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Contrapontos

versión On-line ISSN 1984-7114

Contrapontos vol.19 no.1 Florianopolis ene./dic. 2019  Epub 22-Ago-2019

https://doi.org/10.14210/contrapontos.v19n1.p236-248 

Artigos

FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES: UMA ANÁLISE DISCRIMINANTE DOS CONCEITOS DE “EXPERIÊNCIAS” E “PRÁTICAS” DE LEITURA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

INITIAL TEACHER DEVELOPMENT: A DISCRIMINANT ANALYSIS OF THE CONCEPTS OF “EXPERIENCES” AND “PRACTICES” OF READING IN THE CONTEXT OF BASIC EDUCATION

FORMACIÓN INICIAL DE PROFESORES: UN ANÁLISIS DISCRIMINANTE DE LOS CONCEPTOS DE “EXPERIENCIAS” Y “PRÁCTICAS” DE LECTURA EN EL CONTEXTO DE LA EDUCACIÓN BÁSICA

Elisabete AndradeI  * 

Fabiana Cavalheiro ScaleiII 

ICurso de Pedagogia da Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó, SC, Brasil.

IIUniversidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Frederico Westphalen, RS, Brasil.


Resumo:

O presente artigo foi elaborado a partir de uma pesquisa sobre leitura na formação inicial de professores e suas implicações na Educação Básica. Trata-se de um recorte do estudo que teve como temática central “A leitura na formação inicial dos alunos do curso de Pedagogia e suas implicações no contexto da Educação Básica”. O texto aqui apresentado traz elementos da pesquisa dando enfoque aos aspectos da leitura e das práticas docentes realizadas na Educação Básica. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, orientada por uma concepção reflexiva e interpretativa. E quanto à sua tipologia, constitui-se como empírica e documental, tendo como método a análise de conteúdo. O objetivo deste texto é destacar questões importantes sobre a leitura e as práticas docentes, procurando diferenciar os conceitos de “práticas de leitura” e “experiências de leitura”, a fim de compreender fatores que influenciam o processo de leitura no âmbito da escola.

Palavras-chave: Formação docente; Práticas de leitura; Educação Básica

Abstract:

This article was the result of research on reading in the initial teacher development, and its implications for Basic Education. It is part of study on the central theme of; “Reading in the initial development of the students of the course in Pedagogy, and its implications for the context of Basic Education”, The text presented here brings elements of the research, focusing on aspects of reading and the teaching practices carried out in Basic Education. It is a qualitative study, oriented by a reflective and interpretive conception. In terms of typology, it is empirical and documentary, using the method of content analysis. This text highlights important questions about reading and teaching practices, seeking to differentiate the concepts of “reading practices” and “reading experiences”, in order to understand the factors that influence the reading process within the school.

Keywords: Teacher development; Reading practices; Basic education

Resumen:

El presente artículo fue elaborado a partir de una investigación sobre lectura en la formación inicial de profesores y sus implicaciones en la Educación Básica. Se trata de un recorte del estudio que tuvo como temática central; “La lectura en la formación inicial de los alumnos del curso de Pedagogía y sus implicaciones en el contexto de la Educación Básica”. El texto aquí presentado trae elementos de la investigación enfocando los aspectos de la lectura y de las prácticas docentes realizadas en la Educación Básica. Se trata de una investigación de enfoque cualitativo, orientada por una concepción reflexiva e interpretativa. Y en cuanto a su tipología, se constituye como empírica y documental, teniendo como método el análisis de contenido. El, buscando diferenciar los conceptos de “prácticas de lectura” y “experiencias de objetivo de este texto es destacar cuestiones importantes sobre la lectura y las prácticas docentes lectura”, a fin de comprender factores que influencian el proceso de lectura en el ámbito de la escuela.

Palabras clave: Formación docente; Prácticas de lectura; Educación básica

Introdução

Os desafios da docência são inúmeros em todo e qualquer momento histórico, pois permeiam a compreensão da sociedade em que se vive, exigem do profissional docente a habilidade de evoluir e renovar-se constantemente e, ao mesmo tempo, são desafios que exigem a sensibilidade para fazer diferentes leituras da realidade, com criticidade e também com amorosidade. Muito se enfatiza a precarização do ensino atual, porém é importante reconhecer e valorizar as tentativas de avanço das últimas décadas.

Dentre os inúmeros aspectos que compõem o universo educacional e que merecem a atenção de seus protagonistas está a formação docente, elemento incontestável e determinante para a compreensão de vários fenômenos que permeiam a estrutura dos sistemas educacionais de forma geral. Tal aspecto, porém, vem sendo negligenciado pelos gestores das políticas públicas de educação, tendo em vista que a lógica da instantaneidade se instalou de forma generalizada, em diversos setores da sociedade, e se aplica também à instância do conhecimento, da gestão da educação e da formação docente.

É possível observar, por meio das práticas do cotidiano docente, que a escola acumulou funções em busca de uma formação integral de seus educandos, e nesta busca falhou em muitos aspectos, talvez presa a experiências e a métodos que não sirvam mais, pois não são pertinentes à realidade que vem se modificando rapidamente. Assim, a pertinência deste texto está assentada na discussão das práticas docentes no que diz respeito à leitura, pensadas a partir de uma pesquisa científica com concepções metodológicas adequadas à compreensão de fenômenos educacionais.

A seguir, serão apresentados os caminhos e as concepções metodológicas que nortearam a realização da pesquisa, enfocando a complexidade de seu objetivo dentro do campo da docência: analisar as concepções de leitura presentes em um curso de Pedagogia, identificando as implicações destas concepções para o processo de formação inicial de professores.

Caminhos e concepções metodológicas

Uma pesquisa realizada no âmbito educacional tem seu cerne na (re)elaboração do conhecimento teórico a partir da observação das práticas educativas, para o melhoramento destas mesmas práticas, o que exige metodologias aproximadas dos objetivos a que se propõem. Vale citar Ghedin e Franco (2011):

A pesquisa em educação, em virtude de suas diversas peculiaridades, enfrenta constante desafio na busca de procedimentos e concepções que auxiliem o pesquisador a interagir com a realidade que pretende compreender e até conhecer. O aspecto sócio-histórico das práticas educativas imprime a cada situação educativa um caráter singular, irrepetível, com imensas variações no tempo, no espaço, nas formas organizativas de sua dinâmica e na natureza de sua intencionalidade. (GHEDIN; FRANCO, 2011, p. 104).

Pesquisar sobre os fenômenos educacionais, portanto, constitui-se como processo complexo, dinâmico e reflexivo, que exige o conhecimento de metodologias interpretativas e flexíveis, que não engessem o trabalho do pesquisador no âmbito de uma única e estanque abordagem filosófica.

A pesquisa foi orientada por uma concepção reflexiva e interpretativa, que “caracteriza-se fundamentalmente por ser a atitude crítica que organiza a dialética do processo investigativo” (GHEDIN, FRANCO, 2011). O método reflexivo permitiu analisar a dinâmica do contexto educacional e as inter-relações entre os sujeitos; por meio dela as percepções do conhecimento empírico inicial conduziram ao problema que desencadeou esta pesquisa e à elaboração dos instrumentos para a produção de dados, como o questionário que foi destinado aos docentes da educação básica.

Tendo como finalidade a busca de novos conhecimentos e possíveis respostas ao problema, foi necessário fazer algumas opções conceituais e lançar mão de uma metodologia que contemplasse as expectativas deste estudo, o qual aborda questões essencialmente educacionais.

A multiplicidade de problemas que a pesquisa educacional tem abarcado é evidente. Ela está aí. A variedade de abordagens possíveis também. Uma variedade não só do ponto de vista das vias de acesso que escolhermos para desvelar esse elemento de nossa realidade de vida - a educação -, mas também das maneiras possíveis de percorrer essas vias. (GATTI, 2012, p. 15).

Nesse sentido, foi desenvolvida uma pesquisa de abordagem qualitativa, que investigou as vivências dos envolvidos com o processo de leitura, ou seja, observa as relações estabelecidas entre os sujeitos (os professores que atuam na Educação Básica, egressos do Curso de Pedagogia) com o objeto desta pesquisa (a leitura), sempre levando em conta a realidade destes sujeitos, aqui constituída pelo universo educacional.

Quanto ao público-alvo desta pesquisa, o mesmo se constituiu por alunos egressos do curso de Pedagogia de uma Instituição de Ensino Superior Comunitária (IESC), que atua na Educação Básica, na intenção de analisar suas percepções acerca da leitura na formação docente. A partir do problema - “Como a leitura é concebida por docentes que atuam na Educação Básica, como processo, e como é articulada na matriz curricular do curso de Pedagogia de uma IESC?” -, foi possível realizar a pesquisa, que tratou das implicações da leitura no fazer docente.

Os alunos egressos de Pedagogia que já atuam nas escolas da região de abrangência da 20ª Coordenadoria de Educação, de Palmeira das Missões, foram convidados a responder um questionário com questões abertas e fechadas. Foram enviados 25 questionários, por e-mail, a partir de uma ferramenta virtual, conhecida como “SurveyMonkey”1. O questionário elaborado foi inserido no programa e enviado de forma individualizada, por meio dos endereços eletrônicos de cada participante, delimitando-se o prazo de um mês para que fosse devolvido.

Dos 25 questionários enviados para os alunos egressos do curso de Pedagogia, 10 foram devolvidos respondidos e foram submetidos a análises neste estudo. Os docentes, alunos egressos do curso de Pedagogia, ao responderem o questionário, foram identificados como Professor da Educação Básica (PEB), então PEB1, PEB2, PEB3, sucessivamente. Quanto à seleção dos professores participantes, o principal critério de escolha foi: ser egresso do curso de Pedagogia da instituição comunitária localizada na região de abrangência da pesquisa realizada.

Quanto a sua tipologia, constituiu-se como empírica e documental. Assim, levaram-se em conta as experiências docentes sobre leitura, pois tais experiências produzem um conhecimento relevante para a construção de hipóteses acerca da formação leitora de cada professor e como tal formação se reflete no trabalho cotidiano de cada um.

E assim, reconhecendo os dados apresentados pelos questionários, procedeu-se à categorização. Para análise deste artigo, o recorte é feito a partir das seguintes perguntas: - Como a escola de Educação Básica, atualmente, contribui para uma efetiva formação leitora dos alunos? - Que tipos de experiências de leitura você proporciona aos seus alunos no ambiente escolar?

Após a categorização dos dados, foi possível construir um panorama de compreensões, pertinentes à problematização proposta, e então seguir para a finalização das análises interpretativas.

Vale dizer que o questionário foi elaborado com questões objetivas e discursivas, e organizado em três partes: a primeira parte explorou os dados de formação dos participantes, sua trajetória como leitores; a segunda parte apresentou questões sobre o entendimento de leitura de cada um; e a terceira parte investigou as práticas de leitura na Educação Básica, realizadas pelos egressos do curso de Pedagogia. Da última, resultou a abordagem analítica deste texto.

A leitura e as práticas docentes: experiências cotidianas

As perguntas analisadas neste item foram as últimas a compor o questionário da pesquisa e indagavam sobre as práticas de leitura na Educação Básica:

Como a escola de Educação Básica, atualmente, contribui para uma efetiva formação leitora dos alunos?

Que tipos de experiências de leitura você proporciona aos seus alunos no ambiente escolar?

A primeira delas objetivava conhecer a visão dos professores sobre as contribuições da escola na formação leitora de seus alunos, sobre projetos e ações desenvolvidos pela escola num todo. Era uma questão de cunho mais abrangente, que exigia uma visão sistêmica da escola como instituição.

Já a segunda questão era mais específica, pois perguntava sobre as experiências de leitura (particularizadas) vivenciadas pelo professor com seus alunos no seu ambiente de trabalho.

As respostas obtidas sobre as práticas de leitura2, na primeira questão, mostraram que há uma estreita relação entre a formação dos professores e as práticas desenvolvidas na escola, já que estas ficam comprometidas e fadadas ao insucesso quando a formação é superficial e não está estruturada em conceitos e teorias que permitiriam a realização de um trabalho mais efetivo em sala de aula. Percebe-se que o conhecimento do professor, por vezes, é desvinculado do contexto da escola, desconsiderando a importância das experiências educativas. VIEIRA (2013) afirma que:

O conhecimento profissional é construído a partir da experiência educativa (pessoal e de outros), implicando processos de teorização e experimentação que facilitem a construção de teorias práticas localmente válidas e socialmente úteis, permitindo aos (futuros) professores compreender a complexidade das situações educativas e tomar decisões conceptual e moralmente ajustadas aos interesses de todos quantos nelas participam.

As falas dos docentes, em boa parte, são carregadas de ambiguidade, revelam a fragilidade do conhecimento teórico em relação à própria formação e a alguns conceitos que desenvolvem no âmbito de seu trabalho escolar. Os conceitos de prática e experiências, apesar de estarem imbricados neste contexto, são interpretados como sinônimos em muitas manifestações dos professores.

Para compreender as respostas, julgo importante conhecer a conceituação das palavras: prática e experiência. Primeiramente, trago o conceito de prática3. O dicionário de língua materna apresenta vários significados, entre eles “realidade, o que se opõe ao teórico”, “exercício, o que se consegue realizar, executar”, “treinamento”, “habilidade adquirida com a experiência”, “hábito” ou “convenção”.

Já o dicionário filosófico apresenta a forma do masculino - “prático”, que pode também colaborar para as análises que serão aqui expostas.

PRÁTICO (gr. TípcxKTiKÓÇ; lat. Prac/icus; in. Practícal; fr. Pratique; ai. Praktiscb, it. Pratico). Em geral, o que é ação ou diz respeito à ação. Há três significados: 1" o que dirige a ação; 2." o que pode traduzir-se em ação; 3" o que é racional na ação [...]. "Tudo o que é possível por meio da liberdade". Mas a liberdade nada tem a ver com o arbítrio animal; assim, o que é independente de estímulos sensíveis, portanto pode ser determinado por motivos representados apenas pela razão, chama-se de livre arbítrio; e tudo o que a ele se liga, como princípio ou como consequência, chama-se prática. (ABBAGNANO, 2007, p. 785-786).

Tratando-se de uma pesquisa reflexiva e interpretativa, é importante considerar o que trazem os dicionários, a fim de constituir uma base de conceitos que possam fundamentar o estudo em questão. O conceito de “práticas” concentra-se ao campo da ação e está associado às concepções de racionalidade, guiados pela lógica da ação. Por isso perpassa toda a análise das ações educativas, o que o torna essencial para a compreensão das caracterizações do trabalho docente. Leva a pensar que não é qualquer ação, mas uma ação intencional e questiona se é essa a lógica pela qual os docentes que participaram dessa pesquisa têm pautado suas práticas de ensino e de aprendizagem da leitura.

A defasagem da leitura e os problemas advindos dela no contexto escolar estão reconhecidos pelos professores, porém não há clareza quanto à mudança deste paradigma, como explicita um dos professores:

A leitura sempre foi e continua sendo uma questão emblemática e, por vezes, tratada de forma secundária. Atualmente, as escolas de Educação Básica têm de se reinventar, buscando novas e atrativas formas de despertar nos alunos o interesse e o gosto pela leitura. A Educação Básica é a base para a formação de leitores, o que começa desde a educação infantil e se estende pelo ensino fundamental e médio. A escola necessita resgatar a leitura como um de seus desafios inadiáveis. (PEB 4, 2017)

Apesar da consciência do desafio que é trabalhar a leitura, há muitas falas que trazem à tona a inconsistência das formulações quando se pergunta “como a escola de educação básica, atualmente, contribui para uma efetiva formação leitora dos alunos”:

No contexto geral, infelizmente não é um exemplo ideal, pois há muito desinteresse de ambas as partes família e escola, não é por acaso que o Brasil tem a educação desfalcada, essa é a tarefa mais árdua dos professores devido a diversos desafios e nem todos estão dispostos a seguir em frente. (PEB 2, 2017)

Da mesma forma como se expôs os conceitos de prática, citam-se os conceitos de “experiência”. No dicionário de Língua Portuguesa, o termo experiência é sinônimo de “conhecimento, ou aprendizado, obtido através da prática ou da vivência”; também é apreendido como “prova ou tentativa”, ou como “modo de aprendizado obtido sistematicamente, sendo aprimorado com o passar do tempo”. E na compreensão filosófica, trazida pelo mesmo dicionário, experiência é “todo conhecimento adquirido através da utilização dos sentidos”4.

É importante aqui enfatizar especificamente o conhecimento do professor, ou seja, o conhecimento que se constitui a partir da experiência educativa. Segundo CONTRERAS (2016), a experiência educativa é um elemento modificador de um processo, algo que pode interromper as previsões como docentes, portanto, não pode ser negligenciada. Assim, as experiências vivenciadas no cotidiano docente precisam ser avaliadas e exploradas, já que surgem da realidade.

Quando os professores foram indagados sobre que tipos de experiências de leitura proporcionam aos seus alunos no ambiente escolar, surgiram afirmações como: “procuro organizar uma lista de livros já no início do ano...” (PEB 1, 2017); “contação de histórias com diversas técnicas...” (PEB 2, 2017); ou “hora da leitura, história em quadrinhos, vídeos, disputa em declamar quadrinhas...” (PEB 9, 2017). Estas revelam um distanciamento do real significado da palavra “experiência”, quando se pensa nos processos de ensino e aprendizagem.

O Dicionário de Filosofia, de Abbagnano (2007), apresenta uma complexa gama de significações para definir “experiência”, das quais se apropria da seguinte citação que se aproxima da análise das questões desta pesquisa:

EXPERIÊNCIA (gr. èujieipía; lat. Experientia; in. Experience, fr. Experience, ai. Erfahrung; it. Esperienza). Este termo tem dois significados fundamentais: l - a participação pessoal em situações repetíveis, como quando se diz: "x tem E. de S", em que S é entendido como uma situação ou estado de coisas qualquer que se repita com suficiente uniformidade para dar a x a capacidade de resolver alguns problemas; 2- recurso à possibilidade de repetir certas situações como meio de verificar as soluções que elas permitem. O elemento comum dos dois significados é a possibilidade de repetir as situações, e isso deve ser considerado fundamental na significação geral do termo. (ABBAGNANO, 2007, p. 426).

Do significado trazido com o primeiro dicionário é destacado: “prática ou vivência”, “prova ou tentativa”, “aprendizado sistematizado”, “aprimoramento”, estes termos estão diretamente relacionados ao que é nomeado pelo dicionário filosófico (ABBAGNANO, 2007) quando o significado de experiência é resumido à “repetição”. Para exemplificar a predominância desta conceituação, a seguir um trecho da resposta de um dos sujeitos da pesquisa:

[...] todos os dias destino um período de tempo em sala de aula para leitura. Como exemplo: no início da aula um aluno lê um livro, ou parte dele, para a turma e após elabora algumas perguntas sobre o que leu para os colegas. (PEB 5)

Analisando sob a perspectiva da docência, que é o objeto em estudo nesta pesquisa, é possível afirmar que de certo modo tanto o conceito de prática quanto o de experiência trazidos com os dicionários podem estar constituindo o eixo teórico-conceitual que baliza as ações educativas. Isto pode ser analisado em respostas como as que argumentam: “São realizados projetos com e pelos alunos, como contação de histórias, teatros, apresentações culturais, horário de leitura, entre outras ações cotidianas...” (PEB 4, 2017)

E ainda, no intuito de realizar uma análise mais elaborada, observa-se a origem da palavra experiência.

A palavra experiência vem do latim experiri, provar (experimentar). A experiência é em primeiro lugar um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova. O radical é periri, que se encontra também em periculum, perigo. A raiz indo-européia é per, com a qual se relaciona antes de tudo a ideia de travessia, e secundariamente a ideia de prova. Em grego há numerosos derivados dessa raiz que marcam a travessia, o percorrido, a passagem: peirô, atravessar; pera, mais além; peraô, passar através, perainô, ir até o fim; peras, limite. (BONDIA, 2002, p. 25).

Bondia (2002) ajuda a pensar o conceito de experiência sob outra perspectiva. É possível afirmar que faz um movimento de ruptura com o que até então foi abordado com o significado dos dicionários. Talvez possa ser ousado dizer, mas o campo educacional tem operado mais na lógica da ação repetitiva, do aprimoramento, da ação pela ação, significados que aparecem tanto no conceito de prática quanto no de experiência em ambos os dicionários. A afirmação que segue está impregnada de sentidos, se se considerar o cotidiano da escola pública e da escolarização.

Penso que a escola tem falhado na formação de bons leitores. A preocupação em ‘vencer conteúdos’ e as notas das avaliações externas está obscurecendo a essência da própria escola. São poucos os profissionais que ‘encantam’ seus alunos para a leitura. (PEB 6, 2017)

As respostas obtidas a partir das questões citadas no início deste item5 levam a entender a prevalência do caráter instrumental das experiências e das práticas de leitura e mostraram que os docentes, de certa forma, atribuíram o mesmo significado às palavras “experiências” e “práticas”, e elaboraram de forma muito parecida suas percepções sobre ambas; uma não está afastada da outra, porém, no contexto desta pesquisa, não são compreendidas como sinônimos. Práticas pedagógicas, por si só, não constituem experiências; no entanto experiências de aprendizagem podem estar permeadas de práticas pedagógicas, que se tornaram significativas. Mas o que se quer marcar é que os termos usados pelos professores que participaram da pesquisa revelam a dominância do campo de conhecimento de base instrumental. Fica claro, a partir desta análise, o caráter pragmático dado à leitura como processo intrínseco ao universo docente.

Para tentar explicar tal análise, parte-se de Dewey (2007) e de seus estudos sobre o pragmatismo, nos quais o autor aborda o instrumentalismo, a prática e o pragmático. Segundo ele:

O instrumentalismo é uma tentativa de estabelecer uma teoria lógica precisa dos conceitos, dos juízos e das inferências em suas diversas formas, considerando primeiramente como o pensamento funciona na determinação experimental de suas consequências futuras. Significa dizer que o instrumentalismo tenta estabelecer distinções universalmente reconhecidas e regras de lógica, derivando-as da função reconstrutiva ou mediativa atribuída à razão. (DEWEY, 2007, p. 236).

A partir do conceito de instrumentalismo de Dewey (2007), é possível fazer a associação com as respostas obtidas dos participantes na dimensão que eles compreendem o caráter utilitário destas práticas ao igualar o conceito de práticas pedagógicas ao nível de experiências de leitura.

De acordo com o autor supramencionado, a prática está voltada ao empirismo, que tem o conhecimento como resultado da experiência do cotidiano, da rotina. E é neste viés que se encaminharam as respostas dos professores, tendo suas práticas pedagógicas sintetizadas como experimentos e concebidas como sinônimo de experiência, o que revela que o nível de pensamento conceitual, de abstração, não consegue ir além da instrumentalização.

Entende-se que as práticas pedagógicas podem ser concebidas a partir do instrumentalismo e do empirismo, porém os participantes as concentraram no campo do pragmatismo, que está relacionado a condutas e a crenças.

O pragmatismo se apresenta como uma extensão do empirismo histórico, mas com uma diferença fundamental, não insiste sobre os fenômenos antecedentes, mas sobre os fenômenos consequentes, mas sobre as possibilidades de ação. (DEWEY, 2007, p. 235).

É possível dizer que, quando são citadas atividades como “contação de histórias” ou “hora da leitura” (PEB 9, 2017), por exemplo, como respostas para ambas as perguntas fica claro que há uma superficialidade por parte dos docentes em relação a seus conhecimentos teórico-conceituais. As atividades ou práticas pedagógicas são repetidas continuamente em sala de aula como instrumento para cumprir determinados objetivos, sem que, de fato, sejam pensadas a partir de concepções pedagógicas ou abordagens filosóficas, ou seja, instala-se o pragmático nas ações educativas, e isto se cristaliza, de certa forma, no cotidiano do processo de escolarização.

Outro exemplo do que aparece nas respostas: “[...] organizar uma lista de livros” (PEB 1, 2017) é uma atividade, uma prática que pode ser desenvolvida na sala de aula, porém está inserida na segunda questão, que é referente às experiências de leitura. Aqui se entende que há equivoco no entendimento conceitual entre o que se define por prática e por experiência. A organização de uma listagem de obras pode ser uma prática, mas só se configurará em experiência se o conteúdo de tais obras for apropriado pelos docentes e pelos alunos a ponto de fazê-los elaborar pensamentos, problematizar a realidade da vida, da própria escola, refletir criticamente.

O PEB 5 usou a expressão “diferentes gêneros textuais” na composição da sua primeira resposta6 e “tipologias textuais” na redação da resposta sobre experiências7. Elas são expressões sinônimas e são do campo da prática, do planejamento das ações, portanto tais excertos mostram que as noções de práticas e experiências estão confusas na compreensão dos professores. As práticas pedagógicas estão igualadas à categoria de experiências. No entanto, os instrumentos usados pelos docentes no desenvolvimento de suas práticas de leitura não podem ser considerados experiências de leitura, isto banaliza e desvirtua o conceito de experiência.

A noção de experiência está além deste parâmetro de instrumentalidade. As vivências de práticas pedagógicas instigantes podem suscitar ricas experiências de aprendizagem, porém desvinculadas de bases teóricas, não são mais que experimentos.

Para Dewey a experiência educativa deve ser enriquecida no cotidiano do aluno, a educação servirá para reconstruir e reorganizar a experiência aumentando o seu sentido. A partir das possibilidades disponíveis ao aluno, ele enriquecerá suas experiências contribuindo para o aperfeiçoamento dele próprio e da sociedade na qual ele está inserido. A educação deve, portanto, evitar que haja experiências “deseducativas” que torna o aluno passivo, reprodutor da realidade imposta e não reflexivo. (SOBRINHO; NASCIMENTO, 2015, p. 35).

No campo da docência, é fundamental que se busque a compreensão dos conceitos que embasam as práticas educativas, da mesma forma que se compreenda que o ofício do professor é lidar com o humano. A realidade não é apenas o que se vê, mas também aquilo que se sente. As análises e as práticas docentes, portanto, não podem ser superficiais. De acordo com CONTRERAS (2016):

[...] mesmo que a educação se materialize em práticas e experiências concretas, seu senso de realidade não depende apenas do “que há”, não é apenas o conjunto de coisas que acontecem ou que são feitas; sua realidade não é apenas o que é dado, mas também a tensão que o move, o sentido com que é vivido, o que busca através dele, a abertura de algo novo que pode estar se originando no acontecimento de cada momento.

Então, com base nas respostas analisadas, é possível afirmar que as experiências educativas precisam ser orientadas a fim de que se aproximem da compreensão maior que isto exige, de que experiência é aquilo que toca o ser humano, na sua formação e transformação. Quanto à leitura, especificamente:

O que faz da leitura uma experiência é entrar nessa corrente onde a leitura é partilhada e onde, tanto quem lê, quanto quem propiciou a leitura ao escrever, aprendem, crescem, são desafiados. [...] Não é o acúmulo de informação sobre clássicos, sobre gêneros ou sobre estilos, escolas ou correntes literárias que torna a leitura uma experiência, mas sim o modo de realização dessa leitura: ela deve ser capaz de engendrar uma reflexão para além do momento em que acontece, ser capaz de ajudar a compreender a história vivida antes e sistematizada ou contada nos livros. (KRAMER, 2000, p. 20-21).

Neste sentido, vislumbrar a leitura como uma experiência é também compreender que este conceito acompanhou o desenrolar da história e a influenciou de forma significativa, já que experiência é o que acontece, marca, forma e transforma, conforme Bondia (2002). Desta forma, a experiência é algo singular. A experiência da leitura, por conseguinte, também o é, já que nos últimos séculos ela foi determinante para a evolução da humanidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dissertar sobre um tema como a leitura, que foi e continua sendo muito explorado, é uma tarefa complexa e desafiadora, principalmente no âmbito da sociedade contemporânea, na qual o conhecimento parece estar sendo ofuscado pela superficialidade da informação, como afirmou Bondia (2002, p. 22): “...uma sociedade constituída sob o signo da informação é uma sociedade na qual a experiência é impossível”. Neste cenário, a leitura é tema polêmico e conflitante, essencialmente, no campo educacional.

Assim sendo, o objetivo deste texto foi apresentar os resultados da pesquisa desenvolvida junto a professores que atuam com a Educação Básica a fim de problematizar como a leitura é concebida por docentes que atuam na Educação Básica, como processo, e como é articulada na matriz curricular do curso de Pedagogia de uma IESC, numa pesquisa que tratou das implicações da leitura no fazer docente.

Pensar as implicações da leitura na formação docente exige o conhecimento de bases teórico-conceituais que sejam capazes de fundamentar o fazer docente, tornando-o parte de um processo formador e transformador.

Dentro de uma perspectiva educacional e de análise da formação de professores, é preciso compreender ainda que “a experiência funda também uma ordem epistemológica e uma ordem ética” (BONDIA, 2002, p. 26), ou seja, a experiência está vinculada à natureza do conhecimento, aos seus fundamentos e à sua sistematização; pois como afirma o autor, “o saber de experiência se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana” (p. 26). Portanto, a experiência faz uma espécie de mediação entre o conhecimento e a vida.

Partindo de tais reflexões, é possível compreender a leitura também como uma experiência de formação, que na docência contempla as práticas e as vivências de cada contexto educacional. E também confirma a ideia de que “a experiência e o saber que dela deriva são o que nos permite apropriar-nos de nossa própria vida. (BONDIA, 2002, p. 27).

Portanto, a análise destas questões revelou contradições e compreensões ambíguas sobre os temas enfocados, expondo algumas preocupações concernentes à formação do pedagogo que atuará na Educação Básica, e que será um dos proponentes de experiências educativas.

Um dos pontos conclusivos da pesquisa faz referência às experiências de leitura e às práticas de leitura desenvolvidas pelos professores: tendo em vista que “experiências” não são sinônimo de “práticas”. Percebe-se, de acordo com a pesquisa, uma “confusão” conceitual que se reflete no trabalho pedagógico, pois, segundo os dados produzidos com a pesquisa, as experiências de leitura são reduzidas a práticas de leitura, que exploram a leitura como um instrumento, uma habilidade a ser desenvolvida com fins de aprendizagem, ou seja, a função cognitiva prepondera sobre seu aspecto de formação, sobre seu caráter social. Evidentemente, é preciso reconhecer a leitura como um processo cognitivo, amparado por uma técnica, porém o professor não pode se limitar a esta concepção, é importante que reconheça a amplitude do conceito, que a leitura pode ser uma experiência influenciadora na formação integral dos sujeitos.

Percebeu-se a necessidade de aprofundamento dos conhecimentos de ordem epistemológica e didático-pedagógica para a aproximação entre o que se almeja na formação inicial do professor e o que se evidencia no trabalho docente na Educação Básica.

Tanto os conhecimentos epistemológicos quanto os didático-pedagógicos que estão relacionados à questão das práticas e das metodologias empregadas compõem a base da formação do pedagogo, porém se apresentaram frágeis, de acordo com a pesquisa aqui apresentada.

Neste sentido, é importante que os cursos de formação inicial de professores sigam desenvolvendo um trabalho formativo responsável ética, política e epistemologicamente. Só desta maneira será possível fortalecer as bases teórico-conceituais e metodológicas que sustam as experiências educativas desenvolvidas com a Educação Básica no contexto da realidade brasileira.

Referências

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CONTRERAS, J. D. Relatos de experiência, em busca de um saber pedagógico. Revista Brasileira de Pesquisa (Auto) Biográfica, Salvador, v. 01, n. 01, p. 14-30, jan./abr. 2016 [ Links ]

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Notas

1SurveyMonkey é uma companhia baseada em nuvem (software como serviço) de desenvolvimento de pesquisas on-line, fundada em 1999 por Ryan Finley. Esta provê pesquisas personalizáveis gratuitas, bem como programas com análise de dados, seleção de amostras e ferramentas de representação de dados. (SURVEYMONKEY, 2017a).

2Entendemos que poderia haver aqui uma ampliação da discussão tendo por base conceitos de práticas de leitura e práticas culturais de leitura, porém esclarecemos que tal análise não contempla a pesquisa aqui apresentada. Este aprofundamento é compreendido como importante e necessário e analisaremos num próximo estudo, que tem a pretensão de aprofundar e aprimorar este e outros elementos aqui anunciados e teorizados.

3Os sinônimos citados para a palavra prática foram encontrados no DICIO: Dicionário on-line de Português. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/pratica/>. Acesso em: 29 nov. 2017.

4O significado de experiência foi extraído do DICIO: Dicionário on¬-line de Português. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/experiencia/>. Acesso em: 29 nov. 2017.

5 Questões citadas: Como a escola de educação básica, atualmente, contribui para uma efetiva formação leitora dos alunos? Que tipos de experiências de leitura você proporciona aos seus alunos no ambiente escolar?

6Pergunta presente na pesquisa: Como a escola de Educação Básica, atualmente, contribui para uma efetiva formação leitora dos alunos?

7Pergunta presente na pesquisa: Que tipos de experiências de leitura você proporciona aos seus alunos, no ambiente escolar?

Recebido: 12 de Fevereiro de 2019; Aceito: 06 de Junho de 2019

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