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Educação UFSM

versão impressa ISSN 0101-9031versão On-line ISSN 1984-6444

Educação. Santa Maria vol.44  Santa Maria  2019  Epub 11-Nov-2020

https://doi.org/10.5902/1984644433141 

Artigo Demanda Contínua

Internacionalização da Educação Superior: Lugar, Sujeito e Pesquisa como categorias substantivas de análise

Internationalization of Higher Education: Subject, Place and Research as substantive categories of analyzes

Marlize Rubin Oliveira* 
http://orcid.org/0000-0003-3234-7562

Hamilton de Godoy Wielewicki** 
http://orcid.org/0000-0003-0238-141X

Giovanna Pezarico*** 
http://orcid.org/0000-0001-5576-6685

*Professora doutora na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Pato Branco, Paraná, Brasil. rubin@utfpr.edu.br

**Professor doutor na Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. h.g.wielewicki@ufsc.br

***Professora doutora na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil. gpezarico@utfpr.edu.br


RESUMO

A internacionalização é uma questão de interesse crescente no contexto da Educação Superior (ES), principalmente pelos impactos da globalização dentro das instituições ao longo das últimas décadas. Este artigo busca aprofundar a análise de conceitos, políticas e ações orientadoras da internacionalização da ES, a partir de três instituições norte-americanas - Massachusetts Institute of Technology, Harvard University e Columbia University. O caminho metodológico foi percorrido a partir da abordagem qualitativa com entrevistas semiestruturadas, observações e análise documental, a partir de duas questões de investigação:1) Que concepções de internacionalização de ES estão presentes nas instituições? e 2) Que políticas e ações de internacionalização estão presentes nas instituições? Três categorias substantivas foram identificadas: Sujeito, Lugar e Pesquisa. Essas, por sua vez, expressam conceitos que sustentam políticas e ações de internacionalização. Os Sujeitos, em vez de indivíduos desprovidos de sua identidade, foram identificados como o ponto de partida e a força motriz dos processos de internacionalização. Os Lugares são espaços inerentemente repletos de contradições e possibilidades, reunindo Sujeitos que podem contar com apoio e meios para construir pontes para atuar dentro de zonas de fronteira, em esforços interdisciplinares de Pesquisa para abordar questões complexas que afetam a humanidade.

Palavras-chave: Internacionalização; Educação Superior; Universidade de Classe Mundial

ABSTRACT

The internationalization is an in issue of growing interest within the context of Higher Education (HE), especially due to the impacts of globalization upon the institutions alongside the past few decades. This paper aims at furthering the analysis of concepts, policies and actions of internationalization of HE, based on three north American institutions - Massachusetts Institute of Technology, Harvard University and Columbia University. A qualitative methodological approach was used, with semi structured interviews, observations and documental analysis carried out regarding two issues of inquiry: 1) What conceptions of internationalization of HE are present in those institutions? and 2) What policies and actions of internationalization are present in the institutions? The substantive categories have been identified: Subject, Place and Research. Those categories, in their turn, express concepts that sustain policies and actions of internationalization. The Subjects, rather than individuals devoid of their identity, have been identified as both the starting point and driving force of the processes of internationalization. Place are spaces inherently plenty of both contradictions and possibilities, gathering Subjects who could count on support and means that enable them to construct bridges to perform within borderline zones, based on an interdisciplinary approach to research in order to address some of the complex issues affecting the human kind.

Keywords: Internationalization; Higher Education; World Class Universities

Introdução: um olhar sobre a internacionalização da Educação Superior

Este artigo é parte dos resultados de um projeto intitulado “Desafios da Internacionalização da Educação Superior: Universidades de Classe Mundial”1, tendo como foco deste recorte aprofundar a análise de conceitos, políticas e ações orientadoras da internacionalização da Educação Superior, a partir de três instituições norte-americanas - Massachusetts Institute of Technology (MIT), Harvard University e Columbia University.

A pesquisa tem origem em algumas inquietações trazidas nas últimas décadas pelos movimentos da globalização do capital e seus impactos na Educação Superior (ES) (ZAJDA; RUST, 2016; ALTBACH, 2004; JONES et al. 2016). A chamada sociedade global e o consequente aumento do papel atribuído à ES e suas dimensões internacionais, definiram agendas, políticas e ações de internacionalização das instituições. Aparentemente de modo paradoxal, ao mesmo tempo surgem movimentos - não necessariamente conectados entre si - de fechamento de fronteiras, de ataques à liberdade acadêmica e de antiglobalismo. Na Europa, o Brexit, nos Estados Unidos, as políticas antimigratórias e no Brasil ataques à autonomia universitária e acadêmica - para citar alguns movimentos contemporâneos que criam assimetrias entre e dentro de países e instituições.

A internacionalização da ES cresceu também em importância estratégica entre as associações de ES em todo o mundo. Na Europa, uma pesquisa da European University Association (EUA, 2013) indicou que a maioria das universidades tem pensado estrategicamente sobre internacionalização, tem uma estratégia em vigor e/ou quer melhorar essa estratégia. A EUA (2018) tem apoiado as universidades europeias para se internacionalizar através de vários projetos e serviços. Isso inclui projetos como MAUNIMO - Mapping University Mobility of Students and Staff; ALISIOS - Academic Link and Strategies for the Internationalization of the Higher Education Sector e FRINDOC - Framework for the Internationalization of Doctoral Education. Outro programa que se destaca é o Horizon 2020 (HORIZON, 2018), este é um Programa de Investigação e Inovação da União Européia (UE) com quase 80 mil milhões de euros de financiamento, disponibilizados ao longo de 7 anos (2014 a 2020) e que, para além do investimento, promete mais descobertas e inovações, levando grandes ideias do laboratório para o mercado (HORIZON, 2018).

Nos Estados Unidos, o Mapping (ACE, 2017) é um projeto do Center for Internationalization and Global Engagement (CIGE) da American Council Education (ACE) em sua quarta edição. O CIGE fornece análise de questões críticas de educação internacional e administra programas e serviços para apoiar estratégias de internacionalização e de envolvimento global das instituições de ensino superior norte americanas.

Um princípio central que sustenta a pesquisa e os programas do CIGE é [o da] internacionalização abrangente, como um processo estratégico e coordenado que busca alinhar e integrar políticas, programas e iniciativas internacionais e posiciona faculdades e universidades como mais globalmente orientadas e instituições internacionalmente conectadas (ACE, 2017, p.1, tradução livre).

Na América Latina, a Conferência Regional de Educação Superior (CRES, 2018), já em sua terceira edição - a primeira em Havana (Cuba), em 1996; a segunda em Cartagena de Indias (Colômbia) e a terceira em Córdoba (Argentina), 2018 - tem se destacado como espaço de reflexão e integração da ES da América Latina e Caribe, com vistas à integração à Conferência Mundial de Educação Superior, a ser realizada em Paris (França) em 2019.

Além disso, os rankings internacionais e seus indicadores trouxeram, como um de seus resultados, a visualização de um conjunto de instituições que, por seu impacto, reputação e relevância, foram denominadas e passaram a corporificar o conceito de World Class Universities (WCU) (ALTBACH; SALMI, 2011; SALMI, 2009; HAZELKORN, 2011; ALTBACH; WIT; RUMBLEY, 2016). Esse conceito de universidades de classe mundial, por sua vez, tem influenciado políticas e ações de educação superior ao redor do mundo. No Brasil, o volume e o alcance das pesquisas sobre o tema se avolumou (SILVA JUNIOR, 2017; LEITE; GENRO, 2012), principalmente a partir da criação dos primeiros rankings internacionais - Times Higher Education e Shangai - no início dos anos 2000. Por várias razões, os rankings têm sido destaque em políticas e projetos tanto no que se refere às agências de financiamento quanto às instituições, assim como têm influenciado a reprodução de sua própria lógica, por meio da elaboração de rankings nacionais, a exemplo do Ranking das Universidades da Folha (RUF).

Apesar das diferenças de foco, abrangência e abordagem, esses movimentos parecem compartilhar um tipo de definição comumente aceita de internacionalização como processo intencional de integrar dimensão internacional ou global à Educação Superior (KNIGHT, 2004; WIT, 2018; MOROSINI, 2006). Assim, conceitos e movimentos de internacionalização da ES passam não apenas a integrar o debate, mas também a influenciar políticas e ações em nível de sistema, bem como dentro das instituições, com impacto direto na vida acadêmica.

Imersa neste debate, esta pesquisa busca aprofundar a compreensão de conceitos, políticas e ações de internacionalização a partir de um conjunto de instituições analisadas, recorrentemente associadas ao conceito de universidades de classe mundial. A ideia é contribuir com o debate visando ampliar a compreensão a partir de instituições que têm influenciado a ES tanto no que se refere aos resultados de pesquisas e formação profissional, mas acima de tudo como modelo prototípico de universidade moderna2, que acaba se mesclando com a própria ideia do que hoje conhecemos por universidade.

Nosso argumento é que a possibilidade de explorar o tema da internacionalização a partir de visitas técnicas a instituições de imenso destaque no cenário da ES mundial, pode trazer outras dimensões e categorias que contribuem para repensar nossa própria prática no contexto brasileiro. Aprofundar o tema da internacionalização a partir de diálogos reflexivos com instituições que se encontram no chamado centro hegemônico amplia nossas possibilidades de análise para além do olhar contemplativo, apontando categorias concretas para autorreflexão, inclusive no que diz respeito a elencar uma abordagem decolonial (MIGNOLO, 2017; PETERS, 2017; SANTOS, 2015; FREIRE, 2015), aqui compreendida como pluri ou multiuniversal e que não se propõe como único caminho ou opção, mas como apenas uma dentre muitas possibilidades que podem até mesmo funcionar ou ser acionadas juntas. Nesse sentido, o cosmopolitismo decolonial pode ser pensado como um localismo cosmopolita (MIGNOLO, 2017).

Os resultados e reflexões da pesquisa estão aqui organizados em quatro seções. Na introdução apresentamos os objetivos, principais inquietações, justificativas e conceitos necessários a uma adequada discussão dos temas elencados na pesquisa. A segunda seção, dedicada ao desafios metodológicos, através da apresentação e justificativa das escolhas e na qual também são detalhadas as etapas da pesquisa de campo, na tentativa de mostrar desafios e riquezas do processo. A terceira seção é dedicada a discutir os achados do campo de investigação, trazendo três categorias substantivas construídas: Lugar, Sujeito e Pesquisa. Por fim, as considerações finais buscam sumarizar as principais conclusões (provisórias) da pesquisa.

Percurso (e desafio) Metodológico

A característica qualitativa da pesquisa (BOGDAN; BIKLEN, 2007), com foco na pesquisa exploratória (MINAYO, 2000) e pesquisa documental (BOGDAN; BIKLEN, 2007) sustenta possibilidades metodológicas necessárias para o processo de investigação. Cautelosamente nos cabe aventar que a posição de privilégio no processo de investigação (MCCORKELL; MYERS, 2003; JOHNSON-BAILEY, 2003) nos estudos de pesquisa qualitativa, discute e aponta caminhos para pesquisadores nessa posição que poderia ser imputada como de privilégio (como seria o caso do pesquisador atuando, por exemplo, no chão de fábrica ou na escola). Contudo, esses estudos não nos ofereceram subsídios para a posição não privilegiada a qual nos encontramos, muitas vezes presente apenas no imaginário dos pesquisadores. As escolhas realizadas para a realização desta pesquisa resultaram, ao fim e ao cabo, em um olhar da periferia, mas que se postula central à discussão do tema, portanto de modo não-periférico. Assim, os desafios metodológicos, sempre complexos no processo de pesquisa, nesta investigação nos levaram - professores pesquisadores oriundos de um país periférico no que se refere à internacionalização da ES - a fazer escolhas autorreflexivas constantes, visando ultrapassar preconceitos ou uma descrição meramente contemplativa dos fenômenos. Trata-se, portanto, para além do contemplativo e descritivo, de pesquisar especialmente a partir dos limites e das possibilidades que o lugar que ocupamos como pesquisadores (a periferia) nos permite, mediados pela interculturalidade e pela riqueza de nossos lugares.

A escolha - intencional e planejada das três instituições - MIT, Harvard e Columbia - se sustenta em dois fatores principais. O primeiro é que são instituições classificadas como WCU no topo dos rankings internacionais, com papel histórico e gênese na modernidade na construção do conceito de universidade que conhecemos na contemporaneidade. Com a emergência dos Estados Unidos à potência mundial após a segunda guerra mundial, essas instituições ocuparam papel de destaque no cenário global em se tratando de educação superior. Com características diferenciadas, elas abrangem todos os campos da ciência. O MIT (2018) carrega na sua gênese a característica do ensino e da pesquisa - com relevância para o mundo prático como princípio orientador. Harvard (2018) é a instituição de Educação Superior mais antiga dos Estados Unidos, dedicada à formação de líderes mundiais, através da educação, das artes e das ciências. Columbia (2018), por sua vez, reconhece a importância de sua localização na cidade de Nova York e procura vincular sua pesquisa e ensino aos vastos recursos de uma grande metrópole.

O segundo fator que sustentou as escolhas das instituições foi a proximidade geográfica. Foi necessário considerar o tempo para realização das visitas e deslocamentos frente aos recursos financeiros do projeto. Além disso, com objetivo de compreender e aprofundar conceitos de internacionalização da ES e visando uma maior aproximação com o objeto de estudo, foram realizadas duas outras visitas técnicas às instituições com simbólica e concreta força política no cenário da Educação Superior norte americana e mundial: World Bank - Banco Mundial (WB) e The American Council on Education (ACE). O Banco Mundial, em razão de seu papel de fomento a investimentos em todo o mundo, tem forte papel indutor na construção de políticas públicas de educação, em geral, principalmente em países periféricos e também conta com um setor específico para a Educação Superior. O ACE é a principal organização, estruturada como um conselho que reúne representantes da ES dos Estados Unidos. Essas visitas técnicas cumpriram o papel de compreender mecanismos de ação no campo da educação, caso do Banco Mundial, e estabelecer contato com um centro catalisador de estudos sobre internacionalização, caso do ACE. Os documentos obtidos nessas duas visitas desempenham papel auxiliar e estão presentes nas análises aqui realizadas.

O Quadro 1 traz indicadores que ajudam a compreender os loci de investigação.

Quadro 1 Indicadores MIT, Harvard e Columbia 

INDICADORES MIT HARVARD COLUMBIA
Fundação 1861 1636 1754
Estudantes 11.466 22.000 32.429
Professores 1.914 2.459 4.114
Ranking Times 5 6 14
Ranking Shangai 4 1 8
Prêmios 89 Nobel Laureates
58 National Medal of Science winners
29 National Medal of Technology and Innovation winners
48 MacArthur Fellows
15 A. M. Turing Award winners
48 Nobel Laureates
32 Heads of State
48 Pulitzer Prize winners
83 Nobel Laureates
Estudantes internacionais 43% 21% 35%
Pesquisadores visitantes e alunos de doutorado internacionais 2.379 4.951 3.300
Países representados 129 200 151
Estruturas no exterior 75 21 9

Fonte: MTI-Facts (2018); Harvard-Worldwide (2018); Harvard Fact Book (2018) e Columbia-Statistics & Facts (2018).

No que se refere à coleta de dados, a opção pelas visitas técnicas visou aprofundar os objetivos da pesquisa a partir de reuniões, entrevistas semiestruturadas e observações. As visitas foram realizadas entre 05 e 19 de fevereiro de 2018. Os contatos iniciais ocorreram em outubro de 2017 e definidos a partir dos endereços disponibilizados nas páginas (web) institucionais ou através dos gabinetes dos Presidentes (Reitores). A partir dos contatos iniciais, as agendas e interlocutores foram definidos pelas próprias instituições.

As visitas foram pautadas em duas questões centrais de investigação: 1) Que concepções de internacionalização de ES estão presentes nas instituições? e 2) Que políticas e ações de internacionalização estão presentes nas instituições?

Assim, ocorreram 08 encontros com tempo médio de 40 minutos, com 12 interlocutores que ocupam posição institucional do nível estratégico, administrativo ao operacional. No processo de coleta de dados foram 6 entrevistas semiestruturadas com assinatura de “Informed Consent Form”. E com 6 interlocutores, que ocupam posição institucional estratégica, foram realizadas reuniões de trabalho e estabelecidos diálogos, com foco nas questões de pesquisa e experiências administrativas no processo de internacionalização.

A partir dessa dinâmica o processo foi conduzido em duas etapas principais. Primeira, durante as reuniões (entrevistas e diálogos) foram realizadas notas de campo (BOGDAN; BIKLEN, 2007). Com o objetivo de ultrapassar a tradução, a estratégia foi utilizar “notas na língua inglesa” como ponto de partida para a segunda etapa. Esta consistiu na análise das notas a partir do diálogo autorreflexivo e intenso entre os pesquisadores, buscando convergências, dissonâncias e diferenças nas falas dos interlocutores, a partir da compreensão de idiossincrasias e particularidades entre as diferentes culturas envolvidas, na posição institucional ocupada e no contexto de país central. Nesse processo, ocorreu a construção de um quadro síntese a partir das 3 categorias definidas a priori, e inserido um quarto ponto de observações. As notas de observações foram construídas também, como sugerem Bogdan e Biklen (2007), a partir do olhar autorreflexivo durante os deslocamentos, reuniões e entrevistas, tendo sido fundamentais para construção de sentidos e significados que denominamos de "filtro analítico” da pesquisa, o que foi constitutivo para construção das categorias substantivas (MAXWELL, 2013).

Por fim, a análise documental contribuiu no processo de triangulação da investigação. Durante as visitas técnicas, documentos institucionais foram sugeridos e incorporados à análise. Como resultado do processo de coleta e análise de dados, três categorias substantivas (MAXWELL, 2013) foram identificadas: Lugar, Sujeito e Pesquisa. Estas serão objeto da próxima seção. O quadro a seguir busca sintetizar os dados coletados.

Quadro 2 Síntese dos Dados Coletados 

INTERLOCUTORES DOCUMENTOS OBSERVAÇÕES
Provost/Director (n=3)
Staff (n=5)
Faculty (n=4)
Missão e Visão
Office International Education
Website Institutional
Lester (2017) A global strategy for MIT
Harvard (2018) - Policies on International Projects and Sites
Columbia (2017) World Projects
Gabinetes e salas
Cafés e bookstore
Bibliotecas
Museus
Corredores
Pátios
Fem (n=7)
Male (n=5)

Fonte: Dados de Pesquisa

Lugar, Sujeitos e Pesquisa: categorias de internacionalização

A categoria Lugar aparece como fundamental no que se refere à internacionalização da Educação Superior (ES). É uma categoria construída por um lado a partir da compreensão do lugar que as instituições ocupam no mundo e por outro, da construção da consciência dos sujeitos no lugar que ocupa. Compreendemos a categoria substantiva Lugar (SANTOS, 2015; ESCOBAR, 2005) como espaços de contradição, enriquecidos com caldo cultural necessário à proposição e ao exercício de novas interpretações. A categoria Sujeito é compreendida a partir do Sujeito (FREIRE, 2015) que se constrói na e pela práxis; autônomo, coletivo, comprometido, que pode atuar de forma crítica, prospectiva e propositiva. Sujeito, tal qual concebido aqui, ocupa o Lugar de forma pragmaticamente consciente do seu papel, tanto para manutenção dos espaços hegemônicos quanto para a possibilidade de tensionamentos. Esse Sujeito é capaz de dialogar para além das fronteiras do conhecimento estabelecido pela ciência moderna, assim como é capaz de trabalhar nas zonas de fronteira e construir pontes entre saberes hegemônicos e não hegemônicos. A categoria Pesquisa aparece como produção de conhecimento científico. A Pesquisa é concebida aqui como interdisciplinar pela natureza e pela complexidade dos objetos que se propõem (RAYNAUT, 2011). A categoria Pesquisa, nesse quadro, busca trazer resultados à vida prática e ao avanço do conhecimento teórico-filosófico, mas sobretudo é compreendida como não neutra, situada histórica e socialmente, precisando ultrapassar fronteiras de conhecimento estabelecidos pela ciência, assim como pelas fronteiras geopolíticas.

O Quadro 3 apresenta as três categorias com excertos dos documentos institucionais analisados que ajudam compreender conceitos que sustentam políticas e ações de internacionalização da ES.

Quadro 3 Lugar, Sujeito e Pesquisa: categorias substantivas. 

CATEGORIAS MIT* HARVARD** COLUMBIA***
Lugar Aprender sobre o mundo, ajudar a resolver os maiores problemas do mundo e trabalhar com colaboradores internacionais que compartilham nossa curiosidade e compromisso com a investigação científica rigorosa são valores fundamentais para o MIT. Nosso robusto compromisso com a internacionalização não é um acessório acidental ou dispensável. É parte integral de tudo o que fazemos, no laboratório, na sala de aula, nas conferências, no mundo. Há três etapas principais no pensamento que leva aos Columbia World Projects (CWP), começando com uma compreensão dos pontos fortes, bem como dos pontos potencialmente fortes de universidades de pesquisa [como Columbia], a partir daí para o estado do mundo e suas necessidades prementes e, finalmente, para o delineamento geral dos CWP.
Sujeito Membros do corpo docente individualmente iniciam e implementam a maioria das atividades internacionais do MIT. O papel da administração do MIT é incentivar e apoiar essas atividades e salvaguardar a liberdade dos membros do corpo docente para realizá-las. Temos que atrair e apoiar os alunos e professores mais talentosos e fornecer-lhes os recursos para fazer o seu trabalho da melhor forma. Devemos sustentar a notável comunidade de pesquisadores, professores e alunos, que são o coração e o motor de tudo o que aspiramos ser e fazer. Os Centros Globais de Columbia facilitam o envolvimento colaborativo de professores, alunos e ex-alunos da Universidade com o mundo, para melhorar a compreensão, enfrentar os desafios globais e fazer avançar o conhecimento.
Pesquisa Na pesquisa esta ideia [de uma universidade movida pelo impacto] reflete a tendência crescente de organizar colaborações interdisciplinares em torno de problemas sociais complexos - energia, água, alimentos, transporte, segurança, saúde, qualidade ambiental, desenvolvimento econômico e assim por diante. […] A pesquisa orientada para resolução de problema tornou-se mais visível em nosso campus, e agora está sendo ampliada por um foco crescente em “megaproblemas” ainda mais complexos, como mudança climática e urbanização, cada um dos quais engloba vários problemas sociais importantes. Precisamos oferecer mais destaque à inovação e as descobertas práticas inerente à engenharia, às artes e ao design, bem como, a aprendizagem pela experiência além da sala de aula. Todos esses são componentes críticos do pensamento e do conhecimento e compromisso de Harvard. A Columbia Global visa capturar a importância das relações entre as disciplinas tradicionais. A universidade tem inúmeros centros, institutos, programas e iniciativas de alcance global, e a Columbia Global serve para complementá-los, agregando à nossa história global. Os usuários podem explorar problemas temáticos, por tópico e por região geográfica. Nós apenas começamos a coleção de conteúdo que ilustra a profundidade da nossa história. Com o tempo, à medida que esse lugar/locus se tornar mais robustos, a vastidão do alcance da Columbia se tornará mais evidente.

Fonte: *Lester (2017); *** Harvard Policies (2018) e Faust ( 2017); ***Columbia (2017).

Na categoria Lugar identificamos a construção histórica do lugar no qual as instituições se colocam. Essa definição aparece claramente exposta no que se denomina de Alma Mater3. São instituições que atravessam toda sua história, por vezes de séculos, sem que a missão institucional se altere. As políticas e ações institucionais são estruturadas pela missão voltada ao lugar que ocupam no mundo e para o mundo. A Alma Mater sustenta o conceito institucional e a missão das instituições. Observando as campanhas e frases é possível perceber que no centro está a responsabilidade que a instituição evoca para si em relação aos problemas complexos da humanidade. Isso também é colocado na fala dos interlocutores como central à Missão institucional, como parte da história a ser preservada e ampliada no contexto contemporâneo.

O MIT tem hoje como campanha “MIT for the better world” - o MIT para um mundo melhor. Harvard sinaliza sua dedicação à "criação e disseminação do conhecimento e da educação das lideranças com sabedoria para iluminar o passado e moldar e servir ao futuro”4. Columbia, por sua vez, "espera que todas as áreas da Universidade façam avançar o conhecimento e a aprendizagem nos mais altos níveis e fazer chegar ao mundo o produto de seus esforços5”.

As frases e ideias colocadas nas campanhas, hoje principalmente na mídia eletrônica, são uma forma de síntese do foco estabelecido. São o ponto de partida para políticas e ações e expressam nessas frases uma profunda compreensão dos objetivos e da missão institucional. Esta compressão expressa o que denominados de Lugar, consciência da posição e do papel que essas instituições ocupam no mundo. Este movimento se refere tanto aos estudantes, professores-pesquisadores, gestores e técnicos como aos Alumni6.

A internacionalização da instituição está no conhecimento e no sentido que o conhecimento toma quando produzido nesse Lugar. Desta forma, as instituições têm como pressuposto serem internacionais pelo conhecimento produzido no Lugar em que elas se colocam no mundo. Nesse contexto, o processo de construção do conhecimento é tratado na sua gênese como internacional e a instituição é organizada para esse processo de produção. Uma das primeiras ações parece ser a busca de Sujeitos - melhores professores-pesquisadores, melhores equipes administrativas e de suporte e melhores alunos - para produzir soluções para problemas complexos da humanidade. Nesse Lugar deve ser produzido conhecimento , conforme codificado no lema “MIT of the world. In the world. For the world”7(MIT, 2018). O conceito de “internationalization at home8 (KNIGHT, 2004, p.20) contribui para compreendermos a ideia de cultura ou clima promovido pela instituição, que promove e apóia atividades interculturais em atividades no próprio campus.

O conceito de Lugar traz na gênese o espaço geopolítico definido (norte) com pressupostos claramente alicerçados na racionalidade/modernidade ocidental. Escobar (2005) argumenta que a modernidade tem a ver tanto com a relação entre o lugar e o espaço, como com a relação entre o espaço e o tempo. Assim, há nesse Lugar uma clara compreensão de que soluções para problemas complexos da humanidade serão produzidos ali, com a identidade do idioma hegemônico, a língua inglesa, ao mesmo tempo que este Lugar não é apenas uma definição geográfica. Hoje estas instituições estão presentes em todos os continentes. É possível perceber que este movimento, de levar as instituições para outros espaços territoriais, tem origem nos movimentos de globalização nos anos 1990 e hoje nos foi relatado como sendo um processo que é uma das prioridades das instituições. Estes novos lugares são espaços de formação e de pesquisa e também espaços nos quais os alunos dos campus sede estão sendo cada vez mais incentivados a participar de estágios, práticas de pesquisas, visitas de curta duração, entre outros, como parte do processo de formação, com objetivo de constituir experiências internacionais.

No Quadro 1 é possível identificar o número de países nos quais as instituições estão presentes através de Campus, Global Centers, Office com estruturas de gestão próprias. A inserção através de cursos online pelos sistema Massive Open Online Courses (MOOCs) MOOCs - MITx; HarvardX e ColumbiaX, não foi objeto de análise nesta pesquisa, entretanto são programas que parecem ter cada vez mais inserção.

A categoria Lugar nos leva a refletir a partir de dois pontos principais. O primeiro é a compreensão da hegemonia da racionalidade ocidental (SANTOS, 2015; ESCOBAR, 2005; MIGNOLO, 2017) na produção de conhecimento e ciência. Nos movimentos de globalização, que têm como aliado as tecnologias que aproximam cada vez mais lugares e pessoas, o conhecimento hegemônico atinge de forma ainda mais preponderante diferentes lugares de diferentes formas. É importante compreender, contudo, que os espaços para tensionamento existem e/ou podem ser construídos a partir dos Lugares hegemônicos. O desaparecimento do lugar (ESCOBAR, 2005), no sentido daquilo que é local, é um reflexo da assimetria existente entre o global e o local, na qual o global está associado ao espaço, ao capital, à história e à ação humana, enquanto o local, inversamente, é vinculado ao trabalho e às tradições. Há de se considerar, entretanto, as condições concretas para tanto, superando inagenuidades. Nesse sentido, cabe o segundo ponto da análise da categoria.

O Lugar, no contexto contemporâneo, é cada vez mais diverso. Santos (2015) chamou atenção de que em nenhum momento da história da humanidade fomos tão diversos em espaços físicos tão pequenos. Desta forma, podemos considerar este fator por si só, como um Lugar de contradições, tensionamentos e possibilidades únicas na história da produção humana. A inserção das instituições em diferentes contextos por um lado carrega a Alma Mater institucional, mas, por outro, no diálogo com o diferente, com os outros, também pode ser implicada pela diversidade na qual se insere. O que precisamos considerar aqui são as múltiplas possibilidades dessa inserção e a forma através da qual podemos atuar nesse processo. “Talvez seja tempo de renovar nossa consciência dos vínculos entre lugar, experiência e a produção de conhecimento” como afirma Escobar (2005, p. 68). As possibilidades de diálogos estabelecidos a partir da busca de conhecimento e ciência podem ser uma possibilidade para a emergência de outras racionalidades. O tensionamento pode ser estabelecido no processo de construção de ‘pontes de diálogos’ (RAYNAUT, 2011) em zonas de fronteira de conhecimentos. E a inserção destas instituições em diferentes continentes, buscando diálogos entre o ‘local e o global’ como aparece consistentemente nos documentos e nas visitas técnicas, pode tornar-se tanto um lugar de ressignificação da hegemonia, quanto a possibilidade de emergência de outras racionalidades. “O pensamento fronteiriço que conduz à opção decolonial está se convertendo em uma forma de ser, pensar e fazer da sociedade política global” (MIGNOLO, 2017, p.29). É preciso compreender que o modelo de racionalidade hegemônica na contemporaneidade tem trazido desigualdades e exclusões de toda natureza, entretanto, em países periféricos as exclusões deixam à margem a maioria da população, do acesso ao conhecimento e seus resultados. O pensamento decolonial requer "desobediência epistêmica” (MIGNOLO, 2017, p. 30).

Nesse cenário, parece urgente refletirmos o Lugar que ocupamos no mundo na condição de país periférico, construindo ciência na periferia, mas não periférica. Assumir o sentido de pertencimento e compreender de maneira profunda o lugar parece fundamental para que internacionalizações tenham os lugares como referência.

O lugar como a cultura local pode ser considerado o ‘outro’ da globalização, de maneira que uma discussão do lugar deveria oferecer uma perspectiva importante para repensar a globalização e a questão das alternativas ao capitalismo e à modernidade (ESCOBAR, 2005, p.69).

Este sentido poderá nos dar outras possibilidades de produção de conhecimento. As características geográficas, políticas e financeiras - na sua maioria inóspitas - dos Lugares periféricos, podem assumir sentidos diversos e distintos e se transformar em tensionamento à racionalidade hegemônica. A compreensão e sentido de pertencimento, tanto da nossa gênese, quanto do lugar que ocupamos nos diferentes espaços, nos dá a possibilidade de levarmos este Lugar - carregado de sentidos - para diferentes lugares. Ou seja, a partir desse sentido - ‘sensibilidade de mundo’ termo utilizado por Mignolo (2017) - podemos contribuir de forma genuína para a solução dos problemas complexos da humanidade em espaços hegemônicos e não hegemônicos. As análises aqui realizadas nos levam a perceber que aquilo que as instituições parecem buscar são singularidades dos nossos lugares (periféricos). Somos genuínos na forma de produção de conhecimento e na busca de solução aos problemas complexos cotidianos. Se estas características nos tornam interessantes na produção de conhecimento nestes lugares hegemônicos, podem também ser características para tensionar modelos hegemônicos, principalmente no fazer científico, no qual o sujeito é o centro do processo. A partir dessa compreensão se encontra a segunda categoria substantiva: Sujeito!

Sujeitos são de qualquer lugar, de qualquer etnia e idioma. Trata-se, nesse sentido, de um Sujeito autônomo, capaz de propor, de questionar (FREIRE, 2015). Iniciativas individuais, como mostram os excertos no Quadro 2, são colocadas como a ponta inicial dos projetos de internacionalização, nos quais as instituições se colocam como mediadoras de iniciativas individuais. Isto aparece com destaque nos documentos, entrevistas e diálogos. Não existe restrição às iniciativas individuais, desde que façam sentido à instituição, ou seja, à Alma Mater. Os sujeitos, fundamentais para a missão institucional, são buscados em todos os cantos do mundo, mas se espera que se transformem em conhecedores profundos tanto da missão institucional, quanto de seu papel no processo. A Alma Mater é construída no e pelo sujeito no espaço institucional (Lugar) e se perpetua a partir dos Alumni, espalhados pelo mundo. As associações e as doações financeiras dos Alumni são características marcantes das instituições pesquisadas. Assim, a internacionalização da instituição é traçada pela inserção dos Sujeitos no mundo revestidos do sentimento de Lugar.

Há de se considerar entretanto, o estabelecimento da relação hegemônica entre centro-periferia e o poder estabelecido a partir da linguagem. Dentre as premissas da manutenção dessa relação hegemônica, este Sujeito (autônomo) presumivelmente tem que dominar a língua inglesa como princípio. Há clareza de que conhecimento científico contemporâneo hegemônico tem na língua inglesa seu primeiro idioma, presente nas principais publicações e reuniões científicas. As instituições, ao buscarem ‘os melhores profissionais e os melhores alunos’ no mundo para que venham a atuar nesses lugares, reúnem sujeitos que dominam ou se propõem a dominar o idioma hegemônico.

Os sujeitos e os problemas complexos de pesquisa aparecem como centrais no processo de internacionalização institucional. A busca de solução aos problemas complexos não ocorre por políticas ou acordos institucionais a priori. São as relações entre pesquisadores, conforme indicam as entrevistas, reuniões e os documentos, a gênese do processo. No que se refere a acordos e parcerias, as instituições parecem se mover na direção traçada pelos sujeitos e por seus objetos de estudo que estão relacionados, por sua vez, à compreensão de seu Lugar na consecução da missão da instituição. Nesse sentido, é icônica a asserção de um dos entrevistados de aqui [em sua instituição] "não se pede permissão, se pede desculpas", ao se referir ao estímulo institucional à capacidade de iniciativa e de agir com autonomia.

A compreensão mais profunda do papel do Sujeito como categoria para a internacionalização das instituições analisadas, nos traz sentidos e significados distintos da compreensão de WCU trazida apenas pelos critérios dos rankings. Os rankings estabelecem como indicador de qualidade o número de Prêmios Nobel e Medalha Fields, número de pesquisadores citados, entre outros. Estes indicadores, apresentados para classificar instituições parecem retirar o papel dos sujeitos. Essa característica é fundamental à racionalidade moderna/hegemônica que busca desvincular os sujeitos do fazer científico. Os rankings produzidos por agências externas nos seus critérios privilegiam a hegemonia econômica e política de países centrais e são utilizados pelas instituições como marketing. E por nós, como país periférico, como modelo a ser seguido, na maioria das vezes de maneira pouco reflexiva ou mesmo acrítica.

As análises nesta investigação nos possibilitaram compreender o Sujeito como sendo o sujeito autônomo, portanto, capaz de repensar práticas e escolhas. “Pensar habitando a fronteira moderna/colonial, sendo consciente dessa situação, é a condição necessária do pensar fronteiriço descolonial” (MIGNOLO, 2017, p.20). Entretanto, há de se considerar, a relativa autonomia dos sujeitos nos movimentos de financiamento da pesquisa científica. Investimentos de pesquisa são provenientes de agências e instituições (públicas ou privadas) que carregam concepções, políticas e interesses definidos. Assim, é preciso compreender a pesquisa como sendo não neutra, tampouco desprovida de interesses. Os Sujeitos, ao fazerem escolhas, conscientes ou não, estão legitimando também conceitos e concepções nem sempre explicitadas. Nossa participação - na condição de sujeitos da periferia - em redes de pesquisadores internacionais cada vez mais presentes no nosso cotidiano, tem que carregar a consciência do Lugar que ocupamos como sujeitos no e do processo, expressando, portanto, nossa capacidade de refletir e de propor mudanças. A pesquisa, por definição, é um locus privilegiado de diálogos. A inserção internacional das instituições analisadas atinge hoje todos os continentes e é preciso compreender as múltiplas possibilidades que estes espaços oferecem, nos múltiplos diálogos possíveis e o papel dos sujeitos locais de forma reflexiva, crítica e propositiva, revestida de “histórias, condições, sensibilidades epistemologias diferentes” (MIGNOLO, 2017, p. 13).

A terceira categoria substantiva é Pesquisa, aqui qualificada como interdisciplinar, aparece como fio condutor do processo de internacionalização da ES. São os sujeitos, a partir da pesquisa, o pilar da estrutura. A mobilidade estudantil e de professores-pesquisadores, importante movimento nos processos de internacionalização, ocorre pela pesquisa. Trata-se, contudo, de uma pesquisa com características bem definidas. É uma Pesquisa, por definição, de ponta e aplicada, em todas as áreas do conhecimento e que se move a partir da busca de solução para problemas complexos. Hoje o foco explicitado está firmemente centrado na questão ambiental, na segurança alimental e na administração pública. Os ‘megaproblemas’ são identificados como ‘do mundo’ e, para tanto, precisam ser tratados por essas instituições de ponta, dessa forma. O incentivo a projetos de ‘longa duração’ aparece na contramão do que vivemos hoje em termos de políticas públicas para a pesquisa no Brasil. A busca por resultados imediatos e prazos cada vez mais curtos - a exemplo da pós-graduação - foi apontada nos diálogos em duas das instituições como um fator restritivo na participação em redes de pesquisa. Um interlocutor foi eloquente ao afirmar que ‘o tempo necessário para o suporte à pesquisa de ponta é quando ela acaba’, ou seja, verbaliza-se que as condições e restrições burocráticas não podem se sobrepor aos interesses e tempos demandados pela pesquisa.

Parcerias com instituições públicas e privadas são colocadas como mecanismos para garantir o financiamento da pesquisa. A inserção em países periféricos de regiões como a América Latina e a África, são indicativos do potencial percebido nestes Lugares. Potencial, tanto no que se refere à complexidade dos problemas, quanto no diálogo entre o local/global. A pesquisa interdisciplinar pode construir pontes para que os lugares sejam abordados a partir da direção oposta,“não a partir de sua crítica, mas a partir de sua afirmação; não do lado do global e sim do local” (ESCOBAR, 2005, p.77). A interdisciplinaridade é uma categoria transversal ao processo de pesquisa e postura dos pesquisadores, sendo aqui compreendida como caminho e método (RAYNAUT, 2011) para a busca de solução aos problemas complexos. A produção de conhecimento - nas zonas de fronteira - exige postura interdisciplinar dos sujeitos. Conhecimento complexo é interdisciplinar na sua gênese. Assim, o Sujeito tem que ser capaz de pensar e agir interdisciplinarmente, através da postura de busca de construção de pontes entre conhecimentos centrais e periféricos; entre conhecimento básico e aplicado; configurando-se como sujeito capaz de construir no diálogo entre saberes (SOUZA SANTOS, 2006; RAYNAUT, 2011).

Assim, o processo de pesquisa interdisciplinar - necessário à busca de solução dos problemas complexos - é um locus privilegiado para a construção dos tensionamentos dos modos de produção hegemônica. Ou seja, há a necessidade/demanda concreta de produção de conhecimento (Pesquisa) e há a busca de Sujeitos para pesquisar nesse Lugar. Esta compreensão produz uma percepção diferente sobre o conceito de internacionalização que tem orientado nossos estudos até aqui. Os movimentos de globalização, principalmente a partir dos anos 1990, trouxeram à ES ações concretas como o Processo de Bolonha e os rankings internacionais, isso num contexto em que o conhecimento é alçado como capital.

Esses dois movimentos nos impulsionaram a análises externas. Ou seja, são movimentos que ao nosso ver impactaram o cotidiano das instituições (WIELEWICKI; RUBIN-OLIVEIRA, 2010), o primeiro como movimento produzido de modo descendente (top down), por acordo entre ministros, e o segundo, por instituições que ao classificarem universidades, denominando-as de classe mundial, constroem representações e modelos de qualidade, estreitamente vinculados à internacionalização, inatingíveis para instituições da periferia, mas que influenciam políticas públicas de forma a impactar na avaliação e no financiamento da pós-graduação.

A diferença aqui é analítica. Ao refletirmos sobre internacionalização da ES, a partir dessas instituições pesquisadas, encontramos categorias que nos oferecem múltiplas possibilidades e pluridiversidades. O conceito de internacionalização passa, nesse processo de análise e de revisitação, a ser revestido de sentidos e significados, produzido em Lugares, por Sujeitos (autônomos), a partir da Pesquisa (interdisciplinar). Ou seja, se por um lado, reconhecemos a hegemonia das instituições analisadas na produção de conhecimento também hegemônico, há de se reconhecer possibilidades concretas de tensionamentos, o que nos permite refletir sobre nossa atuação, enquanto sujeitos que atuam a partir da periferia (em relação a esses centros hegemônicos), mas não periféricos, em função do potencial para tensionamento, na internacionalização da ES. Entretanto,

[...] construir o lugar como um projeto, transformar o imaginário baseado no lugar numa crítica radical do poder, e alinhar a teoria social com uma crítica do poder pelo lugar, exige aventurar-se por outros terrenos (ESCOBAR, 2005, p. 70).

Ou seja, é preciso em primeiro lugar descobrir se estamos dispostos à aventura.

Algumas Considerações Finais

O objetivo traçado pela pesquisa visou aprofundar conceitos, políticas e ações de internacionalização da ES a partir de três instituições norte-americanas - MIT, Harvard e Columbia - a partir de visitas técnicas (entrevistas, reuniões e observações) e análise documental.

A partir das análises realizadas construímos três categorias substantivas que sustentam conceitos, políticas e ações de internacionalização: Lugar, Sujeito e Pesquisa. Por um lado, são categorias constitutivas de uma compreensão aprofundada que buscamos de internacionalização dessas instituições, por outro, são categorias que permitiram ultrapassar o nosso olhar contemplativo de pesquisador e nos abriram possibilidades de autorreflexão, tanto do nosso papel de pesquisadores da área de ES, quanto de nossa atuação como sujeitos do e no processo de produção de conhecimento na periferia ou em centros hegemônicos. O caminho percorrido permitiu revistar nossos próprios estudos e conceitos de internacionalização. Ao identificarmos estas três categorias como substantivas, identificamos possibilidades concretas que a internacionalização da ES oferece como espaço possível para tensionamentos na produção de conhecimento.

Por fim, reiteramos que os Sujeitos são o início dos processos de internacionalização e não indivíduos sem identidade. O Lugar são espaços que carregam contradições e possibilidades, e que reúnem sujeitos que têm suporte e possibilidades para construir pontes de diálogos nas zonas de fronteiras a partir da pesquisa necessariamente interdisciplinar conduzida para resolver os problemas complexos da humanidade. Contudo, é importante que essas categorias possam ser revisitadas por outros pesquisadores em outros contextos para que possamos avançar nos diálogos no que se refere à internacionalização da ES.

Agradecimentos

Os autores expressam agradecimento ao CNPq, por ter provido as condições materiais para desenvolvimento da pesquisa, às instituições, pelo acolhimento e confiança nos pesquisadores, à Profa. Dra. Clarissa Eckert Baeta Neves, pela leitura atenta e pelas sugestões de aprimoramento do texto, à Profa. Dra. Maria Estela Dal Pai Franco, pelos questionamentos vitais à pesquisa, mas sobretudo pela inspiração e pela motivação constante à investigação no campo da Educação Superior, formando gerações de pesquisadores e pesquisadoras comprometidos com os Sujeitos, Lugares e Pesquisa a partir dos quais falam.

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1Projeto financiado pelo Edital Universal/CNPq/2014-2018.

2“Comunidade (mais ou menos) autônoma de mestres e alunos reunidos para assegurar o ensino de um determinado número de disciplinas em um nível superior, [...] tornou-se o elemento central dos sistemas de ensino superior [...]” (CHARLES; VERGER, 1996, p. 7-8). Aqui, entretanto o termo utilizado é “instituições” por sua natureza conceitual.

3Tem origem em meados do século XVII no sentido geral "alguém ou algo fornecendo alimento”. Do latim, literalmente "mãe generosa".

4No original "Harvard is dedicated to the creation and dissemination of knowledge and to the education of leaders with wisdom to illuminate the past and shape and serve the future”. Tradução dos autores.

5No original "expects all areas of the University to advance knowledge and learning at the highest level and to convey the products of its efforts to the world”. Tradução dos autores.

6Com origem no Latim em meados do século XVII - grupo de ex-alunos formados em uma instituição. Na contemporaneidade é marca das associações dos ex-alunos destas instituições espalhadas pelo mundo.

7Optamos por manter o original em inglês pela sua força retórica. Numa tradução livre dos autores "MIT do mundo, no mundo e para o mundo”.

8Aqui novamente optamos pela manutenção do termo original em inglês, pela sua força retórica.

Recebido: 17 de Junho de 2018; Aceito: 29 de Agosto de 2018; Publicado: 17 de Dezembro de 2019

Correspondência Marlize Rubin Oliveira - Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Via do Conhecimento km 01 CEP 85501-970, Pato Branco, Paraná, Brasil.

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