Introdução
Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), que fazem parte da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e foram criadas pela Lei nº 11.892/2008, apresentaram um aumento no número de estudantes público-alvo da educação especial (PAEE) nos últimos anos, em decorrência da política de ações afirmativas, entre elas o sistema de cotas, art. 5º da Lei nº 13.409/2016, que incluiu as pessoas com deficiência, decorrente da Lei nº 12.711/2012. De acordo com dados do INEP (2020), a rede federal apresentou índices elevados de crescimento na matrícula de estudantes PAEE em relação a última etapa da educação básica, “percebe-se que as de ensino médio são as que mais cresceram, um acréscimo de 91,7%” (INEP, 2020, p. 43).
Há 38 institutos distribuídos pelos 26 estados e o Distrito Federal que compõem a Rede Federal de EPCT, com cerca de 640 campi distribuídos por todo país, de acordo com o site oficial da Rede Federal de EPCT1. Historicamente os IFs, atuam na perspectiva de instituição de ensino para todos (SCHMIDT, 2010; MATTOS, 2013; ANDRADE, 2014; DALL’ALBA, 2016; MENDES, 2017), e por isso é esperado que os estudantes que demandem tenham o apoio de núcleos que subsidiam questões de acessibilidade e outras relacionadas às diferenças sociais vivenciadas pelas nomeadas minorias.
Em relação aos estudantes do PAEE, prevê-se que nos IFs estes contam com o suporte para orientações e em alguns casos para oferta de serviços majoritariamente pelo Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (NAPNE), oupelo Núcleo de Ações Afirmativas (NAAf).
Os NAPNEs foram idealizados como resultado da Ação TEC NEP, projeto que visou “sensibilizar e conscientizar as instituições da Rede Federal de EPT” (NASCIMENTO et al 2011, p. 03) acerca das questões relacionadas às pessoas PAEE, e envolveu incialmente a realização de quatro seminários regionais com a participação de gestores e servidores em geral dessas instituições (docentes, técnicos, pedagogos, etc.).
Em 2010, o mesmo documento que deu origem ao então programa TEC NEP - Tecnologia, Educação, Cidadania e Profissionalização para Pessoas com Necessidades específicas, denominou a “Ação TEC NEP” cujo objetivo foi “a criação de mecanismos para garantir o acesso, a permanência e a conclusão exitosa de pessoas com necessidades especiais, em cursos promovidos dentro dos espaços formativos da Rede Federal de Ensino.” (DALL’ALBA, 2016, p. 50).
Anjos (2006), Cunha e Silva (2016), Nascimento e Faria (2013), Soares (2015) e Mendes (2017) relatam com detalhes todos os momentos da Ação TEC NEP, desde o que era esperado ao que de fato ocorreu, e trouxeram pontuações sobre dificuldades ao longo do processo. Para eles, embora a Ação TEC NEP não tenha atingido os resultados esperados em sua totalidade, foi consenso que se constituiu o ponto de partida para a criação dos Núcleos de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas (NAPNE).
Os NAPNEs foram criados com o objetivo de garantir “a inserção e permanência de pessoas com necessidades especiais no mercado de trabalho, através da abertura de espaços nas escolas profissionalizantes da rede federal” (ANJOS, 2006, p. 39). Os primeiras registros sobre a implementação desses núcleos nos IFs datam de 2001, no manual do programa TEC NEP. Entretanto, Mendes (2017) pondera haver imprecisão quanto a uma data efetiva. Para Oliveira (2018) o primeiro NAPNE foi o do atual Instituto Federal de Sergipe (IFS), instituído em agosto de 2001.
Assim, os trâmites para criação dos núcleos não foram igualitários em toda rede, como pretendia o Programa TEC NEP, e essa ausência de sincronia refletiu em disparidades na compreensão do funcionamento do núcleo entre os institutos.
Considerando os marcos legais, a resolução CNE/CEB nº 2/2001, instituiu as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, que deliberou em seu parágrafo único do artigo 3º que:
“os sistemas de ensino devem constituir e fazer funcionar um setor responsável pela educação especial, dotado de recursos humanos, materiais e financeiros que viabilizem e deem sustentação ao processo de construção da educação inclusiva” (BRASIL, 2001, p. 1).
Acredita-se que as diretrizes podem ter sido uma das bases que subsidiou a proposta de idealização dos NAPNEs como o “setor responsável pela educação especial” na Rede Federal.
O significado da sigla NAPNE definida pelo programa TEC NEP, de acordo com Nascimento, Florindo e Silva (2013) era “Núcleos de Atendimento para Pessoas com Necessidades Específicas”; e a sigla AAI foi escolhida para nomear as “Assessorias de Ações Inclusivas”. Entretanto nos anais do Seminário Nacional “Programa Tec Nep - Educação, Tecnologia e Profissionalização para Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais”, que ocorreu em fevereiro de 2006, Kátia Barbosa2 denominou NAPNE como “Núcleos de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais”.
Embora o entendimento sobre a sigla gere discordâncias entre os pesquisadores da temática, o objeto do núcleo segue um princípio comum, para Scheilla Abbud Vieira3, “o objetivo principal do NAPNEs é criar cultura de educação para convivência,aceitação da adversidade, para eliminação das barreiras arquitetônicas atitudinais eeducacionais.” (BRASIL, 2006, p.14).
Mesmo com as contradições e desafios que rondaram a criação dos NAPNEs, estes núcleos constituíram-se e mantêm-se até hoje como o setor que realiza um movimento voltado para promover políticas e práticas de inclusão escolar dentro dos IFs.
Bezerra (2018) analisou o processo de escolarização de pessoas com deficiência intelectual no IFRS-campus Caxias do Sul, e pontuou a importância do NAPNE no processo, para ele “a institucionalização desse Núcleo possibilitou o movimento de ações que garantissem a inclusão e a visibilidade dessas ações a partir desse processo de institucionalização” (2018, p. 80).
A Secretaria de Educação Tecnológica (SETEC), através da Diretoria de Políticas e Regulação de Educação Profissional e Tecnológica (DPR), em um documento orientador4 de 2018,definiu o Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (NAPNE) como sendo:
o setor das instituições de educação profissional que articulará pessoas e setores para criar a cultura da "educação para a convivência", aceitação da diversidade e, principalmente, a quebra de barreiras físicas, educacionais e atitudinais impeditivas a permanência, participação e aprendizagem dos estudantes especificados neste documento subsidiário (BRASIL, 2018, p. 17).
Partindo desta definição faz parte das competências do núcleo a articulação de estratégias que desenvolvam o ingresso, a permanência e a saída exitosa dos estudantes PAEE para o ensino superior e/ou para o mercado de trabalho. É importante salientar que em função da quantidade de campis existentes nos IFs, da distribuição territorial do Brasil e de toda sua diversidade cultural e econômica, a atuação e atividades desenvolvidas pelos NAPNEs tendem a ser diversificadas, mesmo o núcleo tendo um objetivo comum.
É inquestionável a importância da atuação do NAPNE para apoiar a escolarização dos estudantes PAEE nos IFs, bem como seu papel de articulador e força motriz para o desenvolvimento de ações em favor da inclusão escolar.Costa (2018) ressalta que:
A importância do NAPNE se dá devido ao seu caráter de ação contínua, em que por meio da presença do núcleo em cada campus das instituições ligadas à rede torna-se possível desenvolver a cultura do ensino para a diversidade e promover as adaptações necessárias para que o aluno com deficiência seja incluído. (COSTA, 2018, p. 47-48)
Estudos de Carlou, (2014), Soares (2015); Mendes, (2017) e Costa (2018) apontaram que os maiores desafios do NAPNE consistem na ausência de estrutura física nos campi e na escassez de recursos humanos e financeiros. Ressaltaram ainda a grande quantidade de demandas existentes no núcleo e a presença de poucos profissionais para executar o trabalho.
Rocha (2016), Mendes (2017) e Bezerra (2018) demonstram que a atuação dos NAPNEs, salvo algumas exceções, não contemplam em sua totalidade o que propôs o programa TEC NEP, e uma das possíveis justificativas reside no fato de que não parece eficaz centralizar toda a responsabilidade pela inclusão escolar dos estudantes PAEE neste núcleo. O caminho viável está no trabalho em colaboração entre todos os profissionais do instituto, em especial a equipe docente, para que juntos possam refletir sobre maneiras de proporcionar um ensino de qualidade para todos os estudantes.
Enfim, o Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (NAPNE),5 tem em sua idealização a responsabilização pela promoção de ações, na maioria dos IFs, para o atendimento dos estudantes PAEE. Por esta razão sua organização no âmbito dos IFs foi tema do presente estudo, que teve como objetivo caracterizar as diferentes concepções sobre a função e as atribuições dos NAPNEs de todo o país, com base em suas resoluções de funcionamento.
Método
Trata-se de pesquisa de campo com caráter exploratório, com delineamento da pesquisa documental, que segundo Gil (2008) assemelha-se muito à pesquisa bibliográfica. Adiferença consiste na natureza das fontes, “a pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico” (GIL, 2008, p. 51).
A coleta de dados pautou-se em buscas por documentos educacionais nos sites oficiais dos IFs e em publicações administrativas, que resultaram em um total de 201 documentos. Para Lakatos os documentos oficiais são a “fonte mais fidedigna de dados. Podem dizer respeito a atos individuais, ou, ao contrário, atos da vida política, de alcance municipal, estadual ou nacional” (LAKATOS, 2003, p.178).
Em virtude de os IFs possuírem natureza jurídica de autarquia, alguns institutos possuíam documentos próprios centrais enquanto outros, que se diferenciavam entre os Campi, demandou a busca de documentos no sítio virtual específico de cada câmpus dos 38 IFs. A consulta foi possível através dos links existentes dentro dos sites oficiais que direcionavam para as páginas associadas, porém nem todos os sites continham informações almejadas.
Em algumas instituições, os conteúdos presentes nos documentos eram relacionados desde o funcionamento dos NAPNEs, até as orientações para o Planejamento Educacional Individualizado do estudante. Uma diversidade de documentos e normativas não é comum a todos os IFs, porém, tendo como base o objetivo desse estudo, foram selecionados para esse artigo exclusivamente os documentos sobre o funcionamento do NAPNE. Como critério de inclusão, para seleção foram consideradas as Diretrizes Regulamentadoras, os documentos oficialmente reconhecidos como sendo dos IFs, por meio de papel timbrado e/ou assinado por um representante legal.
Esta pesquisa respeitou a Resolução nº 510/16 do Conselho Nacional de Saúde, o projeto de pesquisa foi submetido à análise do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos, com CAAE: 96942718.0.0000.5504.6
A interpretação dos dados foi desenvolvida por meio da análise do conteúdo, a partir da classificação e indexação das categorias de Bardin (1977). Alguns procedimentos da análise documental se aproximam dos adotados pela análise de conteúdo, sendo a maior semelhança o formato do tratamento dos dados. Segundo a autora, “o objetivo da análise documental é a representação condensada da informação, para consulta e armazenagem” (BARDIN, 1977, p. 46), porém na análise documental há a ausência de inferência.
Neste estudo aprofundou-se as análises e discussões com foco na compreensão do funcionamento dos NAPNEs com relação aos estudantes PAEE, bem como inferências sobre quais eram pressupostos de inclusão escolar subjacentes às diretrizes desses núcleos.
Todos os documentos encontrados foram organizados durante a pré-análise em pastas com o nome de cada instituto federal, Gil (2008) explica que a pré-análise consiste na fase de organização, onde se inicia o primeiro contato com o material através da leitura flutuante e a partir desta organização “procede-se à escolha dos documentos, à formulação de hipóteses e à preparação do material para análise” (GIL, 2008, p. 152).
Foram excluídos documentos encontrados que não faziam referência aos estudantes PAEE, cartilhas, revistas e folders informativos sobre educação especial e/ou inclusão escolar, relatórios de atividades dos NAPNEs, documentos com duplicidade e manuais de caracterização dos tipos de deficiência. Salienta-se que os documentos mais encontrados foram as resoluções de funcionamento dos NAPNEs, e que foi escolhida para análise uma resolução de cada IFs, resultando em 36 resoluções do NAPNE ao total7, a escolha se deu de forma aleatória. As demais resoluções foram desconsideradas.
A análise das resoluções dos NAPNEs se deu a partir da indexação dos dados e resultou em quatro categorias, criadas a partir das convergências de informações apresentadas nos documentos após a análise inicial do conteúdo.
Resultados
A análise das resoluções dos NAPNEs demonstrou entendimentos diversificados por parte dos IFs sobre o funcionamento do núcleo, tais questões variaram entre pontos como: definições do significado da sigla, público-alvo a ser atendido pelo núcleo, profissionais atuantes e as atribuições deles, e vinculações internas estabelecidas. Apresenta-se a seguir cada categoria.
Terminologias para sigla NAPNE
Durante a coleta de dados foram encontradas nove terminologias diferentes para a sigla NAPNE nos IFs, inclusive, mais de uma denominação para campi diferentes de uma mesma instituição, como ilustra o Gráfico 1.

Fonte: Dados da pesquisa (2018/2019).
Gráfico 1 Nomenclatura das siglas dos NAPNE nos seus respectivos IFs
A definição do significado da sigla não foi unânime, e essa diversidade na terminologia do núcleo foi encontrada também na literatura, cujos termos identificados foram: “Núcleos de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais” (NAPNE), (COSTA, 2011; BORTOLINI, 2012; SILVA, 2015; SOARES, 2015; DALL’ ALBA, 2016; GONÇALVES, 2017;). “Núcleos de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais” (NAPNEE) (MENDES, 2013), “Núcleo de Atendimento à Pessoa com Necessidades Educativas Especiais” (NAPNE) (ANJOS, 2006), “Núcleos de Apoio as Pessoas com Necessidades Específicas" (NAPNE) (JACY, 2010);CARLOU, 2014), além de “Núcleos de Acessibilidade às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas" (NAPNE); (RAMOS, 2016; MACEDO, 2017); “Núcleos de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais” (NAPNE) (OLIVEIRA, 2018) e “Núcleo de Atendimento a Pessoa com Necessidade Específica” (NAPNE) (Silva, 2014).
O entendimento da vogal A associada ao termo “Atendimento” está presente em 76% das resoluções analisadas, enquanto o entendimento de A como “Apoio” encontrada nos demais 24%. Problematiza-se se a diferença entre as palavras Atendimento e Apoio na definição da sigla tinha relação direta com a atuação proposta por estes núcleos e o papel destes em relação ao ensino.
Será que a adoção do termo o “(A)tendimento” entendem que faz parte de suas atribuições realizar o Atendimento Educacional Especializado (AEE) e que para isso necessitariam instituir esse setor com os recursos materiais e humanos? Ou será que compreendem que compete ao núcleo realizar “(A)poio” aos professores, por exemplo, sem a intervenção direta entre professor de AEE e estudante? Ou será que o atendimento mencionado seria distinto do que está previsto no AEE? Ou ainda, se tem o entendimento que o papel do AEE nos IFs seria de responsabilidade dos NAPNEs? É possível ainda que essas denominações não possuam nenhuma relação com o funcionamento dos NAPNEs, sendo tão somente um reflexo da ausência de comunicação que houve na época de suas implementações?
A análise das resoluções evidenciaram que o significado da vogal E, contida na sigla NAPNE aparece como referente à necessidade educacional ser (E)specífica ou (E)special não tem relação direta com o público assistido pela maioria dos núcleos, pois entre as 19 resoluções que delimitavam como público-alvo de suas ações os estudantes PAEE, somente as resoluções do IFFAR e do IFPE não apresentavam a palavra Específicas em suas siglas sendo: Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais e Núcleo de Apoio às Pessoas com Deficiência, respectivamente. O IFES usava o termo necessidade educacionais especiais, porém em suas portarias de composição do núcleo apresentava a expressão necessidade específica, mais uma vez trazendo questionamentos se essas diferenças na nomeação corresponderiam a mudanças de concepções, ou se seriam termos utilizados como sinônimos.
O processo inverso ocorreu com o IFF que se apresentou como Núcleo de Apoio as Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais - NAPNEE, mas definia como público a ser assistido, além dos estudantes PAEE, os estudantes com transtornos de aprendizagem.
Público-alvo assistido pelo NAPNE
Para subsidiar a reflexão sobre quem fazia parte do público-alvo assistido pelo NAPNE e se existia alguma associação disso à terminologia adotada, analisou-se a delimitação do público contida em cada documento. Constatou-se que em 89% das resoluções adotavam a terminologia “necessidades específicas”, em contrapartida, somente 11% delas apresentaram relação direta a pessoas com necessidades especiais.8
No que se refere ao público-alvo atendido pelos NAPNEs, não se identificou o mesmo entendimento em todos os núcleos. Enquanto existia NAPNE que se referia ao público definido pelo Decreto 7.611/2011 (BRASIL, 2011), outros se destinavam ao atendimento/apoio de um grupo mais abrangente de estudantes.
Os dados apontaram que, entre as 36 resoluções analisadas, 17% não especificavam o público-alvo assistido. Entre o universo de 30 resoluções que especificavam, 37% adotavam uma definição de público ampliado e 63% delimitavam o público a ser assistido a estudantes público-alvo da educação especial, definido pelo Decreto 7.611/2011 (BRASIL, 2011).

Fonte: Dados da pesquisa (2018/2019).
Gráfico 2 Público-alvo assistido pelos NAPNEs nos seus respectivos IFs
Nascimento e Portes (2016) defendem que as ações desenvolvidas pelo NAPNE devem abranger um público amplo de estudantes, entre eles com “distúrbios de aprendizagem, transtornos (globais do desenvolvimento e psiquiátricos), anciãos em situação de vulnerabilidade educacional” (NASCIMENTO; PORTES, 2016, p. 83). Todavia, a análise das resoluções apontou que a posição não foi unanimidade entre os IFs, sendo que a maioria dos núcleos entende que a atuação deve ser restrita aos estudantes PAEE.
Sobre a ampliação do público a ser assistido pelo NAPNE realizada por alguns IFs, salienta-se os desafios da proposta, tendo em vista que nem mesmo o grupo já definido pelo Decreto 7.611/2011 (BRASIL, 2011) tem seu direito a acessibilidade assegurados, como afirma Lisboa (2017):
Conforme avaliação dos Coordenadores dos NAPNEs, este Núcleo, embora seja a estratégia de implantação da Política do AEE, não apresenta as condições estruturais e de funcionamento para cumprir adequadamente o ofício para o qual foi criado, uma vez que a instituição deixa de priorizar algumas ações importantes para efetivação das atividades do Núcleo (LISBOA, 2017, p. 83).
Sobre as diversas definições para sigla de um núcleo com idealização inicial única, e a diversidade no entendimento de quem compõe o público-alvo a ser atendido pelo núcleo, Rocha (2016) afirma que: “O que se pode observar é que, mesmo existindo uma indicação geral, a definição dos NAPNEs, no contexto dos Institutos Federais, está muito mais vinculada à concepção própria do instituto do que às próprias indicações legais” (2016, p. 115).
Profissionais que compõem os NAPNEs
Em relação a composição dos NAPNEs nos documentos analisados, o gráfico 3 demonstra os profissionais citados nas resoluções. O quantitativo ao lado de cada profissão refere-se à quantidade de resoluções que fizeram menção aos profissionais.
Os marcos regulatórios, majoritariamente, apontavam que o núcleo deveria ser constituído por um coordenador e uma equipe multiprofissional que a SETEC denominou de membros. As resoluções analisadas apontaram com maior frequência como integrantes: docente, pedagogo, técnico administrativo, psicólogo, discente e assistente social. Bortolini (2012) define quem são os agentes integradores do NAPNE, a saber:
O NAPNE possui um coordenador que é designado por portaria do Diretor-geral e pode estar apoiado por outros profissionais, como sociólogos, psicólogos, docentes, técnicos e também por alunos bolsistas ou estagiários ou ainda por ações de voluntariado, inclusive de pais de alunos. (p. 56)
No contexto da pesquisa, a definição de coordenador do NAPNE não foi única em todos os campi, pois alguns IFs entenderam que para ter um coordenador fazia-se necessário que a função fosse gratificada, o que não ocorria nos NAPNEs, pela justificativa que não havia recurso financeiro destinado para tal. e, por este motivo, alguns IFs optaram por ter somente representantes, como é o caso do IFSP.
Em janeiro de 2022 foi publicada a portaria de nº 44/2022 do Ministério da Educação para os IFs que redistribuiu o repasse financeiro para o pagamento das gratificações dos profissionais que atuavam nos NAPNEs. De acordo com o documento as:
Funções Gratificadas de que trata o caput são destinadas à estruturação dos Núcleos de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas - Napnes ou equivalente, instituídos nas unidades de ensino (Campi e Uned) dos Institutos Federais, dos CEFETs e do Colégio Pedro II. (BRASIL, 2022, p.1)
Embora a ausência da gratificação não seja o único desafio enfrentado pelo NAPNE, a garantia dela é um avanço para o desenvolvimento das políticas públicas no núcleo que exigem coordenação de ações e pessoas.
Com menor frequência foram encontradas referências ao “ledor” (IFPB e IFRR), “guia-intérprete”, “instrutor de Libras” (IFPE), “cuidador” (IFPB e IFSERTÃO-PE), “alfabetizador de jovens e adultos” (IFPB) e “monitores/tutores/bolsistas” (IFF, IFPA, IFPB e IFTO), “fonoaudiólogo” (IFF e IFRJ), “médico” (IFRR e IFSERTÃO-PE), “nutricionista” e “odontologista” (IFBAIANO, IFMG e (IFNMG), além da menção ao terapeuta ocupacional (IFRJ). Os profissionais que compunham cada NAPNE possuíam as particularidades do quadro de servidores de cada instituição, com alguns cargos herdados da instituição anterior que originou os institutos em cada estado.
O “professor de educação especial” foi encontrado nas resoluções do IFAP, IFBA, IFBAIANO, IFC, IFFAR, IFPA, IFRO e IFRJ, ressalta-se que a presença do cargo nas resoluções é um indicativo da presença do profissional na instituição, mas não uma regra. Guimarães, Santos e Vilaronga (2021) ao analisarem editais de concursos para professor de educação especial nos IFs encontraram doze IFs que ofertaram vagas para o cargo e assim asseguraram a presença do professor com formação em educação especial na instituição educativa como prevê a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008a).
Considerando a ausência do docente de educação especial na maioria dos IFs, questiona-se como é possível desenvolver as ações que o NAPNE se propõe a realizar, sem a institucionalização legal de um professor da área no setor. Sobre os professores de AEE no IFs, Guimarães (2021) relata que “a maioria dos códigos de vaga para docentes destinados à Educação Especial, foram consequência de imposição do Ministério Público Federal” (Guimarães, 2021, p. 71). A dificuldade em ter professores efetivos de educação especial nos IFs também foi apontada por Mendes (2017), segundo a qual grande parte dos IFs atuava com profissionais contratados em regime temporário.
Embora o professor de educação especial não seja o único responsável pela implementação da política de inclusão escolar ou pelo funcionamento do NAPNE, torna-se inviável pensar em desenvolver um ensino para todos sem a presença deste professor e dos demais profissionais da área da educação especial nos campuses do IFs, coadunam deste entendimento Sonza, Vilaronga e Mendes (2020).
A existência do Núcleo, entretanto, no contexto da educação básica, profissional e tecnológica, não pode suprimir a necessidade e a garantia legal que os estudantes possuem de contar com os outros Serviços de Apoio da Educação Especial, sendo eles o AEE, o Tradutor Intérprete de Libras, Audiodescritor, ledor, equipe multidisciplinar, dentre outros (SONZA; VILARONGA; MENDES, 2020, p. 19-20)
De acordo com Zerbato, Vilaronga e Santos (2021), compete ao professor de AEE em colaboração com os demais docentes e profissionais que atuam junto ao NAPNE, pensar e implementar coletivamente as estratégias de apoio e suporte individuais necessárias a cada estudante PAEE do campus. As autoras ressaltam “a importância e a colaboração desse profissional no contexto das avaliações institucionais, discussões dos casos nas reuniões do NAPNE e nas reuniões pedagógicas dos cursos, bem como nas parcerias com os demais profissionais” (ZERBATO, VILARONGA; SANTOS, 2021, p.328)
As resoluções apontaram que os NAPNEs consideravam relevante a composição de uma equipe com diferentes profissionais, e os resultados demonstraram membros que compunham os NAPNEs de alguns IFs, mas, que não necessariamente, integravam o grupo de profissionais da educação, pois se referiam a profissionais de outras áreas.
Os dados da pesquisa de Lisboa (2017) apontaram que, entre as dificuldades apresentadas pelos coordenadores dos NAPNE, uma das principais consistiu na ausência de membros para atuar junto ao núcleo e quando havia profissionais dispostos a colaborar nas ações, muitas vezes, estes não possuíam destinação de tempo dentro de sua carga horária para tal.
Vinculação institucional dos NAPNEs
Não foram encontrados indícios de que havia uma regulamentação em nível de SETEC/MEC que especificasse um setor único ao qual o núcleo deveria ser subordinado. Ao todo, foram identificados 22 setores diferentes aos quais os NAPNEs estavam vinculados. Os institutos IFAC, IFB, IFBAIANO, IFCE, IFES, IFF, IFGOIANO, IFMS, IFNMG, IFRN, IFRR, IFRS e IFSULDEMINAS possuíam vínculo exclusivo com os campis.
Quadro 1 Vinculação dos NAPNE nos Campus9
Pró-Reitoria de Extensão | IFAM, IFCE, IFPI, IFRS |
Pró-Reitoria de Assistência Estudantil | IFAC, IFPA |
Diretoria Acadêmica | IFBAIANO |
Direção Geral | IFC, IFES, IFMS, IFNMG, IFPE, IFRJ, IFRN, IFSERTÃO-PE, IFSP |
Diretoria de Ensino | IFAL, IFFAR, IFGOIANO, IFMA, IFMG, IFMT, IFPB, IFRO, IFRR, IFS |
Diretoria de Desenvolvimento Educacional | IFSULDEMINAS |
Diretoria de Ensino, Pesquisa e Extensão. | IFB, IFSC |
Diretoria de Políticas Estudantis | IFF |
Gerência Educacional | IFSP |
Fonte: Dados da pesquisa (2018/2019).
Os institutos IFAM, IFPR, IFSULDESTEMG, IFTM e IFTO apresentaram vínculo somente com a reitoria, enquanto 17 IFs apresentaram dois tipos de vinculação hierárquica (uma junto ao campus e outra junto à reitoria), como foi o caso dos IFAL, IFAM, IF8, IFFAR, IFMA, IFMG, IFMT, IFPA, IFPB, IFPE, IFPI, IFRJ, IFRO, IFS, IFSC, IFSERTÃO-PE e IFSP.
Quadro 2 Vinculação dos NAPNE junto a Reitoria
Coordenação de Ações Inclusivas (CAI) | IFAL, IFFAR, IFPA |
Coordenação de Assistência Comunitária e Ações Inclusivas | IFAM |
Coordenação Geral de Assistência Estudantil (CGAE) | IFSUDESTEMG |
Coordenação de Políticas Inclusivas da Pró-Reitoria de Extensão | IFPE |
Coordenação de Educação Inclusiva da Pró-Reitoria de Ensino | IFMT |
Coordenação de Educação Inclusiva e Diversidade (CEID) | IFTO |
Coordenadoria de Ações Inclusivas da Diretoria de Projetos Especiais (DPE) | IFSP |
Coordenadoria de Apoio às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (CAPNES) | IFMA |
Núcleo de Ações Inclusivas | IFG |
Pró-Reitoria de Ensino, à Coordenadoria de Inclusão e Assuntos Estudantis. | IFSC |
Pró-Reitoria -Setor de Políticas Inclusiva | IFMG, IFSERTÃO-PE |
Pró-Reitoria de Desenvolvimento Humano e Social | IFC |
Pró- Reitoria de Ensino | IFPB, IFPR, IFPI, IFRJ, IFRO, IFS, IFTM |
Fonte: Dados da pesquisa (2018/2019).
Para Lisboa (2017) as divergências entre os NAPNEs se dão pelo tamanho continental que o nosso país possui, bem como pela forma que os núcleos foram constituídos. O fato da ação TECNEP não ter se tornado uma política pública com financiamento e acompanhamento da implementação, pode ser apontado como um dos fatores pelos quais alguns IFs implantaram seus NAPNEs há mais de 15 anos e outros mais recentemente, enquanto há IFs que até os dias de hoje ainda não possuem o referido núcleo em efetivo funcionamento. Também se ressalta o período de expansão dos IFs, que possuam campi com datas distintas de inauguração.
Enfim, o fato é que isso resultou em diferentes tipos de atuação do NAPNE e na importância de se aumentar os registros de ações para inclusão escolar dos estudantes PAEE. Acerca disto, Mendes (2013), pontua que “Ainda que essa importante ação de criação do NAPNEE tenha ocorrido, a sua implantação não se encontra sedimentada, seja por necessidade de profissionais, seja pela dificuldade de se encontrar espaço físico disponível” (MENDES, 2013, p. 71).
A maioria dos NAPNEs espalhados pelo Brasil necessita de uma melhor estrutura, tanto física, quanto de recursos humanos e financeiros, para que possa desenvolver os objetivos aos quais se propõem (SONZA; VILARONGA; MENDES, 2020). Por suas características de funcionamento que envolvem ensino, pesquisa e extensão, os IFs não são contemplados com políticas de capacitação, estímulo e financiamento assegurados para educação básica pelo Decreto nº 7.611/2011 (BRASIL, 2011), o que dificulta a atuação do núcleo.
A ausência e inadequação de espaços físicos adequados para oferta do AEE também são demonstradas na pesquisa de Guimarães (2021), para a autora:
A terminologia adotada para esses espaços difere de um Instituto para outro, como também a acessibilidade física, a composição dos materiais para o público atendido. As salas para realização do AEE na maioria não estão adequadas.(GUIMARÃES, 2021, p. 112).
Ressalta-se a relevância de se compreender a organização e o funcionamento dos NAPNEs junto aos IFs, bem como, o contexto de atuação dos profissionais no setor. De acordo com Lisboa (2017), para que fosse possível melhorar essa prestação de serviço e o trabalho do NAPNE, os coordenadores do núcleo sugerem “a adoção de um fluxo de atendimento, reuniões periódicas da equipe para planejamento, atendimento individualizado e acompanhamento sistemático durante toda a trajetória acadêmica” (LISBOA, 2017, p. 98).
Considerações finais
A análise das resoluções dos NAPNEs evidenciou a ausência de uniformização no entendimento e constituição dos núcleos entre os diferentes IFs, sendo que essa diversidade pode ser o resultado do processo histórico de implementação dos núcleos e/ou da grande alternância de membros no setor.
Não foram obtidos dados que pudessem definir uma razão específica para isso, todavia o questionamento que perdura é se essas diferenças ocorreram devido a autonomia dos NAPNEs ou da ausência de diretrizes de um órgão maior. Ao que se refere à formação continuada para os membros do núcleo, as resoluções não apresentavam informações suficientes para responder esta questão.
Quanto ao público-alvo assistido pelo NAPNE, pontua-se que além dos estudantes PAEE, há um quantitativo expressivo de NAPNEs que atuam junto a estudantes com transtornos de aprendizagem. É necessário refletir com cautela sobre este fato, pois os dados evidenciaram que uma minoria dos IFs possuía as condições necessárias para o atendimento/apoio com qualidade dos estudantes PAEE, o que fortalece o entendimento que o núcleo não pode ser o único serviço oferecido para os estudantes. Entretanto, na insuficiência de uma política institucional mais eficaz, a existência de um núcleo, por mais precário que seja, acaba recebendo toda a demanda institucional de alunos que requerem apoios. A discussão de se, o núcleo deve ampliar ou restringir seu público-alvo deve passar pela questão do quanto de financiamento ele receberá, pois, quanto maior a clientela, maior deve ser o orçamento e o quantitativo de pessoal.
Em relação aos membros do núcleo há uma grande variação, porém ressalta-se a necessidade de contratação de professores efetivos para Educação Especial e de outros profissionais com formação em educação especial, para que se amplie a colaboração e as possibilidades de apoio. Aqui a questão que se coloca é da necessidade de que o núcleo tenha profissionais qualificados e efetivos para atuar no núcleo, caso contrário sempre haverá rotatividade, precarização e descontinuidade da política institucional.
Outro ponto de destaque, que parece estar na base dos desafios, pode estar centrado na definição de se o núcleo deve apoiar diretamente os estudantes, e aqui a demanda por mais profissionais e mais recursos, vai ser perene; ou ao contrário, o núcleo deve dirigir seu apoio à instituição, no sentido de contribuir para ampliar sua capacidade de responder mais adequadamente a diversidade dos alunos.
Conclui-se, portanto, que na maioria dos IFs, o NAPNE se trata de um núcleo com recursos humanos, materiais e financeiros restritos, que não recebe o suporte necessário para desenvolver suas ações, mas que, ainda assim, buscam dentro de suas limitações, implementar ações individuais e coletivas direcionadas aos estudantes PAEE e à disseminação de informações relacionadas à inclusão escolar nos institutos