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Educação UFSM

versão impressa ISSN 0101-9031versão On-line ISSN 1984-6444

Educação. Santa Maria vol.46  Santa Maria jan./dez 2021  Epub 06-Out-2023

https://doi.org/10.5902/1984644444201 

Artigo Demanda Contínua

Cenários virtuais de aprendizagem como recurso pedagógico diante da pandemia do novo coronavírus: relatos das experiências docentes

Virtual learning scenarios as a pedagogical resource in the new pandemic of the New Coronavirus: reports of teaching experiences

Willian Lima Santos1  , Mestrando
http://orcid.org/0000-0002-9298-1226

Anne Alilma Silva Souza Ferrete2  , Professora Doutora
http://orcid.org/0000-0001-9637-6616

Manoel Messias Santos Alves3  , Doutorando
http://orcid.org/0000-0002-4070-1691

1Mestrando na Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, Sergipe, Brasil. willianjere@hotmail.com

2Professora Doutora da Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, Sergipe, Brasil. aferrete21@gmail.com

3Doutorando na Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, Sergipe, Brasil. messyarts@hotmail.com


RESUMO

O distanciamento físicocausado pela pandemia da COVID-19 (Novo Coronavírus), em pleno ano de 2020, tem (re)configurado o processo de ensino e aprendizagem por meio do ambiente virtual como cenário educativo nas modalidades de ensino presencial, inclusive na Educação Básica. Este estudo tem como principal objetivo descrever a utilização dos Cenários Virtuais de Aprendizagem como recurso pedagógico implementado por escolas da rede pública de ensino no município de Jeremoabo/BA. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com viés descritivo, caracterizada como estudo de caso. A produção de dados se deu a partir da análise dos informes publicados em redes sociais das instituições, assim como da realização de entrevista semiestruturada online, que contou com a participação de 10 (dez) professores pertencentes ao quadro efetivo de funcionários, tanto na rede municipal quanto estadual de educação, atuantes em escolas do município. Como resultado, ficou evidenciada a contribuição dos cenários virtuais na prática docente para o prosseguimento do ano letivo diante da pandemia, mesmo sem formação específica para lidar com as tecnologias digitais no ensino; além disso, a dificuldade dos professores está centrada na inclusão do aluno no espaço digital, considerando-se a escassez dos recursos e a indisponibilidade de conexão estável com a internet.

Palavras-chave: Tecnologias digitais; Alternativas educacionais; Distanciamento físico

ABSTRACT

The social distancing caused by the COVID-19 (New Coronavirus) Pandemic, in the middle of 2020, has (re)configured the teaching and learning process through the virtual environment as an educational scenario in the classroom teaching modalities, including in Basic Education. This study has as main objective to describe the use of Virtual Learning Scenarios as a pedagogical resource implemented by public schools in the municipality of Jeremoabo/BA. It is a qualitative research with a descriptive bias, characterized as a case study. The production of data took place from the analysis of the reports published on the institutions' social networks, as well as conducting semi-structured interviews online, with the participation of 10 (ten) teachers belonging to the effective staff, both in the municipal network, state education, working in schools in the city. As a result, the contribution of virtual scenarios in teaching practice to the continuation of the school year in the face of the pandemic became evident, even without specific training to deal with digital technologies in teaching; moreover, the difficulty of teachers is centered on the inclusion of the student in the digital space, considering the scarcity of resources and the unavailability of a stable internet connection.

Keywords: Digital technologies; Educational alternatives; Social distancing

Introdução

O agravamento da pandemia do Novo Coronavírus (COVID-19) ocasionou uma série de problemas em escala global, de forma brusca e inesperada, a ponto de exigir uma (re)configuração das relaçõespolíticas, econômicas e sociais que permeiam a sociedade de modo geral. Diante da extrema necessidade de distanciamento físico para evitar a proliferação do vírus, diversos setores tiveram de se adaptar às normas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e por outros órgãos de governo ligados à área da saúde. As medidas afetaram vários setores e, consequentemente, o próprio sistema de ensino.

Na educação, na perspectiva do ensino presencial, especificamente na Educação Básica, que compreende a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, as instituições oriundas desses segmentos estão passando por uma significativa alteração no modo como se ensina e se aprende, considerando o distanciamento físico entre os sujeitos do processo, ou seja, alunos e professores, uma vez que o virtual se tornou um espaço alternativo para o prosseguimento do ano letivo. Apesar de o termo distanciamento social ser o mais utilizado, principalmente na área da saúde, optamos neste estudo pela expressão distanciamento físico, ao considerar que as relações sociais estão sendo mantidas constantemente na rede.Nessa perspectiva, o presente estudo teve como objetivo descrever a utilização dos Cenários Virtuais de Aprendizagem como recursos pedagógicos implementados nas instituições educacionais públicas, em nível municipal e estadual, na cidade de Jeremoabo, no nordeste do estado da Bahia. O estudo foi construído mediante os relatos de experiências docentes coletados a partir de entrevistas semiestruturadas, de maneira virtual, realizadas através dos aplicativos de compartilhamento de mensagens Messenger e WhatsApp,respeitando-se as normas e os princípios éticosestabelecidos para a realização de pesquisas que envolvem seres humanos.

A escolha por essa temática se justifica pela iminente necessidade do prosseguimento das práticas educacionais diante dos desafios ocasionados pela pandemia do COVID-19, assim como do aumento significativo da transposição do processo de ensino e aprendizagem presencial para o virtual, a partir do uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), considerando a natureza em questão das modalidades presenciais, as quais foram mais impactadas pelo distanciamento físico.

Para promover a continuidade das atividades escolares por meio dos cenários virtuais, é preciso considerar alguns fatores importantes que podem interferir nesse processo, como, por exemplo, a dificuldade do acesso à internet, assim como a falta de experiências docentes em educar no virtual. Diante disso, pautamos as discussões conforme as seguintes questões norteadoras: Como os professores da rede pública de ensino do município de Jeremoabo estão desenvolvendo suas práticas educacionais em cenários virtuais? Quais cenários virtuais são mais utilizados? E quais são as principais dificuldades a serem superadas por essa ação educacional em tempos de pandemia?

Com este estudo, almejamos contribuir com a literatura referente à utilização do Cenário Virtual de Aprendizagem na educação, enfatizando a relevância do seu uso, principalmente neste tempo de pandemia, bem como nos diferentes contextos formativos de todas as modalidades de ensino, especialmente na Educação Básica; logo, o trabalho com as tecnologias digitais é assegurado pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), concebendo a cultura digital como uma competência essencial que deve ser desenvolvida com o aluno, objetivando a formação da responsabilidade digital e a preparação para as profissões do futuro (BRASIL, 2017).

Percurso metodológico

Este estudo é fruto de uma pesquisa de mestrado acadêmico em andamento, que está sendo realizada a partir do projeto intitulado: O uso de Cenários Virtuais de Aprendizagem como interfaces didático-pedagógicas no Ensino Fundamental: Como acontece no município de Jeremoabo/BA?, o qual foi apreciado pela Comissão de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e aprovado pelo Parecer nº 3.773.965.

O estudo atendeu aos princípios éticos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Saúde, de acordo com a Resolução nº 510/2016, que trata das pesquisas que envolvem seres humanos, de forma que os atores participantes foram convidados a participar do estudo por livre e espontânea vontade, que foi demonstrada através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), apresentado em forma de convite, além de nos atentarmos a assegurar a confidencialidade e a privacidade dos professores envolvidos, mantendo o anonimato, assim como a liberdade de desistir de prosseguir com a pesquisa a qualquer momento (BRASIL, 2016).

Por se tratar de um estudo com o “outro” e que envolve a subjetividade, esta pesquisa assume caráter qualitativo. De acordo com Flick (2009), as percepções dos sujeitos diante do problema abordado, as observações do pesquisador, as frustrações, as irritações e os sentimentos tornam-se partes imprescindíveis e de cabíveis interpretações diante do estudo. Gerhardt e Silveira (2009, p. 31) afirmam que esse tipo de pesquisa “não se preocupa com representatividade numérica, mas com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, etc.”.

O trabalho se caracterizou como Estudo de Caso, pois, para Yin (2005, p. 20), “o método de estudo de caso permite uma investigação para se preservar as características significativas dos acontecimentos da vida real”. Corroborando essa discussão, Gil (2010) chama atenção para o fato de que o pesquisador, ao optar pela realização de um estudo de caso, reflita sobre a realidade do contexto, as variáveis de determinado fenômeno (problema) e a essência do objeto que está sendo estudado.

Quanto aos objetivos elencados, a pesquisa adotou um viés descritivo, o qual, de acordo com Gil (2008), nessa abordagem, o pesquisador visa apenas a descrever as características de determinada população ou do fenômeno, sem maiores interferências no contexto do campo de pesquisa.

Diante disso, a pesquisa foi desenvolvida em três etapas, sendo que a primeira diz respeito à revisão da literatura sobre os Cenários Virtuais de Aprendizagem. Gil (2008, p. 44) corrobora ainda ao explicitar que essa etapa “é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”. Na segunda etapa, por sua vez, analisamos os informes divulgados pela Secretaria Municipal de Educação (SEMEC), assim como realizamos buscas no ciberespaço, almejando identificar os cenários virtuais utilizados pelas instituições de ensino jeremoabenses. Nessa perspectiva, Flick (2009, p. 238) enfatiza que “a pesquisa qualitativa não escapa dos efeitos da revolução digital e tecnológica (...)”, concebendo o virtual também como lócus para coleta de dados.

Na terceira etapa do estudo, realizamos entrevistas semiestruturadas com10 (dez) professores2 das redes de ensino municipal e estadual de educação, atuantes no município de Jeremoabo. Convém ressaltar que a entrevista se assemelhou a uma conversa informal, a qual se baseia na espontaneidade entre o pesquisador e o participante, e, considerando ainda a necessidade do distanciamento físico em meio ao contexto pandêmico, as entrevistas foram realizadas virtualmente, mediante a utilização de aplicativos de compartilhamento de mensagens, mais especificamente o Messenger e o WhatsApp.

No que diz respeito às entrevistas semiestruturadas, Gerhardt e Silveira (2009, p. 72) enfatizam que:

O pesquisador organiza um conjunto de questões (roteiro) sobre o tema que está sendo estudado, mas permite, e às vezes até incentiva, que o entrevistado fale livremente sobre assuntos que vão surgindo como desdobramentos do tema principal.

Optamos por esse tipo de entrevista por acreditarmos que seja o mais adequado para o alcance dos objetivos propostos no trabalho, considerando que almejamos a descrição da realidade no que diz respeito à forma como estão se utilizando dos cenários virtuais para fins pedagógicos, e quais os pontos positivos, além dos limites e das dificuldades encontrados e do levantamento dos cenários virtuais que estariam sendo utilizados.

Cenários Virtuais de Aprendizagem: contextualização e conceitos

O referencial teórico que trabalha diretamente com o termo “cenários de aprendizagem” está centrado em pesquisas desenvolvidas em Portugal, relacionadas aos pesquisadores da Universidade Aberta de Lisboa; entre os autores, destacam-se Barros et al. (2014), Matos (2014) e Piedade, Pedro e Matos (2018).

Barros et al. (2014) definem Cenários Virtuais de Aprendizagem como interfaces disponíveis na web, sejam blogs, sites, aplicativos em geral, redes sociais, games, dentre outras que estejam disponíveis no ciberespaço. De modo geral, são caracterizados como espaços de interação informal, que em sua maioria não foram criados para fins pedagógicos, ou seja, não foram criados especificamente para educar, mas possuem ferramentas que podem ser utilizadas a favor da aprendizagem (SANTOS; FERRETE; ALVES, 2020).

De acordo com Barros et al. (2014), a amplitude dos cenários virtuais é o que os diferencia dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA), sendo caracterizados pelas possibilidades de utilização das diversas interfaces que podem ser acopladas aos ambientes de aprendizagem ou até mesmo substituir um ambiente por um conjunto de cenários.

De acordo com Piedade, Pedro e Matos (2018, p. 4):

A utilização de cenários de aprendizagem como forma de planificação de atividades de ensino e aprendizagem, tem sido uma estratégia para a promoção e para o desenvolvimento de competências relacionadas com a resolução de problemas, colaboração, pensamento crítico e criatividade (...).

Nessa perspectiva, de acordo com Matos (2014), um espaço virtual, para ser compreendido como cenário de aprendizagem, precisará conter alguns elementos que são extremamente necessários, sendo eles: o desenho organizacional; os papéis e os atores; o enredo, as estratégias de trabalho, as atuações e as propostas; a reflexão e a regulação.

O referido autor também enfatiza que, para o espaço virtual se concretizar como um cenário virtual de aprendizagem, é necessário, de antemão, que se assuma um conjunto de características capazes de flexibilizar a interação e a colaboração, como podemos observar no esquema do gráfico 01.

Fonte: Adaptado de Matos (2014)

Gráfico 01 Características dos cenários virtuais de aprendizagem 

Convém ressaltar que diversos cenários virtuais podem ser criados e desenvolvidos gratuitamente por meio de softwares livres, como, por exemplo, fanpage3 - ou grupos no Facebook -,grupos de WhatsApp, blogs, sites, salas de bate-papo no próprio Google, entre outros. Esses recursos estão disponíveis no ciberespaço e podem ser utilizados para fins educacionais, seja no desenvolvimento de trilhas de aprendizagem, grupos ou páginas das disciplinas, de grupos de trabalho, ou apenas na formação de uma comunidade de aprendizagem, que são serviços básicos oriundos da web 2.0, permitindo “personalização do próprio ambiente, como também a criação e partilha de conteúdos por partes dos utilizadores-aprendentes” (BARROS; SPILKER, 2013, p. 28).

Os cenários virtuais são amplos e constituídos por ações e recursos que podem se tornar pedagógicos a partir da intencionalidade atribuída à prática docente, favorecendo o compartilhamento colaborativo diante do processo de ensino e aprendizagem, mediante a interação entre os envolvidos no virtual. Ressaltamos que o foco deste artigo está centrado na utilização dos cenários virtuais como alternativa pedagógica diante da pandemia da COVID-19.

Alternativas educacionais implementadas no município de Jeremoabo durante a pandemia da COVID-19

No contexto da pandemia da COVID-19, com o distanciamento físico e, consequentemente, o fechamento das escolas públicas e privadas do município de Jeremoabo, através do Decreto nº 025, a gestão municipal suspendeu temporariamente as aulas das redes pública e privada de ensino, em consonância com as orientações da OMS, do Ministério da Saúde e do Governo do Estado da Bahia, a fim de evitar aglomerações, como forma de prevenção contra a proliferação do vírus.

A partir da promulgação do Decreto nº 025, a Secretária Municipal da Educação de Jeremoabo em exercício orientou os gestores e professores a recorrerem ao uso das tecnologias digitais como recurso pedagógico, objetivando o prosseguimento das atividades práticas do ano letivo.

Em entrevista à Rádio Jeremoabo FM, no dia 01 de abril do corrente ano, a Secretária Municipal de Educação enfatizou que:

No decreto do estado a gente pode perceber que ele lá orienta o trabalho com tecnologias, pra que possa pelo menos aproximar a população da escola. Por que atingir a gente sabe é utopia, mas aproximar mesmo essa é a palavra.E a gente se depara com a nossa realidade, que é um pouco complicada, porque além de não termos condições técnicas, a questão humana também implica muito, pois nós temos alunos que vivem em áreas extremas, que podem ter o acesso à internet, mas de forma ainda muito primária, só de acessar as redes sociais e não poder utilizar mesmo mecanismos de aprendizagem. Então, nós estamos nos organizando aqui na secretaria, para criar normativas que a gente possa aproximar os estudantes da escola (TEIXEIRA, 2020).

As escolas da iniciativa privada, sem maiores dificuldades, de imediato atenderam às exigências da sua clientela com aulas remotas por meio do WhatsApp, YouTube, Zoom,assim como pelo uso do Google Sala de Aula (Classroom).

Nas escolas da rede pública, o processo de virtualização do ensino ocorreu de maneira lenta e progressiva, inicialmente os gestores municipais realizaram o mapeamento dos alunos que tinham acesso ao WhatsApp,como podemos observar na figura 01, para posteriormente inseri-los em grupos virtuais criados nesse aplicativo.

Fonte: Informativo da Secretaria Mun. de Educação de Jeremoabo (2020)

Figura 01 Chamada pública de alunos 

Essa implementação do virtual como alternativa para o prosseguimento do ano letivo foi uma ação posicionada da Secretaria Municipal de Educação (SEMEC), considerando a relevância e a necessidade do andamento do processo de ensino e aprendizagem. Após a iniciativa em utilizar o WhatsApp, outro cenário virtual de aprendizagem utilizado para fins educacionais foi o Zoom, que, ao contrário do WhatsApp,que permite apenas videochamada com no máximo oito usuários, o Zoom suporta a integração de 100 pessoas na mesma reunião virtual na versão gratuita, com duração de no máximo 40 (quarenta) minutos. Na figura 02, podemos observar a breve apresentação feita pela gestão municipal sobre a interface do Zoom, que pode tanto ser utilizado como aplicativo no celular ou ser instalado como programa diretamente nos computadores.

Fonte: Informativo da Secretaria M. de Educação de Jeremoabo (2020)

Figura 02 Apresentação do Zoom à comunidade escolar. 

O uso dessa interface cresceu rapidamente no contexto pandêmico, considerando a amplitude e as possibilidades de ações que podem ser desenvolvidas no virtual, como, por exemplo, criar reuniões com número elevado de usuários conectados simultaneamente, permitindo também o compartilhamento da tela e, assim, flexibilizando o uso para apresentação em PowerPoint, Word, além de imagens e vídeos.

Santos et al. (2020) enfatizam que essa inserção da tecnologia aberta e digital na educação passou a revolucionar o pensamento e a própria prática pedagógica, ampliando as oportunidades de aprendizagem, mesmo diante da distância física entre alunos e professores, a partir das interações na rede. Nessa perspectiva, Vasconcelos (2017) destaca que a interatividade pressupõe o diálogo, a troca de experiências, o fazer junto.

No que diz respeito à interatividade, Santaella (2014, p. 18) destaca que:

(...) é a característica central de toda a cultura do computador. Se não desenvolvermos treinamento, de que tipo for, por experimentação ou por orientação, para o uso das interfaces no mundo de múltiplas telas que nos é oferecido, as telas permanecem em escuro silêncio (...).

As escolas municipais também sinalizaram a utilização do GoogleClassroom (Sala de Aula), objetivando o prosseguimento das atividades acadêmicas, como podemos observar na figura 03. Entretanto, seu uso foi feito com menor intensidade ao compararmos com o WhatsApp e o Zoom, talvez pela sua complexidade no que diz respeito à organização da sala de aula virtual. O Classroom é uma interface disponível via plataforma Google e disponível também em forma de aplicativo para dispositivos móveis que pode ser instalado a partir das lojas virtuais Play Store4 ou App Store5.

Fonte: Informativo criado por uma escola municipal de Jeremoabo (2020).

Figura 03 Google Classroom - Escola Municipal em Jeremoabo 

O aplicativo Classroom,lançado publicamente em agosto de 2014, é um sistema de gerenciamento de atividades e conteúdos para as escolas e tal interface pertence ao pacote de apps do G. Suite For Education,que é uma plataforma educacional do Google.É utilizado por escolas que procuram simplificar a forma como constroem, distribuem e avaliam os trabalhosa partir da virtualização do processo de ensino e aprendizagem.

De acordo com Santos, Ferrete e Alves (2020), com a integração e a inclusão dos atores da aprendizagem (professores e alunos) no mesmo espaço virtual, a partir de objetivos previamente definidos, a comunidade virtual tende a efetivar a construção de uma rede de conhecimento de forma interativa, o professor sendo o mediador do processo, e o aluno o ator principal da aprendizagem, mostrando o protagonismo através do uso das tecnologias digitais.

É válido ressaltar que bem antes de todo este contexto pandêmico, no município de Jeremoabo, o uso de algumas tecnologias digitais no âmbito escolar estava sendo restringido pelos gestores municipais, que alegavam interferência negativa do celular no processo de ensino e aprendizagem. A partir dessa concepção, originou-se um movimento por parte dos professores e diretores que resultou na criação de uma resolução municipal que normatiza o uso do celular apenas como recurso pedagógico no espaço escolar, limitando o seu uso apenas para práticas educativas. Essa resolução foi sancionada pelo Conselho Municipal de Educação (CME), em novembro de 2018, colocada em prática no ano letivo seguinte e ainda se encontra em vigor no município.

Ferrete e Santos (2020) desenvolveram um estudo referente à inclusão digital nas escolas municipais de Jeremoabo a partir dos relatos de experiências docentes, no qual os pesquisadores apontaram que a referida resolução municipal é uma barreira para a efetivação do trabalho pedagógico com os recursos digitais, enfatizando a carência na formação dos professores no que diz respeito ao uso das tecnologias no processo de ensino e aprendizagem, a falta de recursos, além da precariedade do acesso à internet e o embate cultural entre os alunos nativos digitais e os professores considerados imigrantes tecnológicos.

Relatos das experiências docentes

Os relatos de experiências dos 10 (dez) professores foram coletados a partir das entrevistas virtuais realizadas por meio dos aplicativos de troca de mensagens WhatsApp e Messenger. Os participantes deste estudo tiveram seus nomes preservados para garantir o anonimato; sendo assim, atribuímos o código “P”, de professor, seguido do numeral conforme a ordem em que foram realizadas as entrevistas, ou seja, P1 a P10.

A seleção dos sujeitos participantes ocorreu de forma aleatória, à medida que as publicações sobre os “cenários virtuais” eram realizadas em perfis institucionais das escolas do município de Jeremoabo/BA. O primeiro contato com os professores foi através desses perfis e, posteriormente, pelo bate-papo do Facebook (Messenger); alguns não utilizavam esse app, por isso recorremos ao uso do WhatsApp.

A partir desse levantamento inicial, foi possível identificar que esses professores estavam distribuídos por todos os níveis da Educação Básica no município, indo do Infantil ao Médio, sendo dois da Educação Infantil, cinco do Ensino Fundamental e três do Ensino Médio. As postagens institucionais revelaram que, entre os cenários virtuais utilizados por esses professores durante a pandemia, estavam: o YouTube, o Zoom, o Classroom e o WhatsApp, este último sendo utilizado de forma mais significativa por todos os participantes, como podemos observar a seguir no quadro 01.

Quadro 01 Cenários virtuais utilizados pelos professores participantes do estudo 

PROFESSOR MODALIDADE DE ENSINO DISCIPLINAS CENÁRIO VIRTUAL
P1 Educação Infantil *não se aplica YouTube / WhatsApp
P2 Educação Infantil *não se aplica WhatsApp
P3 Ensino Fundamental II Português WhatsApp / Zoom
P4 Ensino Fundamental II Português WhatsApp / Zoom
P5 Ensino Fundamental I Português WhatsApp
P6 Ensino Fundamental I e II História WhatsApp / Classroom
P7 Ensino Fundamental II Inglês WhatsApp / Classroom
P8 Ensino Médio Inglês WhatsApp / Instagram
P9 Ensino Médio Português WhatsApp / Classroom
P10 Ensino Médio Português WhatsApp / Classroom

Fonte:Dados levantados na pesquisa.

As aulas “remotas”, ou seja, em que foram utilizados os cenários virtuais descritos, tiveram início na rede estadual a partir do dia 01 de abril do corrente ano, enquanto que nas escolas da rede municipal sofreram um atraso devido à maior necessidade de adaptação, além da espera por normativas da SEMEC, iniciando as atividades online no dia 20 de abril.

Embora não tenha ocorrido a obrigatoriedade para a utilização dos aplicativos ou cenários virtuais mencionados ao longo do trabalho, os gestores municipais indicaram algumas interfaces digitais, mas a opção por utilizar ou não ficou a cargo da autonomia do próprio docente, podendo optar por outro de sua preferência ou com que estivesse mais adaptado, desde que incluísse o maior número possível de alunos no processo.

Educação Infantil

Tem-se em vista que na Educação Infantil não há oferta especificamente de disciplinas, considerando que nesse nível de ensino a aprendizagem está centrada em cinco campos de experiência, que, de acordo com a BNCC, indicam basicamente as experiências fundamentais para que as crianças aprendam e se desenvolvam, esses campos são:O eu, o outro e o nós; Corpo, gestos e movimentos; Traços, sons, cores e formas; Escuta, fala, pensamento e imaginação; e Espaço, tempo, quantidades, relações e transformações (BRASIL, 2017).

De modo geral, esses campos enfatizam o desenvolvimento de noções, atitudes, valores, habilidades e afetos, no âmbito das creches (para criança de zero a três anos) e pré-escolas (de quatro a cinco anos), e o desenvolvimento dessas ações ocorre em situações de experiências vivenciadas a partir da interação social da criança com o mundo que a cerca, os colegas de sala, os jogos e as brincadeiras. Entretanto, no atual contexto da pandemia, a Educação Infantil sofre forte impacto educacional, considerando-se a fragilidade de se manter um processo de ensino e aprendizagem online.

A professora P1 é pedagoga e possui mais de 15 anos de atuação na Educação Infantil e, considerando o distanciamento físico e as exigências do município para com o prosseguimento do ano letivo, com o uso das tecnologias digitais, recorreu ao aplicativo WhatsApp, como podemos observar na figura 04.6

Fonte: Imagem de grupo no aplicativo WhatsApp

Figura 04 Grupo online P1 

Por trabalhar numa jornada de 40 (quarenta) horas semanais, a P1 organiza suas atividades de segunda à sexta-feira, todas disponibilizadas no grupo com as mães, que compartilham imagens dos seus filhos realizando as atividades, todos integrados e de forma lúdica, conforme figura 4. A família, nesse quesito, é responsável por mediar essa interação entre o professor e o aluno no virtual, principalmente na Educação Infantil, fase em que a criança necessita de orientação e de cuidados redobrados.

No que diz respeito à atuação no cenário virtual, a P1 relatou:

Escolhi trabalhar com o aplicativo WhatsApp no jardim III, porque ele é mais fácil de utilizar, e assim pude adicionar as mamães dos meus pequenos, elas que me ajudam nesse processo, são minhas aliadas, e isso foi bom para aproximação da relação família e escola. Diariamente compartilho fotos de atividades, que elas imprimem, os filhos respondem, e elas postam as fotos no grupo. As crianças também interagem, mas não são todas, algumas não têm acesso a internet, nem todos tem celular, e eles também são da zona rural, o sinal lá é ruim e isso tem prejudicado a aprendizagem (P1, 2020).

É notável no relato da P1 a preocupação com o acesso ao ensino remoto por parte dos alunos que não dispõem de conexão com a internet, destacando também a importância do papel da família como aliada dessa prática educacional virtualizada que, diante da necessidade de adaptação, a professora tem procurado flexibilizar e integrar a todos, através de estratégicas medogológicas e, de forma muito sensível, promover interações, o que é desafiador, especialmente para a Educação Infantil.

A professora P2, por sua vez, também é formada em Pedagogia e atua há mais de 10 (dez) anos nessa modalidade e, diante do distanciamento físico, fez uso do WhatsApp, porém buscou inovação ao criar um canal na plataforma YouTube, apostando num ambiente dinâmico e lúdico para contação de histórias, cantigas etc., como podemos observar no print screen7 da figura 058.

Fonte: Disponível em: https://youtu.be/x6b_WkA02yo.

Figura 05 Canal do YouTube da P2 

Apesar de o link de acesso ao canal do Youtube ter acesso livre e domínio público na plataforma online, solicitamos a permissão da professora para o uso da captura de tela, mas, mesmo assim, optamos por não divulgar o seu rosto no trabalho. Em relação ao uso do Youtube e do WhatsApp, ela relatou:

Os alunos estão mais familiarizados com o Youtube, já que assistem vários vídeos divertidos ao longo do dia, então por isso eu o escolhi. Nunca me imaginei gravando vídeo para poder dar aula, tem sido uma experiência inovadora na minha prática, e meus pequenos estão gostando. Minha dificuldade está sendo em colocar efeitos nos vídeos, pra chamar mais atenção deles, deixo o ambiente bem colorido, com brinquedos, mas sinto falta da interação real, meus alunos são da cidade, e aqui na cidade os que não tem wifi em casa podem optar por algum pacote 3G de qualquer operadora, o ruim é que nem todos possuem celular. O grupo no WhatsApp é apenas com os pais, para compartilhamento de atividades e para ter um melhor acompanhamento das ações (P2, 2020).

São notórias algumas semelhanças nas narrativas das professoras, mesmo atuando em escolas diferentes e com realidades distintas, P1 na zona rural, P2 na cidade, mas a desigualdade físico diante do acesso à educação remota emerge como preocupação. Além disso, é perceptível o estranhamento da P2 diante da mudança, nesse cenário, num processo que é tão afetuoso entre professor e aluno, como ocorre na Educação Infantil decorrente do convívio diário e presencial, uma vez que não existe essa relação mútua significativamente no virtual.

Nesse sentido, percebemos uma lacuna existente entre o ensino presencial e o ensino online no âmbito da Educaçao Infantil, tendo em vista o fato de essa modalidade estar centrada na interação direta entre professores e alunos, envolvendo diversas atividades lúdicas, como pintar, correr, pular, cantar, brincar, contação de histórias, entre outras. As recomendações do MEC para a Educação Infantil em tempos de pandemia direcionam professores de creches e pré-escolas a buscarem aproximações virtuais com as famílias e com as crianças, objetivando estreitar os vinculos e, assim, incluir os pais nas atividades lúdicas junto aos filhos.

Diante do exposto, faz-se necessário que os professores criem ou adaptem cenários virtuais de aprendizagem que sejam os mais lúdicos e diversificados quanto possível, com o própósito de interagir e incentivar o interesse e participação da criança nessas aulas.

A falta de apropriação tecnológica dos professores também é um desafio contemporâneo diante da constante evolução do mundo digital, considerando que não foram formados para utilizar tecnologias digitais como recurso pedagógico, situação essa que levanta a “preocupação com um tipo de formação que o capacite a enfrentar os novos desafios que a dinâmica social desta sociedade traz” (SAMPAIO; LEITE, 2008, p. 13).

Nessa perspectiva, Moura e Souza (2014, p. 128) corroboram ao apontar que “discutir estratégias para o uso dessas tecnologias implica em se pensar em uma educação na perspectiva da interação, da discussão, do questionamento do que se apresenta diante dos olhos”.Apesar da ausência de uma formação profissional que contemple o uso das TDIC na educação, os professores rapidamente procuraram adaptar suas práticas de ensino ao contexto do distanciamento físico, ação essa que foi potencializada através do virtual, e, a despeito das dificuldades, os profissionais se mostraram prestativos diante da necessidade da implementação das aulas remotas.

Ensino Fundamental I e II

De modo geral, todos os professores do Ensino Fundamental que participaram da pesquisa estavam utilizando o WhatsApp como principal cenário virtual de aprendizagem. Dentre as principais justificativas de escolha, os professores mencionaram a facilidade em criar grupos de interação (sala de aula virtual), além da flexibilidade no compartilhamento de conteúdo, seja imagem, texto, áudio ou vídeo.

Os professores P3 e P4 lecionam o componente curricular Língua Portuguesa em turmas de 8º e 9º anos e, além do aplicativo WhatsApp, esses dois professores realizam videoconferências com seus alunos por meio do Zoom.

De acordo com o P3:

A implementação dessas mídias no ensino tem despertado meu interesse enquanto docente, por poder estar colocando em prática algo que nunca imaginei fazer, ensinar de dentro da minha própria casa e online. Apesar que é um grande desafio, inclusive em lidar com essas ferramentas digitais, e com recursos próprios porque não recebemos formação, e também não recebemos recursos da gestão municipal, ou incentivo para trabalhar com o digital na sala de aula. Eu entendo que agora foi necessário devido ao vírus do corona, mas eu estou preocupado com os alunos que não possuem internet, ou celular, eles não estão enviando as atividades (P3, 2020).

São notórias, na fala do P3, as falhas da organização educacional diante de um sistema de ensino precário tanto nos recursos quanto na carência de formação docente para o uso das tecnologias digitais na educação. De acordo com Gatti (2010, p. 1374), “os saberes relacionados a tecnologias no ensino estão praticamente ausentes” nos cursos de formação de professores. Outro ponto marcante relatado pelo P3 diz respeito à dificuldade da inclusão dos alunos sem acesso à internet no processo de ensino e aprendizagem remoto que, certamente, em sua maioria, são aqueles que residem na zona rural e os que pertencem a famílias de baixa renda e não dispõem de dispositivos digitais móveis.

Nessa mesma perspectiva, o P4 enfatizou:

(...) tenho dificuldade em lidar com esses recursos digitais, mas estou superando com auxílio de colegas professores, mas boa parte dos meus alunos não têm acesso a rede de internet, e não estou conseguindo entrar em contato com eles (P4, 2020).

A P5 leciona o componente Língua Portuguesa no 5º ano do Ensino Fundamental I; nesse nível de ensino, o componente é ofertado em oito aulas ao longo da semana, sendo duas aulas por dia, de segunda à quinta-feira. No que diz respeito ao processo de ensino e aprendizagem remoto, a professora também optou pelo uso do aplicativo WhatsApp, relatando que:

Como o meu contato com os alunos é mais longo devido a disciplina que é ofertada em oito aulas por semana, optei unicamente pelo WhatsApp, criamos grupos no aplicativo e nesses grupos, eu envio as atividades propostas, não tive dificuldade em lidar com o aplicativo, apenas com a quantidade de conversas que eles enviam, considerando que os alunos interagem entre eles, e tive que chamar atenção, senão o grupo viraria uma bagunça, o que impossibilitaria um melhor acompanhamento pedagógico da minha parte. Eu estou administrando cinco grupos referentes as turmas que leciono. Essas ações estão provocando mudanças na minha vida, até internet na minha casa eu tive que instalar, antes usava apenas dados móveis. Considero relevante nesse contexto o uso das tecnologias, mas sinto falta do chão da minha sala de aula (P5, 2020).

No relato da P5, é possível perceber as mudanças que o contexto da pandemia impôs à prática docente, ressaltando a necessidade de adaptação tanto por parte dos alunos quanto dos professores. Outros fatores relevantes são a organização didática do professor no virtual e o controle das interações no grupo, considerando os padrões de conduta e objetivando um espaço propício para a aprendizagem; para que isso ocorra, faz-se necessário filtrar o tráfego de mensagens consideradas irrelevantes, que tendem a dificultar a leitura do material que realmente importa.

No âmbito do Ensino Fundamental, dentre os professores participantes do estudo, apenas o P6 e o P7 sinalizaram o uso do Google Classroom, além do uso do aplicativo WhatsApp.De acordo com esses professores, a plataforma virtual da sala de aula no Google é repleta de ferramentas disponíveis, sendo que eles estão em fase de adaptação em relação ao uso do espaço digital para fins educacionais.

O P6 é licenciado em História e atua nas séries iniciais e finais do Ensino Fundamental e, diante do uso dos cenários virtuais durante a pandemia, relatou:

Disponibilizo os links ou os códigos de acesso a sala virtual nos grupos de WhatsApp das turmas. Na sala do Google, anexo atividades, vídeos, questionários. Mas, ainda estou me adaptando a esse contexto, os alunos interagem, ainda é pouco, muitos estão ficando de fora, porque não tem recursos pra todos (P6, 2020).

Nessa mesma perspectiva, a P7 também enfatizou a precariedade do acesso à internet por parte dos seus alunos, relatando que “fica difícil incluir os que não têm acesso a rede, e isso me desmotiva como professora, ensinar a minoria” (P7, 2020).

Vale ressaltar que em alguns casos, a família tem apenas um dispositivo móvel para todos os integrantes da casa, e em outras com mais de um filho estudanto no mesmo horário. Com isso, mesmo com acesso a rede fica difícil atender a todos em alguns momentos. Além disso, a internet em Jeremoabo é via rádio, e com o inverno, o sinal da rede fica oscilando.

Mediante o exposto, faz-se necessário também destacar as especificidades de cada etapa do Ensino Fundamental; no caso das séries iniciais do 1º ao 5º ano, por exemplo, as ações desenvolvidas nos cenários virtuais ocorrem de forma sistemática, mas com o número reduzido de professores, considerando que a grade curricular dessa etapa no município contempla apenas 6 componentes curriculares, enquanto nas séries finais, do 6º ao 9º ano, são ofertados 10 componentes.

Outro fator relevante é que nas séries iniciais o trabalho pedagógico está centrado no processo de alfabetização, assim como no desenvolvimento motor, cognitivo e social do aluno. Já os anos finais exigem um nível maior de maturidade e apresentam conteúdos mais complexos que servirão de base para os saberes e as experiências que serão desenvolvidos no Ensino Médio, o que requer do professor adaptações nas estratégias metodológicas, a fim de proporcionar uma aprendizagem significativa.

Constata-se que diante dos relatos dos professores das escolas municipais, é possível notar que o processo de ensino e aprendizagem no contexto da pandemia de COVID-19 está sendo direcionado significativamente para os alunos e professores que dispõem de acesso à rede, excluindo do processo educacional (pelo menos até o momento) os alunos pertencentes às famílias de baixa renda, que não dispõem de conexão via wi-fi ou, sequer, possuem dispositivos móveis.

Ensino Médio

Essa etapa compreende o último ciclo da Educação Básica cuja finalidade é o aprofundamento dos saberes adquiridos no Ensino Fundamental, assim como a formação do cidadão para o mundo do trabalho e a preparação do aluno para etapas posteriores à vida escolar, como, por exemplo, realização de vestibular e preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), oportunizando, assim, o acesso ao Ensino Superior.

No âmbito da pandemia de COVID-19, os professores e alunos do Ensino Médio também estão tentando driblar essa situação do distanciamento físico através do uso das tecnologias digitais e das interfaces interativas da web (cenários virtuais). Do total de entrevistados, apenas três estavam lecionando nesse nível de ensino, os professores P8, P9 e P10, que, apesar de trabalharem em escolas distintas, carregam algo em comum: lecionam na área de Linguagens e suas Tecnologias, com os componentes curriculares Língua Inglesa e Língua Portuguesa, além da formação inicial em Letras.

Dentre os cenários virtuais utilizados por esses professores, podemos destacar os aplicativos WhatsApp e Instagram e a interface Classroom,todas essas plataformas permitem a criação de páginas ou grupos abertos ou privados, de acordo com o objetivo de interação entre os usuários. O P8 relatou que em meio à pandemia:

Passei a utilizar as ferramentas digitais como alternativa, antes utilizava apenas como rede social mesmo, e percebi o potencial da rede para o ensino, mas somente com o coronavírus. É um avanço em relação a implementação das tecnologias digitais na escola, apesar da minha pouca formação na área tecnológica, mas é algo que não atinge a todos, infelizmente esse padrão educacional não é para todos. Estou utilizando WhatsApp e o Instagram, muitos dos meus alunos já estavam nessas redes sociais, mas não são todos, escolhi essas ferramentas porque eu já as utilizava antes (P8, 2020).

O P9 e o P10 estavam utilizando tanto o WhatsApp, para compartilhamento de conteúdo, quanto o Classroom, e a escolha do cenário virtualpara cada turma dependia do grau de interação e conexão dos alunos com a internet, considerando que o Classroom exige uma conexão mais estável do que o próprio WhatsApp. Nessa perspectiva,oP10 relatou que não sentiu dificuldades em lidar com essas ferramentas, pois já as utilizava no ensino privado, ressaltando que a dificuldade no ensino público está na acessibilidade do aluno a essas ferramentas e no acesso precário à internet. Já o P9 relatou o seguinte:

As minhas aulas durante a Pandemia estão ocorrendo por meio do aplicativo Classroom, lá eu posto atividades produzidas no Word, assim como arquivos em pdf, vídeos, links, eles têm acesso a essas informações e materiais. Solicito uma atividade, seja pra responder um questionário ou elaborar um texto dissertativo argumentativo (...). A preocupação que tenho é se os meus alunos estão conseguindo acompanhar esse processo educacional a distância de forma significativa. Em relação as dificuldades tecnológicas no manuseio das ferramentas, foram poucas, o maior obstáculo até agora está sendo conseguir chegar virtualmente aos alunos da zona rural, muitos não têm acesso a internet (P9, 2020).

O P9, mesmo antes do contexto da pandemia, já mantinha interações em redes sociais com seus alunos, entretanto, segundo o próprio professor, não era com finalidade pedagógica, algo que só foi potencializado a partir do distanciamento físico, e certamente isso pode ter facilitado de alguma forma para que o docente não sentisse dificuldade diante do cenário virtual. Entretanto, como nos demais relatos, a desigualdade social interferiu significativamente no processo de ensino e aprendizagem virtualizado, considerando a escassez no acesso à internet e a indisponibilidade de recursos digitais móveis para os alunos de baixa renda. Diante do exposto, mesmo com todo o empenho por parte dos professores, fica evidente a fragilidade do processo de ensino e aprendizagem no âmbito do Ensino Médio durante a pandemia de COVID-19, prejudicando, principalmente, a preparação do aluno para a realização do ENEM.

Considerações finais

De acordo com os relatos dos professores, é possível considerar que a facilidade de acesso e manuseio dos Cenários Virtuais de Aprendizagem contribui significativamente para a sua exploração no trabalho pedagógico, especificamente no contexto pandêmico com aulas online. Entretanto, a falta de apropriação tecnológica dos professores que não foram formados com o uso das TDIC ainda é um desafio emergente na educação, principalmente neste momento, em que tiveram de se reinventar com a imersão no mundo digital para dar continuidade às atividades letivas.

Apesar das dificuldades e da escassez de formação para o uso das tecnologias digitais, o maior desafio a ser enfrentado pelo sistema educacional no município diz respeito à indisponibilidade de recursos e conexão estável com a internet por boa parte dos alunos matriculados na rede municipal e estadual de Jeremoabo, principalmente os que residem na zona rural e os que pertencem às famílias de baixa renda.

Diante do distanciamento físico, os Cenários Virtuais de Aprendizagem disponíveis na Web,assim como outras plataformas online,são as alternativas mais viáveis para serem utilizadas no âmbito educacional pelos gestores, professores e alunos da referida região, ainda que de forma precária, com a finalidade de dar continuidade ao ano letivo. Entretanto, constatamos que, além da utilização desses recursos para o ensino remoto, é importante que os docentes estejam em constante prática de aperfeiçoamento técnico e pedagógico para poderem lidar melhor com essas tecnologias digitais, interpretando sua linguagem e, ao mesmo tempo, desenvolver propostas pedagógicas inovadoras e de acordo com as necessidades e realidades locais.

Nos relatos dos professores jeremoabenses, o cenário em maior destaque no contexto educacional diante do distanciamento físico foi o aplicativo de troca de mensagens WhatsApp, devido à sua praticidade no uso das funções disponíveis, à facilidade de interação online e ao menor consumo de dados móveis, em comparação com os demais cenários que foram citados nos relatos, como o Instagram, o YouTube e o Classroom,todos esses que também podem ser acessados em computadores ou instalados em dispositivos móveis.

É válido ressaltar, por fim, que mesmo com o contexto educacional sendo (re)configurado devido à pandemia de COVID-19, assim como com a implementação da Cultura Digital proposta na BNCC, a Resolução Municipal de nº 01, de 09 de novembro de 2018, não foi revogada pela Gestão Municipal, como também não houve, até o momento, nenhuma movimentação por parte do Conselho Municipal de Educação (CME) para que essa ação ocorresse, algo considerado preocupante, tendo-se em vista a emergente necessidade do uso das tecnologias digitais para o andamento do processo de ensino e aprendizagem.

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YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005. [ Links ]

2Todos os participantes assinaram o TCLE e estavam cientes dos possíveis riscos oriundos de uma pesquisa científica, além de cederem ao pesquisador o uso dos dados para fins de divulgação da pesquisa no meio acadêmico.

3Página específica de marcas, empresas, blogs,serviçosou outros. Diferentemente das contas pessoais, ela possui algumas funcionalidades a mais e tem como objetivo reunir a comunidade envolvida com o negócio em questão.

4Loja de aplicativo para usuários do sistema Android a partir da Conta Google.

5Loja de aplicativo para dispositivos IOS a partir da Conta Icloud.

6Imagem de grupo de WhatsApp fornecida por uma professora da Educação Infantil, que autorizou o uso da imagem para fins de pesquisa e divulgação no estudo.

7Captura de tela feita com dispositivo móvel smartphone.

8O link do canal no YouTube da P2 tem seu domínio público para fins de divulgação e pesquisa, mas, mesmo assim, solicitamos permissão para o uso da imagem (captura de tela).

Recebido: 11 de Maio de 2020; Aceito: 18 de Agosto de 2020; Publicado: 30 de Junho de 2021

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