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Educação UFSM

versão impressa ISSN 0101-9031versão On-line ISSN 1984-6444

Educação. Santa Maria vol.45  Santa Maria  2020  Epub 07-Ago-2023

https://doi.org/10.5902/1984644435464 

Artigo Demanda Contínua

Democracia, educação e escola: pela inclusão educacional

Democracy, education and school:toward to educational inclusion

Ivar César Oliveira de Vasconcelos1 
http://orcid.org/0000-0001-5186-8000

1Professor doutor na Universidade Paulista. Brasília, Distrito Federal, Brasil. E-mail: ivcov@hotmail.com.


RESUMO

Este estudo tem como foco temático a busca de soluções para se cumprirem a democracia prometida, a educação de alta urgência e a escola democrático-inclusiva, vertentes que bifurcam no sentido de um objeto de pesquisa: a escola inclusiva. Portanto, visa compreender como seria uma escola inclusiva na qual a educação necessária se comprometeria com a democracia esperada. Com base numa revisão da literatura, incluindo pesquisas do autor, apresenta aspectos da efetiva inclusão educacional. Concluiu que, na escola em que ocorre a inclusão educacional, as estratégias de atuação, os projetos e a interação social humanizam porque seus membros estabelecem mútuos diálogos, conforme singularidades individuais.

Palavras-chave: Democracia; Inclusão Educacional; Escola

ABSTRACT

This study has as its thematic focus the search for solutions to fulfill the promised democracy, high urgency education and the democratic-inclusive school, which converge towards a research object: inclusive school. Therefore, it aims to understand the inclusive school, the place where the necessary education is committed to the expected democracy. Based on a literature review and author's researches, it presents aspects of effective educational inclusion. The study concluded that if the school practices educational inclusion, strategies of action, projects and social interaction humanize, because the school actors establish mutual dialogues that consider individual singularities.

Keywords: Democracy; Educational Inclusion; School

Introdução

O melhor de um país é a sua gente. O melhor de um povo é a sua educação, a qual se faz com o melhor dos regimes. Atualmente, não se conhece outro com essa qualificação, senão a democracia. Na chamada democracia à brasileira, polarizada entre a carência e o privilégio, nossa gente, ao modo tupiniquim de pensar sobre si, delira ainda em torno do país do futuro. Enquanto esse não chega, por aqui, somente 27% de seus filhos participam de processos de escolarização, sendo que, na educação básica, menos de 2% dos matriculados conhece corretamente a língua portuguesa e menos de 5% sabem matemática (BRASIL, 2017a; MEC, 2018). Em 2017, o Brasil tinha 11,46 milhões de habitantes com idade de 15 anos ou mais sem saber ler ou escrever, correspondendo a 7% da população brasileira com esse perfil (BRASIL, 2017a). O Plano Nacional de Educação (PNE) define que, até 2024, o analfabetismo absoluto no país terá sido erradicado (BRASIL, 2014, meta 9). Conseguiremos? Ao final daquele ano de 2017, na média, o brasileiro com idade entre 18 e 29 anos estudava nas escolas 11 anos de sua vida. O PNE fixa a meta de 12 anos de estudos para esta faixa etária, a ser cumprida no mencionado horizonte temporal. Mesmo que se atinja tal meta, desconfia-se da qualidade da educação proporcionada. Portanto, aqui, os indivíduos são educados de qualquer jeito. De fato, isso não corresponde à democracia esperada, pois com esse cenário as pessoas ficam privadas de seu direito à melhor educação e, na sequência, participam menos das decisões que definem suas próprias vidas. Então, cabe pensar qual a educação necessária e qual o perfil da que tem se revelado. No fundo, carece elaborar e implementar percursos educacionais favoráveis à articulação entre conhecimentos teóricos e desenvolvimento humano de modo a se integrarem o saber e a consciência. Entretanto, a educação que temos implementado tem sido pressionada, incansavelmente, pela primazia da informação, pelo paradigma racionalista, com metodologias coladas em métodos arcaicos de ensino. Abundam trabalhos de medição dos processos educativos, com a divulgação de índices de eficiência das escolas mais favoráveis à padronização de vidas do que à melhoria do ensino. Definitivamente, não é dessa educação, empobrecedora, que precisa a maior parte dos brasileiros!

Nesse contexto, em que se prioriza o cognitivo, deixa de haver a devida concatenação entre emocional e social, esvai-se o senso crítico, fica obscurecida a subjetividade, perdem-se valores. Na escola, há separação entre as funções de socializar, educar e distribuir diplomas/qualificações. Ela tem sido o lugar de diferenciados círculos sociais e lógicas de ação em que os estudantes deixam de se inserir plenamente na instituição para criar autonomias separadas. Temos violência da escola, na escola e contra a escola. Se, antes, identificávamos os excluídos do interior, isto é, aqueles que conseguiram acessá-la e, ainda assim, lá mesmo continuavam excluídos (BOURDIEU; CHAMPAGNE, 2015), agora, parece que tais excluídos são todos os membros da escola. Essa não é a escola inclusiva, posto que, para tanto, precisaria ser mais democrática e concretizar a efetiva inclusão educacional.

Visando mudar essa realidade, buscam-se soluções para se cumprirem a democracia prometida, a educação de alta urgência e a escola democrática e inclusiva. Tomam-se, pois, estas três vertentes para compor o tema deste trabalho, focalizando como objeto de estudo a escola inclusiva. Pergunta-se: Como seria uma escola inclusiva na qual a educação necessária se comprometeria com a democracia prometida, isto é, aquela que é esperada por todos? Espera-se compreender melhor o que é a inclusão educacional e saber como concretizá-la, de maneira efetiva, no dia a dia de milhões de brasileiros que, como em outras partes do mundo, permanecem à espera de que um dia sejam cumpridas antigas promessas de liberdade, igualdade e solidariedade feitas pelo ideal moderno (SANTOS, 2007).

A democracia esperada

Defende-se que, apesar da participação ser o principal fundamento da democracia, uma parcela de brasileiros deixa de participar devidamente dos processos de construção da educação de que necessitam e, com isso, não participam em sua plenitude dos destinos de sua própria vida. Dos termos gregos demos (povo) e kratos (poder), a democracia é o regime político em que a soberania é exercida pelo povo, pertencendo aos cidadãos, os quais realizam o sufrágio universal (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001). Significa, portanto, o governo do povo, um sistema social em que todos têm igual fração de poder. Participar diretamente do poder era um ideal tão caro entre os gregos antigos, que ainda chegaria à história ocidental a possibilidade da representação política. Desde os clássicos e, mais tarde, incluindo Montesquieu ([1748] 1997), Rousseau ([1762] 1997) e Tocqueville ([1835-1840] 2005), até hoje, a ideia de participação popular se encontra no núcleo da definição de democracia. Com Mannheim ([1951] 1972), por exemplo, vamos encontrar em meados do século passado a ideia de democracia fundamental, a qual seria construída, como lembra Freire (2014), com a paulatina participação do povo na construção de sua própria história. Talvez, a iniciar com a escolha de representantes - noção moderna de democracia. No entanto, escolher governantes, e até se fazer presente no exercício de poder a eles conferidos, não acolhe plenamente o significado do termo. Senão, vejamos.

Qual democracia foi prometida pelo contrato social? Seja no Brasil ou em qualquer outra parte do mundo, terá sido mais do que participar da mencionada escolha. O povo espera por dias melhores, pela melhor redistribuição social (SANTOS, 2007). O problema é que o povo é composto por cidadãos comuns, os quais exercem papéis sociais diferenciados. O prometido para cada um desses cidadãos, particularmente, parece ter tonalidade diferente em relação aos demais da coletividade, e parte das pessoas continua excluída do contrato social. Na arena do poder, o cidadão comum pode se constituir em cada um de nós, educadores, empresários, políticos de profissão e assim por diante. Quem os políticos representam? Somos cidadãos condenados a ter a perpetuidade de candidatos de igual naipe, com as mesmas promessas e dívidas? Somos um povo, como outros no mundo de hoje, sujeitos a optar dentre um leque restrito de partidos e candidatos - e, dentre eles, decidir por aquele que parece o menos pior? Isto é parte da insatisfação política do eleitorado na Europa, a exemplo do que se verificou nas últimas eleições presidenciais francesas, por meio das quais aquele povo levou ao poder alguém que, até certo ponto, seria um outsider.

Então, o essencial da democracia não está no poder que o povo tem para escolher seus representantes, até porque falta uma credibilidade do sistema político, o qual se fundamenta na concorrência aberta entre os partidos. O essencial é que o poder é sempre um lugar vazio, tendo seu cerne no direito de os cidadãos lutarem por seus direitos. Por isso mesmo, uma sociedade é democrática para além do momento das eleições, da divisão de poderes da república, tendo por garantido que é uma condição do próprio regime político a instituição de direitos (CHAUÍ, 1994). Ora, se vários são os tipos de cidadãos, vários serão os tipos de direitos, o que, necessariamente, implica vários tipos de democracia. A democracia prometida, portanto, seria aquela que alia participação à representação de governantes nas vidas das pessoas por meio da atuação política nos diversos parlamentos.

Para Santos (2007), nos idos de 1960 do século passado, havia diversas democracias: representativa liberal, popular, participativa e as específicas de países após o colonialismo, tendo permanecido somente a participativa, de cunho liberal. Seria uma democracia de baixa intensidade, um regime que destrói a redistribuição social em vez de promovê-la. Compatibilizando com o capitalismo, o modelo neoliberal de democracia proveniente do Consenso de Washington almejaria estabilizar expectativas sociais - viria daí o ódio em relação a ela? (RANCIÈRE, 2014). O problema, ainda de acordo com o autor, é que essa estabilização não tem ocorrido, quebrando as promessas do contrato social.

Essa democracia de baixa intensidade, longe de aliar participação e representação, estaria a associar o mercado econômico ao mercado político e, com isso, entramos no jogo em que terá valor aquilo que tem o maior preço e que tem como corolário uma espécie de corrupção naturalizada. Por outro lado, ela desqualifica a prestação de contas e, com isso, adentramos o mundo em que, quanto mais se fala em transparência, menos transparência existe. Tudo isso bloqueia a cidadania, exatamente porque não garante as condições de participação cidadã, as quais exigem que os cidadãos tenham garantia de sobrevivência, o mínimo de liberdade e o acesso à informação. Participa-se cada vez mais do menos importante, com opiniões sobre banalidades que contribuem para a reprodução do poder (SANTOS, 2007).

Desse modo, como mencionado, se a condição do regime político democrático é a instituição de direitos, o primeiro deles haveria de ser a participação dos diversos tipos de cidadãos na elaboração desses direitos. A educação, um direito que visa à humanização (ONU, [1948] 1998), se constrói por meio da participação de indivíduos por ela compreendidos. Assim como a cultura de um povo, ela é a totalidade das manifestações e formas de vida que se espalham pela sociedade (JAEGER, 2001). Por este motivo, torna-se a maneira mais intensa de um povo decidir suas próprias vidas. No caso brasileiro, o direito à educação e a uma escola de qualidade já enfrentou e continua enfrentando históricos obstáculos, com as consequências inevitáveis à efetiva participação nos rumos do país. A educação formal, antes vocacional e voltada ao treinamento de parte de seu povo para a ocupação de posições na sociedade, passou ao momento da universalização com o intuito da “educação de todos” (TEIXEIRA, 1976, p. 286). Significativa essa partícula de, pois parece pressupor que o fenômeno da educação seria uma construção de todos.

Alguns exemplos mais recentes de nossa história podem vir à tona. De um modo geral, o estudante brasileiro não é consultado, nem a distância, pelos elaboradores de políticas públicas e normas sobre a organização curricular. Se fosse perguntado a um discente do ensino fundamental, digamos, do sexto ano, se ele gostaria de permanecer tendo uma só professora, como até então tinha sido até o ano anterior, qual seria sua resposta? Possivelmente, ele responderia com um sim. Com efeito, pratica-se no Brasil a organização curricular com matérias distribuídas ao longo da semana, sendo cada uma ministrada por um professor responsável por aplicar o currículo, cabendo ao educando juntar em sua cabeça os pedaços dos conteúdos.

Também no ensino médio, ao estudante cabe juntar na cabeça o volume de informações recebidas de acordo com a organização curricular e, talvez, encontrar sentido nelas. O problema se mantém, mesmo com a recente reforma, cuja legislação se introduziu por meio de uma Medida Provisória (BRASIL, 2016) - para uns, um jeito brasileiro de autoritarismo; para outros, uma maneira de concluir discussões sobre o assunto no Congresso Nacional -, depois convertida na Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017b). A reforma propõe áreas de conhecimento integradas aos chamados itinerários formativos, isto é, que se integrem as formações específica e geral. Porém, a parte formativa reteve graves problemas em sua estrutura. Dentre outras dificuldades, juntam-se áreas de conhecimento reconhecidas internacionalmente como incompatíveis (SCHWARTZMANN, 2018).

Excluídos da participação, também, encontram-se estudantes da educação superior. A universidade está na encruzilhada não apenas ética e local (BUARQUE, 2014, p. 118-119). No mundo em alta mutação, ela precisa decidir entre ter um ensino praticado por intermédio de “canais bilaterais diretos entre aluno e professor em locais definidos” ou adotar “outros métodos, como o espraiamento em todas as direções, em meio ao oceano das comunicações”. Ela deve “assumir compromisso e responsabilidade ética para com o futuro de uma humanidade sem exclusão”. No entanto, há situações em sentido contrário, parecendo não haver disposição para o diálogo (VASCONCELOS, 2018), distante da interação educador-educando favorável à inserção deles na discussão sobre qual é a educação necessária à sua formação. Nesse sentido, já foram identificados no meio acadêmico discursos como: “O aluno vive dando rasteira no professor; acho mesmo que eles são preguiçosos” (professor universitário) ou “Durante o curso, a universidade vai te empurrando igual a um lixo; o sexto ano é a lixeira” (discente do quinto semestre do curso de Pedagogia) (VASCONCELOS; GOMES, 2017, p. 214).

A educação necessária

Argumenta-se que a educação urgente, no mundo das identidades fragmentadas, deve promover o desenvolvimento humano, porém, parte dos brasileiros tem recebido a educação formal focalizada na transmissão de informações desarticuladas com a efetiva formação, restando a educação baseada intensamente no racionalismo, vigilante e punitiva (FOUCAULT, 2014). Para Freire (2014), é impossível acercar-se do significado de educação sem fazer uma reflexão sobre o ser humano, o que exige, conforme o autor, um estudo filosófico-antropológico. Sendo capaz de refletir sobre si e apto a se colocar em certos momentos, em certas realidades, o indivíduo se descobre em busca permanente de ser mais, como o ser-para-si sartreano que, ao contrário do ser-em-si, avança para o futuro, numa espontaneidade criadora. Nesse lugar, em que um futuro virgem espera o ser humano (SARTRE, [1946] 1978), estaria “a raiz da educação” (FREIRE, 2014, p. 34).

O termo educação tem origem no verbo educar, o qual provém de educere, significando “levar para fora, fazer sair, tirar de [...] (FARIA, 1962, p. 337). É diferente de educare, que quer dizer “instruir, ensinar” (idem, p. 337), o qual traduziria o sentido proveniente do grego paidagogia, de pais (criança) e ago (conduzo). Na verdade, o processo educacional implica o cruzamento entre fatores relacionados com dimensões humanas - afetiva, ética, técnica, intelectual, corpórea, avaliativa -, caracterizando seu foco no desenvolvimento do ser humano, “aceitando-se a palavra ‘desenvolvimento’ no sentido mais amplo” (GILES, 1983, p. 27).

Constata-se que a educação se refere ao conjunto da comunidade e da sociedade onde se encontra o indivíduo que a recebe e, por conseguinte, ao desenvolvimento dele e da sociedade como um todo, igual ao que havia entre os antigos gregos considerados cidadãos (JAEGER, 2001, p. 7), para quem a educação era “a justificação última da comunidade e individualidade humanas, [estando] no topo do seu desenvolvimento”. Assim, desenvolver-se tem sentido amplo, sendo entendido como possibilidade do indivíduo de se apropriar de elementos da natureza e construir a sua própria existência por meio da consciência de mundo. Reporta-se, pois, à questão cultural. Nesse sentido, Vieira Pinto (1979) se refere à dupla realidade da cultura: material e abstrata. E, na sequência, define a cultura como o processo por meio do qual o indivíduo, tendo acumulado e entendido suas experiências, decide quais destas permanecerão em sua vida, convertendo-as em imagens e/ou lembranças que, em primeiro lugar, se ligam às realidades capturadas pelos sentidos e, em segundo lugar, são generalizadas. Educar, portanto, significa conduzir o indivíduo por meio desse processo participativo.

A mencionada consciência de mundo, ocorrida no seio da realidade cultural, conta, portanto, com a educação apta a situar a condição humana. Os Sete saberes necessários à educação do futuro, propostos por Morin (2003, p. 11), se apoiam na ideia de “totalidade aberta do ser humano”. Junto com os Quatro Pilares da Educação para o Século XXI (DELORS et al., 1998), pressupõem uma vinculação entre os diversos saberes favoráveis ao desenvolvimento do indivíduo, termo entendido, neste trabalho, como uma condição humana. De fato, noções de diversos autores sobre desenvolvimento humano e educação, e seus pressupostos ontológicos e epistemológicos - existencialistas como Pestalozzi (1746-1827), Dewey (1859-1952), Montessori (1870-1952) e Freinet, (1896-1966); essencialistas como Wallon (1879-1962), Vygotsky (1896-1934) e Piaget (1896-1980), tal como destacam Andriani e Lopes (2010)-, apoiam diversos tipos de pedagogia, delineando um percurso educativo que vai do existencialismo ao essencialismo. Fundamentalmente, enquanto para os existencialistas, o ser humano “não é mais que o que ele faz”, pois a “a existência precede a essência” (SARTRE, [1946] 1978, p. 5-6); para os essencialistas, o ser humano e todas as outras coisas, “são inteligíveis, [tendo] em seu próprio ser a essência” (GARCÍA MORENTE, 1980, p. 134). Entretanto, pensadas em termos dialéticos, tanto uma como a outra dessas pedagogias - da existência e da essência - serão capazes de fornecer elementos para uma pedagogia favorável ao desenvolvimento humano, a qual precisa considerar que os indivíduos são seres de diálogo e de história. Essa pedagogia, sendo capaz de articular os diversos anseios, valorizará a escola, levando em conta “os interesses dos alunos, os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico, mas sem perder de vista a sistematização lógica dos conhecimentos (SAVIANI, [1983] 2008, p. 69).

Desenvolver-se significa, inicialmente, se reconhecer como ser que existe e pertence ao mundo na relação com os outros. Isto consta do conjunto das obras freireanas, marcado pela influência do existencialismo sartreano. Em Freire (2011, 2014), o ser humano é um ser em permanente construção, junto com os outros e com o mundo. Seu contexto social leva o indivíduo a ter consciência de sua incompletude; nesse momento, desenvolve-se como sujeito de sua própria história. O espaço cultural proporciona o aprendizado significativo favorável ao desenvolvimento da consciência de respeito às singularidades do indivíduo. O mundo como um todo é a casa do ser humano, portanto, oportunidade em todo e qualquer lugar de desenvolvimento da consciência cidadã. Nesse sentido, educar é contribuir para a conscientização dos educandos/educadores, partindo-se de uma realidade local, com início na leitura do mundo e assim participando deste mundo. O que seria isto, senão, a mensagem de Morin (2003, p. 33) sobre o que é educar, logo no primeiro dos anunciados sete saberes? Para o autor, o principal dever da educação é o de deixar preparados os indivíduos de modo a que eles enfrentem o “combate vital para a lucidez”.

Essas explicações sobre a educação necessária, e urgente, num período de intensa fragmentação da vida, perpassam declarações, normas, leis, constituições, desde meados do século passado até hoje. Em alto nível de abrangência normativa, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) determina que “todo ser humano tem direito à instrução” (ONU, [1948] 1998, art. 26), sendo a instrução o pleno desenvolvimento da personalidade humana, bem como o fortalecimento de direitos humanos e liberdades. Essa determinação, como explicada, alcança a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, na qual consta, em seu art. 205, que a educação tem o alvo de desenvolver plenamente a pessoa (BRASIL, 1988). Seguindo a hierarquia jurídica, chega-se à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), que, em seu art. 2º, estabelece como finalidade da educação o pleno desenvolvimento do educando, preparando-o para exercitar a cidadania e qualificando-o para o trabalho (BRASIL, 1996).

Portanto, a educação necessária é a que promove o desenvolvimento humano, ascendendo o indivíduo em todas as suas potencialidades. No caso brasileiro, a educação formal, presente em estabelecimentos de ensino, tem enfatizado a transmissão de informações. A questão de fundo é a perpetuação da educação baseada no racionalismo, vigiando e punindo pessoas. Historicamente, o sistema de ensino brasileiro tem se apresentado mais informativo do que formativo (TEIXEIRA, 1976). Insiste em manter distanciados aspectos identificáveis nas diversas dimensões humanas. Entende-se ser necessário ocorrer uma articulação entre informar-formar, neste trabalho, entendida como o ato educativo capaz de conectar conhecimentos teórico-práticos e desenvolvimento humano, portanto, proporcionando amplitude maior desse ato com relação aos conhecimentos. No fundo, é a integração entre saber e consciência concretizada por intermédio de princípios organizadores dos saberes, favorecendo diálogos, fazendo emergir sentidos e desenvolvimento de competências que ajudam a identificar problemas e com eles saber lidar.

Entretanto, estudos indicam dificuldades, em todos os níveis de ensino, para concretizar a mencionada articulação, ainda mais nestes tempos em que a busca pela maior produtividade parece encontrar a nota mais afinada em toda a história humana desde o advento do capitalismo. Há um leilão para contratar professores, para que recebam menos. Aqueles que ganham mais são definidos como para além do nível de mercado. Os mecanismos de mercado, do modo como são aplicados, ignoram os aspectos socioeconômicos da educação, favorecendo a precarização (GOMES, 2005).

De todo modo, sem desconsiderar questões estruturais como essa, os cursos de formação inicial de professores - um encontro entre a educação básica e a educação superior - são um exemplo quanto ao distanciamento entre informação e formação. Já se demonstrou a presença da primazia da informação em cursos de Pedagogia e Letras: “O uso excessivo da exposição e o pouco hábito de o professor realizar pesquisas interferem na percepção dos alunos sobre a inutilidade das informações e conhecimentos desenvolvidos na sala de aula” (VASCONCELOS; GOMES, 2017, p. 233). O caminho inverso exige a atitude problematizadora, inclusive, com atuação conjunta entre professores, e destes com os alunos, numa real concertação, capaz de discutir situações do dia a dia educativo, tendo como horizonte a educação e as escolas de qualidade.

É como o teto envidraçado, citado por Harari (2016) para descrever os limites da felicidade. A impressão que se tem é que a educação, como aspirante a ser a última instância existencial de qualquer organização humana, topa permanentemente com um teto de vidro, não obstante as conquistas, como as legais, que visam assegurar o direito à educação; como as políticas públicas, e seus efeitos práticos, ou os programas de formação de professores. Apesar dessas conquistas, e até estruturas físicas e tecnologias em alguns casos, não existe garantia de quebra do misterioso teto. A razão pode estar logo à frente: tudo isso será insuficiente se a questão humana for relegada a segundo plano. No caso do Brasil, a escola pretendida e realizada tem sido capaz de humanizar?

A escola inclusiva

Defende-se que a escola inclusiva é a que promove a democracia e a inclusão educacional, porém, parte dos brasileiros, os que frequentam a escola, se ressente de um projeto global escolar, vivencia éticas ambíguas, sofre violências escolares e assim internaliza modos de ser violentos, sem crítica, sem perceber seus direitos, deambulando em busca de identidades. Entre os gregos antigos, eschole podia significar um grupo de filósofos em torno de um mestre ou uma tendência filosófica a perdurar por algum tempo (JAPIASSÚ, 2001). Romanos, indianos, chineses, bizantinos prosseguiram com a ideia de reunir pessoas em torno de alguém reconhecidamente qualificado para passar conhecimentos. Depois, em latim, schola vai evoluir de escola de filosofia para um sistema, um curso, uma lição (FARIA, 1962). Na Europa do fim da Baixa Idade Média, ela se expande como a conhecemos hoje, enquanto espaço para a realização do processo de ensino-aprendizagem. No Brasil, ela chega como lugar por excelência para transplantar a cultura intelectual europeia, inserindo-se no processo de colonização latino-americana (TEIXEIRA, 1976), uma instituição social com dificuldades para se tornar democrática.

Efetivamente, a escola qualificada como inclusiva promove a participação de todos os seus membros em todas as dimensões de sua atuação, desde a interação com a sociedade e seus valores e cultura global até a sala de aula, passando pela administração e o projeto curricular. Suas ações apontam diretamente para o desenvolvimento humano, envolvendo, desde o pipoqueiro na entrada e no pátio da instituição escolar até a pessoa que assumiu a direção institucional.

A escola democrática tem sido tema de estudos ao longo do tempo e seu entendimento passa pelo conceito de igualdade. Isto porque a escola, como uma arena conflituosa, oscila entre democratizar oportunidades e obedecer ao princípio de igualdade; preparar os educandos para a vida em sociedade num mundo interdependente e prepará-los para exercerem múltiplos papéis socias; conservar a herança sociocultural e educar para a inovação; exercer o controle social e promover o desenvolvimento pessoal (GOMES, 2005). O mencionado autor, com base em perspectivas filosóficas e sociológicas e, tomando como referência inicial o relatório de Coleman et al. (1966), explica o conceito de igualdade em termos de oportunidades, de tratamento e de resultados - cabendo destacar, para o foco deste trabalho, uma linha reflexiva que coloca o papel da escola e o da sociedade diante um do outro, expondo a necessidade de um aprofundamento do termo inclusão educacional.

Essa linha de reflexão é clara. A igualdade de oportunidades pressupõe que a escola será democrática quanto mais possibilidades ela oferecer aos estudantes para que estes desenvolvam seus méritos. O problema é que, neste caso, a sociedade entende que o seu papel se encerra com o oferecimento de oportunidades de acesso à educação. Já a igualdade de tratamento admite que a escola democrática é aquela que oferece educação para todos em condições equivalentes, com as escolas tendo recursos bem distribuídos. No entanto, neste segundo caso, as origens sociais dos estudantes decidirão as diferenças de aproveitamento, pois o tratamento igual dos desiguais favorece os mais favorecidos e desfavorece os menos favorecidos. Por último, a igualdade de resultados depreende que a escola democrática tem o papel de conciliar qualidade e equidade, reduzindo o impacto das diferenças sociais dos discentes, que ocorreria mais no fim do que no início da escolaridade. Entretanto, as oportunidades ocupacionais ofertadas pela sociedade como um todo são incompatíveis com o prolongamento da escolaridade e o aumento do número de formados.

Para os problemas relacionados ao conceito de igualdade de resultados, Gomes (2005) apresenta a proposta de Crahay (2002), aqui destacada por entendermos que ela se situa no núcleo da escola inclusiva no sentido colocado por este trabalho. A proposta apresentada é que a escola proporcione “igualdade de conhecimentos para as competências alcançada por meio da discriminação positiva, avaliação formativa, pedagogia do domínio dos conhecimentos e ensino cooperativo” (GOMES, 2005, p. 157). De fato, tal proposta parece ter como ponto de partida as singularidades de cada discente, considerando-o em suas capacidades mais firmes de autodesenvolver-se, sem compará-lo com os outros estudantes, e sim tendo como referências de saída os seus valores, seus planos de vida e utopias. Ao adotar essas políticas de atuação, a escola será inclusiva porque atuará diretamente no desenvolvimento de potencialidades de cada um dos educandos.

Na verdade, numa perspectiva mais ampla, a escola inclusiva viabiliza os fundamentos que interligam os quatro pilares da educação para o século XXI e os sete saberes necessários à educação do futuro, pois, nela: a) articulam-se os aspectos informativos e formativos da educação; b) reforma-se o modo de pensar o mundo e as pessoas; c) desaparece a dicotomia processo e produto como partes do ato educativo; d) não há violência física, minimizando-se a violência simbólica; e) constrói-se uma cultura de paz; f) inexiste autoexclusão entre as pessoas. Esta é a escola inclusiva, pois é democrática, movida pela participação dos indivíduos e voltada para o horizonte do desenvolvimento humano.

Nela ocorre a inclusão educacional, entendida como impulso e prática favoráveis ao desenvolvimento pleno de potencialidades humanas, pois as pessoas pensam, agem e se emocionam, sonham o melhor para si, sendo capazes de aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser (DELORS et al., 1998), em sua condição de seres que participam dos mistérios do Universo e da Vida (MORIN, 2003). Portanto, ao modo freireano, a inclusão educacional atrai pessoas para o inédito viável, sendo este um lugar além das situações-limite (FREIRE, 2015), podendo direcionar a atuação didático-pedagógico à efetiva contribuição ao desenvolvimento humano.

Nesse sentido, ela operacionaliza elementos cognitivos para além da construção de conhecimentos, estabelecendo-se por meio do projeto educativo que olha o indivíduo em suas capacidades de pensar, sentir e agir. Portanto, articula conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, nesse projeto favorável à formação integral do indivíduo, conectando conhecimentos teóricos e desenvolvimento humano, o saber com a consciência, e vinculando o conhecer, o fazer e o querer-conhecer-fazer. Com os conteúdos conceituais, o aprendiz elabora e reelabora o seu potencial intelectivo, construindo símbolos, ideias, imagens e representações, numa aprendizagem que contribui com a memorização de fatos e a organização de realidades. Com os conteúdos procedimentais, ele aprende como decidir e a realizar ações sequenciadas, ordenadas, podendo alcançar metas. E, por fim, com os conteúdos atitudinais, em meio aos conhecimentos adquiridos e a interações sociais no ambiente educativo, ele constrói e aprimora atitudes afetas aos conhecimentos, professores, colegas, disciplinas, tarefas e sociedade em geral (COLL et al., 1998).

Desse modo, utiliza-se o termo inclusão educacional para designar a intensidade de vida que arrasta para si o olhar de educadores para além das necessidades dos implicados pelo processo educacional, e sim alcançando as suas potencialidades, em quaisquer ambientes onde estejam pelo menos duas pessoas aptas a dialogarem entre si e com o mundo. Como uma utopia, ela pode suspender outros lugares e, simultaneamente, fazer-se perceptível na inteireza de um corpo conectado com ela (FOUCAULT, 2013). É preciso situar-se no horizonte utópico, enquanto guia de busca de um entendimento, admitindo o fato de que a ação educativa é em si uma utopia (GALEANO, 2013). Por isso, pode auxiliar na quebra e suspensão de modelos formatados de perceber e entender educandos e educadores, bem como as relações sociais em contextos cada vez diversificados como tem sido nas escolas.

Como impulso da ação transformadora, e sendo já a própria ação apta a alterar realidades, a inclusão educacional pode traduzir-se, conforme a ótica foucaultiana, numa malha heterotópica, porquanto tanto a inclusão educacional como a heterotopia se constituem em espaços que miram outros espaços, seja “criando uma ilusão que denuncia todo o resto da realidade como ilusão, ou, ao contrário, criando outro espaço real tão perfeito, tão meticuloso, tão bem disposto quanto o nosso é desordenado, mal posto e desarranjado” (FOUCAULT, 2013, p. 28). Enquanto utopia, a inclusão educacional serve para fazer caminhar (GALEANO, 2013), embora alhures, e como heterotopia, serve para gerar novas existências, tendo tempo e espaço próprios - igual à heterotopia, é variável, diluível, intercalável a tempos e lugares, mantendo um sistema que se abre e se fecha, cultivando-a isolada quanto ao seu entorno. Foi isso o que evidenciaram cinco grupos focais realizados por este autor com 42 jovens universitários, cujo objetivo inicial era buscar oportunidades de rompimento da exclusão social entre estudantes da educação superior (ver Quadro 1).

Quadro 1 Rompimento da exclusão social: as condições estruturais e subjetivas. 

Potencialidade Utopias Heterotopias Condições
Geração de identidades por meio do distanciamento a valores e interesses, com a abertura de novos espaços de existência. Organização, diálogo, receptividade e justiça. Um sistema educacional adaptado às necessidades dos discentes. Estruturais
Construção da própria vida por meio do respeito ao poder de decisão, ao jeito de ser, às pessoas com deficiência e à diversidade de gênero. Diferenças, autonomia e liberdade. Subjetivas
Humanização, com base na dignidade, cidadania e exercício de direitos. Desenvolvimento humano. Potencialidades humanas.

Fonte: elaboração do autor.

As evidências constantes do quadro 2 se referem à escola capaz de promover a inclusão educacional, que pressupõe um sistema adaptável às necessidades dos discentes em suas diferenças, respeitando-os em sua aptidão à autonomia e à liberdade, com foco no desenvolvimento de potencialidades, e assim colocando os atores escolares em igual perspectiva. No Brasil, aparentemente com maior intensidade do que em países, como a França, parte dos estudantes que acessam a educação formal, institucionalizada, sente falta de um projeto global. Parece sofrer as consequências da dissociação entre as funções escolares de educar, socializar e credenciar, característica do tempo atual em meio aos processos de desinstitucionalização (DUBET, 1994, 2013). Além disso, a violência da escola, na escola e contra a escola parecem correr à vontade.

Focalizando esse problema da violência escolar, este autor concluiu noutra pesquisa que a escola brasileira se situa entre a ética da pessoa e a ética do indivíduo, como a casa e a rua, dois espaços sociais nucleares favoráveis a uma leitura mais acurada da estrutura sociocultural brasileira (DAMATTA, 2004; VASCONCELOS, 2017). Concluiu que a ambiguidade ética, enquanto traço cultural do brasileiro, está na raiz da violência escolar.

Já na escola inclusiva, pelo contrário, há uma preocupação constante com o problema da violência física e/ou simbólica. Nela: a) adota-se o apreço pela afetividade, a atenção e a empatia como valores fundamentais; b) assumem-se condutas moderadas, com o controle das próprias emoções; c) aprimora-se ou se cria entre os membros da comunidade escolar o hábito de dialogar, com foco na harmonização de atitudes e estilos de comunicação em trabalhos colaborativos; d) ultrapassa-se a dimensão do ensino de conteúdos formais, focalizando também aspectos morais, éticos, cidadãos, de respeito e de consciência; e) promove-se entre os professores uma abertura à alteridade; f) escutam-se os educandos, nos casos de violência, considerando este problema como resultado de condições sociais desfavoráveis e como manifestação de subjetividades; g) aproximam-se os pais de estudantes da comunidade educativa, se possível, desenvolvendo estratégias formativas com a participação de todos em ações conjuntas (VASCONCELOS, 2017). Desse modo, seus membros se conscientizam de que são seres em desenvolvimento e que este ocorrerá por meio de sua participação da vida da escola em cada uma das oportunidades do dia a dia educativo.

Conclusão

Por um lado, a escola que cultua a democracia e tem processos educacionais voltados à promoção do desenvolvimento das pessoas é inclusiva. Por outro lado, quando essas pessoas deixam de participar da elaboração e execução desses processos, pelo que apenas acumulam informações sem ou com pouco sentido para elas, aí emerge a escola violenta, autoritária, dona da verdade. A escola inclusiva, na qual a educação necessária ocorre de modo a promover a democracia esperada, é aquela que, interligando em seus processos as possibilidades dos quatro pilares da educação para o século XXI e dos sete saberes necessários à educação do futuro, consegue inserir em seu dia a dia o exercício do diálogo.

Esse exercício se constitui na maior das potencialidades humanas. A escola inclusiva, a que promove a efetiva inclusão educacional, mantém permanentemente o olhar sobre esta potencialidade fundamental. Isto é humano, exercício sem o qual deixa de haver democracia, educação. A inclusão educacional só existirá se houver diálogo. Ela é prática que leva sentido à busca de universalização da educação, aceitando a convivência com as diferenças individuais, pois, cada pessoa pode contribuir para a boa convivência. Portanto, refere-se à construção da educação abrangente, efetivada em comunidades educativas, sendo formais, não formais e informais, a despeito das características biológico-socioculturais desses indivíduos. Com essa abrangência, a inclusão educacional precisa sustentar-se na ação dialogal enquanto oportunidade para a visibilidade humana.

Tal visibilidade ocorrerá se as relações humanas forem fundamentadas na alteridade (condição ética), cada pessoa respeitada em seu modo de ler e interpretar o mundo (condição sociocultural) e cultivada a esperança; esta, sendo uma necessidade ontológica derivada da realidade dos abrangidos pelo ato educativo (condição política). Na escola em que a inclusão educacional se faz presente, as estratégias de atuação, os projetos e a interação social humanizam porque seus membros conseguem estabelecer mútuos diálogos de acordo com as singularidades individuais. Nela as pessoas se percebem como seres humanos, se respeitam e sabem que podem melhorar a partir dos encontros de umas com as outras, uma tradução ética a ser internalizada por educadores e/ou formuladores de políticas públicas educacionais. Assim, a discussão do tema das relações entre democracia, educação e escola nos leva a perceber que a construção de uma efetiva inclusão educacional equivale a pensar como humanizar e, ao mesmo tempo, saber que a humanização não é um processo linear, mas sim o fluir das possibilidades de manifestação de subjetividades, de caracterização da vida.

Discussão essa que precisa se espalhar entre educadores, podendo torná-los mais participativos, junto com os educandos, favorecer o desenvolvimento humano, incluir. Sem esquecer a necessidade inadiável de enfrentar a questão da ambiguidade ética, pela qual brasileiros da rua não se encontram com os brasileiros da casa, e sabendo que, vice-versa, a objetividade de normas e regras de convivência do mundo do ser-indivíduo não foge às regras e normas do mundo do ser-pessoa. Portanto, essa discussão precisa ser colocada no dia a dia de nossas instituições escolares espalhadas pelos quatro cantos do país, se quisermos ter escolas inclusivas.

De outro modo, podemos ter escolas brilhantes por fora e carcomidas por dentro, com pessoas aparentemente bem formadas, mas eticamente deformadas. Não se educa de fora para dentro, mas, ao contrário, de dentro para fora. Senão, corremos o risco de que nossas escolas, e todo o sistema educacional, sejam no máximo como a romã de Zoia, a septuagenária senhora d’O Palácio de Inverno. Voltando para São Petersburgo, sua terra natal localizada na grande comunidade russa dos anos de 1970, e já se aproximando de casa, ela comparou aquele lugar com uma romã: vermelha e reluzente por fora, mas, se fosse partida, sementes e arilos espirrariam para longe, escuros e repugnantes, pois seu país era uma romã antes de apodrecer (BOYNE, 2010). Portanto, quando a comunidade é uma instituição escolar e seus arredores, cabe observar se não estamos pensando e agindo como se estivéssemos diante de uma romã. Na verdade, o que precisa sair de uma escola são pessoas capazes de transcender naquilo que de melhor elas possuem, aprimorando cada vez mais a sua condição humana.

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Recebido: 04 de Novembro de 2018; Aceito: 10 de Agosto de 2020; Publicado: 10 de Agosto de 2020

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