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Contrapontos

versión On-line ISSN 1984-7114

Contrapontos vol.20 no.2 Florianopolis  2020  Epub 01-Feb-2021

https://doi.org/10.14210/contrapontos.v20n2.p508-511 

Resenhas

EDUCAÇÃO, CORPO E POESIA: REFLEXÕES SOBRE AS VINTE E NOVE CARTAS, DE SÔNIA MACHADO DE AZEVEDO (OU UMA CARTA PARA SÔNIA)

EDUCATION, BODY AND POETRY: REFLECTIONS ON AS VINTE E NOVE CARTAS, BY SÔNIA MACHADO DE AZEVEDO (OR UMA CARTA PARA SÔNIA)

EDUCACIÓN, CUERPO Y POESÍA: REFLEXIONES SOBRE LAS VEINTINUEVE CARTAS, DE SÔNIA MACHADO DE AZEVEDO (O UNA CARTA PARA SÔNIA)

Jean Carlos Gonçalves 1  

1Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

AZEVEDO, Sônia Machado. As vinte e nove cartas:, Laban, uma gramática poética para atores. São Paulo: Perspectiva, 2020.


Sônia. Eu te conheci pessoalmente não há muito tempo, embora converse com sua escrita desde o lançamento do seu best-seller (sim, um best seller!) O papel do corpo no corpo do ator, em 2002 (AZEVEDO, 2002). À época, eu, aluno de graduação, queria compreender meu próprio corpo (impossível, obviamente) em meio a tantos jovens que se aventuravam a fazer o curso de Bacharelado e Licenciatura em Teatro- Interpretação da Universidade Regional de Blumenau, essa cidade linda localizada no Vale do Itajaí em Santa Catarina. Para além da admiração inequívoca pela excelente escritora que és, acho que o nosso encontro na Universidade Cruzeiro do Sul - Campus Anália Franco, em São Paulo, foi daqueles que afagam o coração, que iluminam a alma. Na ocasião da I Jornada de Estudos em Educação performativa, Linguagem e Teatralidades (ELiTe/UFPR/CNPq), entre o academicismo cheio de normas que ditam formas de se fazer e publicar trabalhos científicos (estávamos em uma banca de mestrado), eu conheci mais do que uma das maiores intelectuais da área.

Eu conheci o sorriso de Sônia. Sorriso acompanhado de uma generosidade imensa, de palavras que tocam fortemente o seu interlocutor, de gestos que estão muito além do trabalho inspirador que realiza. Que privilégio o meu! Conhecer-te um pouco mais, trazer-te a Curitiba, ser teu aluno de oficina de corpo no nosso amado Prédio Histórico da UFPR, marcar um cafezinho no Itaim Bibi, naquelas idas corriqueiras a São Paulo (que eu fazia antes da pandemia), encontrar você no home office, na tela do computador (para trabalhar junto, falar de nossos projetos), ter você como primeira leitora de um texto que eu não estava com coragem de publicar... Muitas histórias em pouco tempo, graças a Dioniso!

Recebi, há alguns dias, a notícia do lançamento do seu novo livro, que eu já aguardava ansioso, pois sabia dele pela sua própria boca - seus anseios e expectativas irradiavam sua expressão quando falava de As vinte e nove cartas (AZEVEDO, 2020). Soube por você que o livro teria um subtítulo, e que maravilha de subtítulo: Laban, uma gramática poética para atores. Garanti, imediatamente, o meu exemplar (e ainda vou te obrigar a autografá-lo, rsrs), que chegou em Curitiba em um dia muito especial pra mim...uma hora te conto.

Iniciei a leitura tentando não me surpreender, afinal, já conheço a Sônia escritora. Em Campo feito de sonhos, você arrasa falando da sua trajetória nos teatros do SESI (AZEVEDO, 2016). É dali que uso em minhas aulas a sua importante discussão sobre o Corpo disponível, por exemplo. A autora literária que existe em você põe o leitor em suspensão em Odete inventa o mar (AZEVEDO, 2009). Quanta teatralidade envolvida, quanto bom gosto na escolha de cada palavra... Mas, sem querer, me surpreendi.

Aí, pensei: o que impede que uma resenha seja escrita em forma de carta? A questão do gênero? Não. Eu seria antibakhtiniano se pensasse dessa forma. Esta resenha é uma resposta a uma mensagem sua no celular, quando te disse que o livro havia chegado: - Depois me fale. Quero muito te ouvir! (E um emoji carinhoso, mais uma de suas marcas).

Pois bem. Comecei pelo prefácio intitulado, Carta para minha mãe (ou uma espécie de prefácio), assinado por Amilton de Azevedo, seu filho. Esse texto caiu tão bem à obra! É um texto-presença, que nos conta ainda mais de você, da Sônia que vive intensamente e, eu ousaria dizer, despretensiosamente. Confesso que também quis sentir “o cheiro da massa de bolinhos de chuva” (embora os meus tenham que, necessariamente, não conter glúten). Leio, em seguida, a apresentação de Lígia Cortez, na primeira orelha, e ali fica evidente o fato de que seu livro não é apenas um livro para atores, embora estes sejam os primeiros destinatários - a educação pulsa, o corpo ferve, a poesia salta.

Estou, então, diante de uma obra indispensável para quem estuda corpo, para quem investiga relações humanas e para quem se preocupa com o que será do mundo daqui para frente. Entre a ética - cuidado muito perceptível nas entrelinhas na sua construção textual - e a sua incrível capacidade de nos fazer agarrar o livro e devorá-lo, você nos apresenta uma teoria labaniana imersa na prática, mas que se recusa a investir na estética do que poderia se apresentar como um manual sobre como dar aulas. Eu o tomarei como manual porque quero, por livre escolha. Quero que o livro se torne referência em minhas disciplinas, cursos e palestras. Mas você em nenhum momento nos obriga a isso. E isso é muito você, afinal, como te disse o mestre Jacó, “Você não precisa de nada, faça só o que tiver vontade”.

As suas cartas tornam-se, nesse sentido, magníficas, porque nelas está impressa a sua relação com a vida, a sua forma de ver o mundo. O registro é, então, irresistível para leitores que se recusam a se denominarem como autoridade em qualquer coisa. Autoridade em corpo, por exemplo, ninguém é. Cada um é um corpo e eu só posso saber como é meu corpo inteiro pelo olhar do outro. É o outro que me dá a possibilidade de um acabamento provisório, para que eu entenda, minimamente, quem sou. Mas eu, como um leitor apaixonado pelo que escreves, reconheço o quanto você me constitui e o quanto sua voz ecoa em minha prática, em meu jeito de dar aula, de conviver (na vida, na arte, na universidade). Essa é a autoridade apropriada - nunca autodenominada, sempre fundada pelo olhar do outro. Você, Sônia, pra mim, é uma autoridade - você pode falar, porque você sabe do que está falando. Claro que este parágrafo tem um pouco a ver com aquela nossa conversa sobre a área de corpo nas artes cênicas, que é muito disputada, envolve muitos egos, enfim...

Volto ao seu texto, aos poucos, levo para a sala, para a cozinha, leio mais uma carta enquanto as crianças gritam e fazem bagunça... E não posso deixar de dizer que seu texto sobreviverá por ser muito aberto. Eu não preciso ler as cartas em sequência, e isso é um achado incrível. Elas estão ali, prontas para degustação em qualquer ordem. Posso ser atraído pelo título, pela data, pelo assunto do primeiro bloco de cada uma...

Destaco, aqui, pelo contexto no qual este texto está sendo publicado - o dossiê Artes do Corpo e Educação, a vigésima nona carta: A importância das avaliações individuais e presenciais, ou afinal, o que é uma avaliação em corpo?. Sônia, você não imagina como eu precisava ler esta carta. Ela me pegou por tantos lugares, por tantas dores... Primeiro porque estamos em um momento que foge do presencial. Se antes não conseguíamos definir presença, agora menos ainda, e aí vem uma avalanche de dúvidas e preocupações. Sua carta toca nos estudos da presença de forma tão sensível... Bateu uma saudade da sala de aula de corpo (nos lugares de docente e de aprendiz; amo os dois igualmente). Em segundo lugar, sua carta me arrebata por dar à avaliação em corpo um lugar tão nobre e ao mesmo tempo tão distante dos processos de escolarização aos quais estamos acostumados - notas, médias, provas, aprovações, reprovações - e familiarizados. Somos tão cobrados institucionalmente para o lançamento de notas, que chega a cansar, a dar preguiça, como você costuma dizer... Como avaliar uma experiência, não é mesmo? Como atribuir ao trabalho de corpo um conceito? Isso não combina com generosidade, empatia e afeto. Mas como eu disse uns tempos atrás, a interposição das vozes da arte na educação e das vozes da educação na arte é condição sine qua non para a existência da cena, do corpo, em espaços educativos. Ou sobrevivemos em meio ao caos, brigando um pouco com quem insiste em dizer que o que fazemos não é avaliação (alguns dirão até que não é do mundo da educação), ou fingimos não ouvir e continuamos, porque resistência é o nosso nome.

Quanto às normas do gênero, esta carta assemelha-se à resenha: a quantidade de páginas deve ser bem limitada. Não posso me alongar mais. Tenho tanto a dizer ainda... Direi muito a você, pessoalmente, pelo whats, nos nossos encontros da vida! Mas prefiro fechar esse texto com as suas palavras, para que o leitor que ainda não teve a oportunidade de ler As vinte e nove cartas tenha uma pequena prévia das sensações que a colisão com seu livro pode provocar (tive que fazer um esforço enorme para não dar spoilers):

As cartas são o que se escreve entre amigos, ou entre aqueles com os quais se estabelecem relações de algum afeto e sinceridade. E são mais livres e pessoais por não obedecerem a calendários nem cobranças exteriores, são nascentes/olhos d’água que brotam do solo (do nosso corpo/terra), porque sempre chega a hora de deixar que percepções e pensamentos gestados em segredo saiam para o mundo como tentativa de tocar o outro, esse sempre estrangeiro que nos apaixona e inquieta, espelho do que somos, cada um de nós. Indecifráveis. (Sônia Machado de Azevedo, em As vinte e nove cartas. Laban, uma gramática poética para atores)

Referências

AZEVEDO, Sônia Machado . As vinte e nove cartas: Laban, uma gramática poética para atores. São Paulo: Perspectiva, 2020. [ Links ]

AZEVEDO, Sônia Machado . Campo feito de sonhos: os teatros do SESI. São Paulo: Perspectiva , 2016. [ Links ]

AZEVEDO, Sônia Machado . O papel do corpo no corpo do ator. São Paulo: Perspectiva , 2002. [ Links ]

AZEVEDO, Sônia Machado . Odete inventa o mar. São Paulo: Perspectiva , 2007. [ Links ]

Recebido: 08 de Outubro de 2020; Aceito: 25 de Novembro de 2020

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