Introdução
Ao longo de sua existência, o ser humano é/está passível de apresentar patologias que podem levá-lo a sucessivas hospitalizações e/ou à necessidade de tratamento de saúde. Uma criança ou um adolescente, nesse contexto, podem, também, passar por diversas intercorrências ou problemáticas. Nesse momento, orienta-se às instituições de educação e saúde, a implantação do serviço de classe hospitalar, ou como hoje é denominado, atendimento educacional em ambiente hospitalar.
Nele, os “alunos” são atendidos nos diversos espaços do hospital: salas de aula, brinquedotecas, leitos, Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e Centros de Tratamento Intensivo (CTIs), realizando atividades pedagógico-educacionais que visam a atenuar os prejuízos causados pelas internações sucessivas ou de longa permanência, que, consequentemente, provocam o afastamento ou o abandono escolar, condição que na infância a afeta significativamente (GONÇALVES; VALLE, 1999).
Principais apontamentos
Analisando esse contexto, Ceccim e Carvalho (1997, p. 27) explicam que, nesse período, a criança e o adolescente veem seu universo, que antes era composto de família, amigos e escola, ganhar dois novos componentes: o hospital e a doença. Diante dessa nova realidade, eles podem entrar em determinado conflito, motivado pelo próprio ambiente em si, onde deixam de existir como sujeitos, tornando-se pacientes. Essa percepção, alvo de agressões ao seu próprio corpo, constituirá, naturalmente, um risco igual ou superior ao da própria doença que as originou.
Outras mudanças bruscas são também sentidas nesse processo. O primeiro impacto observado dá-se quando se depara, na maioria das vezes, com paredes e com as roupas brancas utilizadas pelos médicos ou demais profissionais do hospital. Nesse caso, a ausência de rostos, de paisagens e de objetos familiares podem acentuar ainda mais seu sentimento de perda de referências e de abandono.
Munhóz e Ortiz (2006) consideram esses instantes angustiantes e assustadores à criança e ao adolescente, representados pelo medo do abandono dos pais, dos familiares e o do desconhecido. O referido sentimento se dará, segundo as autoras, por meio de regras duras e inflexíveis existentes no ambiente hospitalar, que, muitas vezes, não permitem aos pais permanecerem o tempo todo com seus filhos. Limitam a apenas uma pessoa como acompanhante responsável. Nessa situação, o medo do desconhecido “estará presente [...], pois o hospital é para eles, um local diferente, estranho e ameaçador, fazendo com que surjam fantasias e imagens a seu respeito, persecutórias” (LERNER, 2002, p.15).
Além disso, sua rotina é alterada, uma vez que as refeições (agora tratadas como dietas) podem não ser servidas nos horários que, quando fora do hospital, estavam habituados. A cama (agora leito) e as roupas não são como as de casa, o cheiro é outro (FONSECA, 2003). Seu mundo, que era movimentado e colorido, passa a ser quase que monocromático, em um ambiente impessoal, orientado por quadros clínicos, restringindo-se apenas aos cuidados de suas condições clínicas (SOARES, 2001).
De acordo Freitas e Ortiz (2005, p.36), essa condição pode gerar-lhes a sensação de insegurança e estresse, “podendo ocasionar-lhes, traumas, às vezes profundos, dependendo da intensidade e da estrutura de sua personalidade”. Outros comportamentos relacionados à ansiedade, impotência, dependência, mudança da imagem corporal (dependendo da doença e de seu estadiamento), associados ou não ao medo da morte, compõem-se de outras dificuldades que podem levá-los a se perceber como distantes de seu corpo, além de se sentirem de modo abrupto, separados da própria vida. Essa percepção construída faz com que essa criança ou o adolescente (re)construam, sob esses moldes, sua identidade.
Para essas autoras, a duração da hospitalização pode configurar-se como sendooutro fator determinante da resposta à problemática desse evento. Assim, quanto maior o período do internação hospitalar, maiores serão os riscos de surgirem prejuízos ou sequelas nos processos de aprendizagem e desenvolvimento desses sujeitos.Lima e Natel (2010) acrescentam que, conforme o quadro clínico, classificado como crônico ou agudo, há possibilidade de mais complicações, precisadamente na área física e psíquica, sendo constatados com mais frequência, atrasos no crescimento, depressão e comportamentos regressivos.
Nessa perspectiva, Sant’anna (2001, p. 31) acredita que tais aspectos ganham contornos mais graves no interior das Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) ou nos Centros de Terapia Intensiva (CTIs), pois os pacientes deitados em seus leitos parecem diminutos, diante de toda a aparelhagem, as quais seus corpos se encontram ligados ou em total dependência.
Nesse processo, outro sofrimento observado, mais do que sua problemática de saúde, refere-se às faltas às aulas. Sabe-se que, em geral, essa lacuna contribui para a intensificação de suas dificuldades em acompanhar os conteúdos escolares, levando-os a uma defasagem no que tange ao ano ou ao ciclo que vinha cursando antes do adoecimento. Por vezes, a hospitalização inviabiliza até mesmo sua matrícula ou permanência no ambiente escolar, o que pode interferir diretamente na percepção de si mesmo, ou seja, em sua autoestima, não propiciando possibilidades de um maior crescimento em todos os seus aspectos de seu desenvolvimento (FONSECA, 2003).
Nesse cenário, a elaboração de um currículo, que verdadeiramente invista em intervenções educacionais mais adequadas, mesmo dentro do hospital, insinua a existência de mundo extra-hospitalar, composto de um novo modo de qualidade, entrecruzando - a escola - como agência de processos de aquisição de aprendizagem, desenvolvimento de competência intelectual e interação entre seus pares, o que os permitirá (res)significar todo o seu processo de adoecimento e seus consecutivos tratamentos.
Sob esse prisma, a sala de aula do hospital pode, conforme Vasconcellos (2000), subsidiar, paralelamente, essa compreensão, tendo em vista uma melhor aceitação desse processo, além de proporcionar atividades pedagógico-educacionais, visando a atenuar expectativas de prejuízos causados pela hospitalização (VALLE, 1997).
Marchesan et al. (2009, p. 21), ao verificarem tais interferências, concluem que estas podem ser minimizadas ou de certa forma eliminadas, pois, enquanto a criança ou o adolescente estudam, reveste-se de um caráter que não é apenas pedagógico: a aula permite a eles esquecerem, por alguns momentos, sua doença, fazendo com que acreditem na possibilidade de continuar suas atividades efetivadas anteriormente.
Nesse sentido, a ação docente age potencializando o sujeito, na medida em que oferece às crianças e aos adolescentes, alternativas de intervenções, que vão além da doença, pois, na sala de aula do hospital, poderão se desvincular das restrições de seu tratamento e seguramente, como antes descrito, o professor lhe oferecerá subsídios para compreender, aceitar e saber lidar nesse processo (FONSECA, 2003).
Nessa direção, a proposta pedagógica destinada às crianças ou aos adolescentes deve ser trabalhada integralmente, de modo a dispor de um atendimento que corresponda a seu ciclo vital de desenvolvimento e de aprendizagem, levando-os ao desejo de cura e/ou à recuperação. Além do mais, é necessário estimular seu desenvolvimento cognitivo, social e emocional, incentivando potencialidades, respeitando limitações, por meio de um modelo curricular flexível, segundo o ano escolar, nível de desenvolvimento ou estado psicológico apresentado por aluno.
Assim, o professor no hospital pode ser um contraponto, tornando-se um agente de modificação do estado de “paciente” para o de “agente”, ao promover a interação deles com outros colegas, o que os pode levar a desfocar sua atenção da doença para o estudo, ao lúdico e às demais práticas acadêmicas, ou apenas lhes permitir estar em um local provavelmente mais estimulante ou tranquilizador do que um quarto de hospital.
Desse modo, Vasconcellos (2000) defende que, para alcançar sucesso nesse processo, é imprescindível considerar todos os aspectos motivacionais envolvidos no autocuidado, a participação da família e o estabelecimento de vínculos e a coparticipação da equipe multiprofissional. Nessa engrenagem caberá então ao professor, desenvolver um programa de atendimento educacional integrado à saúde dos pacientes e familiares, que vise a assegurar-lhes condições de adquirir conhecimentos e aptidões, via educação, que lhes permitam e os habilitem ao exercício do autocuidado com relação a sua doença.
Zanotto (2000) relembra, ainda, que o professor nesse processo é aquele que faz um elo entre a realidade hospitalar e a vida cotidiana do aluno hospitalizado, avaliando, acompanhando e intervindo em seu processo de aprendizagem, e os auxiliandoem uma adaptação mais efetiva e harmônica no hospital,além de lhes oferecer, quando necessário, subsídios para a elaboração do processo de morrer (FONSECA, 2000).
Porto (2007) reconhece que essa situação pode levá-los a uma aprendizagem integradora, diretamente relacionada ao desenvolvimento psicológico, denotando mais possibilidades de interação e adaptação desse aluno à realidade ao longo de toda a sua vida, contando com múltiplas influências de fatores ambientais e individuais. Nessa trajetória, muitas vezes, os alunos não são capazes de expressar, nem de reproduzir o que os faz temer, desenvolvendo angústias, fazendo surgir depressão, revolta ou desespero, ou ainda, a possibilidade de regressão no nível de desenvolvimento. Mais uma vez, o professor fará a diferença, observando, avaliando, incentivando o sentimento de valorização da vida, amor próprio, autoestima, aceitação e segurança; recuperando esses prazeres e garantindo a construção dos conhecimentos que estariam acontecendo no ambiente escolar.
Dessa forma, é de inteira responsabilidade do professor, inventar e reinventar formas estratégicas para desafiar esse alunado no que se refere à continuidade de seus trabalhos escolares, já que, muitas vezes, se depara com tais barreiras, sendo elas ocasionadas pelo conflito de imagem construída pelo próprio aluno
Appel (2000) compreende também que, dependendo do estágio da doença do aluno, são inúmeros os medicamentos utilizados e que podem ocasionar sérios problemas de regressão no sistema nervoso central, atingindo a memória, concentração, atenção, coordenação motora fina, linguagem, inteligência, bem como sua aprendizagem. Descreve, paralelamente, outras situações, nas quais os tratamentos causam efeitos colaterais distintos, afetando sua autoimagem, além de limitar movimentos motores , fazendo com que não se sintam aptos a enfrentar a vida em sociedade. Nessa condição, mesmo que o atendimento pedagógico-educacional em hospitais não requeira uma formação específica, esse momento requer profissionais com destreza e discernimento para atuar com planos e programas abertos, móveis, mutantes, constantemente avaliados, reorientados pela situação especial e individual.
Conforme Wallon (2007), tais processos, em geral, não significam a lei única do seu futuro destino, seja em uma constituição biológica saudável ou doente, pois, no decorrer de toda a sua evolução, as demandas sociais, culturais entrarão nesse jogo, influenciando e alterando toda essa dinâmica de desenvolvimento, que, segundo o autor, é dependente das experiências oferecidas pelo meio e do grau de apropriação que o sujeito faz delas.
Nesse processo, para ainda se evitarem mais intercorrências, recomenda-se a utilização de métodos de prevenção. “Uma de tais medidas preventivas é se estabelecer um currículo ou programa mediador de estimulação, exercitando aspectos mais comprometidos da inteligência e de todo o desenvolvimento do aluno” (FREITAS; ORTIZ, 2005, p. 43), lembrando de que todos nessa sucessão de suas idades e/ou fases são um ser em curso de metamorfoses, cada um é único, com seu próprio ritmo e estilo de resposta (WALLON, 2008).
Sob esse ótica, tais profissionais devem transcender os aspectos médicos, pois, sem uma visão abrangente das relações dos indivíduos com as figuras significativas (família, escola, hospital), o êxito do tratamento pode ficar comprometido, e que, quando não corretamente identificadas, podem acarretar imediatos e futuros prejuízos escolar até mesmo àqueles que possuem bom desempenho intelectual (VYGOSTKY, 1997). Dessa maneira, o autor aposta no abandono de uma pedagogia hospitalar-medicamentosa que vê a aprendizagem e o desenvolvimento sob uma perspectiva puramente biológica na busca de uma pedagogia criativamente positiva, por meio de uma educação social.
Prega-se, então, uma pedagogia mais construtiva, mais humana, voltada para uma educação social, buscando as capacidades dos sujeitos, compartilhando uma ideia em meio aos diversos programas no campo da saúde e da educação e à população crescente de pessoas envolvidas na atenção aos educandos de que o risco para os processos de aprendizagem e desenvolvimento do aluno não está atrelado apenas as suas fragilidades físicas, sendo necessárias as apostas nas interações sociais, educacionais e vínculos afetivos precoces e constantes.
No retorno ao ambiente escolar, após a alta, é comum que algumas dessas crianças apresentem dificuldades de atenção, memória, raciocínio lógico-matemático, hiperatividade, distração, impulsividade, dificuldade para se concentrar, seguir pautas, distorção na percepção, défice na organização e na sequência de tarefas, bem como mal de memória para assuntos acadêmicos. A esse respeito, é importante que se realize pesquisa sobre sua evolução neuropsicológica, pois isso afeta a motivação e o interesse à adaptação e à aprendizagem, além da integração social com seus pares (APPEL, 2000).
Todavia, algumas vezes, quando a criança ou o adolescente chegarem à escola, ainda trarão alguns efeitos colaterais do tratamento (e/ou da internação) que, em determinadas situações, é longo e invasivo. Isso faz com que eles representem uma nova população dentro da escola que, por suas características, não pertencem ao tradicional grupo de alunos especiais, constituídos por crianças com algum tipo de deficiência visual, auditiva ou intelectual. São, geralmente, antigos alunos da escola que, agora, vitimados por uma doença, necessitam de cuidados especiais, transitórios e distintos de acordo com a fase de tratamento.
Sobre essa questão, Vygotsky (2005) refere que a instalação de um possível defeito ou problema físico, qualquer que seja sua natureza, desafiará qualquer tipo de organismo, pois ele o enfraquecerá, minará suas atividades e agirá como uma força negativa. Por outro lado, tornará a atividade do organismo mais difícil, e o defeito ou a inabilidade agirá como um incentivo para aumentar o desenvolvimento de outras funções no organismo, pois ela ativa, desperta o organismo para redobrar atividade, que compensará o defeito e superará a dificuldade.
Essa seria uma lei geral, igualmente aplicável à Biologia, à Psicologia e à Pedagogia de um organismo, pois o caráter negativo de um defeito ou de uma inabilidade, quando não em alto grau de comprometimento, age como um estímulo para o aumento da aprendizagem e do desenvolvimento.
Vygotsky (2003) destaca que, apesar de o organismo possuir, em potencial, essa capacidade de superação, esta só se realizará a partir da interação e da contribuição de fatores ambientais, pois o desenvolvimento se dá no entrelaçamento de fatores externos e internos. Todo e qualquer defeito ou inabilidade poderá se converter no ponto de partida e na força propulsora do desenvolvimento psíquico, da aprendizagem e da personalidade de todo o indíviduo, pois, conforme esse autor, se origina de estímulos para a formação da compensação ou da superação. Nos casos em que os tratamentos originam efeitos colaterais provenientes das fortes medicações, como a autoimagem afetada, os movimentos motores limitados fazem com que o aluno não se sinta apto a enfrentar a sociedade; com isso, os familiares devem respeitar seu momento e deixá-lo livre para que esse momento chegue de forma tranquila, sem pressões.
No tocante à lei geral da compensação, o autor refere que se aplica da mesma forma ao desenvolvimento dito “normal” e ao “complicado”, sendo esse princípio de muita valia na compreensão sobre a importância da realização de intervenções realizadas com famílias e instituições ou serviços responsáveis por essa criança. Em vez de se centrar a atenção na noção de défice ou lesão que impede ou limita o desenvolvimento, o autor sugere que a atenção seja focalizada no ambiente social e cultural, podendo mediar relações significativas entre o indíviduo e o meio, de modo que ele tenha acesso ao conhecimento e à cultura. Nesse circuito, o professor será, portanto, um "mediador de estímulos, cauteloso, solícito e atento, reinventando formas para desafiar o aluno hospitalizado, quanto à continuidade dos trabalhos escolares, a vencer a doença e a engendrar projetos na vida emancipatória" (FREITAS; ORTIZ, 2005, p. 67).
Ressalta-se que, no momento da alta hospitalar, um contato do hospital com a escola antes do retomo da criança as suas atividades acadêmicas tem sido considerado essencial. Devem ser transmitidas informações específicas do aluno, como diagnóstico, plano de tratamento e limitação de atividades, entre outras (VALLE, 1997).
Segundo, também, Freitas e Ortiz (2005), nesse instante, acionam-se a confirmação do acerto terapêutico e a certeza do sonho de cura. Porém, em meio a essa euforia do término de um desafio, surge a necessidade de enfrentamento da vida extra-hospitalar. Uma das implicações do gerenciamento da dimensão social da cura está, justamente, nesse cuidado de promover o retorno do paciente ao ambiente escolar.
Ainda, conforme as autoras, diante da pós-hospitalização, o cuidado para que esse aluno não se sinta inseguro e excluído no retorno à escola é fundamental para não acarretar um atraso no desenvolvimento da aprendizagem. Em geral, tais conflitos que a criança ou o adolescente passam decorrentes do pós-internação são bem-administrados por alguns, mas não por outros. Por isso é que se torna fundamental que a equipe escolar avalie esse retorno, auxiliando o educando nesse processo de reinclusão à vida estudantil e social, preparando a turma, proporcionando atividades recuperatórias dos conteúdos que não foram desenvolvidos no atendimento educacional hospitalar e garantindo a receptividade por parte de educadores, colegas e amigos.
Nessa etapa, o professor deve, portanto, ter uma função mediadora entre o aluno e o conteúdo, interagindo por meio de questionamentos que o levem à reflexão e à apreensão desse objeto de conhecimento. Nessa interlocução, o professor precisa avaliar sua prática e estar aberto a novos conhecimentos e técnicas que em todo momento irão surgir (AROSA; SCHILKE, 2008), fazendo com que a doença de seu aluno não interrompa todo o seu processo de desenvolvimento e escolarização.
Políticas públicas para o atendimento educacional em ambiente hospitalar
Na Constituição Federal brasileira, a educação é “direito de todos e dever do Estado, da sociedade politicamente organizada” (BRASIL, 1988, p. 11) e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, tendo em vista o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988, art. 205).
O art. 214 da Constituição Federal de 1988 afirma, além disso, que as ações do Poder Público devem conduzir à universalização do atendimento escolar. Entretanto, diversas circunstâncias podem interferir na permanência escolar ou nas condições do conhecimento ou, ainda, impedir a frequência, temporária ou permanentemente. Por outro lado, o direito à saúde, segundo a Constituição (BRASIL, 1988, art. 196), deve ser garantida mediante políticas econômicas e sociais que visem ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços, tanto para a sua promoção, quanto para a sua proteção e recuperação.
Concomitantemente, a exigência do reconhecimento do direito à educação especial para o conjunto de alunos que, em algum momento de sua escolaridade, requerem apoio adicional ou recurso especial, de forma temporária ou contínua, partiu de uma intensa luta política internacional pelo reconhecimento do direito fundamental de toda criança à educação e à oportunidade de atingir e manter um nível adequado de aprendizagem, que culminou na Declaração de Salamanca, em 1994, sobre princípios, política e prática em educação especial. Nela encontra-se alicerçada a defesa do acesso à educação para todo e qualquer indivíduo, independentemente de quaisquer condições que apresentem.
Na Política Nacional de Educação Especial (PNEE) (BRASIL, 1994), a educação em hospital, hoje denominada de atendimento educacional em ambiente hospitalar, aparece como modalidade de ensino e de onde decorre a nomenclatura de “classe hospitalar”. Sua oferta educacional não se resume às crianças e aos adolescentes com transtornos do desenvolvimento como foi no passado (de 1950 a 1980), mas também àqueles em situação de risco no lar, uma vez que a hospitalização impõe limites à socialização e às internações, o afastamento da escola, dos amigos, da rua e da casa, além de regras sobre o corpo, a saúde, o tempo e os espaços.
O ensino e o contato do aluno hospitalizado com o professor no ambiente hospitalar podem proteger o seu desenvolvimento e contribuir para a sua reintegração à escola após a alta. Além de protegerem o seu sucesso nas aprendizagens, vem amparando alunos com necessidades educativas especiais transitórias ao direito de continuarem estudando mesmo não estando presentes em sala de aula (BRASIL, 1994, p. 42).
Em função de tais intercorrências, o direito à continuidade dos estudos escolares durante a internação hospitalar foi também reconhecido pela “Declaração dos Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizados” (BRASIL, 1995), e o Ministério da Educação (MEC), por intermédio da Secretaria Nacional de Educação Especial, propiciou o atendimento educacional deles nos hospitais, criando, na época, o serviço de classes hospitalares (BRASIL, 2002).
Essa “exigência” do reconhecimento do direito à Educação no Brasil em enfermarias pediátricas partiu de uma das principais associações científicas brasileiras na área da pediatria - a Sociedade Brasileira de Pediatria. Esse procedimento, que teve ampla repercussão nas organizações não governamentais de luta pelos direitos da criança, foi matéria de deliberação específica dos direitos da criança e do adolescente hospitalizado, pela Resolução n° 41, de 13 de outubro de 1995, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, com a chancela do Ministro da Justiça (BRASIL, 1995).
Esse documento dispõe que o aluno internado deve receber amparo psicológico, quando necessário, e desfrutar de alguma forma de recreação, de programas de educação para a saúde e de acompanhamento do currículo escolar de acordo com a fase cognitiva, durante sua hospitalização.
A Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, define a educação especial como uma modalidade da educação escolar, um conjunto de recursos e procedimentos específicos do processo de ensino e aprendizagem colocados à disposição dos alunos com necessidades especiais, em respeito as suas diferenças, para que eles tenham acesso ao currículo e, consequentemente, conquistem sua integração social (BRASIL, 1996).
A mesma Lei, em seu capítulo V, art. 58, § 2°, determina que: "O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular" (BRASIL, 1996).
Consta nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, art. 13, § 1°:
As Classes Hospitalares e o atendimento em ambiente domiciliar devem dar continuidade ao processo de desenvolvimento e ao processo de aprendizagem de alunos matriculados em escolas da Educação Básica, contribuindo para seu retomo e reintegração ao grupo escolar, e desenvolver currículo flexibilizado com crianças, jovens e adultos não matriculados no sistema educacional, facilitando seu posterior acesso à escola regular. (BRASIL, 2001).
E, conforme o art. 13,
Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de saúde devem organizar o atendimento educacional especializado a alunos impossibilitados de frequentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio. (BRASIL, 2001)
Nessa sistematização, motivar e facilitar a inserção do aluno no contexto escolar hospitalar é função do professor da escola hospitalar. A sala de aula no ambiente hospitalar vai além de seus próprios limites quando a criança ou o adolescente tem chances de sair da enfermaria, ou mesmo que seja apenas deixando o leito para vivenciar atividades consideradas somente possíveis àqueles alunos tidos como saudáveis (FONSECA, 2003). Para isso, os professores responsáveis pelo atendimento deverão pesquisar, inovar e incrementar seus conhecimentos e expandir sua cultura geral e procurar conhecer e desenvolver novos espaços socioeducacionais que possam, de certa forma, ter uma sociedade mais harmoniosa em suas diversidades (MATOS; MUGIATTI, 2006, p. 26).
Nessa dinâmica apresentada, o educador aparece como um mediador do conhecimento, diante do aluno que é o sujeito da sua própria formação. Ele precisa construir conhecimentos a partir do que faz (GADOTTI, 2006). O professor é o sujeito ativo da sua prática, ele a organiza e, a partir dela, produz os seus saberes. Saberes estes que não dizem respeito só à prática, mas a teorias, conhecimentos e saber-fazer específicos da profissão.
Nesse serviço, o trabalho cotidiano torna-se, além de um espaço de aplicação de saberes oriundos de teorias, um espaço de produção, de transformação e de mobilização desses saberes. Em consequência, muda-se a percepção de que o aluno não se vê mais apenas como um doente, o que refletirá também nas atitudes do familiar para com a criança e em relação ao ambiente hospitalar, pois o estresse e as dificuldades passam a ser encarados diferentemente.
Já o professor, como profissional responsável por esse atendimento, deve ser levado a uma reflexão constante sobre sua prática escolar, questionando-a de modo que possa refletir sobre ela, compartilhar com seus colegas, rompendo com a visão individualista da formação e do exercício profissional (NUCCI, 2002). Para realizar esse papel, o educador necessita de preparo, de estar ciente de seus processos e limites, de seus desejos, de seus estados de ânimo, de suas carências e de suas possibilidades.
Desse modo, o educador precisa ser amoroso, em primeiro lugar, consigo, o que significa se reconhecer, se acolher, se nutrir, se sustentar e se confrontar, e, a seguir, com o educando. Torna-se urgente, portanto, reestruturar e incentivar uma política de formação de professores que (re)formule e invista em programas docentes, que possam interferir significativamente nas práticas e nas interações desencadeadas no cotidiano escolar do atendimento educacional em ambiente hospitalar.
Em geral, todos os integrantes da equipe hospitalar podem, de alguma forma, amenizar o sofrimento e os receios do alunado hospitalizado, por isso é que o atendimento em ambiente hospitalar não auxilia somente nas atividades curriculares, mas no encorajamento, nas atitudes e nas perspectivas diante de todos os procedimentos e trabalhos aqui relatados.
Recentemente, a Lei nº 13.716, de 24 de setembro de 2018, oriunda do Projeto de Lei da Câmara (PLC) 24/2018, aprovado pelo Senado (BRASIL, 2018), acrescenta dispositivo na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) assegurando atendimento, durante o período de internação, ao aluno da educação básica internado para tratamento de saúde em regime hospitalar ou domiciliar por tempo prolongado, conforme regulamento a ser estabelecido pelos Executivos federal, estaduais e municipais. Relembrando que se compreende por educação básica, a educação infantil (para crianças com até cinco anos), o ensino fundamental (para alunos de seis a catorze anos) e o ensino médio (para alunos de quinze a dezessete anos).
Considerações finais
A deficiência, o defeito ou o problema, possivelmente surgidos em decorrência de uma patologia ou oriundos de uma hospitalização, não constituem, em si, um impedimento para a aprendizagem e o desenvolvimento do aluno. O que de fato poderia constituir como impedimento seriam as mediações estabelecidas, as formas de se lidar com o problema, negando possibilidades de trocas e relações significativas do sujeito (VYGOTSKY, 2005).
Nesse patamar, a interação social estimulada amplia o universo de cada um; estimula o conflito e a percepção de teses, antíteses e a busca da síntese, ainda que mais precária nesse período e mais acentuada na criança e no adolescente, perante suas condições físicas e emocionais vividas no momento (VYGOTSKY; LURIA; LEONTIEV, 2001).
Entendendo melhor o significado da escolaridade como elemento fundamental para o processo de recuperação e cura desde o momento do diagnóstico, o professor e a equipe de profissionais de saúde detêm boas condições para demonstrar que o atendimento pedagógico-educacional no ambiente hospitalar em muito colabora para que o alunado não se sinta preso no hospital e possa, além de melhorar sua compreensão sobre o ambiente hospitalar, estabelecer seus laços com o mundo fora desse ambiente (FONSECA, 2003, p. 32).
Nessa trajetória, a reintegração ao espaço escolar desse educando, que ficou temporariamente impedido de frequentá-lo por motivo de saúde, deve levar em consideração alguns aspectos, como: o desenvolvimento da acessibilidade e da adaptabilidade; a manutenção do vínculo com a escola durante o período de afastamento por meio da participação em espaços específicos de convivência escolares previamente planejados (sempre que houver possibilidade de deslocamento); momentos de contato com a escola por meio de visita dos professores ou colegas do grupo escolar e dos serviços escolares de apoio pedagógico (sempre que houver a possibilidade de locomoção, mesmo que esporádica); garantia e promoção de espaços para acolhimento; escuta e interlocução com os familiares dos educandos durante o período de afastamento; preparação ou sensibilização dos professores, funcionários e demais alunos para o retomo do educando para a convivência escolar e retorno gradativo aos espaços de estudos sistematizados.
Nesse panorama, o aluno hospitalizado passa a ser concebido não mais como um ser doente, mas alguém com aptidão para o desenvolvimento, sujeito a programas que maximizem suas potencialidades em um ato intencional de dirimir os danos causados pela hospitalização.
Diante desse fato, a atuação de professores e demais profissionais da educação deve levar em conta a hospitalização infantil, com todo o impacto os sentimentos de angústia e temor vivenciados pelas crianças a serem acompanhadas. Tais fatores podem estar presentes em possíveis dificuldades de aprendizagem já que, para ocorrer sucesso nela, é necessário haver um equilíbrio entre os fatores biológico, cognitivo, social e emocional (LIMA; NATEL, 2010), sendo nesse processo a intervenção do outro como algo bastante significativo para a aprendizagem e para o desenvolvimento (VYGOSTKY, 2001).
Quaisquer que sejam as condições do indivíduo enfatizadas por meio de diversas teorias, estudos e práticas, há possibilidade dele, na condição de hospitalizado, atuar, ativa e cooperativamente, no meio em que se encontra inserido, desde que lhe seja facultada a vivência de situações que facilitem trocas, no âmbito linguístico, motor, intelectual, entre outros, e que o resultado dessas trocas seja dimensionado a partir de possibilidades e não de limites, de qualquer ordem.
E, tão logo haja possibilidade de retomo à escola, cabe às equipes multiprofissionais oferecerem subsídios teórico-práticos à comunidade escolar para a adequada reintegração psicossocial do aluno. Nesse sentido, a equipe multidisciplinar deve ser capaz de compreender o aluno hospitalizado em todas as suas especificidades, com determinações familiares, ambientais, educacionais, emocionais e culturais.
Inúmeros estudos relatam o reconhecimento da importância do trabalho em parceria e que uma equipe multidisciplinar, ou mais ainda, funcionando de forma inter ou transdisciplinar e bem-preparada, poderá ser um elemento indispensável para a educação bem-sucedida de indivíduos que dela necessitem. Para finalizar, destaca-se que apenas se conseguirá reunir as competências construídas ao longo do processo histórico da humanidade na medida em que se perceber e respeitar a especificidade que delimita cada área de atuação profissional.