporte como um fenômeno presente em diversas épocas da história da humanidade, sendo a expressão que conhecemos hoje apenas uma nova forma de ser de uma mesma prática conhecida por outras sociedades. A segunda tese advoga que entre as práticas antigas e o que conhecemos hoje como esporte, houve um processo de cisão, logo, o esporte passa a ser tratado como uma tradição que surgiu na Inglaterra do século XVIII, como corrobora Bracht (2005).

A tese do esporte visto como um elemento da modernidade foi sustentada por Bourdieu (1983), segundo o qual:

Parece indiscutível que a passagem do jogo ao esporte propriamente dito tenha se realizado nas grandes escolas reservadas às "elites" da sociedade burguesa, nas publicschools inglesas, onde os filhos das famílias da aristocracia ou da grande burguesia retomaram alguns jogos populares, isto é, vulgares, impondo-lhes uma mudança de significado e de função muito parecida àquela que o campo da música erudita impôs às danças populares, bourrées, gavotas e sarabandas, para fazê-las assumir formas eruditas como a suíte (BOURDIEU, 1983, p.4).

Como se vê, a contribuição de Bourdieu antecede e parece inspirar as argumentações de Stigger e Bracht, sendo que, as afirmações convergem para a confirmação de que houve um processo de esportivização dos passatempos populares para usarmos o termo de Elias e Dunning (1992), os quais também se debruçaram sociologicamente sobre a questão de surgimento do “esporte moderno4”.

Sabemos, porém, que no campo da Educação Física, as duas perspectivas de surgimento do esporte se encontram em constantes debates. Tubino (1999) reforça a ideia do esporte como prática presente em diversas épocas da humanidade, desde a antiguidade grega, quando se viu a maior expressão e manifestação da dimensão competitiva e educativa desta prática, embora o autor alerte que práticas físicas e utilitárias eram comuns em etapas sociais anteriores.

Neste ponto, não há consenso com as formulações de Tubino (1999). Segundo diversa tradição na literatura, como os próprios autores mencionados, os jogos gregos e as práticas corporais vivenciadas na Idade Média, por exemplo, apresentam sentido diferenciado do fenômeno consolidado na Inglaterra nos séculos XVIII e XIX (ELIAS; DUNNING, 1992). Dessa forma, em cada um desses e outros momentos, as pessoas buscavam determinadas práticas físicas ou corporais por motivos diferentes relacionados às tradições, cultos religiosos, saudações ou algo do tipo. Isso representa algo contrastante com um processo de esportivização (este termo irá ser tratado ao longo do texto) dos jogos populares e eruditos, que Elias e Dunning (1992) dizem ter ocorrido. Parece evidente que a modernidade funda junto a todas as suas estruturas econômicas, culturais e políticas, uma espécie de condição esportiva, termo que é adotado e explicitado na pesquisa.

Bourdieu (1983) corrobora com a linha argumentativa apresentada quando afirma que muitos estudos, os quais vinculam os jogos e atividades físicas presentes em sociedades pré-capitalistas como formas esportivas, tendem a fazer análises anacrônicas dos fenômenos. Segundo o autor, esses mesmos jogos passaram a receber na modernidade significados completamente diferentes, além dos esportes que foram simplesmente inventados a partir de outras práticas, como o voleibol e o basquetebol, ambos criados na Associação Cristã de Moços nos Estados Unidos, com motivos bem determinados, conforme ainda apresentado adiante.

Enfim, o ideal é compreender aquilo que com características próprias identificou o esporte e o tornou um campo social, pois mesmo pertencendo e influenciado por lógicas econômicas e políticas abrangentes, o fenômeno adquiriu formalidades e ações próprias. É Bourdieu (1983) quem mais uma vez auxilia no entendimento de que a teoria do esporte como um campo social, é concomitante com a apreensão das especificidades das práticas esportivas. A concomitância se dá, também, com a apreensão das formas como determinadas atividades ou exercícios físicos que existiam em períodos de tempo anterior à vida moderna, e passaram a receber significados e funções totalmente renovados. Assim como as novas invenções a serem praticadas, entre as quais, o voleibol e o basquetebol, todo um conjunto de práticas tornaram-se esportes específicos, tendo seus sistemas de disputas e lógicas próprias.

O debate quanto à origem mostra uma imprecisão paradigmática do trato com a categoria esporte. Não parece ter sentido chamar qualquer forma de movimentação corporal de esporte, embora a grande maioria dos esportes sempre resulte em práticas com o corpo. Dizer que qualquer significação corporal realizada ao longo da história, na qual o uso da cultura física com aspecto competitivo se fizesse notoriamente necessário também seja esporte, parece ser insuficiente para justificar a existência efetiva deste fenômeno em tempos pré-modernos.

Pensemos em uma relação mais clara em certo ponto da história, entre homem e natureza para sanção de alguma necessidade básica ou carência de um indivíduo, pela qual certamente o uso de seu corpo era vital junto com a utilização de técnicas corporais diversas. Pensemos essa relação muitas vezes em confronto do homem com meios naturais, outros animais e consigo mesmo. Nesse tipo de relação haveria esporte? E quando pensamos, como provocado anteriormente, nas manifestações religiosas, adoração a deuses, culto a fenômenos da natureza em formas de movimento, e com caráter certas vezes de competição, seriam práticas esportivas?

Mas será que na atual circunstância, não continuamos tendo que nos relacionar com a natureza e com outros sujeitos? Deixa-se de usar o corpo e técnicas como feito ao longo da narrativa? Não significamos mais nossas atividades laborais, tanto teóricas como práticas no plano da religião e dos símbolos sociais diversos? Então as práticas corporais que mediam as relações diversas do cotidiano social são sempre esportivas?

Enfim, acredita-se na necessidade de tratar com maior rigor científico as categorias a serem avaliadas, caso contrário, fala-se da coisa para si e nunca da coisa em si. Existe o risco de criar conceitos abstratos de difícil conexão com aquilo que sujeitos fizeram e fazem no cotidiano de suas práticas corporais.

O argumento apresentado, então, passa a ser inicialmente um caminho do meio, pelo qual se enuncia aquilo que se está chamando de esporte, não como um fenômeno que estava presente em tempos remotos da história da humanidade e nem algo totalmente novo em todas as suas estruturas, mas como uma atividade socialmente elaborada e identificada por singulares especificidades, sendo elas culturais, econômicas, políticas e estéticas.

Embora parta de uma posição mediadora, parece claro que a modernidade funda junto a todas as suas estruturas econômicas, culturais e políticas, aquilo que chamamos de condição esportiva. Esse conceito de condição esportiva permite entender por esporte, antes de tudo, um processo de incorporação sem total ruptura, do elemento jogo, o qual, segundo afirma-se posteriormente, funda atividades socialmente e esteticamente novas para a humanidade. Ao constatar esse fenômeno, é atribuída aos envolvidos uma nova condição para o desenvolvimento das atividades, o que se denomina de condição esportiva.

A condição esportiva é a própria forma corporal dos jogos na modernidade. Os elementos e as características dos jogos, os quais facilmente conjugam elementos da ginástica e da dança formando a tríade fundamental do movimento humano, ainda se encontram presentes nas práticas esportivas, fazendo do ato esportivo uma condição ou fase histórica do próprio jogo. O que é conhecido a partir da modernidade pelos autores que até aqui foram utilizados, é que características únicas na história da humanidade foram reunidas em uma mesma prática, sendo bem marcantes para sua execução e observação, são elas: competição regulada; universalismo de regras, táticas e fundamentos; regulamentação/burocratização; agentes reguladores da prática; racionalização dos meios e espaços; prazer da e na própria prática; e rendimento.

Algumas das características supramencionadas são identificadas nas contribuições de Bracht (2005) e Kunz (1991, 2004). Então, será realizada uma espécie de compilação teórica, acrescentando elementos e ressignificando características. A ideia é mostrar que com o conceito de condição esportiva, tentamos expressar uma releitura da noção de esportivização das práticas corporais, sendo a esportivização o próprio processo de tornar universal, educativa, regulada, burocrática e racional a cultura expressa corporalmente por camadas sociais diferentes na Inglaterra do século XVIII.

Se uma prática corporal passa por um processo de esportivização, diz-se que ficou esportivizada. Sustenta-se, então, é que na verdade passa a ter uma condição esportiva, que a mantém indefinidamente como prática corporal diferenciada em relação às práticas que lhe originaram.

Sobre as características do esporte que tratamos acima, elas devem ser compreendidas como tentativas de aproximação com modelos reais do fenômeno esportivo, e não como observações fechadas e definitivas. Assim, partimos para a explicitação pontual dessas características, uma vez que são as que mantêm a condição esportiva.

Competição regulada: As competições hoje existentes em comunidades esportivas são de caráter regulado, mediadas por sistemas que compõem e impõem limites. Por exemplo, no contato corporal, nas formas físicas e no tempo de prática de esportistas, e o vencer ou perder acaba fazendo parte do ethos do esporte. O próprio contato corporal regulado, o tempo e espaço para competir são elementos mediados, a própria violência física, tudo é processo a ser regulado e amenizado no esporte como nos mostraram Elias e Dunning (1992).

Universalismo: Talvez seja a categoria mais complicada de se tratar quando falamos de esporte. Com universalismo não queremos anular a diversidade cultural e as peculiaridades que podem existir em cada território e em cada cultura, sobre o seu modo de vivenciar qualquer prática corporal. No entanto, quando um mesmo modelo de prática se expande e se consolida para mais de um território, até o ponto de poder ser contundentemente realizada por qualquer povo ou comunidade, evidencia-se uma dimensão que pode ser considerada como universal.

O universalismo ocorre em sentido amplo quando a referida prática se faz presente em grande parte do globo, e muitas vezes há choque com elementos da cultura popular de determinada localidade, porque o conjunto de regras, técnicas, táticas e fundamentos se fazem presentes denotando e caracterizando modalidades específicas. Esse conjunto de elementos que validam e colocam uma determinada modalidade como aceita em qualquer espaço geográfico dá a ela um teor de universalismo, de unidade na diversidade.

Regulamentação/burocratização: Para garantir o universalismo, as práticas denominadas de esporte passam a ter validade em instituições, dentro da esfera da sociedade civil e do Estado. Passam, também, a se fazer presentes em documentos e legislações e, para ser praticadas, acabam muitas vezes tendo que se adequar a parâmetros e normas da própria sociedade que as incorpora. Com essa característica, é possível observar a tendência do esporte se tornar política de Estado ou de governo, ou seja, ser tratado como um direito social.

Agentes reguladores da prática: Talvez um tópico muito parecido com o anterior, mas que evidencia algo particular do universalismo esportivo e dialoga com as peculiaridades regionais. Refere-se ao fato de que para ser praticado, o esporte necessita também ser gerido, não só por agentes e entidades (ainda que seja fundamental) da própria prática, como também externas a ela.

Nesse sentido, precisa-se garantir para o acontecimento da prática esportiva não apenas federações, mas coordenações de esporte escolar, secretarias de esporte e lazer, núcleos de práticas esportivas. Enfim, a própria reunião de agentes preocupados com fatores que transcendem os movimentos e gestos reproduzidos nos campos, salões e praças esportivas. Pode-se dizer então, que uma das consequências da regulamentação/burocratização do esporte é a criação de agentes e instituições capazes de regular a universalidade do fenômeno nos diversos contextos sociais e culturais.

Racionalização dos meios e espaços: Para o esporte se cria um conjunto de materiais, instrumentos, implementos e objetos próprios e adequados à prática. Além disso, criam-se espaços físicos e tempos singulares a cada tipo esportivo, e tudo nos ajuda a identificar quais modalidades serão ou não praticadas. Não estamos insinuando com isso, que para se jogar futebol, apenas um estádio dentro dos padrões e normas dos agentes reguladores confirma a prática do futebol. Mas sim, que é considerado futebol enquanto esporte, a prática nesses padrões, convencionado dessa forma e inserido nessa dinâmica. Adiante, pode-se perceber que grupos sociais podem a todo o momento dar novos sentidos à própria prática, com finalidades diferentes, porém, é importante notar a imitação da prática consolidada.

Prazer da e na própria prática: O esporte traz consigo elementos diferentes das práticas corporais realizadas em outras épocas, que ensejam o prazer, o lúdico dentro da própria prática e em todas as dificuldades para sua execução com eficácia. Essa característica pode explicar, pelo menos é o que se acredita, como o esporte se inseriu dentro de um momento bem específico da história da humanidade, conforme citado.

Por exemplo, em um jogo de basquetebol o prazer se encontra no fazer a cesta, pois desde a dificuldade de ludibriar o adversário, de transgredir sistemas defensivos, de impedir o ataque do outro time, enfim, na infinidade de processos e relações específicas e próprias de cada modalidade, a tensão tende a ser aumentada. O mesmo ocorre em outras modalidades, desde o caso da caça à raposa, expresso por Elias e Dunning (1992), o qual parece ser um exemplo fundador para a afirmação que estamos fazendo.

Com isso, busca-se dizer que os olhares para a identificação de uma determinada prática ser ou não esporte podem ser diversos, pois diferentes tradições abordam o tema. No entanto, é possível reconhecer que a descrição acima tenta se aproximar daquilo que a própria história significou. Entende-se que consegue ser ampla, mas não generalista quando dimensionam singularidades que podem ser inerentes ao próprio fazer esportivo, situando historicamente os objetivos (de poder, culturais, religiosos, educacionais e outros) os quais podem ser analisados ou não por meio do esporte.

Rendimento: Tem-se como ideia de que render é uma capacidade própria do esporte, seja ela da ótica de quem pratica ou de outros que se envolvam direta ou indiretamente com ele (mídias esportivas, agências, clubes, associações e outros). Logo, o rendimento visto como um valor sempre presente na atividade esportiva torna redundante, por exemplo, a nomenclatura comum na Educação Física de esporte de rendimento.

Entretanto, acredita-se que a necessidade de render, vista como tentativa de melhora na própria prática e aprendizagem de seus elementos básicos se encontra presente em todas as formas e maneiras esportivas. Assim, rendimento não é tratado como uma tipologia esportiva, mas como uma característica do esporte, alcançada mediante os processos de racionalização dos treinamentos.

As características do esporte, discorridas anteriormente - competição regulada; universalismo; regulamentação/burocratização; agentes reguladores da prática; racionalização dos meios e espaços; prazer da e na própria prática; e rendimento - constituem um amálgama que a literatura convencionou chamar de esportivização das práticas, e que se entende como dar às práticas uma condição esportiva. Convém agora, mostrar de maneira mais focada no jogo como esse processo se desenvolve e se consolida.

Os argumentos partem do jogo como elemento fundante do universo das práticas corporais. A modo de partida apresenta-se o Quadro 1 com alguns dos principais elementos do jogo, em destaque ao centro, e como se comportam em relação a outras denominações conceituais relacionadas com o jogo, as quais são chamadas aqui de não-jogo: a brincadeira e o esporte.

Quadro 1 Elementos do jogo5 e seus comportamentos no não-jogo. 

BRINCADEIRA JOGO ESPORTE
Poucas regras Regras suficientes Conjunto de regras
Pouca seriedade Equilíbrio Seriedade/não seriedade Muita seriedade
Muita ludicidade Ludicidade suficiente Pouca ludicidade
Prazer em si mesmo aumentado Prazer em si mesmo Prazer para além da prática

Fonte: Elaboração dos autores.

Sustentados em argumentos de Huizinga (2000), Schiller (1995), Caillois (1990), assim como em estudos realizados no Brasil entre os quais se destacam estudos de Kishimoto (1996) e Borges (2007), foram encontrados bons motivos para defender a ontologia do jogo enquanto prática corporal humana. O que os autores têm em comum é a defesa do jogo como uma categoria primitiva no desenvolvimento do ser humano, pelo menos é o que se pode observar nas teses clássicas do homo ludens (HUIZINGA, 2000), do impulso lúdico (SCHILLER, 1995), e da categorização agon, alea, mimicry e ilnix (CAILLOIS, 1990).

Se cada uma das características desses autores fossem colocadas no Quadro 1 certamente variariam para mais ou para menos em relação à centralidade do jogo, caracterizando as variações como não-jogo. No entanto, não pode-se dicotomizar jogo e não-jogo como “tipos puros”, porque entre um e outro se torna possível graduar diversas possibilidades de que uma prática esteja mais próxima de um ou de outro, assim como mais distante de um ou de outro6.

Portanto, enquanto categoria ontológica atribui-se ao jogo uma centralidade justaposta, assim como as características que comumente lhes são atribuídas, muitas das quais, pelos autores mencionados. A centralidade justaposta admite que as características do jogo podem se acentuar ou reduzir, mantendo o objeto jogo, embora possa também considerar um novo objeto, como não-jogo. Nesse caso, será trabalhado aqui somente com dois objetos: a brincadeira7 e o esporte, ambos mantendo as características apresentadas, ora com ampliação, ora com redução.

Deve-se observar que não há norma fixa de ampliação e redução das características do jogo, para a manifestação do não-jogo. No entanto, admite-se que, embora exista uma centralidade na categoria jogo, parece haver em muitos casos, contrariando a tese de Huizinga (2000) do caráter fundacional do jogo, uma direção ascendente da brincadeira enquanto não-jogo, passando pelo jogo, até o esporte enquanto não-jogo, esse último constituindo também de forma dominante a expectativa de excelência em prática corporal humana.

Atenta-se que o caráter ascendente em direção à excelência é fruto do imaginário contemporâneo, influenciado por agentes e instituições externas à prática, conforme supracitado. Não necessariamente implica em ascendência das características internas do jogo, as quais, em certas situações, como abordado no Quadro 1, até se reduzem.

Mediante ao exposto, é possível verificar ao longo da história como práticas de diversão, passatempos, atividades lúdicas (brincadeiras), passam por processos de seriedade, ampliação e rigor de normatização, em direção a outras práticas hedonistas. A maior parte das práticas esportivizadas, com poucas exceções das que surgiram de outras práticas esportivas (como no caso do Futsal-futebol), passaram por esse processo. Além dos relatos históricos mencionados por Elias e Dunning (1992) na Inglaterra, verifica-se facilmente nas versões históricas de algumas das modalidades mais populares para constatar o processo de esportivização da brincadeira.

A modo de exemplo quanto aos processos de esportivização das brincadeiras lembremos do que ocorreu com a criação do basquetebol e do voleibol na Associação Cristã de Moços, a partir das brincadeiras “Minonete” e “Pato no Rochedo”, respectivamente (PÁDUA, 2007; BRAGA, 2010). Da mesma forma, outras práticas corporais lúdicas passaram por esse processo de esportivização, como as práticas circenses, funâmbulos e acrobacias (codificadas para Ginásticas Olímpica/Artística), como aponta Soares (2005), formas de lutas orientais, entre outras.

Os argumentos acima corroboram a tese de Elias e Dunning (1992), assim como Bourdieu (1983), do esporte como invenção. Na prática o esporte enquanto objeto em si não existiria sendo reconfiguração de outras práticas, ou como mencionado, afirmando as práticas apresentando uma condição esportiva. Se por um lado diversos autores se mostram críticos a esse processo (BRACHT, 2005; KUNZ, 2004; ASSIS DE OLIVEIRA, 2001) e se, por um acaso o fenômeno da esportivização for tomado como algo negativo no âmbito social, a boa notícia é que se trata de um processo que pode ser revertido.

Puig e Heinemann (1991), Assis de Oliveira (2001) e Oliveira (2014) são alguns dos autores que desenvolvem termos como reinvenção, diferenciação e ressignificação. Ambos os termos se relacionam ao percurso inverso da esportivização, isto é, tomar a prática corporal esportivizada e conduzi-la à dimensão de jogo e brincadeira. No âmbito das intenções desta pesquisa, denomina-se de retirada da condição esportiva a qual foi submetida uma dada prática corporal em algum momento histórico e conduzi-la a outra condição que pode ou não corresponder à forma original.

Reinvenção é tomada por Assis de Oliveira (2001) como processo de criatividade que transforma a prática esportiva de modo a torná-la educativa e inclusiva. Processo semelhante se dá pela ressignificação, apenas partindo de uma matriz neurolinguística de mudança de significado das ações de acordo com visão de mundo (OLIVEIRA, 2014), para mudança de sentido das práticas a partir de novos objetivos. Puig e Heinemann (1991) ampliam, ao propor como diferenciação, processos de reconfiguração do esporte em várias de suas dimensões, isto é, não apenas na prática corporal em si, mas nos modelos, organização administrativa, entre outras.

As proposições apresentadas acima têm em comum a intenção de reduzir ou alterar profundamente a condição esportiva, a qual uma dada atividade corporal esportivizada é submetida, principalmente quando já se encontra em uma condição esportiva espetacularizada.

Aproveita-se para retornar ao objeto esporte e discutir sobre a polêmica das classificações ou dimensões do esporte, mas, pretende-se aqui apenas tecer comentários breves e pontuais. Primeiramente, pode existir alguma forma de esporte que não busque algum tipo ou modo de rendimento? Todo esporte de rendimento pode ser caracterizado como é costumeiramente chamado de esporte espetáculo? O componente educacional de uma prática esportiva se condiciona por ser um modelo praticado e pedagogizado em instituições de ensino?

Pensa-se em uma forma coerente, mas não única possível de classificação do esporte em: esporte educacional, esporte espetáculo e esporte opcional. Com isso, dispõe-se uma noção diferente da exposta por Tubino (1999, 2011)8, a qual classifica o esporte em: esporte-educação, esporte-participação e esporte-performance ou rendimento. Bracht (2005) aponta que seria melhor falar em esporte de alto rendimento ou espetáculo, e esporte enquanto atividade de lazer, visto que, a atividade educativa encontra-se presente em todas as práticas.

Ainda que dialogue com a proposição de Bracht (2005), ratifica-se a classificação destacada acima e discorre-se sobre as formas de análise da manifestação da condição esportiva no mundo contemporâneo.

Esporte educacional: Não se acredita aqui que apenas sendo praticado em instituições de ensino conotam-se finalidades educacionais ao esporte. Dentro de escolas, por exemplo, a livre iniciativa de alunos em praticarem futsal após a aula pode ser caracterizado como um ato de autoeducação?

Por esporte educacional compreende-se um processo organizado e mediado pela figura de um intelectual (professor, treinador, instrutor) com o intuito de desenvolver competências e habilidades das várias dimensões do humano. Dependendo do lócus de execução, as capacidades desenvolvidas podem ser diversas, sejam elas da própria iniciação esportiva, de uma aula de educação física com aprofundamento de aspectos históricos e culturais atrelados à dimensão técnica de uma determinada modalidade, ou na organização de uma equipe esportiva que participa de competições periódicas. Porém, o processo tem ênfase nos fundamentos e táticas, assim como nos aspectos motivacionais para a competição.

Há de se pensar, ainda, em um programa de lazer, no qual o professor media atividades relacionadas com as modalidades esportivas, tendo como objetivo o aprofundamento de capacidades humanas diversas como, solidariedade, cooperação e integração. Enfim, as possibilidades citadas são diversas, mas encontram unidade na necessidade de um processo mediador organizado, com objetivos estabelecidos e métodos sistematizados. Esse conjunto de características colocam as práticas realizadas como educativas. Na direção desses argumentos, pode-se dizer que há uma condição esportiva que lhe torna educativa.

Esporte espetáculo: O esporte espetáculo é aquele que dentro das intencionalidades de quem pratica ou promove, geralmente privilegia o aspecto do rendimento técnico. Porém, a espetacularização da prática não está somente nos aspectos internos a ela, e sim nas influências externas. É o que se pode constatar, por exemplo, na grande influência da mídia e da indústria cultural9 mediante seus objetivos próprios10.

Da forma tratada acima, o esporte se torna cultura de massa, consumo, uma marca a ser vendida e vangloriada. Há a exclusão de muitas pessoas da prática, pois é preciso selecionar os agentes do espetáculo, com habilidades capazes de comover uma gama de pessoas que se tornam espectadores e consumidores do show.

As formas espetacularizadas de esporte são altamente subordinadas aos grupos sociais hegemônicos e às grandes empresas internacionais. Sem sombra de dúvidas é uma mercadoria das mais valiosas, pode-se dizer que um símbolo da capacidade de expansão e alienação social do sistema do capital sobre povos e culturas diversas, ou como Adorno (1996) sugere, é um elemento da indústria cultural burguesa. Isso ocorre porque quanto mais nos tornamos admiradores apenas da espetacularização esportiva, mais nos rebaixamos e conhecemos cada vez menos as potencialidades e multiplicidades do fenômeno esportivo.

A forma esportiva espetacularizada possui um extremo poder de mobilização midiática e logo conquista grandes públicos espectadores. O conceito de participação imaginária de Bourdieu (1983) parece se encaixar perfeitamente nessa dimensão do esporte. A maioria das pessoas apenas contempla, consome e valida essa forma esportiva como socialmente superior. Ao mesmo tempo, uma minúscula parcela pratica e tem determinada modalidade como sua profissão, ou seja, trata-se de relação de trabalho. Um atleta profissional embora possa ter amor pela prática que realiza certamente não a faria sem recompensa financeira11. Os grandes empresários, transações e patrocinadores ajudam a pensar e verificar facilmente esta relação entre o prazer da prática e o lucro que gera. Enfim, acredita-se que esses indícios permitem pensar em uma condição esportiva espetacularizada.

Esporte opcional: Com o termo “opcional” busca-se caracterizar o tipo de esporte que indivíduos podem praticar ou não em instituições de ensino, ou de rendimento esportivo, no seu tempo de não trabalho. Claramente se encontra na dimensão do lazer, não apenas como o lazer de consumo do esporte de rendimento, mas das práticas realizadas em clubes, em campeonatos amadores e espaços diversos como a própria escola. Porém, a prática não tem necessariamente a figura de um mediador com o intuito de transmitir alguma forma de conhecimento, e sim uma atividade consensual de normas e regras esportivas entre os próprios sujeitos. Mesmo porque, a prática de determinada modalidade, enseja alguma leitura sobre a mesma e, ainda que possam mudar regras, o padrão de prática continua universalmente válido, considerando sua adequação ao momento específico.

Os grandes campeonatos de bairros, em modalidades como o futebol, seguem esse modelo. Incorporam regras, táticas, fundamentos, princípio de rendimento, racionalização e demais características singulares do esporte. No entanto, tendem a manter e explorar o caráter de não obrigatoriedade, de participação espontânea e não ligação direta a uma atividade de trabalho e obrigatoriamente educativa.

Talvez a condição esportiva dada ao futebol, como no exemplo acima, nos campeonatos de bairro, seja a que mais se enquadre em uma flexibilização em direção aos processos de diferenciação, ressignificação, reinvenção que aqui foram mencionados. No entanto, advertimos que se trata de processo em que a ação dos sujeitos é preponderante. Afinal, o esporte é um objeto, e os sujeitos são agentes que movem os processos. Caso os sujeitos o queiram, pode-se ter, então, uma condição esportiva opcional, a qual se afasta do conceito mais rígido de esporte.

Considerações finais

Tentamos nesse pequeno excurso apresentar ideias que foram amadurecidas em debates, estudos e seminários (eventos e congressos) a respeito de uma discussão conceitual do esporte e sua relação com o jogo. Claro que determinadas categorias são divergentes de muitas outras academicamente consolidadas. No entanto, acreditamos na validade das considerações e na necessidade de continuidade da reflexão.

Argumentamos de forma a sustentar o jogo como elemento fundante das práticas corporais e tentamos mostrar como se dá o processo de submissão dele à condição esportiva. Em princípio, o processo é similar ao que se tem denominado de esportivização, isto é, valendo-se de recursos de universalização e institucionalização de um sistema normativo imposto às práticas corporais. Nosso argumento é de que práticas corporais esportivizadas precisam de uma condição esportiva para se manter como tal ou, pelo contrário, podem até deixar de ser.

A contribuição dada à pesquisa se deu por meio da apresentação de como o processo de esportivização ocorre em relação específica ao jogo, e de como a condição esportiva se adquire pela alteração das características elementares do próprio jogo, que o conduzem a uma condição de não-jogo exacerbada, o esporte.

Apesar das críticas que comumente encontramos ao esporte, observou-se que é possível a implementação de processos de reversão da esportivização. A diferenciação, ressignificação, reinvenção, são estratégias que retiram do jogo a condição esportiva e o conduzem a outras condições, que podem ou não corresponder às formas originais.

Assim, acreditamos que nossas ações e reflexões devem sempre olhar, antes de qualquer coisa, para os dados da própria realidade concreta. Dessa forma, é possível evitar o uso demasiado de conceitos, a priori que nada dialogam, com o sentido que os próprios seres humanos dão para aquilo que criam e transformam mediante as suas motivações cotidianas.

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1Em eventos da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) e da Sociedade Brasileira de Sociologia observa-se a existência de Grupos de Trabalho Temáticos que têm produzido e discutido estudos antropológicos e sociológicos relacionados ao esporte. É comum nesses fóruns encontrar de forma enfática o debate conceitual sobre o esporte. Ver o debate em: http://www.anpocs.com/index.php/encontros/papers;http://www.sbsociologia.com.br/home/index.php?formulario=congressos&metodo=0&id=3. Acesso em 12 de dezembro de 2017.

2Práticas corporais serão aqui consideradas como fenômenos culturais humanos, que contém elaborações mais abrangentes daquilo que se considera movimento, enquanto deslocamento corporal ou de membros do corpo. Comumente as práticas são manifestadas em jogos, danças, ginásticas, esportes, lutas, brincadeiras, vivências com o corpo. No entanto, ainda que se admita sistematização em seu desenvolvimento, as práticas corporais transcendem o universo das chamadas atividades físicas, uma vez que não necessariamente a primeira contém em si funcionalidades específicas atribuídas à segunda.

3Trata-se de uma das dimensões do esporte, sendo mais bem abordada adiante.

4Termo usado para diferenciar as práticas corporais realizadas por povos da antiguidade que não possuem as mesmas características atribuídas às modalidades esportivas contemporâneas.

5Os elementos do jogo estão apresentados na diversidade da literatura consultada, contudo, em síntese os encontramos em Kishimoto (1996).

6Para compreender melhor o pêndulo constante presente nas ações lúdicas, ler Caillois (1990) sobre os dois polos antagonistas do jogo, a Paidia e o Ludus.

7Vale ressaltar que não haverá extensão na discussão sobre a brincadeira. Basta dizer que apresenta as características do jogo na forma como foi expressa. Para uma abordagem mais detalhada, ver Kishimoto (1996).

8Vale lembrar que essa classificação do esporte não é de autoria de Manuel Tubino, pois como o autor aponta em seus estudos, ela se encontra de forma original no Manifesto Mundial do Esporte para Todos.

9A abordagem conceitual sobre indústria cultural foi bastante elucidada em Horkheimer e Adorno (2002) e Adorno (1996).

10Kunz (2004) afirma que nas sociedades industriais modernas seus valores e formas acabaram influenciando e dando a tonalidade das práticas esportivas de alto rendimento; a indústria cultural age de forma enfática na promoção dos grandes talentos esportivos, venda de materiais e consumo dos espetáculos, desta forma, o esporte passa a fazer parte do grande mercado mundial, e as próprias relações intersubjetivas dos sujeitos que praticam esportes apresentam sérias problemáticas, devido tais influências e valores, sendo o doping e a especialização precoce apenas duas delas.

11A tensão entre os afetos e a razão muitas vezes gera debates no campo esportivo. Por exemplo, em uma matéria a um grande veículo de comunicação por ocasião do retorno do jogador “Ronaldinho Gaucho” ao futebol brasileiro, após anos de contratos lucrativos no futebol europeu, o respeitado esportista Edson Arantes do Nascimento afirmou que se o jogador amasse o Grêmio Foot-ball Porto Alegrense (clube que revelou o jogador), jogaria nesse clube de graça. No entanto, o jogador retornou ao Brasil em um verdadeiro leilão entre clubes, tendo sido integrado ao elenco do Clube de Regatas Flamengo (GLOBO ESPORTE, 2011).

Recebido: 03 de Janeiro de 2019; Aceito: 27 de Agosto de 2019; Publicado: 09 de Outubro de 2019

Correspondência Renan Santos Furtado - Universidade Federal do Pará - Rua Augusto Correa n° 01. CEP 66075-110, Guamá, Belém, Pará, Brasil.

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