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Educação UFSM

versão impressa ISSN 0101-9031versão On-line ISSN 1984-6444

Educação. Santa Maria vol.45  Santa Maria  2020  Epub 08-Ago-2023

https://doi.org/10.5902/1984644442775 

Dossiê: Desafios no âmbito escolar hospitalar e/ou domiciliar: fundamentos e perspectivas

Editorial Revista Educação

Cinthya Vernizi Adachi de Menezes¹  , Professora doutora
http://orcid.org/0000-0001-9073-1664

Sueli Salva²  , Professora doutora
http://orcid.org/0000-0002-6760-770X

¹Professora doutora na FAE Centro Universitário, Curitiba, Paraná, Brasil.cinthya.menezes@fae.edu

²Professora doutora na Universidade Federal da Santa Maria. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil.susalvaa@gmail.com


O direito público subjetivo à educação é instituído legalmente pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), garantido a todo cidadão brasileiro e consolidado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) (BRASIL, 1996) e no Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014). Vale ressaltar que a Emenda Constitucional n. 59/2009 (BRASIL, 2009) expande a faixa etária para a escolaridade obrigatória dos 4 aos 17 anos, ou seja, o direito avança, porém o cumprimento da obrigatoriedade sugere que estados e municípios se organizem para que crianças e jovens usufruam desse direito de forma igualitária e equitativa.

Destarte, a garantia do direito à educação, para além das condições ofertadas pela escola regular, demanda necessidades de atendimento específicas em diferentes tempos e os espaços. A natureza e a especificidade dos estudantes em tratamento de saúde provocam estudos sobre o processo de escolarização voltados ao atendimento escolar em ambiente hospitalar e domiciliar.

Consequentemente, há necessidade de se constituir um processo escolar particular em um diferente contexto, garantindo que a escolarização aconteça de forma a respeitar as condições impostas pelo tratamento, pois segundo Paula (2015) o tempo depende da organização da rotina interna do hospital (horários de medicamentos e condições físicas de alunas e alunos) e o espaço se restringe aos locais determinados pela estrutura dos hospitais para que as atividades sejam realizadas (alguns hospitais disponibilizam sala de aula separadas das enfermarias, em outros, as aulas acontecem nos leitos).

Assim, a iniciativa de agregar os estudos contidos no dossiê Desafios no âmbito escolar hospitalar e/ou domiciliar: fundamentos e perspectivas foi uma proposição do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direito à Educação: âmbito hospitalar e domiciliar1, tendo em vista a necessidade de atualizar e fomentar produções científicas na área do atendimento escolar hospitalar e domiciliar, entendendo que uma publicação inovadora pode trazer, em uma abordagem atual, reflexões acerca da educação em espaço hospitalar e domiciliar, reconhecidamente oficializado, devido a alteração da LDBEN (BRASIL, 1996), ocorrida em 24 de setembro de 2018, por meio da publicação no Diário Oficial da União da Lei Ordinária n.13.716/18, que inclui o artigo 4º. A, no título Direito à Educação e o Dever de Educar

É assegurado atendimento educacional, durante o período de internação, ao aluno da educação básica internado para tratamento de saúde em regime hospitalar ou domiciliar por tempo prolongado, conforme dispuser o Poder Público em regulamento, na esfera de sua competência federativa (BRASIL, 1996).

Esse reconhecimento oficial, legalmente amparado em lei nacional, retrata a culminância de um amplo processo de luta entre profissionais, pesquisadores e pesquisadoras que atuam em contextos hospitalares e domiciliares, pois se compreende que, apesar da circunstância do enfrentamento da doença, de um traumatismo ou qualquer afecção do cuidado com a saúde, deve-se oportunizar a garantia de igualdade de condições de acesso e permanência na escola, para todas as crianças e jovens indistintamente.

Barros (2009) aponta que a oferta de classes hospitalares, na prática, contemplada mais por alguns países do que por outros, está atrelada não somente às características populacionais e de desenvolvimento humano, mas das prioridades estabelecidas nas agendas de governo e da capacidade dos profissionais que executam a escolarização no espaço hospitalar bem como a sustentam teoricamente.

Na Europa essa preocupação inicia na década de 1930. Vasconcelos (2008; 2015), esclarece que o primeiro Centro Nacional de Estudos e de Formação para a Infância Inadaptada (CNEFEI), foi criado em 1939, na França, com o intuito de formar professores e professoras para trabalharem em hospitais, regulamentando que a educação formal ocorresse em outro espaço e criando o cargo de professor hospitalar junto ao Ministério da Educação.

Uma importante iniciativa para os países europeus para subsidiar a elaboração de políticas voltadas à garantia do direito à educação foi a aprovação pelo Parlamento Europeu, em 1986, da Carta dos Direitos das Crianças Hospitalizadas. Pode-se dizer que esse foi um marco nas “llamadas escuelas o aulas hospitalarias, así como de la atención educativa domiciliaria para aquellos niños enfermos que, en casos de convalecencia prolongada, deban de permanecer en casa.” (LIZASOÁIN, 2007, p.7)

No Brasil, segundo Fonseca (1999), no Hospital Municipal Jesus, na cidade do Rio de Janeiro, há registros da classe hospitalar2considerada a mais antiga em funcionamento no país, surgindo em 1950, época em que a poliomielite era causa do grande número de internamentos de crianças. A escolarização era realizada por meio de atendimento específico para deficientes físicos, o que demonstrou a relevância do processo escolar nesse espaço.

Historicamente, há um esforço entre pesquisadoras e pesquisadores para fortalecer as discussões sobre a temática, evidenciando iniciativas e propostas implementadas nas esferas nacional e internacional, que são disponibilizadas à sociedade na forma de políticas públicas e que objetivam garantir o direito à educação para esse público específico. (MENEZES, 2018)

A autora aponta que os profissionais que atuam em ambientes hospitalares e domiciliares buscam alternativas para consolidar ações no campo de pesquisa e atuação. Em 1993, foi criada a “HOPE” (Hospital Organization of Pedagogues in Europe- Organização Hospitalar de Pedagogos na Europa), associação internacional com fins científicos e pedagógicos. Na América do Sul, Santiago sedia a REDLACEH: Red Latinoamericana y del Caribe Por el Derecho a la Educación de Niños, Niñas y Jóvenes Hospitalizados o en Situación de Enfermedad (Rede Latino Americana e do Caribe pelo direito à educação de crianças e jovens hospitalizados ou em tratamento), uma organização sem fins lucrativos que visa a promoção e o desenvolvimento da escolarização hospitalar na América Latina e no Caribe. Essa Organização lançou em 2009 a Declaración de Los Derechos del Niño, la Niña o Joven Hospitalizado y en Tratamiento de Latinoamérica y el Caribe en el Ámbito de la Educación.

Ainda sobre a história de mobilização de profissionais e pesquisadores no Brasil, Menezes (2018) registra que desde 2000 são realizados encontros, em diferentes estados do país, com a finalidade de trocar experiências entre os professores e professoras; e pesquisadores e pesquisadoras que atuam com estudantes em tratamento de saúde bem como partilhar conhecimentos específicos que contribuam para com a melhoria da atuação do professor que trabalha no hospital. Os encontros foram realizados com a seguinte cronologia: 2000 no Rio de Janeiro, 2002 em Goiânia, 2004 em Salvador, 2005 em Porto Alegre, e em Curitiba no ano de 2007. Em 2009, na cidade de Niterói, houve a participação de representantes da Rede Latinoamericana e do Caribe pelo Direito à Educação da Criança ou Jovem Hospitalizado ou em Tratamento (REDLACEH), com sede na cidade de Santiago, no Chile.

Em 2012, Belém do Pará foi a sede do evento que promoveu discussões sobre as políticas e práticas educacionais no contexto hospitalar, domiciliar e em práticas de educação popular e saúde. Em 2014, a cidade de São Paulo assumiu a iniciativa objetivando discutir as características próprias do aluno em diferentes situações de tratamentos de saúde e as necessidades para seu desenvolvimento. Em 2015, novamente, Curitiba sediou o Encontro, em sua nona edição, que aconteceu no mesmo formato da quarta edição em 2007, paralelamente ao XII Congresso Nacional de Educação - EDUCERE. A agenda do 10º.Encontro Nacional sobre Atendimento Escolar Hospitalar ocorreu na cidade de Salvador em 2019.

Esse movimento histórico colabora para que profissionais da área da educação possam criar um espaço de debate sobre as questões teórico-práticas para o atendimento escolar hospitalar e domiciliar em âmbito nacional, trazendo constantemente a preocupação em garantir o direito à educação de estudantes; meninas, meninos, adolescentes, jovens, mulheres e homens; que se encontram involuntariamente impossibilitados de frequentar a escola regular, observando que a organização do trabalho pedagógico deve estar em consonância com as limitações impostas pela doença. Fonseca (2015) reforça a necessidade de que os encontros agreguem valor à formação do docente focando seus objetivos na dinâmica da sala de aula hospitalar.

Dessa forma, garantir a continuidade da escolarização à estudantes em tratamento de saúde, considerando a frequência e aproveitamento escolar, admite a inserção ou a reinserção dos estudantes em seu ambiente escolar de origem, entendendo que a Educação Básica é considerada bem público.

[...] o conceito de educação básica também incorporou a si, na legislação, a diferença como direito. A legislação, mercê de amplo processo de mobilização, de disseminação de uma nova consciência, fez a crítica às situações próprias de minorias discriminadas e buscou estabelecer um princípio ético mais elevado: a ordem jurídica incorporou o direito à diferença. A educação básica, por ser um momento privilegiado em que a igualdade cruza com a equidade, tomou a si a formalização legal do atendimento a determinados grupos sociais, como as pessoas portadoras de necessidades educacionais especiais, como os afrodescendentes, que devem ser sujeitos de uma desconstrução de estereótipos, preconceitos e discriminações, tanto pelo papel socializador da escola quanto pelo seu papel de transmissão de conhecimentos científicos, verazes e significativos. (CURY, 2008, p. 300).

Nesse sentido, entende-se que a educação formal, estabelecida em ambientes hospitalares e domiciliares, avaliza que o papel social da educação se constitua na igualdade de oportunidades e equidade como princípios fundamentais do direito à educação.

Com esse escopo, o dossiê é composto por sete artigos produzidos por autoras com experiência na área do tema proposto, advindas de distintas regiões do Brasil e também da França e de Portugal, que agregam uma ampla compreensão sobre o campo da pesquisa, em especial assuntos relacionados ao direito à educação em ambiente hospitalar e domiciliar; a institucionalização de espaços que debatem e lutam pelo fortalecimento do atendimento; a estrutura necessária para a efetividade da oferta; formação de professoras e professores e os desafios da ação docente; e as especificidades e expectativas de estudantes em tratamento de saúde.

Os artigos apresentados vêm ao encontro do fortalecimento teórico-científico da área ao contemplar a reflexão acerca das especificidades do atendimento escolar hospitalar e domiciliar e envidam esforços para partilhar estudos que contribuam para a estruturação de políticas educacionais que se consolidem e se tornem perenes. Espera-se que essa produção chegue às mãos de profissionais; pesquisadoras e pesquisadores; e gestoras e gestores que atuam com estudantes em tratamento de saúde e possa reverberar em suas práticas e no enfrentamento dos desafios diários nessa particular condição de escolarização.

Referências

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Recebido: 09 de Março de 2020; Aceito: 09 de Março de 2020; Publicado: 20 de Março de 2020

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