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Educação UFSM

Print version ISSN 0101-9031On-line version ISSN 1984-6444

Educação. Santa Maria vol.45  Santa Maria  2020  Epub July 19, 2023

https://doi.org/10.5902/1984644433460 

Artigo Demanda Contínua

O desafio político da educação escolar: desdobramentos para pensar a Formação Inicial em Educação Física1

The political challenge of school education: unfolding to think the Initial Formation in Physical Education

Ivan Carlos Bagnara¹  , Professor doutor
http://orcid.org/0000-0002-6049-874X

Paulo Evaldo Fensterseifer²  , Professor doutor
http://orcid.org/0000-0002-4914-5281

¹Professor doutor no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Campus Erechim. Erechim, Rio Grande do Sul, Brasil. ivanbagnara@hotmail.com

²Professor doutor na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Ijuí, Rio Grande do Sul Brasil. fenster@unijui.edu.br


RESUMO

A Formação Inicial (FI) em Educação Física (EF) tem sido foco de análises nos últimos anos, pois se constitui em tempo e espaço destinado à formação dos professores responsáveis por desenvolver a EF na escola sob o prisma de um componente curricular e não mais na perspectiva de “atividade”. Pensar a Educação Física Escolar (EFE) sob esse novo estatuto significa estruturar a ação docente conectada aos sentidos e responsabilidades da escola, o que pressupõe avaliar retrospectivamente o processo formativo desenvolvido. Nesse sentido, neste estudo, objetiva-se analisar as concepções que os professores que atuam na FI em nível de Licenciatura em EF possuem acerca das responsabilidades sociais da escola. Para isso, foi realizada uma pesquisa colaborativa, na perspectiva qualitativa, da qual participaram doze docentes que atuam na FI em EF. Os dados foram produzidos através de anotações em diário de campo e elaboração de narrativas docentes. Os resultados indicam haver heterogeneidade na compreensão acerca das responsabilidades sociais da escola, as quais foram divididas em quatro categorias: conhecimento de qualidade; responsabilidade social; necessidades e demandas sociais; valores morais. A impressão que se tem é que as concepções referentes às responsabilidades da escola, no contexto do estudo, além de heterogêneas, carecem de uma fundamentação teórica sistematizada, revelando um caráter fragmentário. Isso retrata certa “orfandade política” entre os professores da FI, e como na política não tem vácuo, a ausência de uma consciência republicana deixa margem para proposições subjetivas, as quais contribuem para manter a EFE numa condição de menoridade.

Palavras-chave: Escola republicana e democrática; Formação de professores; Responsabilidade social da escola

ABSTRACT

The Initial Formation (IF) in Physical Education (PE) has been the focus of analysis in recent years, since it constitutes time and space for teachers' training responsible for developing the PE at school under the prism of a curricular component and no longer in the "activity" perspective. Thinking about Physical School Education (PSE) under this new statute, means structuring the teaching action connected to school senses and responsibilities, which presupposes a retrospective evaluation of the training process developed. Therefore, in this study, the objective is to analyze the conceptions teachers that act in the IF at the level of degree in PE have about the school social responsibilities. So, a collaborative research was done, in qualitative perspective, in which twelve IF teachers in PE participated. The data were produced through notes in field diary and elaboration of teaching narratives. The results indicate that there is heterogeneity in the understanding of the social responsibilities of school, which were divided into four categories: quality knowledge; social responsability; needs and social demands; moral values. The impression we have is that the conceptions regarding the responsibilities of the school, in the context of the study, besides being heterogeneous, lack a theoretical basis systematized, revealing a fragmentary character. This portrays a certain "political orphanhood" among the professors of the IF, and since politics does not have a vacuum, the absence of a republican conscience leads to subjective propositions, which contribute to keep PSE in a condition of minority.

Keywords: Republican and democratic school; Teacher training; School Social Responsibility

Introdução

A Educação Física Escolar (EFE), nas últimas décadas e em vários contextos, tem sido pensada sob o prisma de um componente curricular, com esforços de legitimação da mesma nesta perspectiva. A literatura contemporânea da área apresenta publicações (GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2006; MACHADO et al., 2010; BRACHT, et al., 2018a, dentre outros) que identificaram o fenômeno do abandono docente ou desinvestimento pedagógico como um dos entraves para essa legitimação. Por outro lado, há publicações (GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2009; 2010; GONZÁLEZ; FRAGA, 2012; BRACHT, et al., 2018b; 2014.), além de referenciais curriculares, que apresentam perspectivas inovadoras ou sugestões para que se possa avançar na elaboração de estratégias didático-pedagógicas que deem conta da implementação da EFE sob o prisma de um componente curricular.

Ao refletir sobre a problemática, um aspecto que parece ser comum tanto para os casos de inovação pedagógica quanto de abandono docente, refere-se à compreensão que os envolvidos possuem acerca da responsabilidade social da escola e da própria EFE e, ainda, como isso se desdobra/opera no momento de estruturar a ação docente. Em casos de inovação pedagógica, aparentemente, parece haver clareza, por parte dos professores, sobre a responsabilidade social da escola e da EFE. Inversamente, em casos de abandono docente, a impressão que se tem é de que os professores possuem dificuldades em elaborar respostas lúcidas para essa problemática. No nosso entendimento, ter clareza acerca da responsabilidade social da escola e da EFE é condição sine qua non para que o professor possa levar a cabo um componente curricular com legitimidade. Entendemos também que, antes mesmo de ser capaz de elaborar uma resposta fundamentada teoricamente acerca da responsabilidade da EFE, ao professor, é fundamental responder pela responsabilidade social da escola. Tratamos isso como um problema político, o qual, hipotética e aparentemente, tem sido ignorado ou tratado com superficialidade pelos professores que atuam na Formação Inicial (FI). Com base no descrito, questionamos: “Quais são as concepções que os professores que exercem a docência na FI em nível de Licenciatura em EF possuem acerca das responsabilidades sociais da escola?”.

De nossa parte, entendemos a escola como uma instituição republicana e democrática que desempenha importante papel na democratização dos saberes da tradição. Numa escola republicana e democrática, os discursos e ações não são confundidos com aqueles próprios de espaços políticos ou religiosos e sua determinação não deve ser pautada por critérios econômicos ou midiáticos. A principal finalidade desta escola reside na transmissão de saberes e no exercício da razão. Para Fensterseifer (2013), na escola republicana, pelo seu caráter público, todos os componentes curriculares devem responder mediante o modo como lidam com o conhecimento e com as relações sociais que acontecem neste espaço. Ou seja, compreendemos que a escola republicana e democrática tem como responsabilidade permitir a apropriação de conhecimentos poderosos.

Para Young (2007), o conhecimento poderoso não é o conhecimento dos poderosos, mas refere-se ao que o conhecimento pode fazer, como, por exemplo, fornecer explicações confiáveis ou novas formas de se pensar a respeito do mundo. Assim sendo, para o autor, o conhecimento poderoso, na sociedade contemporânea, refere-se ao conhecimento especializado, o qual, sabemos, não está disponível em casa, principalmente em contextos sociais menos favorecidos. Reconhecemos a significância que o conhecimento contextual possui na vida das pessoas, porém, numa perspectiva republicana e democrática, em que todos devem se ocupar das questões universais, o conhecimento poderoso, ao buscar compreender a universalidade e fornecer generalizações, oportuniza aos sujeitos (pelo menos potencialmente) melhor compreensão do contexto, possibilitando intervenções lúcidas, pois este tipo de conhecimento fornece uma base referencial para que o sujeito possa fazer “julgamentos”.

Acerca da FI, foco deste estudo, da mesma forma que Bracht et al. (2014), temos consciência de que ela não tem como resolver os problemas do egresso e da própria EF “de vez” ou como um a priori, mas entendemos que a mesma poderia e deveria contribuir com uma formação reflexiva e voltada para a tomada de consciência acerca de alguns temas basilares e fundamentais para a intervenção pedagógica escolar. Essas temáticas, em muitos casos específicas e, ao mesmo tempo, básicas, se referem à nossa capacidade de responder sobre aspectos fundamentais para o agir pedagógico na escola, como, por exemplo, elaborar respostas para uma pergunta aparentemente simples, qual seja: para que serve a escola?

Com base na problemática posta, objetivamos, neste estudo, analisar as concepções que os professores que atuam na FI em nível de Licenciatura em EF possuem acerca das responsabilidades sociais da escola, as quais impactam, em maior ou menor medida, na formação dos novos professores de EF, sujeitos responsáveis pela legitimação da EFE enquanto componente curricular.

Metodologia

Este trabalho é resultado de uma pesquisa colaborativa desenvolvida na perspectiva qualitativa. No caso desta pesquisa colaborativa, os sujeitos participantes foram estimulados a refletir sobre as ações docentes e, com base nessas, debater acerca de suas concepções teóricas e práticas pedagógicas desenvolvidas ao longo do processo formativo. A pesquisa colaborativa foi estruturada a partir das orientações de Desgagné (2007).

O “movimento” da pesquisa realizada se aproximou da ideia de Brandão (2003), em que as perguntas e problemáticas que emergiram ao longo do processo foram tratadas a várias mãos, num grupo de discussão. O grupo de discussão foi composto por doze professores (Ivan, Maria, Carlos, João, Pedro, Fernando, Ângela, Andréia, Dora, Manuela, Mateus e André)2, os quais atuavam como docentes no curso de Licenciatura em EF de uma Instituição de Ensino Superior (IES) particular, localizada no Norte do Estado do RS. Dos docentes, nove possuíam título de mestre, dentre os quais, três cursavam doutorado como alunos regulares e dois como alunos especiais. Ainda, havia três professores especialistas. De todos os docentes, sete possuíam FI em EF; destes, um possuía FI em EF e estava cursando Pedagogia. Uma docente possuía FI em Pedagogia, dois em Fisioterapia, um em Enfermagem e uma em Letras. Três estavam iniciando a carreira no curso de EF; entretanto, todos já haviam ministrado pelo menos uma disciplina em outro curso superior na mesma instituição.

A pesquisa colaborativa consistiu em debater, no âmbito da FI, como são enfrentados os desafios políticos, curriculares e didáticos da EFE. A pesquisa ocorreu em seis encontros e teve duração de nove meses. São os dados produzidos ao longo do debate acerca dos aspectos políticos da educação escolar que constituem o corpus deste texto.

A produção de dados foi realizada de duas formas: anotações em Diário de Campo e elaboração de Narrativas Docentes. Todos os encontros do grupo de discussão foram gravados em áudio, e ao final do encontro, o áudio era ouvido na íntegra e o diário de campo, quando necessário, passava por ajustes. Além do diário de campo, ao final dos debates, os docentes recebiam por e-mail um roteiro que possuía como prisma pautar a elaboração das narrativas docentes.

A produção de narrativas, de acordo com Molina e Molina Neto (2010), permite ao participante a experiência da reflexão, da constante “autointerrogação” e possibilita ressignificar o vivido. Por essa razão, produzir narrativas das próprias experiências proporciona viver um processo profundamente pedagógico, pois, por meio delas, pode-se identificar, organizar e nomear os significados atribuídos aos fenômenos vivenciados e, inclusive, oportunizar a reconstrução de diversas compreensões.

Concordamos com Molina e Molina Neto (2010, p. 168), para os quais, a narrativa “é um valioso instrumento para qualificar nossas reflexões de modo contextualizado e, como resultado, temos a possibilidade de ressignificar o vivido”. Ao produzir uma narrativa de algo que foi vivenciado, abre-se uma nova oportunidade de reflexão e, não menos importante, de autoavaliação. Nesse processo reflexivo e autoavaliativo, pode-se incorporar novos conhecimentos à vida. A eleição pela elaboração de narrativas docentes como opção metodológica para produção de dados se justifica, pois, ao narrar suas trajetórias, suas decisões e as formas de condução dos processos educativos, provavelmente, trazem à tona aos professores, elementos e discursos pautados pela influência da cultura docente.

Os dados produzidos ao longo da pesquisa foram analisados através do método de análise de conteúdo proposto por Bardin (2011). A direção da IES assinou o Termo de Autorização de Participação Institucional e os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética, sendo aprovada sob o Parecer Consubstanciado número 1.148.600. O estudo seguiu as normas para pesquisa envolvendo seres humanos, e a participação, tanto dos sujeitos, como da instituição, ocorreu de forma voluntária.

Responsabilidade social da Escola: concepções dos professores formadores

Ao iniciar a análise dos dados da pesquisa, reiteramos que, na nossa compreensão, antes mesmo de definir a responsabilidade e o sentido da EFE, é fundamental compreender “para que serve a escola”, pois, ao estruturar um projeto para a EFE na perspectiva de componente curricular, o sentido atribuído à escola estará operando para definir as intencionalidades da própria EF inserida nesta instituição. Como temos trabalhado sob a perspectiva da escola republicana e democrática, a discussão ocorreu tendo como fio condutor o ideário de tal escola, sempre atualizado pelos novos contextos e sujeitos. Assim sendo, ao analisar os dados produzidos pelo “movimento” da pesquisa através do método proposto, emergiram quatro categorias para análise: conhecimento de qualidade; responsabilidade social; necessidades e demandas sociais; e, valores morais.

No que concerne aos conhecimentos de qualidade, o professor Carlos afirma:

Quando falamos em sociedade democrática, falamos ao mesmo tempo de igualdade. Não podemos deixar de pensar a escola como tendo a responsabilidade de transmitir conhecimentos de qualidade e promover a todos as mesmas oportunidades, formando cidadãos plenos para constituir uma sociedade justa, crítica, com cidadãos autônomos, atuantes e mais humanos, conhecedores dos seus direitos e deveres. O acesso escolar a todos foi estabelecido pela lei, mas o que a escola tem feito, ou que conhecimentos está produzindo para formar cidadãos críticos? Aí é que está o ponto chave. Se vivemos numa democracia, todos precisam fazer sua parte (PROFESSOR CARLOS, 2016).

Essa perspectiva permite vislumbrar uma escola constituída sobre os pilares da educação republicana e democrática, pautada também pela ideia de justiça social. Da mesma forma que Young (2007), não vemos contradição entre uma escola que vislumbre a democracia e justiça social com a ideia de possibilitar a produção do conhecimento. Na verdade, entendemos essas possibilidades como complementares, pois conhecimentos de qualidade são fundamentais para radicalizar o potencial democrático da sociedade, que se constitui com a participação de todos os envolvidos.

A professora Maria entende que o papel da escola é “fomentar o conhecimento formal, visando desenvolver e mediar o aprendizado em todas as áreas do conhecimento, de acordo com o desenvolvimento da sociedade, preparando o educando para a vida acadêmica, social, cultural e econômica”. O recorte desta narrativa suscita pontos que podem se apresentar como contraditórios, mas, ao mesmo tempo, fundamentais para a educação escolar. Contraditório, pois, de acordo com Brayner (2015), a educação escolar não pode prever como os estudantes pensarão ou agirão no futuro: isso é imprevisível e imponderável. Mas ao mesmo tempo é fundamental, pois, para Brayner (2015, p. 24), uma educação preocupada com “futuros é, sobretudo, aquela que permite e abre espaço para o novo, para o insólito e o não-dito. Aqui reside o imprevisível e o impensado da educação. Educação que é, antes de tudo, uma aposta em um mundo repleto de incertezas” (grifos do original).

Nessa linha de raciocínio, a educação escolar não pode antecipar, prever ou garantir o que acontecerá com os estudantes no futuro. Em contrapartida, é preciso ter claro que, como afirmam Silva e Fensterseifer (2015), os aspectos epistemológicos exercem um considerável papel sobre a reflexividade acerca do agir, pois, no ato de deliberar sobre as coisas, os envolvidos evocam seus respectivos conhecimentos e saberes para tomar as decisões.

Sobre a relação da escola com o conhecimento, o professor Carlos entende que a escola começou a deixar de cumprir “seu principal papel de produzir conhecimento, porque tudo foi colocado na conta da escola. É muita coisa, e nem a escola nem os professores conseguem dar conta. Toda hora alguém manda um novo projeto para a escola desenvolver”. Dessa forma, a escola acaba por abdicar de seu papel relacionado ao conhecimento para assumir outras responsabilidades, muitas delas, inclusive, para as quais não está preparada. O debate acerca da responsabilidade da escola no que concerne ao conhecimento no grupo de discussão foi reduzido, devido à emergência de outras temáticas.

Acerca da relação (ou falta dela) entre conhecimento e EF, entendemos que esse é um embate histórico na área, pois, de certa forma, pode-se dizer que, em muitos contextos, a EFE ainda é considerada um componente curricular menor/periférico, justamente pela frágil relação que estabelece com a produção de conhecimentos no que concerne aos conteúdos de sua especificidade. Em outras palavras, parece-nos - e há evidências teóricas consistentes disso (algumas citadas neste texto) - que a EFE, historicamente, tem ficado alheia à produção de conhecimentos e pautada pela prática corporal com um fim em si mesma. Em nossa compreensão, este é um ponto que necessita de melhor aporte e dimensionamento, principalmente no tempo e espaço destinado à FI de professores de EF.

A segunda categoria de análise refere que “a escola possui responsabilidade social, responsabilidade com a consolidação de determinada sociedade” (DIÁRIO DE CAMPO, 2016). Para o professor André, a responsabilidade da escola é “formar cidadãos de caráter e de compromisso para desenvolver o nosso país”. De certa forma, pode-se pensar que delegar essa função para a escola pode ser uma tarefa quixotesca, pois, para Arendt (2013), a responsabilidade da escola3 é de mediação, ou seja, a escola e a educação escolar devem mediar as relações estabelecidas entre a família e a sociedade, que nem sempre são harmônicas, e não assumir sozinha as responsabilidades que deveriam ser compartilhadas. Sob essa perspectiva, a professora Andréia entende que a escola deve mediar o conhecimento para, “conhecendo, respeitar, porque muitas vezes o desconhecido é visto como estranho, podendo levar à aversão e discriminação”. E continua: “dessa forma, a escola estabelece um compromisso com a formação do cidadão, com o fortalecimento dos valores de solidariedade e de transformação social”. A ideia apresentada pela professora Andréia encontra respaldo nos escritos de Carnoy (2009), para o qual, os estudantes levam para a escola a influência das suas relações familiares sobre a educação; ou seja: estão inseridos em determinado contexto, que possui certo capital cultural social que, ao mesmo tempo em que influencia a escola, pode ser por ela influenciado.

O professor Mateus vê a escola voltada para a “intervenção e participação nas esferas sociais, com o intuito de proporcionar valores e conhecimentos necessários à formação, auxiliando na resolução dos problemas sociais e desenvolvendo uma sociedade mais democrática”. Nessa perspectiva, pode-se pensar que a escola contribuiria com o desenvolvimento da sociedade, justamente pela maneira como realiza a mediação e pela forma como produz, tematiza e desnaturaliza os conhecimentos necessários a realizar tal mediação de forma qualificada. Essa ideia também é referida por Pinto (2013), ao afirmar que, com uma escola pública de qualidade, torna-se possível realizar um processo de mediação entre a família e a sociedade também qualificado.

Na visão do professor Fernando:

A escola tem uma história e consequentemente um futuro. É importante percebê-la como importante no processo de desenvolvimento do ser humano. Aí é que entram os interesses, os quais se deve refletir: a que tipo de ideologia a escola serve? Que cultura objetiva? Hoje o domínio do mercado influencia diretamente no tipo de cultura e sociedade na qual se vive, e a escola acaba por abarcar essas ideologias. Tem-se uma formação quase que, em sua maioria, voltada para atender as demandas do mercado, tecnicista, acelerada e despreocupada com questões universais. É importante avaliar e pensar sobre como a ideologia atual, utilitarista e mercantilista, vem traçando os rumos da escola e da educação, deixando de lado a formação de um sujeito consciente de suas responsabilidades, tanto para com outros seres humanos (integração social), quanto com a preservação do lugar onde vive (consciência planetária). Assim, o que se espera da escola e da educação escolar é que ela sirva para a construção de um tipo de sociedade; esta, por sua vez, é responsável pela construção da escola e da educação escolar. É, portanto, um ciclo em que se pensam e desenvolvem intenções para o bem comum (PROFESSOR FERNANDO, 2016).

Relacionando essa afirmação com a posição assumida acerca da responsabilidade da escola, pode-se esperar que a escola e a educação que ocorre em seu interior radicalizem as promessas da república, pois as “boas intenções” republicanas precisam ganhar corpo no contexto social. Não se trata de “apostar todas as fichas” na escola; entretanto, os conhecimentos tematizados em seu interior podem ser tomados como mote para que as novas gerações se constituam e se estabeleçam numa perspectiva republicana. É possível vislumbrar que uma escola republicana e democrática tem o grande desafio de garantir às novas gerações conhecimentos para o exercício da liberdade política e intelectual. Mas, para isso, de acordo com Libâneo (2016), a escola deve possibilitar acesso aos conhecimentos culturais e científicos como meio de promover e ampliar o potencial psíquico dos estudantes, em estreita articulação com suas práticas socioculturais e institucionais e, ainda, como condição de superação das desigualdades educativas.

Entendemos que a EFE, ao tematizar de forma aprofundada/alargada os conhecimentos de sua especificidade, inclusive e principalmente explorando a perspectiva sociocultural e histórica, desvelando nuances e elementos (muitas vezes considerados periféricos/de menor importância) acerca da cultura corporal de movimento, pode chamar a atenção para aspectos importantes e que geralmente têm sido ignorados pelo campo. Para dar conta disso, todavia, é necessário realizar enfrentamentos internos (dentro da própria EF) que busquem pensar a EFE numa perspectiva de componente curricular, vinculado, por exemplo, à escola republicana e não mais pensada como uma mera “atividade” prática que acontece dentro da escola.

A terceira responsabilidade atribuída à escola pelos professores que atuam na FI é de que ela “precisa levar em conta as necessidades e demandas da sociedade” (DIÁRIO DE CAMPO, 2016). Assim, “uma escola conectada e preocupada em compreender o contexto na qual está inserida torna-se fundamental, principalmente quando se objetiva contribuir com o desenvolvimento de determinada sociedade” (DIÁRIO DE CAMPO, 2016). Acerca dessa temática, o professor João afirma que “a escola deve atender às necessidades e demandas sociais. Se a demanda é a questão social, que ela dê conta disso”. Para o professor Carlos, a “escola precisa dar conta do conteúdo, mas ela também tem que atender às necessidades da sociedade”. Me parece adequado analisar com cautela essa categoria, pois, apesar de entender que a escola, por si só, não conseguiria atender às necessidades e demandas da sociedade, isso não a exime da sua responsabilidade de ajudar os estudantes a entendê-las, até mesmo porque, conforme a posição assumida por Carnoy (2009), o ambiente social possui influência na definição do que as escolas e os professores fazem e devem fazer. Na concepção de Mendonça (2011), uma das críticas que a escola tem recebido na atualidade se refere à sua inadequação às novas demandas sociais.

Quando o debate do grupo se direcionou para esse viés, foi possível perceber, como exemplificam as anotações do diário de campo, que os docentes estavam fazendo referência às “questões econômicas (principalmente com relação aos menos favorecidos), drogadição, violência e desestruturação familiar”. O professor Carlos, tratando da relação entre os problemas sociais e a educação escolar, afirma: “algumas coisas possuem relação com a falta de escolaridade, falta de discernimento. Quanto menos escolaridade, maiores são os problemas sociais. O acesso à educação possui relação direta com o acesso a moradia, emprego, renda, oportunidades”.

Os estrategistas políticos, na visão de Masschelein e Simons (2015), também propagam a ideia de que a escola necessita dar conta dos problemas sociais, pois são tentados a olhar para a escola como um tempo, espaço e lugar que poderia buscar soluções ou remediar os problemas sociais. Para os autores, isso significa (na visão desses sujeitos) que a escola é responsável (pelo menos parcialmente) por resolver problemas sociais, culturais e econômicos que, muitas vezes, são traduzidos em problemas de aprendizagem (fazendo com que a escola “compre” essa ideia). Entretanto, isso significa incumbir a escola de tarefas que são impossíveis de serem cumpridas sem abandonar a própria escola.

Entendemos que a grande contribuição da escola, para o enfrentamento das questões sociais, não é imediata, mas mediata, ao propiciar o acesso a conhecimentos capazes de desvelar a complexidade que conformam estas questões e a valores compatíveis com o ideário democrático e republicano (igualdade, liberdade, pluralidade, inclusão, respeito as diferenças, etc.) capazes de produzir inconformidade quando de sua não realização.

Assim sendo, na nossa compreensão, é pertinente pensar que a escola poderia nutrir o debate na perspectiva de compreender tais fenômenos na conjuntura social e seus respectivos impactos na vida das pessoas, e a EFE, por integrar a grade de disciplinas escolares e ser considerada pela legislação atual um componente curricular, não pode ficar alheia a isso (tomando, como pano de fundo para potencializar as discussões, os conhecimentos de sua especificidade).

Da mesma forma que Fensterseifer (2013, p. 131), entendemos que a escola não pode ser considerada entidade “beneficente ou instituição de caridade”, tampouco “extensão da família”. Nesse sentido, pode ser relevante refletir acerca do que escreve Libâneo (2012). Para o autor, a escola pode, por um imperativo social e ético, cumprir algumas missões sociais e assistenciais, pois a mesma convive com pobreza, fome, maus tratos, consumo de drogas, violência, dentre outras coisas, mas esse embate não pode ser visto como sendo sua principal responsabilidade, mesmo porque a sociedade também precisa assumir a sua parte acerca das missões sociais e assistenciais.

De certo modo, entendemos a preocupação com esses aspectos, mas buscando atender questões que, em grande medida não eram suas, ou querendo se “reinventar” ao longo dos tempos, a escola, quem sabe até de forma inconsciente, acabou por deixar de realizar seu papel democratizante de acesso ao conhecimento (SAVIANI, 2012). Assim, na contemporaneidade, seria apropriado pensar que a escola tem como responsabilidade contribuir para entender (e não resolver) os problemas sociais, pois o que dá caráter democrático à escola é a forma como ela democratiza o ensino, oportunizando, aos estudantes, inclusive, uma relação mais lúcida/esclarecida com os problemas sociais. De certa forma, essa também é a ideia do professor Carlos, ao afirmar que “a escola precisa dar acesso pleno ao conhecimento a todos”.

Seguramente são justas as preocupações com os aspectos econômicos dos estudantes, principalmente aqueles relacionados às necessidades básicas, como falta de alimentação; porém, se torna relevante atentar para os escritos de Libâneo (2016), que chama a atenção para o fato de que as políticas educacionais no Brasil têm sido institucionalizadas buscando dar conta de aliviar a pobreza, expressas numa concepção de escola como lugar de acolhimento e proteção social. Entretanto, tais políticas, ao mesmo tempo, provocaram a desfiguração da escola enquanto lugar de formação cultural e científica, desvalorizando, em consequência disso, o conhecimento.

Dessa forma, é possível pensar que, se a escola se dedicar a “analisar as necessidades e demandas da sociedade e procurar atender às mesmas” (DIÁRIO DE CAMPO, 2016) ao invés de entendê-las, corre-se o risco de rebaixar ainda mais o ensino para as camadas populares. A proposta escolar de atender às demandas sociais, além de ideológica (no sentido de encobrir a realidade), aponta outro problema, pois como relata Libâneo (2016), quando a prioridade da escola passa a ser o atendimento à diversidade social, é colocado em segundo plano o direito ao conhecimento escolar e, com isso, acaba promovendo desigualdade social. Ou seja, ao deixar de priorizar o ensino de conteúdos escolares (conhecimentos poderosos) às camadas populares (sujeitos pobres do ponto de vista econômico), não é oportunizado acesso à riqueza intelectual e cultural (CARNOY, 2009; DEMO, 2011; SAVIANI, 2012; LIBÂNEO, 2016). Estando “desarmados” de conhecimentos, os sujeitos das camadas populares ficam fragilizados para demandar políticas de Estado que possam auxiliar na resolução de problemas sociais, como violência, drogadição, falta de atendimento à saúde, dentre outras, algumas destas demandas, inclusive, como é o caso de políticas e espaços destinados às práticas corporais (sejam práticas esportivas, de lazer, exercício físico, etc.) que estão diretamente vinculadas com o campo da EF.

Apresentamos a quarta categoria de análise citando uma fala do professor Pedro: “não adianta criar uma escola com gênios, onde todo mundo sabe tudo, mas sem valores morais. O desenvolvimento moral é crítico no Brasil e isso influencia na escola”. O professor João acredita que a responsabilidade da escola é auxiliar os estudantes no “entendimento acerca de sua conduta social. Não acredito que possa um ser humano ser bem escolarizado e entendedor das questões científicas se não tiver a intencionalidade de usar isso da melhor maneira possível consigo e com o outro”. O professor Carlos adverte: “a gente fala que a escola precisa tratar de conteúdos, mas, além dos conteúdos, acho que a escola precisa começar a mostrar valores”. A professora Andréia entende que “a questão de trabalhar valores é muito subjetiva. Nós temos uma boa visão do que são valores éticos, valores morais, mas a interpretação fica, digamos assim, um tanto que dissolvida”.

A dificuldade no enfrentamento dessa questão parece residir em como “trabalhar valores” que não sejam apenas a expressão de escolhas subjetivas dos professores. Uma alternativa a essa ideia subjetivista, ou simplesmente ignorar o tema, pode ser a eleição de valores compatíveis com uma sociedade democrática e republicana. Nessa linha de raciocínio, para Goergen (2001, apudFENSTERSEIFER, 2009), ao não existir um saber objetivo acerca da temática, pode-se instituir alguns “princípios inegociáveis”, como, por exemplo, o comportamento responsável (maioridade), a dignidade humana, solidariedade, respeito ao meio ambiente, a liberdade, a igualdade, dentre outros, os quais são compatíveis com o modelo de uma sociedade genuinamente republicana, pois trata-se de princípios ou valores que podem ser tensionados em diferentes contextos.

Os elementos apontados na pesquisa remetem a uma ideia de “caráter, de cidadania, de ética” (DIÁRIO DE CAMPO, 2016), o que remete ao campo da ação. Assim sendo, parece ser prudente analisar de maneira cuidadosa essa temática, pois o professor não tem como tomar decisões e fazer escolhas pelo outro. Fensterseifer (2009) afirma que a possibilidade de escolha é própria do ser humano4, que o faz tomando sua capacidade de pensar e deliberar acerca das coisas. Tais escolhas são feitas com base em referências e critérios, os quais não nasceram com o ser humano, mas foram aprendidos pela educação, pela sociabilização. Nesse caso, seria interessante que a educação escolar pudesse nutrir os estudantes com referências5 que lhes possibilitassem deliberar acerca das coisas de forma consciente e responsável.

Para a professora Manuela, a escola deve

(...) promover conhecimento, seja ele estruturado ou não. Conhecimentos estruturados são os conteúdos definidos na grade curricular. Os não estruturados, seriam mais abstratos, como respeito, compaixão, liderança, coletividade, capacidade de decisão, dentre tantos outros que nos permitem viver em sociedade de forma mais harmônica (PROFESSORA MANUELA, 2016).

Os principais argumentos utilizados pelos professores envolvendo as questões sociais na perspectiva moral e ética se referiam, basicamente, à “necessidade de um desenvolvimento moral, já que o mesmo tem sido ausente no Brasil” (DIÁRIO DE CAMPO, 2016). O professor Pedro, aponta para a necessidade de uma espécie de “choque no sentimento das pessoas, dos pais, das crianças que vão para a escola, principalmente a pública, pois vivemos uma crise de responsabilidade social” ou, em outras palavras: “vivemos, na atual conjuntura, uma orfandade6 moral e ética” (DIÁRIO DE CAMPO, 2016). O professor João indica que, na sua compreensão, “a primeira responsabilidade da escola é a de possibilitar acesso ao conhecimento, mas na atualidade essa função necessita ser repensada pela crise moral de nossa sociedade, principalmente em contextos socioeconômicos desfavorecidos”.

Para refletir acerca dessa temática, é preciso ter claro que “a moralidade não é apenas responsabilidade ou culpa desse ou daquele indivíduo, desse ou daquele grupo, dessa ou daquela instituição, mas da sociedade como um todo” (GOERGEN, 2007, p. 740). Para o autor, essa problemática necessita ser analisada e debatida com base na cultura, pois as questões morais e éticas estão encarnadas na cultura. Assim, entende que cabe aos setores diretamente envolvidos com a educação, como a família, a mídia e a escola, um papel de maior relevância na reforma moral da sociedade. Nesse sentido, entendemos que tratar dessa problemática não é uma tarefa exclusiva da educação escolar; em contrapartida, não pode ser ignorada por ela. Entendemos também, no âmbito da EFE, que as práticas históricas de tentar “educar o caráter através do corpo”, agora, tomando como mote a perspectiva de uma escola republicana e democrática, constituem-se em ações muito rasas, as quais acreditamos surtir “pouco efeito” educativo.

Dessa forma, pode-se presumir que a educação escolar não possui capacidade de ensinar os estudantes a serem sujeitos éticos, mas possui potencial para provocar a reflexão e, conforme refere o professor Fernando, promover “a tomada de consciência acerca das questões éticas”. Acerca da ética, Fensterseifer (2009) adverte que a mesma não deve ser entendida como “ciência teórica”, mas como “filosofia prática”. Isso significa dizer que a educação escolar não pode decidir pelos estudantes, mas pode balizar as decisões por eles tomadas no patamar da ação, justamente pela forma como tematiza os conhecimentos de sua responsabilidade. Assim sendo, Fensterseifer (2009), ao referir o trabalho de Goergen (2001), afirma que a responsabilidade da educação escolar, nessa perspectiva, é dar aos estudantes um quadro referencial básico, para que possam agir e pautar suas ações.

A professora Ângela afirma que “a escola tem como responsabilidade, dentre outras coisas, ensinar valores e comportamento adequado”. Goergen (2007), em certa medida, contrapõe essa ideia, pois entende que formar sujeitos morais não significa apenas transmitir valores ou exigir comportamentos específicos, mas contribuir para tornar o indivíduo mais crítico, político e reflexivo, mediante um processo dialógico, argumentativo e de convencimento. Ou seja, não se trata de ensinar, de inserir os valores de “fora para dentro”, mas, sim, de vivenciar e tematizar valores no ambiente escolar. Para Fensterseifer (2009), tematizar não é impor respostas ao estudante, mas reconhecer que essas respostas são construções sociais, e que esse processo de construção possui potencial de torná-lo um sujeito autônomo em suas decisões, portanto, ético e livre.

Se por um lado, a escola precisa se encarregar de muitos elementos de formação básica da consciência social e moral das crianças que antes eram responsabilidade da família, o que pode ser considerado um problema para os professores; por outro, possibilidades promissoras se abrem para a formação moral e social dos futuros cidadãos (SAVATER, 2012). Assim sendo, pode-se encarar essa nova perspectiva como um desafio, mas, ao mesmo tempo, como uma oportunidade de potencializar e solidificar uma sociedade republicana e democrática, a partir da educação escolar. Mas para isso, é preciso ter consciência de que a temática que envolve a responsabilidade social da escola deve ser melhor compreendida pelos professores nos diversos níveis de ensino e isso tem se constituído como um problema, pois na visão do professor Fernando “é preciso levar a sério e estudar mais sobre o tema, porque a grande verdade é que não temos nos preocupado muito com isso no curso de EF, e isso impacta diretamente na atuação do professor na escola, depois de formado”.

Considerações transitórias

Ao refletir acerca do percurso realizado, a impressão que se tem é que as concepções referentes aos sentidos e intencionalidades (responsabilidades) da escola e da educação desenvolvida por ela, no contexto do estudo, em grande medida, além de heterogêneos, carecem de uma fundamentação teórica sistematizada, revelando um caráter fragmentário. De certa forma isso pode ser algo preocupante, pois pode indicar que os professores formadores desconhecem as posições teóricas (escola enquanto lugar de acolhimento social/assistencialista, escola responsável pela produção de conhecimentos, escola que ensina valores morais, escola republicana, etc.) presentes no debate, o que dificulta a construção de um juízo crítico. Ao não desenvolver um processo formativo pautado por debates e estudos teóricos encorpados, acaba por reproduzir e influenciar os acadêmicos nessa mesma perspectiva, aos quais não é oportunizado perceber as contribuições que a escola pode dar à sociedade, e isso, consequentemente, impacta negativamente na forma como a EFE é levada a cabo na educação escolar.

De nossa parte, entendemos que o conhecimento deve ser tomado como a principal responsabilidade social da escola (e nessa conjuntura, incluímos também, a disciplina de EF) e no contexto do estudo, dentre as responsabilidades atribuídas pelos docentes, paradoxalmente, esta foi a que menos suscitou o debate e a que teve a participação do menor número de docentes. Em contrapartida, temáticas como atender as necessidades e demandas da sociedade e o ensino de valores morais, suscitaram debates longos e com maior participação dos docentes. Esta constatação pode estar a indicar que o sentido “original” da instituição escolar (qual seja, a problemática acerca do trato com o conhecimento) está perdendo espaço para demandas mais imediatas da sociedade contemporânea, algo que, em grande medida, não seria problemático caso tivéssemos outra instituição ou espaço que pudesse dar conta desta responsabilidade7.

Ao entender que o conhecimento deve ser a base da educação escolar, não estamos ignorando o fato de que não há consenso na literatura acerca da temática, existindo diferentes “tribos” com diferentes projetos de escola. Entretanto, a fala do professor Fernando, referida ao final do tópico anterior, acende a “luz de alerta” e suscita reflexões no âmbito do tempo e espaço destinado para a formação de professores, pois a desconsideração deste debate na FI, retrata certa “orfandade política” (falta de conhecimento acerca dos aspectos políticos da educação e da própria EFE, tanto na perspectiva teórica quanto legal) tanto por parte dos professores da FI quanto dos que vão para a escola, e isso se torna um problema, pois como na política não tem vácuo, a ausência de uma consciência republicana deixa margem para outras proposições (mercado, modismos, compreensões advindas do senso comum, emergência de subjetividades), o que ajuda a manter a EFE numa condição de menoridade.

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1Este trabalho contou com apoio financeiro PROSUC/CAPES (taxa).

2Nomes fictícios.

3Embora Arendt reconheça que a educação seja um problema político de primeira grandeza, não concorda que ela seja instrumentalizada para projetos futuros que não reservem lugar de deliberação para as novas gerações. Lembra também, que a escola não é o mundo; portanto, não pode substituir as ações políticas que se dão neste.

4Nesta possibilidade é que reside a dimensão ética do agir humano, a qual necessita da liberdade democrática para se efetivar.

5Nesse sentido, poderiam ser problematizadas temáticas vinculadas ao campo da democracia, dentre as quais algumas já foram citadas anteriormente, como, por exemplo: o comportamento responsável (maioridade), a dignidade humana, a solidariedade, o respeito ao meio ambiente, a liberdade, a igualdade, a diversidade cultural, o respeito, etc.

6A expressão orfandade moral e ética, neste contexto, refere-se à falta de princípios/critérios morais e éticos para balizar as decisões no âmbito social.

7Nessa linha de raciocínio, poderíamos refletir acerca da seguinte pergunta: se a escola “tapa o furo” deixado pela família, quem “tapa o furo” deixado pela escola? Seria esse um papel assumido pelas novas tecnologias?

Recebido: 07 de Julho de 2018; Aceito: 23 de Novembro de 2018; Publicado: 13 de Maio de 2020

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