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Contrapontos

versión On-line ISSN 1984-7114

Contrapontos vol.20 no.1 Florianopolis  2020  Epub 01-Ene-2021

https://doi.org/10.14210/contrapontos.v20n1.p92-109 

Artigos

PROFESSORES E GESTORES COMO PESQUISADORES: A REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA A PARTIR DA ESCUTA DOS ALUNOS

TEACHERS AND MANAGERS AS RESEARCHERS: REFLECTION ON PRACTICE BASED ON STUDENTS’ LISTENING

PROFESORES Y GERENTES COMO INVESTIGADORES: REFLEXIÓN SOBRE LA PRÁCTICA BASADA EN LA ESCUCHA DE LOS ALUMNOS

Julio Gomes Almeida1 

Priscila Martins Diniz2 

1Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Cidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

2Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, São Paulo, SP, Brasil.


Resumo:

Este artigo tem como objetivo apresentar reflexões de professores e gestores de escolas de educação básica que participaram, na condição de pesquisadores, da pesquisa Autoavaliação Institucional: a percepção de alunos do ensino fundamental sobre a educação de qualidade, realizada entre 2016 e 2018. A pesquisa envolveu quatro escolas públicas, sendo duas da rede municipal e duas da rede estadual, todas situadas no município de São Paulo. Os dados aqui reunidos decorrem da análise de documentos gerados no processo de pesquisa: atas de encontros mensais e registros de encontros realizados para avaliar a aplicação dos instrumentos de coleta de dados e avaliação final do projeto. Como resultado, é possível afirmar que o desenvolvimento de pesquisa na escola pública com a participação de professores e gestores na condição de pesquisadores favorece a aquisição de conhecimento no domínio da teoria e promove o exercício de utilização deste conhecimento no domínio da prática. Além disso, promove a aproximação entre professores e alunos, dos professores entre si e da universidade com a escola.

Palavras-chave: Ensino Fundamental; Escuta dos alunos; Professor Pesquisador

Abstract:

This article presents the reflections of teachers and managers in basic education schools who participated, as researchers, in a survey; the Institutional Self- Assessment survey: perceptions of elementary school students about quality education, which was conducted between 2016 and 2018. The research involved four public schools in the municipality of São Paulo; two in the municipal network and two in the state network. The data gathered here is the result of analysis of documents generated in the research process: minutes of monthly meetings and records of meetings held to evaluate the application of the data collection instruments and for the final evaluation of the project. The results confirm the view that the development of research in the public school, with the participation of teachers and managers as researchers, promotes the acquisition of theoretical knowledge and the practical implementation of this knowledge. It also helps strengthen the relationship between teachers and students, among the teachers themselves, and between the university and the school.

Keywords: Elementary Education; Listening to students; Researcher Professor

Resumen:

Este artículo tiene como objetivo presentar reflexiones de maestros y gerentes de escuelas de educación básica que participaron, como investigadores, en la encuesta de autoevaluación institucional: la percepción de los estudiantes de primaria sobre la educación de calidad, realizada entre 2016 y 2018. La investigación involucró a cuatro escuelas públicas, dos de la red municipal y dos de la red estatal, todas ubicadas en el municipio de São Paulo. Los datos reunidos aquí se derivan del análisis de documentos generados en el proceso de investigación: actas de reuniones mensuales y registros de reuniones celebradas para evaluar la aplicación de los instrumentos de recolección de datos y la evaluación final del proyecto. Como resultado, es posible afirmar que el desarrollo de la investigación en la escuela pública con la participación de maestros y gerentes en la condición de investigadores favorece la adquisición de conocimiento en el dominio de la teoría y promueve el ejercicio de usar este conocimiento en los dominios prácticos. Además, promueve la aproximación entre docentes y alumnos, entre docentes y entre la universidad y la escuela.

Palabras clave: Educación primaria; Escuchando a los estudiantes; Investigador Profesor

Introdução

A pesquisa que motivou as reflexões apresentadas neste artigo é desdobramento de pesquisa anterior1 e teve como objetivo principal identificar o que os alunos concluintes do ensino fundamental de escolas públicas entendem por educação de qualidade. Participaram da pesquisa 18 professores e gestores das escolas envolvidas, acompanhados e orientados por 3 professores e 4 alunos dos Programas de Mestrado em Educação e de Mestrado Profissional em Formação de Gestores Educacionais da universidade parceira. Duas proposições básicas orientaram o desenvolvimento da pesquisa: buscar na palavra dos alunos perspectivas de inovação no que se refere à educação de qualidade e contribuir para a inclusão da voz deste segmento nas discussões sobre melhoria da qualidade da educação.

Convém destacar que os resultados da pesquisa anterior sinalizam que da escuta aos alunos poderia advir uma perspectiva de inovação em termos de indicadores de qualidade da educação, isso porque uma das constatações da pesquisa anterior foi de que os alunos não opõem diversão e aprendizagem. Esse dado é particularmente interessante nas reflexões sobre educação de qualidade, porque a oposição entre diversão e aprendizagem é uma instituição muito presente na organização do trabalho escolar.

A pesquisa, cujo desdobramento apresentamos neste artigo, foi realizada mediante parceria entre escolas da rede pública e uma universidade privada situada na zona leste da cidade de São Paulo. Em sua elaboração, foram considerados os relatórios científicos elaborados pelos pesquisadores em função do compromisso com a agência financiadora; os registros dos encontros mensais com a instituição parceira previstos na proposta metodológica da pesquisa e do encontro onde foram compartilhadas as experiências de aplicação dos grupos focais; e ainda os registros de uma roda de conversa sobre pesquisa na escola realizada como última atividade do projeto.

No exame da literatura consultada ficou evidente que a voz dos alunos é praticamente ausente nas discussões sobre melhoria da qualidade da educação. Também ficou evidenciada na literatura e também nas falas dos professores e gestores participantes que, embora muito se fale dos alunos como atores importantes no cenário escolar, a sua voz nos espaços de decisão da escola, quando proferida, não costuma ser considerada. Nesse sentido, a pesquisa apontou para a necessidade de criação de mecanismos que inclua a voz dos alunos no processo de melhoria da qualidade da educação, como indicado a seguir:

Criar uma dinâmica que inclua a voz dos alunos na formulação do que a escola entende por educação de qualidade e, portanto, em nosso entendimento um caminho promissor. A criação dessa dinâmica pode ser resultado do trabalho de mobilização realizado pelos professores e gestores com vistas a tornar o trabalho escolar mais articulado com os anseios da juventude, superando uma cultura de avaliação restrita ao seu desempenho cognitivo e que não considera sua visão do processo educacional. (ALMEIDA & NHOQUE, 2018, p.164).

Conforme exposto, o foco da pesquisa em questão foram os alunos, contudo no seu desenvolvimento se destacou como aspecto relevante a percepção de professores e gestores sobre sua atuação na condição de pesquisadores. Neste artigo, apresentamos algumas reflexões destes gestores e professores sobre a experiência de participarem das diferentes etapas de uma pesquisa na condição de pesquisadores.

Como anunciado anteriormente, participaram da pesquisa professores e gestores da educação básica e, com objetivo de unificar o tratamento, vamos nos referir aos participantes como “professores pesquisadores” a partir deste momento. Com o propósito de garantir o anonimato dos participantes, serão utilizados nomes fictícios para as escolas, para os gestores e professores.

Professor de Educação Básica como Pesquisador: um Tema em Debate

Em nossas culturas escolar e acadêmica a pesquisa sempre esteve relacionada à universidade e aos professores que ali atuam, principalmente na pós-graduação. Em decorrência disso, verifica-se um debate sobre a possibilidade ou não de o professor de educação básica realizar pesquisa. Integra esse debate a discussão dos conceitos de professor pesquisador e professor reflexivo problematizados por Fagundes (2016) e busca-se compreender como estes conceitos foram apropriados e utilizados no cenário educacional brasileiro.

A questão do professor pesquisador também está presente nas discussões sobre a melhoria da qualidade dos cursos de formação inicial. Pesce, André e Hobold (2013) apontam a necessidade de superação do sistema de formação pautado pela racionalidade técnica fundado, sobretudo, na dicotomia entre teoria e prática. Nesta perspectiva, a pesquisa faria parte do trabalho do professor que, em sua formação, deve ser capacitado para “saber diagnosticar, levantar hipóteses, buscar fundamentação teórica e analisar dados são algumas das atividades que podem ajudar o trabalho do professor, quando se consideram as exigências da realidade atual e a complexidade da atividade da docência” (p. 10245). Os professores de educação básica, um tanto alheios às discussões sobre sua possibilidade ou não de realizar pesquisa na escola, reivindicam-na como o lugar da prática em oposição a uma teoria produzida longe do espaço onde as práticas educativas acontecem.

Nas últimas décadas, tem crescido o debate sobretudo nas universidades sobre a possibilidade de o professor da educação básica realizar pesquisa. Ludke et al. (2009) chamam atenção para o espaço significativo que essa possibilidade vem ocupando nesse debate e colocam-na em questão. Apresentam vários estudos focados nessa temática, alguns deles realizados por autores assumidamente favoráveis a despeito de fatores negativos, como “falta de preparação adequada dos professores para um bom desempenho em pesquisa, dificuldade de generalização a partir de situações restritas, falta de tempo para que o professor se dedique a essa prática, etc.” Embora tenha sido alvo de muitos estudos e reflexões, para Ludke et al. (2009, p.456), a “identidade da pesquisa do professor de educação básica é algo que se mostra ainda de forma obscura”.

As autoras recorrem aos estudos de Zeichner e Nofke (2001), que discutem uma série de fatores positivos no que se refere ao tema e que também assinalam aspectos que dificultam a realização dessa prática pelo professor de educação básica. Entre os fatores elencados no estudo, as autoras destacam os seguintes:

A falta de preparação adequada para o bom desempenho em pesquisa, o que concorre para que seus resultados sejam considerados menos rigorosos do que os obtidos pela pesquisa acadêmica; valor questionável desse tipo de pesquisa, feita pelo professor, pela dificuldade de generalização a partir de análise de situações restritas; e a falta de tempo disponível para que o professor se dedique a essa prática. (LUDKE et al., 2009, p. 456).

Neste sentido, a identificação de conceitos que organizam as discussões nos campos da pesquisa em educação e da avaliação educacional com vistas a ampliar o domínio de tais conceitos pelos professores e gestores participantes se afirmou como condição para o exercício da pesquisa. Para atender a esta demanda, foram realizados encontros com especialistas nestes campos e valorizados os momentos de reflexão sobre as práticas institucionais desenvolvidas na escola com os professores envolvidos na pesquisa. A importância dessa fase refletiu nos relatórios de pesquisa dos professores participantes, como atesta o fragmento a seguir:

Na primeira fase da pesquisa, nos preocupamos em aperfeiçoar conceitos relacionados à avaliação, tais como: tipos de avaliação, repercussão das avaliações, uso dos resultados e a avaliação externa e seus impactos na escola, bem como discutimos conceitos relacionados à pesquisa em ciências humanas, particularmente às ciências da educação. (KATIA, professora, 2016).

A perspectiva de aperfeiçoamento no domínio dos conceitos que organizam o campo mobilizou o grupo a buscar leituras, a participar de eventos educacionais, a buscar contato com especialistas e principalmente a organizar seminários de auto formação, destacado no depoimento a seguir:

As palestras me ajudaram a compreender que os resultados das avaliações, como indicadores de qualidade é uma tendência concreta não apenas no Brasil, mas em diversos países. Esse sistema de avaliação, também conhecido como avaliação em larga escala, contempla, segundo o professor Ocimar, amplo contingente de participantes e resulta em um conjunto de informações que pode orientar ações das mais variadas ordens nas políticas educacionais. (SANTOS, professor, 2016).

Tais depoimentos permitem entender que a pesquisa do professor de educação básica não foi realizada na escola de forma isolada, sem orientação competente e ignorando todo conhecimento produzido, inclusive a partir do que acontece no espaço escolar. Este dado aponta a importância de se considerar a possibilidade de o professor de educação básica realizar pesquisa numa parceria da escola com a universidade. No depoimento seguinte, uma das participantes da pesquisa reflete sobre a importância desta parceria:

Essa articulação faz a agente pensar sobre as teorias que fundamentam nossa prática e também estudar novas teorias para fundamentá-las também, com o pensar sobre nossas concepções de avaliação e as concepções que permeiam nossa escola, eh... à luz das teorias que nós fomos estudando no decorrer dos encontros, fortalece a nossa prática, né? Por que se a gente vir que as nossas ideias coadunam com aquelas, parece que fortalece, né, e a gente fica com mais ânimo até. (VITÓRIA, coordenadora, 08/12/2017).

É possível considerar que a participação dos professores e dos gestores promoveu a sua formação como educadores e pesquisadores, e também perceber os efeitos dessa formação na prática docente e de gestão, uma vez que permite articular a teoria estudada com situações vividas no cotidiano.

Abordagem da Pesquisa

A pesquisa Auto avaliação Institucional: a percepção de alunos do ensino fundamental sobre a educação de qualidade, em sua formulação inicial, previu como metodologia uma abordagem qualitativa de cunho fenomenológico e procedimentos que contemplassem estudos teóricos de natureza bibliográfica e documental, completado por pesquisa de campo com observação participante e proposição de questionário e realização de grupo focal com alunos concluintes do ensino fundamental. A pesquisa se desenvolveu se considerando, por um lado, um movimento coletivo efetivado por encontros semanais dos professores e dos gestores em cada escola, com a presença quinzenal do pesquisador responsável e encontros mensais na universidade com presença também dos demais professores e dos alunos da universidade parceira. Por outro lado, além desse movimento coletivo, considerou-se também um movimento individual, constituído pelo trabalho de cada educador.

Nos encontros realizados nas escolas, com ou sem a presença do pesquisador responsável, discutiram-se questões relacionadas aos estudos individuais e detalhes relacionados ao desenvolvimento da pesquisa em cada unidade; e nos encontros na universidade eram compartilhadas as reflexões de cada escola e discutidos com maior profundidade conceitos relacionados ao campo da educação e de interesse da pesquisa. Neste contexto, foram realizados seminários de auto formação preparados por cada escola e apresentados ao coletivo e encontros com especialistas que trouxeram contribuições importantes principalmente em aspectos como elaboração de instrumentos de coleta, construção de banco de dados e análise de resultados da pesquisa.

Essa dinâmica gerou um conjunto de reflexões dos professores e dos gestores pesquisadores registradas nas atas dos encontros realizados na universidade, com destaque especial para o encontro realizado para avaliação da aplicação do grupo focal, realizada em 08/12/2017, e de uma roda de conversa, realizada em 11/03/2018, como atividade final do projeto, os quais foram considerados documentos neste trabalho analisados.

Além dos registros destes dois encontros, que foram gravados e transcritos, também se consideraram na elaboração deste artigo os relatórios científicos elaborados pelos professores pesquisadores em função do compromisso com a agência financiadora, dos quais elegemos algumas categorias para reflexão.

A Pesquisa na Escola

Os depoimentos dos professores revelam que a realização de pesquisa na escola não é uma questão pacífica. De forma subjacente ou mesmo explícita, critica-se certo modo de fazer pesquisa, segundo o qual a escola constitui-se apenas em local de coleta de dados, que, uma vez fornecidos, a instituição escolar fica apenas como referência morta:

Bem, no meu caso acrescentou muito na minha formação porque eu já tinha participado de pesquisa, mas foram pesquisadores que foram até a escola para fazer a pesquisa, então eu nunca tinha participado de todo o processo - estudado, feito os relatórios, aprendido a respeito das metodologias -, então para mim, assim, foi muito interessante. Eu passei a estudar mais, a me interessar pelo assunto, a ler mais. Eu acho importante o professor mesmo, aquele que está na sala de aula ter esse contato. Não vir uma pessoa de fora e fazer a pesquisa, eu acho que a visão, né, dos professores fazendo a pesquisa mesmo dentro do seu ambiente de trabalho, é muito melhor. (KATIA, professora, 08/12/2017).

Estimular a escola a abrir caminho para que os alunos participem, envolver os professores e gestores em todas as etapas da pesquisa, considerar os professor e gestores da escola pública como atores importantes no cenário educacional são itens apontados na fala seguinte como possibilidade de desconstruir o olhar colonizador da universidade sobre a escola básica:

É desconstruir um olhar colonizador, né. Ah, eu falo do pobre, eu falo do aluno periférico, eu falo do professor da escola pública, mas eu não ouço e não vivo, e não é esse o ator. E quando nós da escola pública somos os atores de uma pesquisa, é outra perspectiva, né. (VITÓRIA, coordenadora, 08/12/2017).

A pesquisa permitiu aos envolvidos a articulação entre conhecimentos do domínio da teoria e da prática; fez pensar sobre as teorias que fundamentam a prática e sobre a prática que pode mudar a teoria, como evidencia o depoimento seguinte:

Ela trouxe reflexões para o nosso cotidiano sobre a nossa prática, né, sobre o nosso fazer em relação ao aluno, porque a gente fala da construção de uma escola democrática, mas a gente nem sempre vive a democracia com os nossos alunos. Às vezes fica muito mais no discurso do que naquela escuta atenta, verdadeira, aquele ouvir com o corpo inteiro, de perceber como ele olha para a educação. Como ele olha para mim, para a escola, para as funções. A gente tinha alguns instrumentos, né, Daniela, lá na escola, eh... de avaliação final, mas ouvi-los na roda, ver as filmagens, prestar atenção em cada fala, é outra coisa, né, é muito revelador. (VITORIA, coordenadora, 08/12/2017).

Com frequência, os discursos sobre a escola estão focados na forma de ver o aluno. Arroyo (2002) descreve-a e aponta como essa maneira de ver precisa se transformar. A pesquisa oportunizou aos professores/pesquisadores perceberem como os alunos enxergam a escola, como eles enxergam os professores e os gestores e, neste contexto, permitiu emergir seus questionamentos em relação à organização dos tempos e espaços que eles ocupam na escola.

Na pesquisa realizada mediante parceria entre escola e universidade, os professores e os gestores são incentivados a estudar, a sistematizar e produzir conhecimento, a instituição é incentivada a abrir caminhos para a participação e contribui para mudar a relação entre a escola de educação básica e a universidade. Além de discutir a importância de realização de pesquisa na escola, os professores e os gestores também se manifestaram sobre a importância pessoal de participar da pesquisa:

Para mim significou muito. Eu não esperava que pudesse ter um significado tão grande, tanto para minha vida profissional quanto para o conhecimento mesmo que a gente procurou ou procurava desenvolver. É que a gente não teve a oportunidade antes, então participar desse trabalho de pesquisa foi muito gratificante. Para mim significou a realização de um sonho. Eu sempre tive essa vontade de fazer esse trabalho, conversava muito com colegas de escola, conversava muito com nossas áreas de formação. Mas eu sempre achava que faltava uma lacuna que tinha que ser preenchida, e essa relação com a universidade tinha que ser aprofundada. (SANTOS, professor, 08/12/2017).

Além da importância em termos de formação, a pesquisa constitui-se em oportunidade de “ouvir mais os alunos”, apreender o que eles pensam sobre a escola e sobre qualidade na educação:

É, eu também adorei participar, porque eu nunca tive a oportunidade de participar de uma pesquisa. A gente sempre procura fazer cursos de aperfeiçoamento, mas assim, nunca tive a ideia de fazer uma pesquisa que pudesse me trazer várias vantagens como essa me trouxe. Então adorei poder ouvir mais os alunos, o que eles acham da escola, o que eles acham que é educação, porque às vezes a gente fala assim, “a educação é aprender”. Eles acham que não; para eles, às vezes, como na nossa escola mesmo, o que mais teve destaque foi o respeito. Então, quando você acha que o respeito vai ser para os alunos um fator que influencia na educação? Então, para mim foi fora de série, muito bom. (FRANCISCA, professora, 08/12/2017).

Muito se fala do aluno como protagonista, porém, no dia a dia, com frequência, eles são peças secundárias, já que na escola existe uma hierarquia e nela o aluno costuma vir por último. Um fator importante foi sua percepção de que são importantes: eram ouvidos pelos professores, coordenadores e diretores! Vejam o trecho seguinte:

E é importante colocar os alunos como protagonistas porque, muitas vezes, eles ficam como peça secundária. Porque assim é a hierarquia. Você tem o diretor, coordenador, professor, depois vêm os alunos. Mas se não existem os alunos, não existe escola, não tem o porquê, e aí foi interessante isso, de tê-los como os protagonistas. Eles que estavam sendo entrevistados, eles que estavam respondendo o que era uma escola de qualidade, o que seria importante para eles. Então isso foi bem interessante. (CAMILA, professora, 08/12/2017).

Em seu depoimento, a professora também destaca a metodologia empregada para ouvir os alunos. Muito se fala em ouvir os alunos, mas para ouvi-los é preciso que eles falem e para falarem eles precisam desejar. Assim, três aspectos nos parecem importantes destacar quando se fala em ouvir os alunos: a confiança deles naqueles que estão mediando a conversa e a metodologia empregada para abordá-los e o desejo deles de se manifestarem. No trecho seguinte, é citada a importância da metodologia:

Eu acho que o grande ganho não é só de vocês em ter a escuta dos alunos. Como você falou, para ouvir os alunos também é necessária a metodologia. Então, pelo o que nós sentimos, os procedimentos utilizados para coleta de dados, eles também eram um aprendizado para o professor que, para ouvir os alunos, ele precisa de uma metodologia, que não pode ouvi-los simplesmente. O que se faz com que o que o aluno diz? Isso o que você falou, como é que eu produzo esses dados? E agora eu faço o que com esses dados que o aluno nos deu? Então, isso foi muito interessante, eu acho que vocês escreveram nos relatórios. (MARGARETE, professora UNICID, 08/12/2017).

No que tange à metodologia, a realização de grupos focais como instrumento para coleta de dados, de forma isolada ou combinada com outras técnicas de coleta, revelou-se especialmente útil no processo de escuta aos alunos. A participação de diferentes grupos de sujeitos, já que havia escolas públicas de distintas localizações e contextos sociais, propiciou considerar a visão de diferentes sujeitos sobre a realidade de educação básica. Além da escolha da metodologia adequada, a confiança que o aluno tem em quem faz a mediação do encontro conta muito, como revela o trecho seguinte:

Eles falam com muita seriedade, né, assim, com muita verdade. E eu acho que até assim, quem está... quem vai entrevistar assim, tem que ter... eles têm que ter uma certa confiança também, eu pude perceber. Então cada um aqui teve um papel. A Nati, a Karla, eu, a Ana. Então, eu via às vezes a Karla, já tinha, digamos, uma pegada para conversar, já conhecia os alunos. Comigo, eles já ficavam meio assim, já conhecia e tal, já era outro processo. Então gerou toda essa confiança. Foi importante nesse primeiro contato a conversa para deixá-los relaxados. Também, o Manoel. Então, cada um tem uma participação, na metodologia, cada um tem uma participação. (PAOLA, professora, 08/12/2017).

Outro fator que contribuiu bastante para que os alunos fossem ouvidos foi a clareza e o significado das informações que receberam. A realização do grupo focal foi um momento de aprendizagem importante para os pesquisadores, que, em primeiro lugar, mostraram um bom domínio dessa técnica e, em segundo lugar, perceberam que, por meio dela, foi possível ouvir os alunos.

Na aplicação da técnica do grupo focal, cada professor pesquisador desempenhou uma função. No meu caso, fui responsável pela filmagem durante a qual pude analisar melhor e perceber a sinceridade de nossos alunos ao responderem nossos questionamentos. Eu me surpreendi com suas respostas e comportamento no decorrer e posteriormente ao grupo focal. Senti que os alunos entendem bem quais são os comportamentos adequados para um bom desenvolvimento do ensino e da aprendizagem, tanto no que se refere aos relacionamentos interpessoais, quanto na atitude relacionada ao uso do material e aos aspectos físicos da escola. Essa percepção nos instiga a buscar envolvê-los no trabalho cotidiano. (FRANCISCA, professora, 2018).

A pesquisa mostra que os professores e os gestores pesquisadores assumiram outra perspectiva com relação aos alunos que se revelaram sinceramente comprometidos com a melhora da escola. Outro aspecto destacado pelos pesquisadores foi a aproximação entre os professores e os gestores nas diferentes unidades participantes. Muitas vezes professores e gestores escolares lidam com os alunos como se estes não tivessem ciência sobre o que é importante e precisassem ser esclarecidos os defeitos e as virtudes necessários para enfrentar os desafios da vida, mas nos grupos focais professores e gestores tiveram a oportunidade de se surpreender “com suas respostas e comportamento no decorrer e posteriormente ao grupo focal. Senti que os alunos entendem bem quais são os comportamentos adequados para um bom desenvolvimento do ensino e da aprendizagem...”. Foi importante para os pesquisadores perceberem que os alunos entendem os problemas e estão dispostos a participar do enfrentamento deles, mas basta um mecanismo que inclua o desejo deles no horizonte da escola. Nesse sentido, os instrumentos escolhidos para coletar os dados junto aos alunos contribuíram não apenas com o processo formativo dos professores pesquisadores, mas também para uma aproximação entre eles e os alunos.

Os Instrumentos de Coleta e a Formação dos Professores Pesquisadores

O processo de elaboração dos instrumentos de pesquisa foi um momento que muito contribuiu no processo de formação dos professores pesquisadores. Tanto na discussão dos itens do questionário quanto na elaboração do roteiro para nortear a aplicação do grupo focal, muitos outros aspectos da escola e da prática dos envolvidos emergiram e foram discutidos. No trecho seguinte, uma das participantes da pesquisa fala da experiência de ter participado na elaboração do questionário:

A minha participação na elaboração do questionário foi uma oportunidade de reflexão sobre diversos fatores que podem interferir na aprendizagem dos alunos além das metodologias e conteúdos, como por exemplo, a estrutura da escola, as relações interpessoais, a limpeza e a alimentação escolar. (CARVALHO, 2018, p.35).

Em muitas situações, os problemas da escola são discutidos de forma simplificada; perguntas são formuladas e respostas são dadas sem a devida contextualização, sem olhar aspectos que em certos momentos parecem secundários, mas que em certos momentos se agigantam. Foi importante os professores ampliarem suas percepções sobre as questões da aprendizagem para além das metodologias, conteúdos e interesse dos alunos e perceberem a relação entre fatores como alimentação escolar, estrutura da escola, etc. e aprendizagem.

A elaboração do questionário ocorreu em duas fases distintas: primeiro, foi realizada discussão em cada escola sobre os itens que deveriam constar do questionário e, em seguida, foram discutidas as contribuições das escolas no encontro coletivo, quando foi definida a estrutura final do questionário a ser aplicado por todas as escolas aos alunos concluintes do ensino fundamental. O processo de elaboração do questionário foi um momento muito importante no processo de formação do professor pesquisador, pois permitiu a problematização de situações não pensadas nas escolas quando da elaboração da versão inicial.

O momento da aplicação também foi importante e os participantes da pesquisa consideraram que isso lhes ensinou a lidar melhor com os alunos e a perceber ainda que os alunos demonstraram grande interesse em participar de atividades a eles propostas, o que raramente se percebe no trabalho cotidiano em sala de aula. Essa situação permite questionar o discurso corrente de que o jovem não quer participar das atividades escolares e aponta para a necessidade de um olhar específico para essa questão.

O momento de aplicação também foi essencial no processo porque percebi que os alunos ficaram surpresos em participar da pesquisa, gostaram de colaborar e foram bastante sinceros ao responder as questões. Merece destaque também o momento de categorização dos dados do questionário, pois percebi como colocar as respostas em categorias e pude compreender como isso é imprescindível em uma pesquisa. A discussão dos dados do questionário possibilitou o levantamento coletivo de uma relação de categorias, que foram utilizadas em cada escola conforme sua realidade na elaboração do roteiro do grupo focal. (PINTO, 2018, p.31).

O segundo instrumento de coleta de dados utilizado foi o grupo focal. Trata-se de um instrumento que vem sendo utilizado como técnica de coleta de dados nas pesquisas em ciências humanas e sociais. A escolha do grupo focal como técnica de coleta de dados veio ao encontro do objetivo da pesquisa, já que possibilitou a escuta dos alunos e reuniu informações importantes sobre o assunto a partir da visão que eles têm. Ao discutir o uso dessa técnica, Gondim (2002) assim se manifesta:

O uso dos grupos focais está relacionado com os pressupostos e premissas do pesquisador. Alguns recorrem a eles como forma de reunir informações necessárias para a tomada de decisão; outros os veem como promotores da autorreflexão e da transformação social e há aqueles que os interpretam como uma técnica para a exploração de um tema pouco conhecido, visando o delineamento de pesquisas futuras. (GONDIM, 2002, p. 152).

De fato, o grupo focal constituiu-se como um espaço facilitador para a escuta dos alunos, uma vez que possibilitou a identificação de diferentes percepções desse segmento sobre educação de qualidade, o que muito contribuiu para as reflexões dos professores. A preparação para aplicação da técnica levou os professores a estudar, a buscar meios de se prepararem e a descobrir caminhos, como vemos a seguir.

No nosso caso, a gente não sabia como que a gente ia ouvir. Então, quando a gente aprendeu, a gente quis logo fazer. A nossa escola foi a primeira a fazer, não sei se você se lembra, o grupo focal, porque a gente ficou curiosa para descobrir, “como é que faz isso?”. A gente chegou a assistir no YouTube vários grupos focais para a gente ter uma noção de como a gente faria isso, de como que a gente ia aplicar esses dados, e a gente foi descobrindo, né, ao longo do caminho e isso foi muito rico para a gente. (KATIA, professora, 11/03/2017).

No modelo de escola atual, há carência de espaços de diálogo entre professores, gestores, funcionários e alunos, o que dificulta a relação entre esses segmentos da comunidade escolar. A percepção dos professores pesquisadores, após a aplicação deste instrumento, é a de que o grupo focal constitui um espaço facilitador para a escuta dos alunos e permitiu a aproximação entre os alunos e os professores pesquisadores.

A Escuta dos Alunos

A coleta de dados junto aos alunos constituiu-se em importante espaço de formação para os professores. Um dos pontos importantes nas reflexões foi a escolha dos alunos que deveriam participar do grupo focal. Cada escola ficou livre para decidir seu critério para inclusão dos alunos no grupo focal e também para escolha dos estímulos a serem utilizados na condução dos grupos. Os critérios e os estímulos escolhidos por cada escola, bem como os procedimentos de condução dos grupos, foram objeto de reflexão coletiva e também possibilitaram reflexões importantes.

Os depoimentos dos professores pesquisadores sobre os critérios de escolha e o desenvolvimento do trabalho a partir da escolha evidenciam que isso também se constituiu em momento de aprendizagem importante, uma vez que lhes permitiu perceberem que o critério de escolha interferia na qualidade dos dados que se pretendiam produzir:

Então, no primeiro grupo focal, eu selecionei alguns alunos que eram aqueles alunos bons, né, então eles falaram tudo o que a gente queria ouvir. O que era uma educação de qualidade numa escola limpa, aulas diversificadas, professores que os ouvem - né, tudo o que a gente já sabia. (KATIA, professora,11/03/2017).

Escolher os alunos considerados “bons” para participar das atividades é uma prática muito comum na escola e esse foi o primeiro critério utilizado. Esse critério é tradição em um modelo de escola que busca, nos modos de pensar, sentir e agir dos alunos, a confirmação de que o transmitido foi de fato assimilado. Diante da complexidade do tema pesquisado, ficou evidente que o grupo não apresentou novidades em termos de conteúdo e argumentos, os alunos reproduziram “tudo que a gente já sabia”.

Um sinal de mudança na prática dos educadores envolvidos na pesquisa foi uma avaliação do que ouviram e o não contentamento com a reprodução do que eles “já sabiam”, o que os impulsionou a selecionar para o segundo grupo focal alunos que pudessem trazer novas opiniões:

No segundo, nós observamos que precisava pegar aqueles ‘alunos problema’, porque eu quero entender o aluno, por que ele é assim, por que a indisciplina. Eu já sei o que o aluno bom vai falar, mas o que o aluno indisciplinado vai dizer? Então a gente utilizou as mesmas perguntas, mas não em forma de questionário. Então a gente providenciou um lanche que eles pudessem ficar bem à vontade um pouco antes da filmagem, e começou a mostrar as fotos e perguntar o que eles achavam dessas escolas, né, qual era a escola melhor, segundo eles. E aí eles começaram a falar, não precisou nem fazer pergunta. (KATIA, professora, 11/03/2017).

O depoimento revela que, no segundo grupo, a discussão fluiu, muitos critérios de qualidade foram apontados pelos alunos, tais como: escola limpa, relação com os professores, relação dos alunos entre si e, sobretudo, enfatizaram o respeito como indicador importante de qualidade:

Eles querem respeito, porque eles se sentem desrespeitados o tempo todo. Então, isso deixou a gente muito surpreso porque eu não imaginava que eles, né, se sentiam assim. E esses alunos indisciplinados falaram muito na questão da reunião de pais, eles falaram, “olha, a gente não acha importante a participação da família”. (KATIA, professora, 11/03/2017).

Outro ponto forte e que levou a reflexões importantes foi quando os alunos se posicionaram sobre a presença da família na escola. A posição dos alunos sobre essa questão se diferencia muito das opiniões que circulam no meio acadêmico, pedagógico, ou mesmo que permeiam as leis e as normas da educação: os alunos não veem como positiva a presença da família na escola para resolver problemas escolares, como mostra a fala da pesquisadora que conduziu o grupo focal:

A participação da família na escola atrapalha, por quê? Porque os professores mentem na reunião, ((acha graça)) não acontece. As coisas que são faladas realmente não são daquele jeito, são faladas para os pais de forma exagerada e causa conflitos em casa, e isso faz com que o aluno se torne mais indisciplinado, principalmente na aula desse professor, desse determinado professor. A gente ficou super surpreso com isso. (KATIA, professora, 11/03/2017).

Os alunos foram muito claros: - os professores mentem na reunião e, nessa perspectiva, a presença da família na escola atrapalha a relação, as coisas são faladas, segundo eles, de forma diferente daquela que acontece, de forma exagerada.

Nem todas as escolas fizeram grupos tendendo para a homogeneidade. Na fala seguinte, percebe-se que a escola buscou a heterogeneidade no processo de constituição do grupo focal:

Gente, então nós fizemos também dois grupos focais e fizemos no final do ano, e a gente teve essa preocupação de não pegar só os alunos bons. Então, assim, nos dois grupos tinham aqueles alunos que eram excelentes, a gente pegou aqueles que falavam bastante, que são aqueles bem comunicativos, e pegamos aqueles regulares também. E tanto é que a gente percebeu que toda vez que o aluno, que ele não tem uma aprendizagem muito boa, que a gente pegou, que era o Vítor. Ele tem muita dificuldade esse aluno. Toda vez que ele ia falar, os outros davam risada dele, porque eles não... nunca tinham visto o Vítor falar, né, então toda... só que ele participou muito. (GRAZIELA, professora,11/03/2017).

O grupo focal foi de fato um elemento facilitador da escuta dos alunos e na fala anterior se pode entender que o mesmo aluno que no dia a dia falou pouco, sentiu-se encorajado e expôs suas ideias:

Então, ficou nesse desenho aqui, a organização da nossa pesquisa, da nossa entrevista. Dois grupos de alunos do nono ano do ensino fundamental: de manhã foram seis e à tarde cinco alunos. Alunos de turmas distintas, então pegamos lá o nono A, o nono B para não ter o grupinho fechado ali, embora a escola seja pequena, então eles estão sempre juntos, a gente tentou pegar um pouco disso, né, os alunos de salas diferentes. Respondendo de forma voluntária, como eu disse, eles queriam participar de qualquer jeito ((acha graça)), a gente deixou bem claro que não tem essa coisa de “ah, vale nota”, “ah, vou mostrar para o seu pai”, “o professor vai ficar sabendo”. Não, a gente deixou bem claro como seria, explicando para eles também que se tratava de uma pesquisa, explicamos um pouco do trabalho que a gente está fazendo aqui, o que significa isso, deixamos isso bem claro para eles, e aí partimos para a discussão. (PAULO, professor, 11/03/2017).

No desenvolvimento da pesquisa, a compreensão pelos professores pesquisadores dos passos que precisariam ser percorridos e como deveriam ser percorridos foi outro aspecto que merece destaque como contribuição para a formação. Os procedimentos éticos de informar os alunos sobre os objetivos da pesquisa, de esclarecer sobre o sigilo e de que não seriam prejudicados por aquilo que falassem foi novidade para os pesquisadores, que logo perceberam como tais procedimentos contribuíram para que os alunos acreditassem que sua participação poderia ter como resultado a melhoria da qualidade da educação.

A participação na pesquisa, da maneira que aconteceu, foi uma novidade mesmo para quem já havia participado de pesquisas anteriores, pois a participação se deu em todo processo: escolha do objeto de estudo, do público-alvo dos objetivos, da literatura a ser estudada, dos instrumentos de coleta e análise de dados e, por fim, da discussão dos resultados. E como avaliaram os professores pesquisadores os resultados por eles alcançados? A primeira constatação foi que os alunos consideram que na escola falta diálogo, e a primeira atitude dos professores envolvidos foi uma discussão sobre o assunto:

Mas independente desse áudio que vai ser mais detalhado, óbvio, a gente teve algumas impressões que depois da entrevista a gente conversou entre a gente. A primeira coisa que a gente percebeu nas falas dos alunos, foi a carência de espaço de diálogos onde possam ser protagonistas. Eles consideram a falta de diálogo na escola como um grande problema, tanto entre eles, alunos, como entre alunos e professores. Então, falas assim: “ah, mas o professor chega, põe lição lá na lousa, manda copiar, e se perguntar alguma coisa, ‘ah, nego, copia aí, depois eu falo’”, esse tipo de coisa. Ou então entre os alunos mesmo. Às vezes, alguém tem algum problema, a pessoa tira um sarro, brinca, fala, mas, assim, conversar mesmo ali, ninguém conversa. Conversar sobre coisas pessoais. Você pode ver que tem sempre aqueles grupinhos de dois ou três que você encontra um amigo, que é amigo mesmo, que você tem um diálogo. Mas, no geral, na escola como um grupo, eles não enxergam esse diálogo onde eles podem se colocar como protagonistas. (PAULO, professor, 11/03/2017).

Na escola muito se fala em diálogo e não só se fala, mas também se escreve, como se vê nos planos de aula, nos projetos pedagógicos, nas atas de reuniões pedagógicas e de conselho de escola, contudo a experiência de diálogo nas situações de dia a dia ainda parece um tanto distante. Os alunos foram enfáticos na questão da falta de diálogo e descreveram situações questionando até mesmo aspectos fundamentais do exercício da docência, como o respeito ao aluno.

A falta de respeito, aliás, foi fortemente apontada como um fator que interfere na qualidade por alunos de todas as escolas, o que também motivou reflexões importantes. A discussão dos dados da pesquisa contribuiu para que os professores pesquisadores observassem a incoerência dos próprios discursos. Os professores pesquisadores se deram conta de que na escola, geralmente, cobra-se do aluno um respeito que a ele não é oferecido, como vemos a seguir:

O que a gente percebe muito, quando a gente ouviu as falas no grupo focal é assim, eles falam, “o professor quer ser respeitado”, só que o professor não respeita. Que eu falo, o comportamento que eu quero que o aluno tenha, mas o meu comportamento com outro professor é outro, então assim, eu quero ser respeitado, mas eu entro na minha sala de aula, nem “bom dia” para os meus alunos eu falo, não é assim? É, eles falam, essa é a fala deles. Então como o professor às vezes vai fazer um trabalho... que lá no [...] a gente tinha as assembleias, né Karina, que a gente fazia para discutir os conflitos dentro da sala de aula. Só que, de que adianta um professor que entra na sala, nem fala bom dia, e vai discutir as relações dentro da sala com as crianças? (MARIA LUCIA, diretora,11/03/2017).

Ouvindo os professores, é possível perceber que muitas dificuldades decorrem da falta de diálogo na escola. No questionário e nos grupos focais, a falta de diálogo aparece com muita força e dá para entender que essa falta interfere nas relações:

Reclamaram da postura dos professores que não conduzem adequadamente o diálogo sobre o comportamento deles, afirmando que não sabem se os professores os aprovam ou não, pois não há o diálogo necessário e sobram apenas as broncas. (SANTOS, professor, 2018).

Na fala seguinte, também é dada ênfase na confiança que se estabeleceu entre os alunos, os professores e os gestores que conduziram a pesquisa. Os professores consideram que essa confiança fez com que os alunos quisessem falar e falar muito:

Eles nem queriam parar de falar. Porque, assim, a gente começou; daí, a gente disse, “mas não pode, a gente tem um tempo certo”. E daí, assim, eles desembestam, porque eles têm essa confiança, eles sabem que a gente explicou os objetivos, né, para melhorar a escola, não é um estudo só por um estudo, a gente não está estudando só para fazer o material, a gente está estudando para transformar a escola de vocês, para vocês terem uma educação melhor. (MARIA LUCIA, diretora, 11/03/2017).

Neste contexto, em que valores como confiança e respeito aparecem muito ligados e como critérios fundamentais para que a educação tenha qualidade, entra a questão da presença dos pais na escola. Foi motivo de surpresa a afirmação dos alunos, segundo a qual a presença da família na escola tem prejudicado o diálogo entre alunos e professores. Na opinião dos alunos na relação que os professores estabelecem com os pais, os desrespeitam e, com esse desrespeito, quebra a possibilidade de confiança:

Mas essa questão da participação da família, a gente ficou muito surpreso, né, porque a gente imagina que eles gostem que a família participe e fique sabendo de tudo o que acontece. Então, assim, a gente ficou bem surpresa nesse sentido e o que eles sugeriram? Que, na verdade, antes da reunião de pais têm que ter uma conversa, eles precisam saber o que eles estão fazendo de errado, porque eles não sabem. Eu até questionei, “nossa, mas quando a gente chama a atenção de vocês o tempo todo durante a aula e fala, ‘olha, você vai tirar nota vermelha’, ‘olha eu vou falar com o seu pai’, ‘olha, você está fazendo isso’, não é uma forma de estar te avisando o que está acontecendo?”, eles: “não. A gente acha que aquilo é uma coisa da rotina que o professor tem que fazer aquilo, ele tem que dar bronca e isso não quer dizer que na reunião ele vai falar”. (KATIA, professora, 11/03/2017).

O depoimento da professora apresenta o direito de ser considerado como reivindicação básica dos alunos e chamá-los mais pode ser visto como forte sinal de desconsideração. Os alunos consideram necessária uma conversa com eles, para que sejam informados sobre o teor da reunião com os pais. O depoimento revela uma necessidade que o aluno parece ter de que alguém fale com ele, não reclame genericamente da bagunça e nem vá falar com seus pais sobre o que ele, pessoalmente, fez de errado. Essa situação mereceu muita discussão, porque busca resolver com a família o problema que tem com o aluno, antes de buscar junto a ele a compreensão do problema e eventuais soluções. O depoimento revela que os alunos têm ideia sobre o que seria necessário para que uma escola tenha qualidade e evidencia que o respeito é um forte indicador dessa qualidade na perspectiva dos alunos.

Então, e outra coisa que eu achei interessante, além de eles falarem que eles gostariam do conselho participativo, né. É que quando eu perguntei o que realmente precisa para ser uma escola de qualidade, de tudo o que vocês falaram, o que uma escola não pode deixar de ter para ser de qualidade. Eles falaram que é o respeito, que precisa ter o respeito, que precisa ter a compreensão por parte do professor, dos funcionários; que eles precisam conhecer o diretor da escola, que o diretor deve estar mais presente, né, e eles gostariam de ser ouvidos. (KATIA, professora, 11/03/2017).

Veja que ponto básico: conhecer o diretor da escola. E talvez um dos sinais de respeito aos alunos seria conhecer o diretor. Pareceu estranho os alunos não conhecerem o diretor da escola, mas as discussões mostraram que não são poucos os casos de escolas em que os alunos não conhecem o diretor. Na fala seguinte, a professora destaca o fato de a escola valorizar mais a ordem do que a relação e o respeito aos alunos, um ponto que as falas dos alunos mostram com grande ênfase.

Eu sempre achei que eu era uma professora ruim, porque os meus alunos, eles não ficam quietos, a minha aula não é uma aula que fica todo mundo quietinho, sentadinho, ninguém abre a boca, tem medo de mim quando eu venho chegando e entra todo mundo correndo; não, é o contrário. A gente é mais íntimo, eles não têm medo de perguntar nada para mim, e eu sempre me senti mal, falei, “ah, eu sou uma má professora. A boa professora é aquela que eu passo e eu vejo que está todo mundo assim quietinho, enfileiradinho”. E a visão dos alunos não é essa, eles já acham que um bom professor é aquele que ele pode perguntar, que ele não tem medo, que ele pode conversar, que a atividade é diferente, que ele não precisa ter essa distância do professor. Isso me deixou bem mais aliviada e eu acho que eu me senti melhor como profissional também. (KATIA, professora, 08/12/2017).

A percepção desta professora quanto ao comportamento dos alunos reflete a ideia instituída na escola que o bom professor é aquele que mantém sua sala enfileiradinha e quieta. E é uma presença tão forte que chega a constranger professores que pensam em se aproximar dos alunos. Neste sentido, os professores apontam a necessidade de que algumas práticas que organizam a estrutura e funcionamento da escola, isto é, sua cultura, precisam ser questionadas. E é o que faz a professora Karla, quando mostra a sua mudança de percepção sobre sua própria prática. O depoimento chama atenção para a necessidade de fortalecer os gestores e os professores que respeitam os alunos, que interagem com eles e que, sobretudo, acreditam na relação de confiança como um fio decisivo na construção de uma escola de qualidade.

Considerações Finais

Este artigo apresenta reflexões de professores e gestores de escolas públicas sobre sua participação em pesquisa na condição de pesquisadores. A referida pesquisa foi realizada mediante parceria entre escolas da rede pública e uma universidade privada situada na zona leste da cidade de São Paulo. Na elaboração deste artigo, foram considerados os relatórios científicos elaborados pelos pesquisadores em função do compromisso com a agência financiadora; os registros dos encontros mensais com a instituição parceira previstos na proposta metodológica da pesquisa e do encontro onde foram compartilhadas as experiências de aplicação dos grupos focais; e ainda os registros de uma roda de conversa sobre pesquisa na escola realizada como última atividade do projeto.

A participação na pesquisa na condição de pesquisador foi uma novidade para os envolvidos no processo. Alguns relataram ter participado de pesquisas anteriores e ficarem frustrados com a participação por não terem recebido notícias do pesquisador e nem dos resultados da pesquisa. A novidade desta experiência foi o fato de participarem desde a definição do tema até a discussão dos dados e da avaliação dos achados da pesquisa. Esse processo foi avaliado como altamente formativo, porque possibilitou a sistematização de conhecimento existente sobre o tema, bem como a produção de conhecimento no domínio da teoria que foi utilizada para orientar as reflexões sobre as práticas na condição de professores e gestores.

A definição do referencial teórico, que possibilitou lidar com os conceitos do campo pesquisado; a definição da metodologia, que permitiu conhecer as diferentes abordagens e os instrumentos de produção de dados e a aplicação dos instrumentos; a validação e a análise de dados foram procedimentos que contribuíram para o alcance dos objetivos da pesquisa e também para a formação dos professores pesquisadores.

Assim, a realização da pesquisa possibilitou aos participantes intercâmbio de conhecimento nos domínios da teoria e promoveu reflexão sobre a própria prática, avaliados como potente elemento de formação para os professores e os gestores escolares envolvidos. Outro aspecto destacado pelos professores e pelos gestores participantes como legado da pesquisa foi a aproximação entre professores e alunos, dos professores entre si e, sobretudo, da universidade com o cotidiano da escola. Essa aproximação constituiu-se em base de confiança e respeito mútuo que, segundo os professores pesquisadores, permitiu aos alunos participarem das atividades de forma entusiasmada e criativa.

Assim, é possível considerar que os profissionais que atuam na educação básica podem realizar pesquisa qualificada quando encontram parceria que viabilize apoio financeiro e acompanhamento técnico e acadêmico. Neste sentido, o apoio da Fapesp e o acompanhamento da universidade foram destaque no desenvolvimento da pesquisa.

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1A pesquisa Autoavaliação Institucional: a construção de indicadores que possibilitem o diálogo com as avaliações externas, realizada no período de 2012 a 2014 em uma escola da periferia leste da cidade de São Paulo, mediante parceria entre o Programa de Mestrado em Educação de uma universidade privada da zona leste, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, apresentou, entre seus resultados, que os alunos, além de reproduzir o discurso dos adultos sobre o que seria educação de qualidade, apresentaram em seus discursos alguns sinais de inovação. Tal resultado instigou à proposição de nova pesquisa, com o intuito de investigar melhor o que pensam os alunos sobre o tema.

Recebido: 25 de Maio de 2020; Aceito: 15 de Novembro de 2020

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