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Contrapontos

versión On-line ISSN 1984-7114

Contrapontos vol.19 no.1 Florianopolis ene./dic. 2019  Epub 10-Abr-2019

https://doi.org/10.14210/contrapontos.v19n1.p49-68 

Artigos

O ESTÁGIO EM EMPRESAS FLEXÍVEIS: PERSPECTIVAS PARA ALÉM DA PEDAGOGIA FABRIL

THE INTERNSHIP IN FLEXIBLE INDUSTRIES: PERSPECTIVES BEYOND MANUFACTURY PEDAGOGY

LAS PRÁCTICAS EN EMPRESAS FLEXIBLES: PERSPECTIVAS MÁS ALLÁ DE LA PEDAGOGÍA FABRIL

Ana Paula Furtado Soares PontesI  * 

IDepartamento de Habilitações Pedagógicas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, PB, Brasil.


Resumo:

O artigo analisa a pedagogia fabril desenvolvida pelas empresas flexíveis no âmbito do estágio de estudantes de uma instituição federal de Educação Profissional. A pesquisa, de cunho qualitativo, foi desenvolvida a partir de entrevistas e envolveu, na instituição, estagiários, supervisores e a coordenadora de relação escola-empresa, e nas empresas, supervisores de estágio. Os resultados apontaram que a pedagogia fabril prioriza o comportamento compatível com o processo industrial implementado, em meio a situações reais e ritmos próprios da produção. Os estagiários são envolvidos em um processo de (con)formação mais precocemente do que os funcionários, muitas vezes, expostos à exploração e ao assédio. Em nossas conclusões, destacamos a necessidade de a instituição educativa propiciar situações que ponham em xeque a pedagogia fabril e de assumir o estágio como instância de formação sob sua responsabilidade, comprometida com a humanização.

Palavras-chave: Estágio; Curso técnico; Pedagogia fabril

Abstract:

This article analyzes the manufactury pedagogy developed by flexible industries within the internship of students of a federal institution of Professional Education. The research of qualitative nature was developed from interviews involving, at the institution, trainees, supervisors and the coordinator of the relationship school-enterprise and, in companies, internship supervisors. The results show that the manufactury pedagogy prioritizes the development of the behavior compatible with the industrial process implemented in real situations and proper production rhythms. Interns are involved in a process of relay/training earlier than the employees, often exposed to exploitation and harassment. In our conclusions, we stress the need of the educational institution to provide situations that put at risk the manufacture pedagogy, what if the internship as training under its responsibility, compromised with humanization.

Keywords: Internship; Technical Course; Manufactury pedagogy

Resumen:

El artículo analiza la pedagogía fabril desarrollada por las empresas flexibles en el ámbito de las prácticas de estudiantes de una institución federal de Educación Profesional. La investigación, de cuño cualitativo, se realizó a partir de entrevistas, implicando, en la institución, a estudiantes en prácticas, a supervisores y a la coordinadora escuela-empresa y, en las empresas, a los supervisores de prácticas. Los resultados apuntan a que la pedagogía fabril prioriza el comportamiento compatible con el proceso industrial, en situaciones reales y ritmos propios de la producción. Los estudiantes son involucrados en un proceso de (con)formación y explotación más precozmente que los empleados. En nuestras conclusiones, destacamos la necesidad de que la institución educativa propicie situaciones que pongan en jaque la pedagogía fabril, asumiendo las prácticas como una instancia de formación bajo su responsabilidad, comprometida con la humanización.

Palabras clave: Prácticas; Pedagogía fabril; Cursos técnicos

Introdução

Nosso interesse por este estudo surgiu quando tivemos contato com a pesquisa de Kuenzer (1995) sobre como a fábrica capitalista da década de 1980 educava o trabalhador, o que nos revelou a existência de uma pedagogia da fábrica, traduzida em estratégias pedagógicas de que diferentes agentes lançam mão, com o objetivo de transformar o trabalhador em fator de produção.

Segundo Kuenzer (1995), tal pedagogia se manifesta de diferentes formas, quer em suas estratégias administrativas, quer nas formas de organizar, de distribuir e de controlar o saber, dando a direção política, moral e cultural de seus trabalhadores. Entretanto, esse é um processo marcado por contradições de princípios e de práticas.

O objetivo geral de nossa pesquisa foi o de analisar o estágio do técnico de nível médio em empresas flexíveis, com o intuito de desvelar a pedagogia fabril presente nessa experiência formativa. As empresas flexíveis surgem, no contexto da acumulação flexível (HARVEY, 2005), sob a égide da tecnologia flexível (microeletrônica associada à informática, microbiologia e novas fontes de energia). O cenário produtivo é marcado por um novo tipo de organização industrial e pelo uso de máquinas inteligentes, da robótica e de novas formas de gerir pessoas.

Trata-se de um processo de reestruturação produtiva que resulta na incorporação de tecnologias organizacionais e gerenciais, com alterações importantes nas formas de gerir e de organizar o trabalho (uso de mecanismos de integração entre os setores e com os fornecedores e distribuidores; organização mais horizontal; uso do trabalhador polivalente); no processo produtivo (produção flexível e variada em pequenos lotes, por demanda; controle de qualidade integrado ao processo) (HARVEY, 2005).

Segundo Antunes (2012), no Brasil, o processo de reestruturação produtiva se intensificou a partir da década de 1990, mas assumiu formas diferenciadas e foi marcado por elementos de continuidade e de descontinuidade em relação às fases anteriores. Nesse sentido, não é demais considerar que esse fenômeno não acontece de forma homogênea em todos os países, ramos e setores, nem, até mesmo, em uma mesma empresa.

A pesquisa foi desenvolvida segundo a abordagem qualitativa, adequada para trabalhos que envolvem crenças, percepções, sentimentos e valores que influenciam a forma de agir das pessoas e seus comportamentos, que não podem ser conhecidos de imediato e precisam ser desvelados (ALVES-MAZZOTTI, 2002).

Nossa atenção foi o estágio curricular de estudantes dos Cursos Técnicos em Mecânica e Química de uma instituição federal de educação profissional e tecnológica (EPT) do Nordeste, desenvolvido em três empresas conveniadas com a instituição educativa, caracterizadas como flexíveis.

Segundo a Lei nº 11.788/2008, o estágio é um ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, com vistas

[...] à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.

De acordo com a Lei, a exigência do estágio é explicitada na organização curricular e nos planos de Curso de Mecânica e Química, alvo de atenção nesta pesquisa. Essa Lei prevê a necessidade de acompanhamento efetivo pelo professor orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente comprovado em relatórios (BRASIL, 2008).

As empresas campo de estágio pertencem a diferentes ramos de atividade. A primeira, que, em nossa pesquisa, denominamos de Alfa, é do segmento de tintas; a segunda, chamada de Beta, fabrica engrenagens; e a terceira, que chamamos de Gama, fabrica equipamentos para a indústria de cana de açúcar, siderúrgicas e hidrelétricas. Nas três indústrias selecionadas, visitamos os setores produtivos para conhecer seu perfil no que tange às características de seu sistema produtivo, para confirmar sua identificação com o padrão de acumulação flexível e observar suas peculiaridades locais.

Os sujeitos de nossa pesquisa foram entrevistados segundo roteiros de entrevista específicos, que contemplaram aspectos como: perfil de formação do técnico, plano de estágio, rotina de estágio, acompanhamento e avaliação do estagiário e participação em cursos durante o estágio.

Na Instituição educativa, entrevistamos dez estagiários dos Cursos Técnicos de Mecânica e de Química, seus supervisores de estágio e a coordenadora de relação escola-empresa (CIE-E), além de, em cada empresa, dois supervisores de estágio. Quanto à lotação dos estagiários, dos cinco de Mecânica, três estagiavam na empresa Beta; dois, nos setores de Manutenção; um, no de Engenharia de Processos, e dois, na empresa Gama - um, no setor de Qualidade/Ferramentaria, e outro, no de Engenharia de Processos. Cinco estagiários eram do Curso de Química - três lotados na empresa Alfa, em diferentes setores: no Laboratório de Desenvolvimento (LD), no Controle da Produção (CP), no Laboratório de Controle de Qualidade (LCQ), e dois, na empresa Beta, na Galvanoplastia/Estação de Tratamento de Efluentes (ETE).

A pesquisa foi desenvolvida por meio da análise de conteúdo (BARDIN, 2009).

O processo iniciou-se com a pré-análise, que é a fase da organização que favorece a sistematização das ideias iniciais para construir um esquema objetivo e confiável para o desenvolvimento do plano de análise. Envolveu a definição dos documentos a serem analisados e dos objetivos e a elaboração de indicadores balizadores da interpretação final. Para tal, constituímos o corpus, ou seja, o conjunto de documentos que foram submetidos ao procedimento: entrevistas transcritas e documentos relacionados aos estágios dos estudantes (planos de estágio, relatórios, termos de compromisso).

Optamos por não formular hipóteses previamente e privilegiamos procedimentos exploratórios. Partimos das evidências presentes nos textos/materiais e apreendemos as relações entre diferentes variáveis, por meio de um processo dedutivo que suscitou a construção de hipóteses, considerando aspectos relativos às condições de produção dos textos analisados e às relações entre os documentos.

Fizemos a referenciação dos índices (menção explícita de um tema numa mensagem - núcleos de sentido: temas-eixo, acontecimento, documento), sua organização sistemática em indicadores e, depois de preparar o material (tabulação em planilha Excel), passamos a explorar o material (codificação, decomposição e enumeração, a partir da categorização definida). Por fim, procedemos ao tratamento dos resultados. Para isso, construímos quadros, a partir dos quais realizamos a inferência (dedução lógica), buscando pistas que nos possibilitaram conhecer as causas ou os antecedentes da mensagem, seus possíveis efeitos (consequências) e sua interpretação à luz do referencial teórico que embasou nossa pesquisa.

AS INDÚSTRIAS FLEXÍVEIS

No âmbito deste trabalho, não nos propusemos a pormenorizar a caracterização das empresas que pesquisamos como flexíveis, devido ao fato de o formato e os objetivos específicos deste artigo não nos permitirem tal intento. Limitamo-nos, assim, a situar, em linhas gerais, as características das empresas flexíveis.

Segundo Frigotto (2000), na empresa flexível, os processos microeletrônicos possibilitam o acoplamento de máquinas a computadores e flexibilizam sequências de trabalhos, integração de setores, otimização do tempo e do consumo de energia, o que implica uma mudança importante na relação do homem com a máquina.

Salerno (1994) refere que o novo padrão tecnológico requer mudanças organizacionais significativas no que tange à relação entre empresas (acordos cooperativos, compartilhamento de projetos e de capacidades produtivas e aumento de subcontratação), organização geral da empresa (“enxugamento” organizacional, redução de níveis hierárquicos e integração de áreas de projeto e produção), organização geral da produção (redução do tempo de produção, aumento do giro do capital e redução de estoques) e organização do trabalho (revisão de conceitos de tarefa e de postos de trabalho e adoção de novas formas de polivalência).

Tecidas essas considerações iniciais, passaremos a discutir sobre a experiência de estágio de estudantes dos Cursos Técnicos de Química e Mecânica nas três empresas flexíveis alvo de nossa atenção nesta pesquisa, com vistas a apreender a pedagogia fabril revelada nessa experiência formativa.

EMPRESAS FLEXÍVEIS: A PEDAGOGIA FABRIL DESVELADA NO ESTÁGIO DE FORMAÇÃO DO TÉCNICO INDUSTRIAL

As referências sobre a complexa pedagogia fabril refletida no estágio de formação de técnico, nas empresas flexíveis, foram sistematizadas de acordo com os seguintes aspectos: o processo de seleção para o estágio; a preparação inicial dos estagiários na empresa; a rotina de estágio, o acompanhamento e a avaliação do estágio, enfatizando problemas que os estudantes enfrentam e as oportunidades de treinamento a que têm acesso na empresa.

Quanto à seleção dos estagiários, as empresas fazem entrevistas, analisam o histórico escolar e, a depender da área em que o estagiário irá estagiar, é realizado um teste de conhecimentos técnicos ou práticos. Todas as três empresas em questão priorizam a realização de dinâmicas de grupo, com o fim de conhecer o perfil comportamental dos candidatos para efeito de contratação. Segundo Gondim et al (2006), a ênfase que muitos responsáveis por processos seletivos dão às habilidades relacionais (capacidade de comunicação, de negociação, de influência, de solucionar problemas, dentre outras) é justificada porque entendem que elas seriam difíceis de desenvolver, ao contrário das habilidades técnico-motoras, mais fáceis de ser trabalhadas por meio de formações e de cursos de pequena duração.

Em todas as empresas, a destinação do setor em que o estagiário vai atuar é fortemente influenciada por seu perfil comportamental. Assim, as áreas de atuação precisam de um funcionário com determinado perfil que será considerado em sua seleção.

A empresa opta por contratar estagiários porque tem interesse em buscar pessoas para formá-las e moldá-las segundo sua cultura, para evitar a contratação de pessoas com vícios, conforme nos alerta a gerente de Recursos Humanos (RH) da Empresa Beta:

É mais interessante, em algumas situações, eu capacitar essa pessoa e moldá-la à empresa, do que trazer um já pronto, com os vícios de outras organizações. Às vezes, prefiro um estudante para começar com atividades mais simples, para ir fazendo a cultura da empresa [...] (Gerente de RH, Beta).

Assim, para as empresas, o estagiário é considerado importante na medida em que irá ser formado dentro de seus interesses, o que corrobora o que Nathanael (2003) e Ferreira (2003) assinalam em suas pesquisas, que a opção por estagiários está relacionada à perspectiva de que tal experiência formativa, desde cedo, contribui para formar funcionários sem vícios, que vestem a “camisa da empresa”. Ferreira (2003, p.30) acrescenta outra vantagem dessa atitude: "Isso permitirá que, ao longo do tempo, [as empresas] formem um banco de talentos do qual poderão valer-se em suas futuras contratações, reduzindo custos com seleção de pessoal e despesas com anúncios ou agências de emprego”.

De forma similar, Zabalza (2014) refere que uma das maiores vantagens para as instituições e as empresas é o fato de se manter o contato permanente com jovens em formação por meio do estágio. Assim, os estudantes podem conhecer seus processos produtivos e sua dinâmica de funcionamento, e isso dá condições privilegiadas às empresas para selecionar os estagiários mais valiosos a compor seus quadros com baixo custo de formação e socialização.

Em termos de preparação inicial dos estagiários, as empresas realizam o ‘Dia de Integração’ e, posteriormente, encaminham-nos para os respectivos setores, onde recebem orientações gerais sobre as atividades que deverão desenvolver. É importante ressaltar que, nesses setores, a integração dos estagiários é influenciada pelo ritmo da produção, como percebemos na seguinte citação: [...] como eu cheguei na época do pique, não tive, por exemplo, uma explicação: ‘você vai fazer isso, porque isso. Vai fazer isso por causa disso’... (Estagiária1, Química, LCQ, Alfa).

Um estagiário da empresa Beta fez uma importante referência, em que ressaltou que teve uma aprendizagem na integração que extrapolou os limites da mera informação sobre generalidades da empresa. Sua preparação se estendeu por um mês, ocasião em que passou em todos os setores da empresa, devido à importância de tal conhecimento para o setor em que ele passou a estagiar - Engenharia de Processos.

O recurso para o ‘Dia da Integração’ do estagiário na empresa tem o propósito de fazer as primeiras apresentações sobre ela, sua dinâmica e as principais orientações normativas. Entretanto, pudemos perceber que o uso sistemático dessa estratégia depende do momento que cada empresa está passando: se estiver em “pico de produção”, o estagiário pode ser iniciado na produção sem um trabalho estruturado com essa intenção. Assim, ele será situado em seu contexto de trabalho no dia a dia, em meio às situações reais e aos ritmos próprios da produção.

Quanto à rotina do estágio, na empresa Alfa, percebemos que os estudantes atuam em diferentes setores, fazendo tarefas específicas, desde o desenvolvimento de novos produtos e sua melhora até o controle de sua produção e de sua qualidade. Estas, em geral, requerem o domínio de conteúdos técnicos específicos, em termos de conceitos da química e de procedimentos técnicos pertinentes.

No Laboratório de Desenvolvimento, o estagiário é posto diante de situações-problema com diferentes produtos que devem ser melhorados ou desenvolvidos, o que implica um nível de atividade bastante complexa e pertinente à operação, à monitoração e ao controle de processos produtivos na área de pigmentos e de tintas. No Laboratório de Controle de Qualidade, a estagiária desenvolve tarefas de análise de produtos da empresa. Para isso, adota uma rotina de procedimentos previamente determinados que, a despeito de ser pertinente à função do técnico, pressupõe um ritual de trabalho bastante prescritivo.

No controle de produção, a estagiária monitora a produção e envolve-se em um sem número de levantamentos de dados sobre o funcionamento das máquinas e sua produção sem, entretanto, participar da elaboração do relatório e da criação de gráficos sobre os dados coletados.

Ao analisar o plano de estágio do LD e do LCQ da empresa Alfa, identificamos a pertinência das atividades previstas com a formação técnica na área de Química. Entretanto, a vivência do estágio não segue, necessariamente, o total de atividades previstas nele. Percebemos que o cumprimento do plano de estágio também depende do ritmo e do cronograma da produção, porquanto a estagiária de Química do LCQ disse que não teve oportunidade de analisar o produto, e que sua experiência restringiu-se à análise de matéria-prima.

O envolvimento dos estagiários em atividades mais complexas, como a realização de diversas análises químicas, não implica o domínio do conteúdo técnico correspondente, pois constatamos que o ritmo da produção dificulta os estagiários compreenderem o que fazem e o motivo por que fazem. Percebemos, em alguns depoimentos que, devido ao ritmo da produção, nem sempre, os estagiários têm acesso a informações técnicas pertinentes, como mostra esta fala de uma estagiária: “Foi mais a parte mecânica. Às vezes, eu fazia as coisas, mas não sabia o porquê. Perguntava, mas, na correria da produção, não tinham tempo para explicar” (Estagiária 1, Química, LCQ, Alfa).

Para Veiga (2003, p.142), a aprendizagem só se efetiva quando a ação do estudante não se restringe à mera repetição do demonstrado, quando ele passa a questionar “[...] a tarefa a ser realizada como também seu conteúdo, os procedimentos e equipamentos empregados em sua execução”. Dessa forma, converte-se em um agir refletido, que Kuenzer (2003, p.3) explica assim:

[...] um fazer refletido, pensado, o que remete à idéia do movimento do pensamento que transita do mundo objetivo para a sua representação no plano da consciência; ou seja, o pensamento não é outra coisa senão uma imagem subjetiva do mundo objetivo, que constrói a partir da atividade humana.

Podemos perceber que, mesmo envolvido em situações complexas, o conteúdo técnico da atividade desenvolvida pelos estagiários pode ser tratado de forma prescritiva, quando se enfatiza o conteúdo procedimental em detrimento do eixo conceitual e se força uma dissociação da prática de seu conteúdo teórico, esvaziando-se, pois, o conteúdo técnico presente nessas atividades desenvolvidas.

Da mesma forma, percebemos que as atividades da estagiária de controle de produção acabam, de forma similar, sendo comprometidas em seu conteúdo técnico, pois, em que pese a coleta dos dados, e o levantamento dos indicadores de performance implique o domínio de conteúdo estatístico e de cálculos relacionados à área técnica, a estudante não participa de sua análise nem da interpretação e só serve para fornecer dados. Em termos de rotina de estágio, os estagiários de Mecânica, na Empresa Beta, são envolvidos em atividades de setores bem diversos, sempre, também como na Alfa, adequando-se ao ritmo e à necessidade da produção.

Ao analisar o termo de compromisso e o plano de estágio de Mecânica, percebemos que há diferença na natureza das atividades a serem realizadas por estagiários que atuam em diferentes setores. Na área de manutenção (Empresa Beta) e na de ferramentaria (Empresa Gama), são desenvolvidas atividades mais operacionais, como manutenções preventivas e corretivas de máquinas ou operações de serra, plana, solda, inspeção e recebimento de ferramentas, dentre outras. Diferentemente, os estagiários da área de Engenharia de Processos, em ambas as empresas, desenvolvem desenhos de dispositivos de máquinas com o recurso do Autocad, atuando especificamente na área de concepção e de criação.

Percebemos, então, que as atribuições dos estagiários de Mecânica variam, a depender do setor em que estão lotados, e transitam de trabalhos operacionais a trabalhos mais complexos de elaboração de desenhos mecânicos assistidos por computador. No caso das estagiárias de Química da Empresa Beta, ambas são lotadas no setor de Galvanoplastia/ Estação de Tratamento de Efluentes (ETE). Em termos gerais, as ações a serem realizadas deveriam contemplar os cuidados com o tratamento de efluentes da fábrica e o processo galvânico - processos de limpeza química, eletrodeposição, acabamento, dentre outros. Tratava-se, pois, de atribuições previstas na formação do técnico. Entretanto, encontramos problemas com o estágio de uma das estagiárias de Química dessa empresa, que foi acompanhada mais diretamente por uma funcionária do setor. Ela queixou-se de que seu estágio se limitava a atividades eminentemente operacionais na ETE, que não atuou no Laboratório de Galvanoplastia e que deixou de realizar atividades mais diretamente relacionadas à sua área de formação.

Já na Empresa Gama, a rotina a que são expostos os estagiários é muito diferente. Entretanto, eles estão lotados em setores bem diferentes. Na Engenharia de Processos, os estudantes são envolvidos na elaboração de desenhos para a produção de peças solicitadas pelos clientes, e na Garantia da Qualidade, responsabilizam-se pela inspeção da solda, desenvolvendo atividades mais operacionais ou burocráticas.

Nesses termos, a depender do setor em que os estagiários são lotados, eles podem ser colocados diante de situações desafiadoras e estimulantes ou vivenciar experiências pouco enriquecedoras. Assim, a experiência do estágio poderá prescindir de uma formação técnica mais sólida.

Assim, ao analisar as atividades desenvolvidas no estágio pelos estudantes nas empresas flexíveis em questão, percebemos que eles são expostos a rotinas e a situações similares à que enfrentam os funcionários em seus respectivos setores. Entretanto, os estagiários disseram que foram mais expostos a situações rotineiras e de pouca relevância para sua formação do que os funcionários.

Em termos gerais, constatamos que as tarefas que os estagiários desenvolvem nos setores onde estão lotados correspondem à área do estágio - Mecânica ou Química e são mais operacionais no caso de estágio na área de Mecânica, quando se voltam para a atividade de manutenção preventiva ou corretiva. Entretanto, os estudantes poderão se envolver em atividades mais complexas, como em laboratórios e em setores de Engenharia de Processos.

Nesses termos, as referências quanto à rotina do estágio nos reportaram a Kuenzer (1995), que ressaltou que as relações de trabalho na fábrica educam o trabalhador e o situam no sentido de desenvolver um comportamento compatível com o processo industrial implementado. Isso nos possibilita inferir que os estagiários são envolvidos nessa (con)formação de forma mais precoce do que os funcionários da empresa, com o risco de se submeterem a situações precarizadas que vão de encontro à formação de um técnico, o que se pode caracterizar como uma experiência próxima a um emprego disfarçado.

Dessa forma, os estagiários vivenciam essa experiência formativa, que segue uma perspectiva que, por vezes, distancia-se de sua natureza educativa (NATHANAEL, 2006), e eles se envolvem na realidade da produção como qualquer outro funcionário. Tal entendimento pode ser percebido nesta fala da supervisora de estágio da Empresa Beta: [...] tem a pressão pela produção e qualidade do atendimento ao cliente e o ritmo da empresa, é muita pressão, é um corre-corre que o estagiário não está acostumado” (Supervisora de Estágio da ETE/Galvanoplastia, Química, Beta).

Houve estagiários que resistiram a situações que comprometiam sua formação técnica, com destaque para duas situações que envolviam estudantes do sexo feminino. Em um dos casos, a estagiária classificou sua experiência de estágio como desqualificante e que culminou com sua solicitação de rescisão de contrato. Ela relatou que fez tarefas repetitivas e fora de sua área de formação técnica, além de ter sido exposta a situações de riscos de acidentes e problemas de saúde. Sob seu ponto de vista, sua experiência foi sobremaneira degradante e tinha um claro propósito: o de fazê-la entender que era inadequada para a empresa, conforme percebemos em seu relato:

Na ETE, não havia um progresso em relação ao aprendizado de química. Eles aproveitavam o estagiário muito na produção, na montagem de peças de engrenagens. A parte de laboratório foi deixada para trás, foi um desvio de função mesmo, como limpar o chão, essas coisas assim que não cabiam a mim realizar, sem segurança. Eu cheguei a ficar com LER, lesão por esforço repetitivo. Era para mostrar a minha incapacidade de corresponder a eles. Na verdade, estava acontecendo exatamente o contrário, a empresa não estava correspondendo às minhas expectativas (Estagiária1, Química, ETE/Galvanoplastia, Beta).

Para a estagiária, os problemas pelos quais passou tinham origem no fato de seu acompanhamento ser feito por uma colega da área com o mesmo nível de formação (técnico de nível médio), o que a fazia temê-la como uma possível substituta. Entretanto, mesmo relatando os problemas para a supervisora do Setor, nada mudou. Situações como essa foram verificadas por Ferreira (2003), em seus estudos, em que ele chama à atenção para o fato de que, para muitos funcionários, o estagiário é uma ameaça aos seus empregos, razão por que eles tendem a hostilizá-los e a menosprezar sua importância na empresa.

De forma similar, na Empresa Alfa, outros estagiários também apontaram ter enfrentado problemas no âmbito das relações interpessoais. Praticamente, todos se ressentiram de um relacionamento com mais apoio e colaboração, especificamente, da parte do supervisor. Problemas extremos foram relatados por uma estagiária, que denunciou sérios desconfortos no estágio e que chegou a caracterizar tal situação como assédio moral, conforme podemos perceber na transcrição abaixo:

Eu tive muitas chateações, mas também procuro me impor, não é porque ele é chefe, que eu preciso do estágio, que eu vou me rebaixar nem ceder a assédio moral. Ele me intimida, teve uma semana que ele disse: “Sem noção, vem cá!” Eu disse: “Como é chefe? Sem noção, por que sem noção?” Ele desconversou [...] tudo dele é na brincadeira, gosta de me expor ao ridículo (Estagiária 1, Química, LCQ, Alfa).

Diante desses casos, percebemos a que tipo de situações os estagiários estão expostos, o que nos faz refletir sobre os limites de uma formação na empresa, sujeita a toda espécie de idiossincrasias de funcionários e supervisores. Mais ainda nos chama à atenção quando se coloca a problemática de gênero, pois, a julgar pelos depoimentos a que tivemos acesso, as situações com as mulheres se mostraram mais graves.

No caso específico do assédio moral, Oliveira (2015) explica que há uma cultura organizacional que não só tolera como também incentiva posturas negativas no grupo, como o assédio moral no trabalho. Para ele, há, como consequência, mais competição e decréscimo de solidariedade e de confiança entre os trabalhadores. E acrescenta:

Por outro lado, sabe-se que para ocorrer o assédio moral no trabalho pressupõe um desequilíbrio de poder entre as partes, é a incapacidade de retaliação do alvo que permite a ocorrência das agressões sistemáticas. Portanto, qualquer indivíduo em situação vulnerável poderá ser alvo por ser diferente dos demais, como um negro num grupo predominantemente formado por brancos - ou vice-versa -, como mulheres em profissões tradicionalmente masculinas, como estrangeiros ou pessoas de origem malvista pelos demais, e assim por diante. (OLIVEIRA, 2015, p.21-22)

Diante dos relatos, resta às estagiárias e aos estagiários enfrentarem as situações, muitas vezes, sem qualquer apoio da Instituição de EPT, que permanece presa a sua burocracia e às dificuldades operacionais e logísticas. Assim, a instituição fica, em muitas circunstâncias, sem ao menos tomar conhecimento do que os discentes estão atravessando no estágio, e só lhes resta desenvolver estratégias próprias de enfrentamento.

Nesse sentido, trazemos a contribuição de Zabalza (2014), quando defende a importância de se garantir o sentido formativo do estágio. Apesar de o pesquisador focalizar a discussão sobre o estágio na formação universitária, cabe considerar suas contribuições, válidas também para o contexto de nosso estudo. De forma simplificada, Zabalza (2014, p.103) entende que há um duplo âmbito de crescimento formativo dos estudantes com a experiência do estágio:

- A formação orientada ao desenvolvimento profissional, especialmente sensível ao desenvolvimento de competências e habilidades precisas no âmbito de cada carreira ou setor profissional. - A formação orientada para o desenvolvimento pessoal, especialmente sensível ao enriquecimento pessoal dos estudantes em todos aqueles âmbitos que os tornem maduros e cidadãos responsáveis e atentos às demandas da sociedade e dos sujeitos com os quais trabalharão.

Outro aspecto a considerar é que esses âmbitos de formação (desenvolvimento profissional e pessoal), no contexto do estágio dos cursos técnicos de nível médio em questão, devem estar alinhados às perspectivas de formação defendidas nos projetos político-pedagógicos dos cursos, haja vista o estágio ser ato educativo escolar supervisionado sob a responsabilidade da Instituição Educativa.

Em termos de desenvolvimento de práticas inovadoras no estágio, só encontramos iniciativas dessa natureza na Empresa Alfa. São previstas a realização de visitas a outras empresas, a promoção de palestras e, em grupos, os estagiários devem desenvolver um projeto voltado para as necessidades dos diferentes setores da empresa, experiência ainda incipiente, mas que tem sido bem aceita pelos estudantes. Outro aspecto a considerar na pedagogia fabril presente no estágio é a forma como os estagiários são acompanhados e avaliados, bem como os cursos a que tiveram acesso nas empresas.

Na Empresa Alfa, a avaliação é trimestral, ocasião em que o supervisor direto dos estagiários os avaliam, por meio do preenchimento de um formulário próprio que discrimina as competências técnicas/comportamentais a serem observadas, de acordo com as seguintes legendas: 10 - superou as expectativas; 7 - dentro do esperado; 4 - tem potencial e 1- apresentou deficiências em suas atividades.

No formulário de avaliação, a opção pelo uso da “barra” unindo as palavras técnicas e comportamentais deixa transparecer o entendimento de que há uma linha tênue entre essas competências técnicas e as competências comportamentais, o que vai ao encontro da explicação de Zabala (1998) sobre a estrutura de conhecimento: nunca funcionam de modo separado, mas em compartimentos e de maneira integrada.

As competências avaliadas na Empresa Alfa priorizam conteúdos de natureza predominantemente atitudinal, quais sejam: autodesenvolvimento, autocontrole, assiduidade/pontualidade, relacionamento, responsabilidade, motivação, participação/espírito de equipe, iniciativa/interesse, criatividade e disciplina.

A Empresa Beta implementa um sistema rigoroso de avaliação com vistas a uma possível renovação de estágio, por até um ano, ou sua contratação como funcionário. O instrumento utilizado pela empresa para avaliar os estagiários não nos foi disponibilizado. Entretanto, a gerente de RH só fez referências à existência de um processo semestral de avaliação feita pelo supervisor de Estágio e o uso de procedimentos avaliativos específicos da área de Recursos Humanos, com reuniões mensais, a saber: “Semestralmente, são submetidos a uma avaliação com um formulário próprio, que vai para a área. Volta para a gente colocar no dossiê dele e ver as ações de melhoria a tomar” (Gerente RH, Beta).

A supervisora da ETE/Galvanoplastia acrescentou que adota avaliações práticas, como condição para a passagem do estagiário para a etapa seguinte, considerada a mais complexa: “Ele só passa para o processo galvânico, se aprovado numa prova prática, que é fazer o tratamento e identificação do resíduo de um concentrado (Supervisora de Estágio da ETE/Galvanoplastia, Química, Beta)”.

Assim, embora não possamos nos aprofundar na análise do procedimento de avaliação adotado nos respectivos setores da empresa e em seu conteúdo, podemos inferir que, em determinados setores produtivos, o processo de avaliação objetiva identificar o domínio do conteúdo técnico, conforme a descrição da supervisora da ETE/Galvanoplastia, que fez menção a uma avaliação centrada em situação-problema que envolve o domínio de conteúdo teórico-prático pertinente às atividades do setor. Entretanto, o mesmo não se pode dizer do setor de Ferramentaria/Manutenção da mesma empresa, cujo supervisor só mencionou a avaliação mediante preenchimento da ficha do RH, estruturada segundo critérios como assiduidade, segurança de trabalho e conhecimentos adquiridos. Segundo ele, o estagiário é envolvido no processo e recebe retorno de sua evolução no estágio de imediato.

Já na empresa Gama, a avaliação é trimestral. O formulário que discrimina ‘habilidades/características’ deve ser preenchido com os conceitos ótimo, bom ou insuficiente. São avaliadas as seguintes habilidades/características: comunicação/fluência verbal e escrita, trabalho em equipe/integração, potencial/desenvolvimento de habilidades/criatividade, motivação/energia, disposição/iniciativa, flexibilidade/adaptabilidade, conhecimento, responsabilidade/compromisso/organização, ética e assiduidade/pontualidade.

Sem pretender nos aprofundar nessa questão, convém considerarmos que a avaliação enfatiza aspectos atitudinais, em detrimento de conteúdos de natureza técnica específica. Essa avaliação é organizada segundo uma diversidade de habilidades que se confundem/mesclam, desde seu enunciado, com características. Implicam a priorização de comportamentos/procedimentos desejáveis no estagiário, como: comunicar-se, trabalhar em equipe, ser criativo e dedicado, compreender de forma prática e ser flexível, organizado e ético. Tais características são consideradas por Stroobants (1998) como generalizações prudentes.

Diante de tais referências, podemos concluir que todas as empresas têm empregado estratégias diversas para avaliar os estagiários - ora mais sistemáticas, ora mais informais. É previsto, a partir delas, decidir-se por renovar ou não o contrato do estagiário ou, ainda, em alguns casos mais remotos, optar por contratá-lo como funcionário.

Em relação ao processo de acompanhamento pelo supervisor de estágio, há algumas especificidades às quais convém nos reportarmos. Na Empresa Alfa, todos os estagiários se ressentem de um acompanhamento e orientação mais efetiva da parte do supervisor de Estágio. Na Empresa Beta, o acompanhamento dos estagiários é feito por um líder do setor, geralmente, no dia a dia da produção, com seu ritmo e dificuldades próprias, e, periodicamente, através de reuniões com o RH, ocasião em que os estudantes são estimulados a fazer referências sobre a aprendizagem decorrente do estágio.

Segundo o Programa de Estágio da Empresa Gama, o estágio deve ser acompanhado e supervisionado pelo gestor da área. Em termos de acompanhamento, a empresa refere-se à existência da figura do supervisor de estágio, entretanto coloca outro funcionário, o mentor, para acompanhar mais de perto o estagiário: “[...] o supervisor de planejamento elege um mentor, que vai ‘grudar’ nesse funcionário. Para onde o mecânico vai, ele ‘está na cola’, se ele vai apertar um parafuso, ele vai atrás” (Gerente de RH, Gama).

Considerando as referências postas, percebemos que as diversas empresas se preocupam em desenvolver um trabalho de acompanhamento dos estagiários, mas que ainda é pouco consistente. Por causa disso, os estagiários se sentem inseguros e carentes de mais apoio e de orientações, o que é comprometido ainda mais pela falta de um trabalho de acompanhamento sistemático da parte da instituição educativa.

Nas empresas analisadas, além das observações gerais dos estagiários sobre a falta de assistência e de acompanhamento mais efetivo pelos supervisores de estágio, identificamos, especificamente, uma estagiária que foi acompanhada temporariamente por uma dupla de estagiários que estavam substituindo a técnica do Laboratório de Qualidade na Empresa Alfa que estava de férias. Outra estagiária era supervisionada por uma funcionária que não havia concluído o Curso Técnico em Química no setor de ETE/Galvanolplastia da Empresa Beta; e um estagiário de Mecânica, do setor de Qualidade de solda, acompanhado por um mentor que não tinha Curso Técnico na área, na Empresa Gama.

Assim, o artifício de colocar outro funcionário do setor para acompanhar o estagiário sem que ele seja o responsável legal previsto em contrato parece ser uma prática usual no meio, justificada nos seguintes termos por uma Gerente de RH de uma das empresas: “O supervisor de planejamento não tem condições de estar com o estagiário o tempo todo, nenhuma empresa faz isto. Então ele elege uma pessoa que a gente chama de mentor (Gerente de RH, Gama)”.

As referências feitas ao acompanhamento das empresas nos fazem considerar que essa atividade ocorre em meio à dinâmica própria da empresa e não há um processo formal e sistemático de acompanhamento de estagiário, que é feito no cotidiano do trabalho do setor em que o estagiário está lotado, em meio ao ritmo e às dificuldades próprias de um setor voltado para a produção.

Nesse contexto, o supervisor, formalmente encarregado dessa atribuição, por vezes, delega a outro (mentor) ou aos demais funcionários a função de acompanhar o estagiário ou, simplesmente, deixa o estagiário se situar nas atividades que lhes são cabíveis de forma pouco assistida. Assim, só lhe resta sua iniciativa ou a possível ou desejável colaboração dos pares.

Assim, considerando que o foco na produção compromete o acompanhamento dos estagiários nos respectivos setores, podemos inferir que o apoio e a supervisão de estágio pela instituição de EPT poderiam contribuir para melhorar a aprendizagem dos discentes, que são envolvidos em um trabalho que, quase sempre, sequer compreendem o processo e o conteúdo técnico de sua atividade.

Quanto à participação em treinamentos, na Empresa Alfa, todos os estagiários têm essa oportunidade. Eles são planejados diretamente pela Gerência de Recursos Humanos, de acordo com as necessidades definidas por cada setor anualmente.

Ao analisar a solicitação de cursos/treinamentos da empresa para o Laboratório de Controle de Qualidade (LCQ), constatamos que eles se voltam, em especial, para a aprendizagem de conteúdos conceituais e procedimentais de natureza técnica da área. Entretanto, apesar de a empresa ter mencionado que os estagiários têm acesso a esses cursos, a estagiária do Laboratório em questão afirmou que não teve a oportunidade de fazer cursos de natureza técnica e que a ênfase maior foi na participação dos estagiários em cursos voltados para a área comportamental ou procedimental.

Ao analisar o levantamento de cursos solicitados pelo Laboratório de Desenvolvimento (LD) da empresa, concluímos que eles foram relacionados a conteúdos conceituais e procedimentais, com ênfase no domínio técnico da área. Foi previsto apenas um de natureza técnica instrumental - o Curso de Informática Básica, que não foi realizado. Todos foram oferecidos apenas uma vez.

Podemos inferir que o investimento na formação dos funcionários e dos estagiários lotados no laboratório onde são desenvolvidos trabalhos de alta complexidade e de natureza eminentemente técnica, não se limita à questão atitudinal, mas também se amplia para além de treinamentos inseridos nos programas de qualidade e segurança da empresa.

Assim, a despeito da existência de atividades complexas nos dois laboratórios, no Laboratório de Desenvolvimento, as atividades são voltadas para a parte de criação e envolvem elementos de mais complexos, motivo pelo qual seus cursos foram focados exclusivamente em conteúdos técnicos, em detrimento de cursos voltados para conteúdos atitudinais. Já no setor de Controle de Produção da empresa, verificamos o contrário, porquanto o estagiário participa de cursos voltados apenas para conteúdos de natureza atitudinal.

Na Empresa Beta, o plano anual de treinamento está relacionado à Matriz de Evolução do PEC - Plano de Evolução e Carreira. A gerente de RH nos informou que os treinamentos institucionais da empresa foram nas áreas de “Qualidade, Informática, Atribuições Básicas do Operador, Controle Estatístico do Processo e Comportamento Assertivo nas Relações de Trabalho”. Entretanto, os treinamentos a que os estagiários dessa empresa tiveram acesso foram voltados para conteúdos mais gerais, ligados à política de qualidade e de segurança da empresa, e alguns específicos, para o trabalho no setor, como manutenção voluntária.

Assim, percebemos que os treinamentos da Empresa Beta são abertos aos estagiários, e a maioria deles é voltado para aspectos gerais relativos à segurança e à qualidade. Entretanto, nos setores de trabalho mais complexos, há registros da participação de estagiários em cursos voltados para conteúdos técnicos e procedimentais específicos para o trabalho que eles precisam realizar.

Já na Empresa Gama, a participação dos estagiários em cursos é limitada, pois eles ficam à margem de tal processo. Eles podem participar de maneira informal ou em cursos que sejam ministrados na própria empresa, que não impliquem custos adicionais. Segundo a gerente de RH, a formação a que eles têm acesso por meio do estágio é suficiente, e a empresa não tem compromisso com uma formação adicional:

Na nossa política de estágio tem um gestor, que faz um programa de estágio para ele e vai deixar ele com um mentor, que vai ser responsável por dar todas as informações necessárias para o desenvolvimento dele ali na área: o que ele vai fazer, o que ele vai aprender, até o cumprimento total do estágio (Gerente de RH, Gama).

Paradoxalmente, podemos inferir que as restrições impostas pela Empresa Gama à participação dos estagiários em cursos contrariam a ideia da gerente de RH quando, em outro momento, afirmou ser necessário investir na formação de novos quadros para substituírem o grande número de funcionários prestes a se aposentar. E se referiu assim aos estagiários:

Hoje a gente tem uma preocupação muito grande com esta formação, não é porque a empresa seja boazinha ou correta demais, é porque a gente precisa formar bons profissionais. A gente está correndo contra o tempo, eu vejo a hora metade de “meu povo” se aposentar e não ter jovens profissionais. A gente tenta formar porque quer usufruir dele depois (Gerente de RH, Gama).

Ressalte-se, entretanto, que, embora tenha situado que seu programa de jovens profissionais tem o estagiário como principal insumo humano, para a Empresa Gama, ele basta ter acesso à formação advinda da própria experiência de trabalho junto com o mentor, prescindindo de cursos, especialmente os que impliquem gastos adicionais.

Assim, considerando o exposto, percebemos que a pedagogia fabril se materializa na prática do estágio em suas especificidades, mecanismos, movimentos e situações a que são expostos os estagiários. Assim, vai, aos poucos, contribuindo para a (con)formação do trabalhador que interessa à empresa, dentro da dinâmica própria de seu funcionamento. Tal experiência formativa é pouco contestada pela maioria dos estagiários, e a instituição de EPT não atua efetivamente no acompanhamento desse processo, apesar de entender que o estágio é uma atividade educativa sob sua responsabilidade.

A despeito das contribuições do estágio, Zalbalza (2014) alerta sobre os efeitos negativos nos aprendizes dessa experiência formativa, quando não se desenvolve em condições adequadas. Suas considerações se aproximam de nossos achados de pesquisa, quais sejam:

- A falta de êxito (às vezes, por falta de tentar conseguir) na integração de teoria e prática. - A dificuldade para organizar experiências que resultem apropriadas para os aprendizes. - A centralização do estágio em uma série reduzida de habilidades técnicas à custa de uma compreensão mais ampla dos sistemas e das organizações. - Uma supervisão pobre ou desigual, com frequência como consequência de falta de preparo dos supervisores. - Experiências práticas que podem jogar fora parte do sentido que se tenta ao programa educativo em que se incluem. - A exploração dos estudantes como mão de obra barata. (ZALBALZA, 2014, p. 63).

Quanto à perspectiva de formação advinda do estágio, entendemos que a empresa, por meio da pedagogia fabril, protagoniza a formação que, em geral, a ela interessa, nas situações reais e cotidianas do seu processo produtivo. Nesse processo, os estagiários são inseridos de forma pouco assistida e só lhes resta aprender na própria dinâmica do trabalho, enfatizando, muitas vezes, aspectos atitudinais e os conhecimentos práticos em detrimento dos teóricos.

A perspectiva de formação advinda da pedagogia fabril, materializada na experiência do estágio nas empresas flexíveis analisadas, pôde ser ampliada quando os estagiários estavam lotados na ponta qualificada da cadeia produtiva. Entretanto, não podemos perder de vista que empresas flexíveis demandam trabalhadores mais bem qualificados para tais setores estratégicos, mas a perspectiva dessa qualificação segue os interesses do capital e é circunscrita à potencialização da capacidade produtiva para o trabalho e a racionalização do processo produtivo, portanto, condicionada aos interesses da acumulação e do lucro (IANNI,1996).

Sobre esse aspecto, concordamos com as perspectivas assinaladas por Souza (2018), em suas considerações sobre a tendência de se perverter a atividade de estágio no contexto da reestruturação produtiva, no texto que discute sobre a mediação entre a escola e o mundo do trabalho na formação de técnicos de nível médio em instituições de ensino vinculadas à Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica brasileira:

[...] o processo de reestruturação produtiva, na prática, não só intensificou a escassez de vagas de estágio supervisionado, bem como aumentou a probabilidade de a atividade de estágio supervisionado ser pervertida em atividade produtiva para a empresa, assumindo a forma de contratação precária de força de trabalho minimamente qualificada a baixo custo - algo completamente afinado com as estratégias da Lean production e da flexibilização do trabalho e da produção. Como as experiências de estágio supervisionado em todas essas instituições têm como marca comum a precariedade, tanto no que diz respeito a seu desenvolvimento enquanto prática pedagógica quanto no que tange à gestão dessas atividades, poderíamos considerar que o processo de reestruturação produtiva só veio a acirrar ainda mais as contradições inerentes ao desenvolvimento dessas atividades na formação de técnicos de nível médio. (SOUZA, 2018, p. 136).

Diante de referências como as apresentadas pelo pesquisador e de nossos achados de pesquisa, reiteramos que as instituições educativas devem assumir o protagonismo dessa importante experiência formativa que é o estágio e não deixar os estagiários à deriva, em contextos, muitas vezes, adversos e contrários às perspectivas de formação defendidas pelas instituições educativas em seus projetos pedagógicos de curso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão empreendida neste texto nos leva a compreender que a pedagogia fabril, presente na rotina do estágio em empresas flexíveis objeto de nossa atenção, segue o sentido do que afirma Kuenzer (1995), quando ressalta que, na fábrica, as relações de trabalho educam o trabalhador e o situam em um comportamento compatível com o processo industrial implementado.

Concluímos que a maioria dos estagiários das empresas pesquisadas são envolvidos nessa (con)formação mais precocemente do que seus funcionários, com o risco adicional por se submeterem, ainda em sua fase inicial de formação, a situações precarizadas que vão de encontro à formação pretendida para um técnico, a qual se aproxima de uma experiência próxima a um emprego disfarçado.

Assim, o estágio inicia os estudantes na realidade do mundo do trabalho, mas tende a assumir uma perspectiva que se distancia de sua natureza educativa, como integralidade e formação do humano. Os estagiários são envolvidos na realidade da produção como qualquer outro funcionário, presos aos ditames do ritmo da produção, do lucro e da competitividade.

Convém enfatizar que, embora a pedagogia fabril materializada no estágio possa estimular o estagiário a se (con)formar com o perfil demandado pela empresa, na expectativa de renovar o estágio ou de ser contratado futuramente, há os que resistem a isso. Entretanto, às vezes, suas vozes são silenciadas em meio ao cenário produtivo, pois há sempre outro(s) estagiário(s) para substituí-los, como um exército industrial de reserva sempre a postos.

De forma similar, Deluiz (2001) situa as pressões sofridas pelo trabalhador no mundo do trabalho precarizado, marcado pela subcontratação, pelo trabalho de tempo parcial e por outras formas alternativas de trabalho. Como os estagiários, eles se veem com a necessidade de assumir a cultura da flexibilidade e da rotatividade de empregos, buscando sobreviver no mercado globalizado.

Nesses termos, na busca incessante por se inserir no mundo do trabalho, os estagiários podem ser influenciados pelas demandas postas pelo mercado, entrar em conflito com uma perspectiva de formação integral, humanizadora e assumir um perfil muito próximo do de um trabalhador subcontratado, que se rende às condições precárias de trabalho porque precisa sobreviver, em meio à omissão da Instituição Educativa no acompanhamento/apoio ao estagiário.

Verificamos que, do universo pesquisado, poucos foram os estagiários que enfrentaram as imposições e as situações desqualificantes. Os casos em que essa resistência foi identificada, em especial, eram de estudantes com um perfil de formação geral e profissional mais sólido, pertencentes a estratos sociais mais privilegiados, demonstrando segurança e postura crítica diante das situações vivenciadas.

Concluímos que o estágio nas empresas é vivenciado em meio ao ritmo, ao andamento, às necessidades e ao ritmo da produção, Assim, acolhemos a recomendação de Veiga (2003, p.137) de que toda ação educativa deve ser questionada quanto ao objetivo ao qual serve, tendo em vista avançar “[...] para além do mero ativismo pragmatista que, nem sempre, atende aos interesses dos alunos e aos objetivos pedagógicos e sociais aos que serve ou deseja servir”. Nesses termos, se a pesquisadora faz tal questionamento à escola, referindo-se ao estágio de formação de professores, mais ainda é preciso questionar a formação advinda do estágio na empresa.

Então, por entender que o posicionamento crítico é algo que deve ser estimulado pela Instituição de EPT, obviamente, não será a empresa que propiciará situações que ponham em xeque sua ação (con)formadora. Cabe à instituição educativa assumir esse desafio, contribuir para que o estágio extrapole a mera introjeção de um modelo técnico a ser incorporado e viabilizar a vivência de um estágio que preze por contribuir para a constituição de uma identidade profissional por meio de reelaborações críticas de um modelo de referência com o qual se teve contato previamente. Dessa maneira, os formandos serão envolvidos, como horizonte (RAMOS, 2006), em processos de diferenciação e constituição de sua autonomia profissional (KENSKY, 2003).

Essa perspectiva há de ser considerada pelas Instituições de Educação Profissional e Tecnológica, em especial, quando se vem discutindo sobre a formação integral e as iniciativas de Ensino Médio integrado à Educação Profissional técnica de nível médio1, tendo em vista favorecer uma formação integral dos estudantes.

Há muito que fazer. E alguns enfrentamentos podem ser potencializados em alguma medida, a partir do momento em que a instituição educativa assumir o estágio como uma instância de formação sob sua responsabilidade e, como defendemos, comprometida com a humanização.

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Notas

1O Decreto nº 5.154/2004 e a Lei nº 11.741/2008 possibilitaram a formação integrada entre o ensino médio e o técnico, despertando debates importantes em defesa da formação integral do trabalhador, a formação politécnica.

Recebido: 13 de Julho de 2018; Aceito: 19 de Dezembro de 2018

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