SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.4417 contradições e o fim do capitalismo índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Educação UFSM

versão impressa ISSN 0101-9031versão On-line ISSN 1984-6444

Educação. Santa Maria vol.44  Santa Maria  2019  Epub 11-Nov-2020

https://doi.org/10.5902/1984644432874 

Resenha

Resenha de “Pesquisa em educação comparada sob condições de interconectividade global”

Review of “Research in comparative education under conditions of global interconnectivity”

Eduardo Cristiano Hass da Silva* 
http://orcid.org/0000-0002-3906-5448

*Doutorando na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. eduardohass.he@gmail.com

SCHRIEWER, Jürgen. Pesquisa em educação comparada sob condições de interconectividade global. Tradução de Geraldo Korndörfer e Luís Marcos Sander, São Leopoldo: Oikos, 2018.


Jürgen Schriewer é professor emérito de Educação Comparada da Universidade Humboldt, de Berlim, na qual já exerceu as funções de decano da Faculdade de Educação e de coordenador de redes de pesquisa de estudos transculturais nas ciências históricas e sociais. Além disso, é ex-presidente da Sociedade de Educação Comparada da Europa e já foi professor visitante em universidades em Paris, Estocolmo, Tóquio, Beijing, Cidade do México e Buenos Aires. As linhas de pesquisa em que o autor tem atuado são: a História Comparada da Educação, Pesquisa da Sociedade Mundial, História e Metodologia da Pesquisa Social Comparada.

A publicação do livro aqui resenhado coincide com a vinda do professor Jürgen Schriewer à Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) como pesquisador visitante, abordando o tema “Estudos internacionais e comparados em educação: fundamentos, concepções e metodologias”. De forma geral, o autor revisita alguns de seus trabalhos, atualizando textos e apresentando resultados de pesquisas que vem desenvolvendo. Dividido em oito capítulos, o livro mostra-se uma leitura fundamental para aqueles que pretendem se aventurar pelo uso da pesquisa comparada, sobretudo para a pesquisa em educação comparada, entendida pelo autor como resultado da articulação de diferentes campos como a história, filosofia e a sociologia. Ao longo dos capítulos, Schriewer defende a comparação como um exercício complexo.

No primeiro capítulo, o pesquisador busca basicamente compreender qual a identidade da Educação Comparada como área e/ou como disciplina. Dessa forma, o autor ressalta que compreender a Educação Comparada requer uma análise histórica, antropológica, sociológica e filosófica, devendo a mesma ser entendida em relação a estes diferentes ramos de estudos comparativos e internacionais. Retomando trabalhos do sociólogo alemão Friedrich H. Tenbruck, bem como revisitando seus próprios artigos, Schriewer cunha termos para as distintas estruturas da Educação Comparada:

(...) ‘epistemo-lógica’ da pesquisa social comparada propriamente dita, a ‘socio-lógica’ dos estudos internacionais sobre educação orientados para a reforma e a ‘globo-lógica’ da investigação de fenômenos e organizações educacionais inerentemente transnacionais e/ou mundiais (SCHRIEWER, 2018, p. 13).

Em relação à epistemo-lógica, Schriewer afirma que é no final do século XVIII que se pode encontrar tentativas do uso do método comparado em Ciências Humanas. Para ele, estas tentativas são tomadas a partir da anatomia comparada e aplicadas em estudos comparativos da linguagem, religião, mitologia, direito, governo e educação a partir dos conhecimentos que vinham sendo acumulados ao longo do século. No século XIX, os estudos em pesquisa comparada serão revistos a partir de Durkheim [1895] e sua sociologia comparada: “A transformação de Durkheim, mais elaborada por seus sucessores, fez da comparação algo diferente do que um ‘método’ no sentido de uma técnica específica de coleta de dados ou elaboração de um levantamento” (p. 17). Já no século XVIII pode-se falar da existência de uma comparação simples, entendida como operação mental universal e uma comparação complexa, sendo este o método que será utilizado nas ciências sociais e fundamentar à educação comparada. Ainda em relação à epistemo-lógica, Schriewer destaca que os componentes essenciais da pesquisa social comparada são a problemática norteadora, es estilos cognitivos de distanciamento e perspectivismo, a sensibilidade particular para diferenças socioculturais e as técnicas complexas de estabelecer relações entre relações.

Sobre a socio-lógica, compreendida como os estudos internacionais sobre educação orientados para a reforma, o autor destaca a importância do processo de modernização do século XIX, momento em que os Estados Nacionais emergentes elaboraram relatórios práticos e técnicos. Esses relatórios, embora comprometidos, ateóricos e metodologicamente fracos, aumentaram sua importância ao longo do século XX. Neste modelo, o projeto de pesquisa comparada apresenta um problema de pesquisa, relações entre relações, unidades adequadas de comparação e relevância para o aconselhamento de políticas. Em relação à globo-lógica, que atenta para a análise das estruturas transociais e sistemas mundiais, Schriewer destaca que pode ser localizada em diferentes níveis de análise que visam, sobretudo, explicar o surgimento do sistema mundial interconectado único.

O segundo capítulo procura apresentar alguns elementos fundamentais que sustentam a Pesquisa Comparada. Inicia destacando que a abordagem comparada não é privilégio de uma disciplina em particular, mas, sim, de um espectro de disciplinas das ciências humanas e sociais. Tentando localizar as origens da pesquisa em educação comparada, defende que elas podem estar nos escritos de Marc-Antoine Jullien de Paris, no ano de 1817.

Ao apresentar a definição de uma metodologia comparativa consistente, Schriewer a fundamenta em três princípios. O primeiro princípio é o estilo refinado de pensamento relacional comparativo, que consiste não em apenas fazer relações entre fatos observáveis, mas, sim, em fazer relações entre relações ou entre sistemas de relações em seu conjunto. É neste processo de relação de relações que a metodologia comparativa adquire relevância particular para a produção, exame e crítica de teorias. O segundo princípio refere-se à elaboração de uma problemática estruturadora da pesquisa e, o terceiro, em uma lógica de análise em ação. A concatenação destes três princípios permitiu a formação de “uma abordagem de pesquisa que estrutura, inquire e processa dados de modo autônomo” (p. 55). O autor finaliza o capítulo apresentando três dimensões de problemas em esboço de cunho histórico: acesso à uma base de experiências ampliadas para o nível global; distanciamentos das sociedades nacionais e formas contrastantes de avaliação.

O terceiro capítulo é voltado para a possibilidade de compreensão da pesquisa comparada em direção a uma ciência da complexidade. Para atender esse objetivo, o capítulo apresenta um estudo histórico da metodologia comparada em três níveis temporais específicos. O primeiro destes níveis temporais corresponde ao final do século XVIII, no qual se considera ter emergido o “grande programa dos estudos comparados do ser humano e da sociedade” (p. 85). O segundo nível temporal equivale ao final do século XIX, momentos no qual “foram definidos pela primeira vez os princípios do que depois se tornou a metodologia comparada dominante nas ciências sociais” (p. 85). O último nível temporal é referente ao final do século XX, momento em que se “reconheceu o questionamento de pressupostos fundamentais dessa metodologia dominante” (p. 85).

Percorrendo estes três níveis temporais, o autor mostra como a metodologia comparada é, nas ciências humanas, elaborada dentro do marco da sociologia comparada e da ciência política, sendo que, passa a encontrar aceitação geral em outros campos de estudo. Esta aceitação permite a realização de estudos de educação comparada em intersecção com campos como a história, pesquisa da modernização e da sociologia industrial. Os estudos de Schriewer colocam em xeque algumas teses defendidas pela sociologia industrial e pela economia da educação de que as exigências de qualificação e as estruturas educacionais são, em grande parte, determinadas pela mudança tecnológica, pelo desenvolvimento econômico e exigências de uma racionalidade universal intrínseca ao industrialismo.

Na sequência, o capítulo 4 tensiona o crescimento da pesquisa comprada nas últimas três décadas, bem como a continuidade de divergências acadêmicas sobre a metodologia. Sustentando que, apesar das críticas oriundas das divergências acadêmicas, a pesquisa comparada possui elementos gerais, retoma alguns dos pontos anteriormente apresentados, como: 1. Entendimento da pesquisa comparada como uma comparação complexa, de nível múltiplo, relacionando relações e relações de relações; 2. Entendimento de que o método científico da comparação não compara ou identifica apenas semelhanças, mas organiza e permite discernir diferenças e; 3. Compreensão de que enquanto método, a comparação sustenta-se pelo distanciamento e pelo perspectivismo (permitindo que o observador se distancie das características de seu objeto). Finalizando o capítulo, o autor atenta para a diferença entre Educação Comparada e Educação Internacional. Quanto a primeira, o autor entende como a pesquisa científica em educação comparada e, a segunda, pautada na Educação Internacional para o Desenvolvimento e na Ciência Política Educacional, sendo que o que as diferenciam são as funções a elas atribuídas.

Os capítulos cinco e seis são voltados para a análise da construção da internacionalidade da educação. O quinto capítulo é escrito em parceria com um segundo autor, Carlos Martinez. Para analisarem as construções da internacionalidade da educação, os autores iniciam apresentando o contexto globalizado de comunicação, atentando para os fenômenos da crescente interconectividade global convencionalmente expressada como ‘internacionalização’ ou ‘globalização’. Para Schriewer e Martinez, o crescimento da interconectividade global tornou-se uma característica proeminente do mundo contemporâneo a partir do final do século XX.

No contexto de comunicação globalizada, os autores destacam que diferentes organismos têm interferido e atuado em assuntos educacionais, sendo eles, em especial, o Banco Mundial, a Unesco, a OCDE, bem como ONGs internacionais. Dessa forma, os autores afirmam que a educação tem sido pensada para alguns pesquisadores a partir da lógica do sistema-mundo, entendido “(...) primordialmente em termos de uma ‘comunidade política mundial’ emergente e um correspondente ‘ambiente cultural transnacional’ (p. 184). Expressando sua opinião, os autores entendem que a educação é moldada por fatores históricos e culturais, ocorrendo diferenciação funcional da sociedade. Para encerrar o capítulo, apresentam os resultados de um projeto de pesquisa de Educação Comparada da Universidade de Humboldt, de Berlim, realizado a partir de revistas educacionais espanholas, russas e chinesas. O capítulo seis procura basicamente entender as fases dos estudos em educação comparada a partir da lógica do sistema-mundo e de redes de inter-relação, que para Schriewer são duas: “O final do século XVIII e o perfil de um grande programa” e “Final do século XX e mundo como unidade de análise”.

Comparados com os demais, os capítulos sete e oito são relativamente breves. O capítulo sete aborda a Declaração de Bolonha de 1999 como “um exemplo particular de processos muito mais amplos de interconexão e padronização em nível global de educação” (p. 259). O autor entende Bolonha como um “mito neoeuropeu”, sustentando sua opinião a partir de uma abordagem neoinstitucionalista. Essa abordagem é entendida a partir de três argumentos: o primeiro refere-se à “crescente importância alcançada por organizações governamentais e não governamentais internacionais bem como pelos ciclos de comunicação e coordenação bilaterais e multilaterais(...)” (p. 260); o segundo refere-se ao fato de que, em geral, as organizações não determinam seu comportamento primordialmente, “menos ainda exclusivamente, com base em uma tomada de decisões autônoma apropriada para problemas devidamente analisados ou situações problemáticas particulares” (p. 260) e; o terceiro argumento é de que um modelo refinado proporciona novas percepções das condições para processos de difusão transnacional.

Finalizando a obra, o capítulo oito atenta para algumas teorias da sociedade mundial como entidade global, mostrando como as ciências sociais originaram uma gama de teorias refinadas da globalização. A sociedade mundial é entendida como um ‘universo simbólico’, baseada em uma compreensão construtivista como um sistema baseado em regras cognitivas.

A obra de Jürgen Schriewer é fundamental para compreender a pesquisa em educação comparada a partir de uma perspectiva sócio histórica, uma vez que revela o empreendimento historicamente contingente e intelectual de atuação de importantes atores sociais. O autor apresenta a pesquisa comparada como um campo moldado por diferentes pressupostos epistemológicos, ao mesmo tempo em que incentiva a produção de estudos em educação comparada, visando preencher lacunas e rever trabalhos deficientes. A obra permite a compreensão da pesquisa comparada em uma perspectiva metodológica, complexa e científica, fundamentada na relação de relações e de sistema de relações.

Referência

SCHRIEWER, Jürgen. Pesquisa em educação comparada sob condições de interconectividade global. Tradução de Geraldo Korndörfer e Luís Marcos Sander. São Leopoldo: Oikos, 2018. [ Links ]

Recebido: 01 de Junho de 2018; Aceito: 30 de Agosto de 2018; Publicado: 17 de Dezembro de 2019

Correspondência Eduardo Cristiano Hass da Silva - Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Av. Unisinos, 950 - Cristo Rei, CEP 93022-750, São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons