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Educação UFSM

versión impresa ISSN 0101-9031versión On-line ISSN 1984-6444

Educação. Santa Maria vol.44  Santa Maria  2019  Epub 11-Nov-2020

https://doi.org/10.5902/1984644435076 

Resenha

Em defesa da arte na pedagogia

In defense of art in pedagogy

Francione Oliveira Carvalho* 

*Professor doutor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. francioneoliveiracarvalho@gmail.com

Lima, Sidiney Peterson Ferreira de. Arte e Pedagogia: a margem faz parte do rio. São Paulo: Porto de Idéias, 2017. 278 pp.


A obra “Arte e Pedagogia: a margem faz parte do rio”, organizado por Sidiney Peterson Ferreira de Lima busca refletir sobre um território ainda pouco explorado na pesquisa acadêmica que é a presença da arte na licenciatura em Pedagogia. Discussão que se fortalece em momento onde novas diretrizes sobre o ensino, e consequentemente, sobre a formação docente, se impõe na Educação Infantil e Ensino Fundamental a partir da Base Nacional Comum Curricular, promulgada no ano de 2017. Afinal, a maior parte dos docentes que lecionam Arte nos anos iniciais da escolarização são oriundos dos diversos cursos de Pedagogia espalhados pelo Brasil. Dessa forma, é fundamental que se investigue e se reflita sobre a maneira como estes cursos operacionalizam, selecionam e constroem conhecimentos sobre arte em seus currículos, e como eles impactam na formação e na atuação profissional de seus egressos.

Para refletir sobre estes, e, outros temas que perpassam a licenciatura em Pedagogia o organizador selecionou quatorze textos escritos por autores de localidades e experiências diversas. A obra tem a apresentação de Analice Dutra Pillar. Muitos textos são escritos por mais de um autor, e revelam o desejo do organizador de promover uma polifonia de vozes, ideias e pontos de vistas. Ao mesmo tempo em que enriqueceu a obra, esta escolha fez com que alguns textos inseridos ficassem um pouco distantes do curso do rio, parafraseando aqui o título da obra, abordando experiências interessantes, mas não centradas no tema central da obra. Assim, percebe-se que os textos mais provocadores são justamente aqueles que fazem emergir às questões relacionadas a formação de professores no curso de Pedagogia; a presença da arte enquanto conhecimento sensível; a importância da formação que é vivenciada no curso e as experiências e reflexões promovidas por docentes que atuam diretamente nessa licenciatura.

Ana Mae Barbosa em “Arte/Educação é Arte e Pedagogia”, primeiro texto da obra, defende de forma vigorosa e provocativa que é necessário que as Artes Visuais, a Música, o Teatro e a Dança estejam presentes nos cursos de Pedagogia. As artes ampliariam a percepção de mundo dos futuros pedagogos, promovendo uma ressignificação da sua própria cultura a partir de experiências diversas e sensíveis. Entretanto, acredita que ainda hoje há uma dificuldade em definir o que seria importante aprender para ensinar arte.

Na preparação dos professores para o Fundamental I feita nos cursos de Pedagogia falta Arte e na formação dos professores do Fundamental II e Ensino Médio, feita nas Licenciaturas em Artes das universidades, falta Pedagogia, falta a compreensão de como pensa a criança e o adolescente e de como se dá a recepção da imagem em diferentes idades do desenvolvimento (BARBOSA, 2017, p.17).

A autora compreende que para mudarmos a escola, a pesquisa em Arte/Educação deveria centrar-se no problema de ensino/aprendizagem. O curso de Pedagogia deveria preocupar-se em entender como a criança pensa e aprende arte, como se dá a recepção da imagem em diferentes idades do desenvolvimento, e, como a cultura interfere no nosso olhar sobre o mundo.

Em “Viver a vida como uma obra de arte: por uma Arte/Educação que diz sim às diferenças”, Fernando Antônio Gonçalves de Azevedo argumenta que a Arte em suas múltiplas linguagens é importante na formação das pedagogas e dos pedagogos “por ser o lugar em que a dimensão da imaginação poética é profundamente valorizada” (AZEVEDO, p. 122). É necessário pensar a Arte enquanto um saber que produz divergências e questiona padrões e hierarquias de conhecimento. Afirma que inspirado por Ana Mae Barbosa compreendeu que o professor precisa olhar para o Outro “pelo ângulo das potencialidades, nunca das deficiências” (AZEVEDO, p.123). E que as artes são férteis para instigar nossas certezas, promovendo brechas para a criação de algo novo onde o conhecimento é gerado com poesia.

Apolline Torregrosa e Roberto Marcelo Falcón são autores de “Encontrar de nuevo la completud desde la formación artística”, escrito em espanhol, é o único texto da obra escrito em língua estrangeira. Pesquisadores que atuam em Paris e que se dedicam a interface entre a sociologia e a educação artística. O artigo versa sobre a formação docente e sua relação com a dimensão artística. Desde uma perspectiva sociológica e histórica, podemos desvelar a dificuldade de valorizar a parte sensível - inerente a pedagogia, em todos os sistemas educativos. Dessa forma, defendem a valorização da dimensão corporal e sensível na formação docente. Uma estratégia de reintegrar o corpo no aprendizado, pois as falsas hierarquias disciplinares promovem a marginalização e invisibilidade das questões sensíveis. Para que isso ocorra é necessário que o aluno tenha protagonismo e participe da sua própria formação e que os cursos valorizem os processos artísticos na formação docente. Afinal, eles abrem outros modos de relacionar-se com o aprendizado, com o ato educativo e as relações pedagógicas.

Em “Caminhos pelas margens de um rio em constante movimento”, Sidiney Peterson Ferreira de Lima rememora a própria trajetória de vida e de egresso do curso de Pedagogia da Universidade Federal Rural de Pernambuco, em Garanhuns. Articula os diferentes atravessamentos aos quais foi submetido enquanto estudante/pesquisador/educador e mediador de exposições de artes visuais. O autor afirma que as experiências em Arte/Educação, no contexto de formação em Pedagogia na UAG/UFRPE, “além de forjarem minha identidade docente, elaboram, também as identificações a respeito do profissional que quero e desejo ser” (LIMA, p. 60).

As reminiscências, as marcas e as transformações que o curso de Pedagogia promove em seus egressos também marcam “Experiência com o ensino das artes visuais. Memórias de um pedagogo sem formação artística”, escrito por Charles Farias Siqueira e Maria das Vitórias Negreiros do Amaral. O texto relata uma experiência vivida numa escola rural do sertão pernambucano, na cidade de Exu, no estado de Pernambuco. Charles Farias ao lembrar da experiência vivenciada no início de sua trajetória profissional aos 20 anos, recém-saído de um curso supletivo de Normal Médio, reflete sobre a importância do saber arte e o saber ensinar arte. Dimensões que só viria a tomar consciência após o ingresso no curso de Pedagogia na Universidade Regional do Cariri alguns anos após a conclusão do curso Normal e da experiência relatada no artigo. Conclui que tanto no curso Normal Médio como na Pedagogia, os componentes estudados durante sua formação não ofereceram o conhecimento sobre o campo expressivo e comunicativo da criança, e que esse conhecimento é fundamental para a atuação do pedagogo que ensina arte.

Ana Del Tabor Vasconcellos Magalhães em “Ensinar/aprender Arte no curso de Pedagogia: desafios e perspectivas na formação docente”, propõe refletir sobre as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia (2015), que segundo a autora evidenciam a importância da arte na formação inicial dos docentes. Para isso analisa o impacto das diretrizes na área de Arte do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Pará e questiona de que maneira a relação teoria/prática no ensinar/aprender arte é discutida e encaminhada nos cursos de Pedagogia. Ao trazer os relatos dos estudantes sobre suas experiências com arte no período escolar são reveladas experiências empobrecedoras que se repetem em muitos lugares do Brasil. E que mostram os inúmeros desafios lançados aos formadores de professores. Eles precisam desconstruir estereótipos, incompreensões e, principalmente, promover encontros significativos com a arte que ampliem os repertórios, os olhares e as experiências com a arte, a cultura e a educação.

Mirian Celeste Martins no artigo “Olhar da margem, molhar-se...” apresenta e discute duas narrativas visuais que registram proposições realizadas em diferentes cursos de Pedagogia. Um realizado pela própria autora junto com Estela Bonci na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo e outra realizado por Olga Egas na Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais. Ambas as propostas valorizam os pensamentos visuais, corporais e sonoros como propulsores de ações poéticas e produção de conhecimento. A autora discorre sobre diversas ações realizadas enquanto formadora no curso de Pedagogia que procuram fomentar experiências estéticas que vão além da sala de aula e do currículo fixo dos cursos. Tais como: expedições culturais, visitas à instituições e museus, experimentos criativos, vivências corporais e intervenções artísticas. Além de mediadoras na relação entre a arte e o público, que nesse caso são as futuras pedagogas, as ações procuraram estimular pensamentos e proposições que pudessem levar em consideração o universo da criança. Maneiras de aproximá-la dos territórios da Arte & Cultura. Mirian Celeste Martins é líder do GPAP- Grupo de Pesquisa Arte na Pedagogia, que desde 2012, reúne professores e pesquisadores de Arte dos cursos de Pedagogia de várias universidades brasileiras. Inclusive, muitos deles autores de textos contidos nesta obra, o que revela a pertinência e a reflexão crítica produzida pelo grupo.

Além dos artigos destacados, o livro “Arte na Pedagogia: a margem faz parte do rio”, conta ainda com as seguintes contribuições: “Arte e Pedagogia: o poder da imagem nas tensões filosóficas entre a educação estética e a educação artística”, de Afonso Negreiros, “de Margens e Marginalizações e Marginálias”, de Lucimar Bello Frange, “Às margens das “Estradas que andam””, de Iveta Maria Borges Ávila Fernandes, “A vontade de dobrar o horizonte”, de Carlos Eduardo Fernandes Júnior, “Deslocamentos da formação inicial de docentes a partir das práticas artística contemporâneas”, de Daniel Bruno Momoli, “Fios de uma teia: criação de docências, desenhos de/em currículos”, de Cristian Poletti Mossi e “As vozes que habitam o rio: falas entre margens e fluxos de arte e pedagogia”, escrito por Mariane Abakerli, Mirza Ferreira e Thaise Luciane Nardim.

Recomenda-se que na próxima edição da obra seja corrigido um dado no texto de apresentação da obra escrito por Analice Dutra Pillar. Nele os dois ensaios visuais apresentados no texto “Olhar da margem, molhar-se... “ aparecem como autoria de Mirian Celeste Martins, autora do texto, fato que não se comprova na leitura do artigo. Seria interessante também, que o trecho citado em francês de Marcel Maffesoli no artigo “Encontrar de nuevo la completud desde la formación artística”, de ApollineTorregrosa e Roberto Marcelo Falcón recebesse uma nota de rodapé com a tradução em português.

A obra é uma importante contribuição à área da Educação. Mesmo focando a análise na presença da arte no curso de Pedagogia, problematiza a educação e a formação docente de forma ampla ao trazer para o debate a análise do currículo, das políticas públicas, da interculturalidade e da dimensão política, estética e filosófica inerente ao processo educativo. Há uma grande lacuna na literatura acadêmica relacionada ao tema, o que revela a urgência de mais produções que discutam a importância da arte na licenciatura em Pedagogia.

Referências

Lima, Sidiney Peterson Ferreira de (org.). Arte e Pedagogia: a margem faz parte do rio. São Paulo: Porto de Idéias, 2017. 278 p. [ Links ]

Recebido: 06 de Outubro de 2018; Aceito: 30 de Outubro de 2018

Endereço: Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Educação. Universidade Federal de Juiz de Fora (Campus UFJF), São Pedro. CEP: 36036900. Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil.

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