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Contrapontos

versión On-line ISSN 1984-7114

Contrapontos vol.21 no.1 Florianopolis ene./dic 2021  Epub 20-Mayo-2022

https://doi.org/10.14210/contrapontos.v21n1.p25-38 

Artigos

MOBILIZANDO FERRAMENTAS CONCEITUAIS DA ANÁLISE DO DISCURSO EM MICHEL FOUCAULT

MOBILIZING CONCEPTUAL TOOLS OF DISCOURSE ANALYSIS IN MICHEL FOUCAULT

MOVILIZANDO HERRAMIENTAS CONCEPTUALES DEL ANÁLISIS DEL DISCURSO EN MICHEL FOUCAULT

Bárbara Hees Garré1 

Ana Gabriela da Silva Vieira2 

1Programa de Pós-Graduação em Educação, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense, Pelotas, RS, Brasil.

2Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil.


Resumo:

Michel Foucault discutiu o conceito de discurso, compreendendo-o não enquanto aquilo que representa a realidade, mas o que, de outra forma, a fabrica. Em seus escritos, Foucault constituiu ferramentas que nos possibilitam operar com uma análise do discurso, tomando as discursividades em suas condições de existência e em seus efeitos. O autor, ao propor direcionamentos metodológicos para uma análise do discurso, traz o conceito de enunciado enquanto uma função enunciativa, que permite a existência de atos de linguagem. Investindo nas discussões foucaultianas do discurso, em seus aspectos teóricos e metodológicos, este artigo pretende abordar uma possibilidade de operar com algumas ferramentas da análise do discurso em Michel Foucault. Para tanto, será feita referência à pesquisa desenvolvida em curso de Mestrado em Educação, cujo objetivo era problematizar os modos de subjetivação que estariam funcionando nos discursos curriculares de escolas de surdos. Essa pesquisa operou com procedimentos metodológicos de análise do discurso, os quais o presente artigo pretende explorar. A intenção aqui é apresentar algumas pistas de se fazer pesquisa operando metodologicamente com as ferramentas da análise foucaultiana, mobilizando os conceitos do autor. A referida pesquisa, ao estudar sua rede documental, identificou o funcionamento de três enunciados relativos aos modos de subjetivação que produzem formas de ser sujeito surdo. Estes enunciados aparecem enquanto função de existência de uma série de enunciações presentes nos documentos curriculares que compuseram a rede documental da pesquisa - a saber, Projetos Políticos Pedagógicos e Regimentos Escolares de três escolas de surdos no Rio Grande do Sul.

Palavras-chave: discurso; estudos foucaultianos; educação de surdos; currículo

Abstract:

Michel Foucault discussed the concept of discourse understanding it not as something that represents reality, but produces it. In his studies, Foucault established tools that enable us to operate with discourse analysis, considering the discoursiveness in their conditions of existence and their effects. The author, when proposing methodological directions to a discourse analysis, brings the concept of enunciation as an enunciative function, which allows the existence of speech acts. Investing in Foucauldian discourse discussions, in their theoretical and methodological aspects, this paper intends to approach a possibility of operating with some tools of discourse analysis in Michel Foucault. Therefore, the reference will be the research developed in Master’s Education course, which objective was to problematize the subjectivation modes that would be working in the curricular discourses of schools for deaf people. This investigation operated with methodological procedures for discourse analysis, which the present paper intends to explore. Here, the goal is to present some clues to the research, methodologically operating with the tools of Foucauldian analysis, mobilizing the author’s concepts. When studying its documental network, the referred study identified the functioning of three enunciations related to the modes of subjectivation that produce ways of being a deaf subject. These enunciations appear as a role of existence of a sequence of enunciations present in the curricular documents that made up the documental research network - namely Political Pedagogical Project and School Rules of three schools for deaf community in Rio Grande do Sul.

Keywords: discourse; foucauldian studies; deaf education; curriculum

Resumen:

Michel Foucault discutió el concepto de discurso, entendiéndolo no como lo que representa la realidad, sino como lo que, de otro modo, la fabrica. En sus escritos, Foucault constituyó herramientas que nos permiten operar con un análisis del discurso, tomando las discursividades en sus condiciones de existencia y en sus efectos. El autor, al proponer orientaciones metodológicas para un análisis del discurso, trae el concepto de enunciado como función enunciativa, que permite la existencia de actos de lenguaje. Invirtiendo en las discusiones foucaultianas del discurso, en sus aspectos teóricos y metodológicos, este artículo pretende aproximarse a una posibilidad de operar con algunas herramientas de análisis del discurso en Michel Foucault. Para ello, se hará referencia a la investigación desarrollada en la Maestría en Educación, cuyo objetivo fue problematizar los modos de subjetivación que estarían funcionando en los discursos curriculares de las escuelas para sordos. Esta investigación operó con procedimientos metodológicos de análisis del discurso, que este artículo pretende explorar. La intención aquí es presentar algunas pistas para hacer investigación metodológicamente operando con las herramientas del análisis foucaultiano, movilizando los conceptos del autor. Esta investigación, al estudiar su red documental, identificó el funcionamiento de tres enunciados relacionados con los modos de subjetivación que producen modos de ser un sujeto sordo. Esos enunciados aparecen en función de la existencia de una serie de enunciados presentes en los documentos curriculares que componían la red documental de la investigación - a saber, Proyectos Políticos Pedagógicos y Regimientos Escolares de tres escuelas para sordos de Rio Grande do Sul.

Palabras clave: dicurso; estudios foucaultianos; educación sorda; reanudar

Introdução

Este artigo pretende abordar uma discussão de cunho metodológico, mobilizando, enquanto ferramenta conceitual, a noção foucaultiana de discurso. Neste sentido, intenciona- se abordar uma possibilidade de operar com a teorização de Michel Foucault, a fim de pensar pistas metodológicas da análise do discurso.

Para discutir a análise do discurso enquanto método de pesquisa, cabe, em um primeiro momento, explicitar a existência de diversas vertentes de análise discursiva, sendo o pensamento foucaultiano apenas uma das perspectivas possíveis. Edgardo Castro (2016) afirma que o discurso é uma das questões mais centrais no pensamento foucaultiano, e aponta para a arqueologia como uma modalidade de análise do discurso. Assim, pretende-se, aqui, aprofundar a análise de alguns procedimentos analíticos explicitados na obra A Arqueologia do Saber, de Michel Foucault, em diálogo com outras discussões que o autor faz, acerca da noção de discurso.

Pensando numa possibilidade metodológica de análise do discurso em Foucault, a abordagem se relacionará com uma pesquisa1 que propôs colocar em prática alguns procedimentos metodológicos foucaultianos. A investigação em questão, ao estudar documentos curriculares de três instituições2, pretendeu explanar modos de subjetivação que estariam funcionando nos discursos que compuseram tais documentos. Essa pesquisa, a qual este artigo fará referência permite pensar e dar visibilidade a algumas questões relativas à análise do discurso em Michel Foucault.

Michel Foucault e a Análise do Discurso

Embora o foco deste artigo esteja em discussões feitas por Foucault em A Arqueologia do Saber, outras questões também são significativas para pensar uma proposta foucaultiana de análise do discurso (AD). O presente estudo não pretende explicar o método arqueológico, mesmo porque a pesquisa a qual se refere não se propõe, estritamente, a considerar aquilo que o autor explicita como “arqueologia”, dado que, operou também com noções genealógicas.

Na medida em que esta pesquisa pretendeu investigar modos de subjetivação em funcionamento nos discursos curriculares, mobilizou, junto ao conceito de discurso, o conceito de poder - poder que se exerce e subjetiva indivíduos no espaço da escola, operando e funcionando em discursos que se repetem nos documentos curriculares, como aqueles estudados neste estudo (Regimentos Escolares e Projeto Político Pedagógicos).

Essa relação entre poder e discurso encontra-se em A Ordem do Discurso. Foucault (2014)3 afirma que, nas sociedades humanas, a produção dos discursos está atravessada por procedimentos de seleção e controle que limitam o discurso, dominam suas aparições aleatórias e selecionam modos de ser sujeito que podem pronunciar determinados discursos. Quando a História Tradicional das Ideias pensa o discurso, conforme aponta o autor, o faz na perspectiva da criação, da originalidade individual, e como sendo algo no qual se deve buscar significações ocultas. Foucault (2014), em outro sentido, pensa o discurso como acontecimento e busca compreender seus efeitos, além das condições de possibilidade para a sua emergência.

Dito isso, pretende-se aqui pontuar alguns procedimentos metodológicos para uma AD foucaultiana que são abordados de forma mais adensada na obra A Arqueologia do Saber. Sobre a abordagem, Foucault (2015)4 argumenta que não propõe um método aplicável a domínios variados, com pretensão de validade universal. Seus procedimentos e instrumentos são, ao contrário, pensados para seu problema específico, que o autor define como “fazer aparecer essa espécie de camada, ia dizer interface, como dizem os técnicos modernos, a interface do saber e do poder, da verdade e do poder”. (FOUCAULT, 2015, p. 224).

Trata-se de uma obra ampla no que concerne aos instrumentos analíticos, de forma que, aqui, tira-se proveito, sobretudo, da noção de enunciado. Esta relação do enunciado com o que Foucault referenciou como interface do poder e do saber é explicitada por Rosa Fischer (2012), que aponta que os enunciados “constituem práticas sociais por definição permanentemente presas, amarradas às relações de poder, que as supõem e as atualizam” (FISCHER, 2012, p.75). Conforme aponta Veiga-Neto (2009), para trabalhar com AD em Foucault é necessário compreender a ideia de “método” não como um protocolo fixo a ser seguido. O autor explicita que, para Foucault, não existe um manual imutável que possa ser universalmente posto em prática para a realização de uma pesquisa, o que não significa abandonar o rigor na escolha e análise dos materiais empíricos. A leitura dos materiais empíricos auxilia no apontamento de ferramentas, a fim de evitar encaixes forçados de conceitos na pesquisa.

Veiga-Neto (2017) explicita, também, que a proposta de Foucault não é identificar uma essência fundadora nos discursos, investigando os “não ditos”. Trata-se de afastar-se das exigências que outros tipos de AD fazem acerca das operações analíticas e linguísticas, para compreender o que é, de fato, dito. Além disso, a análise do discurso em Foucault também se afasta da noção de um sujeito que é autor do discurso, anterior a ele próprio; assim, abandona-se a ideia de que os discursos indicariam “individualidades intelectuais ou psicológicas, materializadas nesse ou naquele autor, inscritos, por sua vez, nessa ou naquela instituição” (VEIGA-NETO, 2017, p.99).

Assim, os textos que constituíram a materialidade da pesquisa, a qual este estudo se refere, foram analisados nos contatos que mantêm entre si, e com os discursos que os atravessam, isso é necessário, segundo Veiga-Neto (2017), para que seja possível compreender quais regimes de verdade esses discursos estão sustentando. Tendo sido realizadas essas considerações, a seguir serão abordadas algumas discussões metodológicas que Foucault trata em A Arqueologia do Saber, a partir das quais operou-se nesta pesquisa.

A Arqueologia do Saber: Discussões Metodológicas

No livro A Arqueologia do Saber (1972)5, Foucault propõe sua análise do discurso. A análise do discurso de Foucault trata da descrição dos acontecimentos discursivos, que compreendem um conjunto impossível de enumerar, mas necessariamente finito, de enunciados. Analisar o agrupamento de enunciados que constituem um discurso é estudar sua emergência enquanto acontecimento, e as relações estabelecidas com outros enunciados, que funcionam em um “sistema de dispersão”. Isto significa dizer que a análise do discurso não busca a coerência entre os enunciados, visto que estes se encontram dispersos no discurso, devendo-se estudar seus modos de repartição. Foucault (1972) demarca que enunciados cujo sistema de dispersão se assemelha, pertencem à mesma formação discursiva.

Os enunciados fazem sentido porque estão inseridos em uma formação discursiva que dá condições para a existência, para as transformações e para as correlações destes enunciados. Desta forma, nesta pesquisa, pensam-se os discursos acerca da educação, que constituem os documentos curriculares analisados, enquanto constituídos de enunciados em dispersão. Assim, aqui se pauta um alargamento, uma descontinuidade no que concerne à fabricação, discursiva, de diferentes modos de ser sujeito.

Ao se debruçar sobre a materialidade da pesquisa, foi possível ter contato com uma série de enunciações presentes no texto. Ao proceder com a análise do discurso, na perspectiva foucaultiana, a proposta foi a descrever enunciados que teriam possibilitado tais enunciações. Para tanto, importa esclarecer o conceito de enunciado. Foucault (1972) aponta que enunciado não é um sinônimo para proposição, para frase, ou para um speech act (que pode ser traduzido como ato ilocutório).

A distinção entre proposição e enunciado se dá, visto que a primeira está ligada a leis de construção com base lógica, a um valor de verdadeiro/falso; o enunciado não está pautado pelas mesmas regras. Um enunciado tampouco é uma frase, uma vez que esta última está presa a uma estrutura gramatical que não aprisiona o enunciado. A respeito do ato ilocutório, Foucault (1972) esclarece que não deve ser concebido como aquilo que vem antes do que se enuncia, ou como algo posterior, seus efeitos. Os atos ilocutórios correspondem a este momento de enunciação, porém, muitos deles necessitam que vários enunciados se articulem, constituindo-os e conferindo-lhes unidade.

Deste modo, Foucault (1972) estabelece que o enunciado não é uma estrutura ou uma unidade, mas uma função de existência que permite que estruturas e unidades - como as proposições, as frases e os atos ilocutórios - apareçam. Assim, não se deve entender o enunciado como mais um elemento a se analisar, mas olhá-lo como função enunciativa, que se efetiva permitindo que conteúdos apareçam. O enunciado é o que permite que se diga, se escreva, se materialize um ato de linguagem, o que faz de um simples conjunto de signos uma unidade com sentido, no entanto, não o sentido conferido pelas regras da gramática ou da lógica, mas no que concerne à sua formação na esfera do discurso.

Um estudo acerca do enunciado que exemplifica bem a questão de não corresponder a uma unidade da língua é o de Sousa e Fernandes (2016). As autoras propuseram uma investigação acerca do riso, enquanto enunciado no discurso político, demonstrando que, embora o enunciado possa materializar-se em estruturas linguísticas como as já citadas frases e proposições, ele também pode fazê-lo de outros modos, com outras formas de linguagem, como um sorriso, que possui efeito de sentido.

Tendo discutido o entendimento do enunciado - enquanto função enunciativa - Foucault (1972) abre um novo tópico para caracterizá-lo, elencando quatro propriedades da função enunciativa. A primeira delas é o referencial. O referencial não possui com o enunciado uma relação de causa, não é um conjunto de regras para a utilização deste enunciado, e também não pode ser definido por aquilo de que o enunciado fala, a que se refere, como uma espécie de tema.

Foucault explicita que, ao tomar uma preposição e seu referente, não há uma equiparação com a relação de um enunciado com seu referencial. Na proposição, o referente é simplesmente aquilo de que se está falando, por meio de que é possível uma verificação lógica. Para exemplificar a questão, retirou-se a seguinte unidade do Projeto Político Pedagógico de uma das escolas analisadas por este artigo: “A Escola oferece o Ensino Fundamental completo”.

Caso se quisesse analisar esta estrutura a título de proposição, se compreenderia que o referente da mesma é “Escola”, e bastaria que se fosse até o local para atestar a veracidade da proposição, ou seja, se a escola oferece, de fato, o Ensino Fundamental, dado que uma análise lógica compreende atestar se o que está proposto é verdadeiro ou falso.

O sentido de uma frase, do mesmo modo, também não corresponde ao referencial de um enunciado. Isto porque, para que uma frase exista, basta que ela se organize gramaticalmente, através de sua sintaxe. Desta forma, Foucault demarca que se podem constituir “frases que não têm sentido, apesar da estrutura gramatical inteiramente correta” (FOUCAULT, 1972, p.113).

Ainda assim, não basta fazer uma correlação com um objeto, um indivíduo, uma palavra de uma frase, para definir o referencial de um enunciado. Foucault (1972) explicita que, no caso do enunciado, esta propriedade corresponde a um conjunto de domínios. No nível enunciativo (diferente do lógico e do gramatical), o referencial não é composto por “coisas”, mas por leis de existência que possibilitam aquele enunciado, que lhe dão condições de emergência. Ao passo que este enunciado permitirá unidades como frases e proposições, é exatamente esta propriedade - o referencial - que fará com que as frases que surgem a partir daquele enunciado tenham sentido, e as proposições sejam entendidas como verdadeiras.

A segunda propriedade do enunciado a ser descrita é o seu sujeito. Foucault (1972) demarca que o sujeito do enunciado ao qual se refere não é o sujeito da frase, determinado por sua função gramatical. O autor marca que o sujeito do enunciado é exterior à frase, mas isto não significa que corresponda à pessoa que pensou/escreveu/disse. Importa reiterar que não há, no horizonte da análise do discurso foucaultiana, a emergência de um indivíduo autor que cria o discurso, uma vez que um autor diz o que é possível dizer. A pessoa que fala, que escreve, “autor” de uma enunciação, designado como sujeito enunciante; porém, sujeito enunciante e sujeito do enunciado são algo distinto. Nos mais variados contextos, um mesmo enunciado pode ser dito por muitas pessoas, e pode a mesma pessoa referir-se a uma série de enunciados. O sujeito do enunciado, portanto, não é uma pessoa, mas um vazio a ser ocupado, uma função que pode ser assumida por diferentes indivíduos.

Alguns enunciados, conforme aponta Foucault (1972), têm nessa propriedade uma função neutra, ou seja, algo que qualquer um pode dizer. Em outros, o sujeito do enunciado é uma posição com requisitos, com condições para que um indivíduo ocupe tal função. Em um texto, esta propriedade da função enunciativa pode variar, conforme os enunciados que constituem materialmente uma obra, um documento, uma fala, etc. Este artigo exemplificará a questão, trazendo excertos de um dos Projetos Político Pedagógicos estudados.

Na capa do documento, há, em letras garrafais, o nome da escola. Este nome pode ser dito pelos alunos, pelos pais, funcionários, professores, por toda a comunidade escolar, pelas pessoas que moram no bairro onde a escola está situada, pelos funcionários públicos que regulamentam o ensino naquele município, enfim, é imenso o conjunto de indivíduos dos quais é perfeitamente aceitável saber e proferir o nome da escola. No interior do documento, no entanto, está a seguinte enunciação “A organização curricular estrutura-se a partir da realidade do aluno surdo”. Aqui, já não é possível que qualquer sujeito ocupe a função de sujeito do enunciado, é preciso que seja alguém que se reconheça, entre seus pares, quanto às condições necessárias para discutir o assunto “currículo” - o que está pautado, normalmente, em caracteres do saber científico, da formação profissional e acadêmica do sujeito, etc. - além de ser alguém com conhecimento, tanto do contexto daquela escola, quanto da realidade dos seus alunos surdos. Trata-se, portanto, de uma função mais restrita, talvez, aos professores e gestores desta instituição.

Sobre a terceira propriedade da função enunciativa, Foucault explicita que “não pode se exercer sem a existência de um domínio associado” (FOUCAULT, 1972, p.120). O autor demarca que, ao contrário do enunciado, tanto uma frase, quanto uma proposição podem existir sem relação com nenhuma outra, sem inserir-se em qualquer contexto, isto porque, para que um conjunto de palavras seja uma frase, basta que ele tenha unidade gramatical, e para que seja uma proposição, basta que tenha unidade lógica.

A função enunciativa não age sobre frases ou proposições isoladas; ao fazer emergir estas unidades, o enunciado estabelece relações com um domínio associado, com os outros enunciados que estão em suas margens. Neste domínio, constituído por diversas formulações, os enunciados se repetem, se transformam, se atualizam, se adaptam, multiplicam unidades significativas. Cada enunciado agindo dentro de um jogo enunciativo, visto que não existe enunciado autônomo, eles estão sempre imbricados em séries enunciativas.

A última propriedade elencada por Foucault (1972) é a materialidade do enunciado. Os enunciados precisam materializar-se através da escrita, da fala, de algum ato de linguagem, a partir de um conjunto de signos que possuirá um suporte, uma localização espacial e temporal. Na pesquisa a qual se fez referência neste artigo, a materialidade dos enunciados se dá em documentos específicos, escritos, datados, e que tratam de determinado espaço geográfico. Apesar desta propriedade já estar determinada de antemão, importa explicitar as suas características, visto que é justamente esta propriedade (a materialidade) que permite diferir um enunciado de uma enunciação. Foucault (1972) aponta que, na enunciação, a materialidade não é repetível, ou seja, se uma fala for repetida sete vezes pela mesma pessoa, haverá sete enunciações; já no enunciado, a repetição é um horizonte possível.

Olhar para a materialidade de um enunciado é compreender que sua repetição está relacionada às suas possibilidades de ser transcrito, reinscrito. Há limites, condições para que cada enunciado se repita, o que está determinado pelo que Foucault (1972) denomina como “campo de estabilização” do enunciado. Ainda, a manutenção de um mesmo enunciado em uma variação de acontecimentos, se pautará pelo “campo de utilização” deste enunciado.

Isso importa dizer para que não se compreenda o enunciado de forma fixada, porque enunciados se transferem, se modificam, se tornam outros, constroem redes. O autor coloca que “o enunciado circula, serve, se esquiva, permite ou impede a realização de um desejo, é dócil ou rebelde a interesses, entra na ordem das contestações e das lutas, torna-se tema da apropriação ou de rivalidades” (FOUCAULT, 1972, p.132).

Assim, o enunciado não se encontra como unidade, como átomo do discurso, em suas características singulares, mas em sua multiplicidade. Foucault (1972) resume suas definições fixando o vocabulário: uma performance linguística seria “todo conjunto de signos produzidos a partir de uma língua natural” (FOUCAULT, 1972, p.134), um enunciado seria a “modalidade de existência própria a esse conjunto de signos” (FOUCAULT, 1972, p.134), um discurso seria “um conjunto de enunciados que provém de um sistema de formação” (FOUCAULT, 1972, p.135).

Assim, tendo sido abordados alguns procedimentos metodológicos foucaultianos, no tópico a seguir, será tratada, de forma mais aprofundada, da pesquisa a qual se refere este estudo desde a introdução, enquanto uma possibilidade de análise do discurso em Michel Foucault.

Uma análise de discursos curriculares: uma possibilidade de pesquisa

Esta pesquisa estudou o Projeto Político Pedagógico e o Regimento Escolar de três escolas - todas as instituições com uma mesma especificidade, por se tratarem de Escolas Bilíngues6 para surdos. O objetivo, conforme já apontado, era investigar modos de subjetivação em funcionamento nos discursos curriculares, pensando a produção de modos de ser sujeito surdo. Dessa maneira, a partir da leitura desses documentos, a pesquisa buscou recorrências acerca de quem é o sujeito surdo e como ele deve ser educado, para compreender os modos de subjetivação em funcionamento. Direcionar a pesquisa para a busca de recorrências é um procedimento metodológico pautado na noção proposta por Foucault (1972) de que todos os enunciados são oriundos de uma “regularidade enunciativa”.

É precisamente deste modo que opera o presente artigo. Após leitura atenta dos documentos que constituem o corpus de análise, buscou-se identificar nestes textos, recorrências acerca do sujeito surdo. Estas recorrências permitiram destacar, do material empírico, enunciações agrupadas, de acordo com sua regularidade. A partir desse agrupamento de enunciações, foi possível apontar o funcionamento de alguns enunciados, que não são a totalidade dos enunciados possíveis de se identificar nesses documentos, mas são aqueles que o presente estudo destacou e com os quais decidiu-se trabalhar nesta análise.

Dada a amplitude dos documentos analisados, torna-se inviável a apreciação de cada enunciado existente nos discursos que constituem estes textos. É preciso assumir que os enunciados não serão identificados e descritos um a um. No entanto, tendo no horizonte da análise o objetivo de investigar a construção discursiva do sujeito “aluno surdo”, foi possível estudar os materiais e buscar regularidades enunciativas, identificando alguns enunciados, que constituem modos de ser aluno surdo. A partir de agrupamentos de enunciações encontradas na rede documental, pode-se, então, pensar enunciados - estes descritos mais minuciosamente - que estão propondo uma norma surda e/ou verdades sobre este sujeito surdo.

Trabalho semelhante é feito na Dissertação de Mestrado de Guilherme Rego Rockembach (2018), na qual o autor analisou os discursos sobre juventude constituídos nas mídias digitais. Seu foco se deu nos vídeos de paródia musical publicados por youtubers com grande repercussão na atualidade, o que se verifica, devido ao elevado número de acessos e inscritos em seus canais no YouTube. Rockembach (2018) trabalhou com grupos enunciativos encontrados a partir do estudo das regularidades discursivas.

Da mesma forma, ao olhar para os agrupamentos de enunciações destacados dos documentos, foi possível identificar o funcionamento, em cada um desses agrupamentos, de um enunciado. Assim, a presente pesquisa chegou a três enunciados: o enunciado do surdo como cidadão de direitos, o enunciado do surdo não incapacitado e o enunciado do surdo enquanto sujeito-aluno. Optou-se, neste artigo (recorte de pesquisa mais ampla), por abordar de forma mais adensada apenas o enunciado do surdo como sujeito de direitos, com o objetivo de demarcar o modo como operou-se a análise do discurso em Michel Foucault.

A discussão do referencial destes enunciados implicou outras discussões, a partir do pensamento de Michel Foucault para além da questão do discurso. Assim, no caso do primeiro enunciado - do surdo como cidadão de direitos - foram problematizados, enquanto referencial, os conceitos de cidadania e de direitos, discutindo questões ligadas aos modos de se governar7 os sujeitos.

Em seguida, no segundo enunciado, enquanto referencial, discutiu-se a não incapacitação, problematizando os discursos capacitistas que incidem sobre o corpo da pessoa com deficiência, entendendo-a como um corpo incapacitado e anormal, lançando mão das discussões de Foucault sobre anormalidade. A ideia de não incapacitação, referindo-se a um indivíduo, que apesar da sua incapacitação, deve se incluir e ser produtivo também não se separou das discussões sobre o neoliberalismo, que Foucault faz nos cursos Segurança, Território e População (1977-1978) e O Nascimento da Biopolítica (1978-1979). E, por fim, no terceiro enunciado, também trazendo discussões foucaultianas, sobretudo sobre o poder disciplinar e a emergência da escola como instituição do poder disciplinar na Modernidade, bem como outras teorizações do autor sobre a emergência de outras formas de poder, a fim de pautar mudanças na escola contemporânea; discutiu-se o referencial do enunciado que, neste caso, está na compreensão de ser aluno de uma instituição educacional.

Além do referencial, em cada um dos enunciados foram descritas as outras três propriedades da função enunciativa - o domínio associado, a materialidade e o sujeito do enunciado. Quanto ao domínio associado, pautou-se, sobretudo, as intersecções entre esses três enunciados encontrados, que não se dão de forma isolada, mas imbricados uns nos outros. Quanto à materialidade, embora as enunciações estejam presentes em documentos curriculares (sendo essa a materialidade), os enunciados têm materialidade repetível e podem circular em outros textos e falas, dentro e fora do espaço da escola. Justamente esse pensamento levou a presente análise a avaliar um modo de ser sujeito que pode proferir tais enunciados, tratando, portanto, da propriedade do sujeito do enunciado.

Diante do exposto, reitera-se que, para demarcar a identificação desses enunciados funcionando nos documentos curriculares, analisa-se o primeiro caso, o do surdo como cidadão de direitos. Repetem-se, dos Projetos Político Pedagógicos e Regimentos Escolares, enunciações com a mesma regularidade, nas quais se podem identificar o funcionamento do mesmo enunciado. Na tabela a seguir, verificam-se algumas dessas enunciações:

Quadro 1: Enunciações referentes ao primeiro enunciado - o surdo como cidadão de direitos 

DOCUMENTO ENUNCIAÇÃO
Regimento Escolar - Primeira Instituição [Propiciar ao estudante] “tornar-se um cidadão respeitado pela sua diferença e atuante na sociedade”.

[Direitos do Estudante] “serem respeitados em sua individualidade, terem assegurados todos os direitos como ser humano e serem tratados com igualdade, sem discriminação”.

[É objetivo da escola que os alunos tenham] “possibilidade de atuação em igualdade de condições na sociedade”.

[A escola deve] “promover a reflexão sobre valores sociais indispensáveis no convívio coletivo”.
Projeto Político Pedagógico - Primeira Instituição [Necessários] “princípios éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades” e “princípios políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática”.

“As metodologias envolverão momentos de promoção da sociabilidade e de subjetividade comprometidas com a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta e com o rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico racial, de gênero, regional, linguística e religiosa”.

“[...] a inclusão dos surdos em todos os espaços da sociedade, com seus direitos e deveres”.

[A sociedade] “o lócus onde os indivíduos convivem de forma a compreendero respeito às diferenças e diversidade, a fim de que todos possam transitar e sentir-se à vontade, aceitos, participantes e construtores. Sociedade é o espaço de oportunidades, de justiça, de educação, segurança, trabalho, alimentação, lazer e saúde para todos. É onde estabelecemos os vínculos familiares e de amizade, ondenos constituímos e auxiliamos, também, na constituição do outro”.
Regimento Escolar - Segunda Instituição [A escola] “tem como finalidade atender alunos surdos, oferecendo uma ação educativa que lhes forneça condições para seguir seus caminhos, tornando-se indivíduos capazes de exercer sua cidadania com responsabilidade, dentro da sociedade em que vivem”

[O aluno] “sujeito coletivo, autônomo, participativo, solidário, cooperativo, possuidor de direitos e deveres políticos, civis e sociais, que repudia injustiças, discriminações, respeita e faz-se respeitar, relaciona-se, exerce a cidadania e a democracia”

[Que os alunos possam] “identificar e valorizar a multiculturalidade, patrimônio sociocultural brasileiro, rio-grandense e latino-americano, superando os preconceitos de classe social, de crença, de gênero, de raça, de etnia e características individuais”.

[Que os alunos possam “reconhecer-se integrante do ambiente, compreendendo a inter-relação entre seus elementos, nas dimensões histórica, ecológica, social e política, enquanto coparticipante do processo de melhoria da qualidade de vida”.
Projeto Político Pedagógico - Segunda Instituição [A escola] “um microcosmo que reflete a realidade em que vivemos”.

[A escola] “espaço coletivo de construção de direitos e deveres (ética, valores, cidadania, responsabilidade), de exercício de democracia participativa, diálogo, justiça e igualdade”.

[A educação] “um direito de todos”.

[A educação] “fundada em valores humanistas (solidariedade, justiça social, hon- estidade, responsabilidade e respeito)”.

[Os alunos devem] “conhecer manifestações culturais, demonstrando atitudes de interesse, respeito e participação frente a elas e valorizando a diversidade”.
Regimento Escolar - Terceira Instituição [Filosofia da Escola] “reflexão constante sobre a realidade, humanizando a açãotécnica, na busca de uma integração harmônica do ser com a comunidade”.

[O aluno deve] “buscar sua identidade voltada para a prática da cidadania, com atitude de respeito e valorização à diversidade”.

[O aluno deve] “exercer seus direitos de cidadão na sociedade”.

[Objetivo da escola] “fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social”.
Projeto Político Pedagógico - Terceira Instituição “[...] o Ensino Fundamental deve estar comprometido com a Democracia e a Cidadania”.

[Que o aluno possa] “compreender o ambiente natural e social do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamentam a sociedade”.

[A Educação de Jovens e Adultos] “recuperar o estado de direito à cidadania dos alunos que ficaram à margem do processo social e educacional formal na educação de surdos e propiciar um modelo igualitário de formação e restabelecer a igualdade de direitos e de oportunidades face ao direito à educação”.

Tendo constituído esse agrupamento, é possível enxergar operando, em todas essas enunciações, a mesma lógica de cidadania e de direitos humanos, de modo a pautar uma subjetivação do sujeito surdo como sendo alguém que é um cidadão de direitos. As noções de “cidadania” e de “direitos”, aqui tomadas enquanto referenciais para o enunciado descrito, são noções atreladas aos discursos que reverberam na sociedade em que vivemos, que colocam que ser cidadão é ser um sujeito com deveres em relação à comunidade, devendo ser ativo e participante, além de possuir direitos enquanto parte dela.

Sobretudo, após o final da Segunda Guerra Mundial, quando o mundo estava impactado pela violência do totalitarismo, das armas de destruição em massa e dos altos índices de mortes e destruição, fortificam-se os discursos relacionados aos direitos humanos, firmados a partir da constituição da ONU (Organização das Nações Unidas) e sua Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Tal documento, de mais de meio século, fala em igualdade de direitos, em dignidade humana e em respeito à diversidade e à liberdade; esses discursos vêm ganhando força e sendo veiculados em inúmeros documentos nacionais e políticas públicas (incluindo a própria Constituição Brasileira de 1988, que foi apelidada de Constituição Cidadã). Não apenas em documentos estatais, esses discursos aparecem, entre outros espaços e instâncias, nos documentos curriculares das escolas.

São esses referenciais, ou seja, essas noções de direito e de cidadania, que dão possibilidade para a emergência de um enunciado do surdo como cidadão de direitos - ou seja, que o sujeito surdo, ao mesmo tempo em que tem direito de acesso à educação, tem, também, direito de conquistar, por meio da educação, um lugar como cidadão na sociedade em que vive.

Nesse caso, não se trata de opor - como recorrentemente se vê em estudos acadêmicos na área da Educação de Surdos - uma visão de um surdo que tem direito à acessibilidade e adaptações por ser uma pessoa com deficiência, e uma outra visão de um surdo que faz parte de uma minoria linguística e cultural, e que tem direito ao pertencimento à sua própria cultura, cujo principal elemento seria a língua de sinais. Aqui, o surdo tem direitos, na medida em que é pessoa com deficiência e, também, que é parte de uma minoria: entende-se que ele precisa de todo esse conjunto de direitos para exercer sua cidadania. Nas duas perspectivas, funciona o enunciado do sujeito surdo como cidadão de direitos.

Acerca do domínio associado, explicou-se a relação entre esse enunciado - o do surdo como cidadão de direitos - com os demais encontrados na rede documental da pesquisa. Por exemplo, a noção de que o surdo deve ser um cidadão de direitos, está articulada a de que ele deve se colocar como um indivíduo não incapacitado e, portanto, útil e produtivo para a sociedade, alguém que não é incapaz de colaborar, de trabalhar, de se comunicar, de aprender e de exercer sua cidadania. Também está articulada ao enunciado do surdo como sujeito-aluno, afinal, quando aluno, aprenderá a conviver no espaço social da escola, com seus deveres e seus direitos, subjetivando-se enquanto cidadão de direitos.

Identificou-se, por fim, o sujeito do enunciado, que seria todo aquele que, ao defender os direitos dos surdos - como pessoa com deficiência e, também, como parte de uma minoria linguístico-cultural - o entende como um cidadão brasileiro e parte integrante da sociedade, com direitos que devem ser garantidos.

Considerações Finais

Neste artigo, explorou-se uma possibilidade de fazer pesquisa, a partir das teorizações de Michel Foucault. Foi proposto, a partir do mapeamento de uma pesquisa, um modo de operar com a análise do discurso, pautada em procedimentos foucaultianos. Aprofundando-se, sobretudo, no conceito de enunciado, o estudo encontrou, a partir de recorrências discursivas, enunciados funcionando nas enunciações que compunham o corpus de análise. A descrição das propriedades da função enunciativa, explicadas por Foucault em A Arqueologia do Saber, bem como as discussões sobre o discurso que o autor fez em outras obras e em entrevistas, possibilitaram constituir o percurso desta pesquisa como uma possibilidade para análise do discurso em Foucault.

Para abordar a forma de operar com as ferramentas da análise do discurso em Michel Foucault, partiu-se de uma investigação que estudou discursos curriculares de três escolas de surdos, buscando compreender quais eram os modos de subjetivação em funcionamento. A presente análise chegou a três enunciados - o do surdo como cidadão de direitos, o do surdo não incapacitado e o do surdo enquanto sujeito-aluno - mas, neste artigo, abordou-se, pontualmente, o primeiro. Discutiram-se, portanto, as propriedades de tal função enunciativa, acerca de: seu referencial na emergência das atuais concepções de direito e cidadania; sua materialidade repetível em inúmeros documentos, políticas públicas e espaços variados; seu domínio associado, na medida em que se vincula aos outros enunciados encontrados na pesquisa; e seu sujeito, a saber: uma posição que pode ser assumida por todo aquele que se coloca como defensor dos direitos e da cidadania dos surdos.

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1A pesquisa em questão foi desenvolvida no Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas – PPGE/UFPel. A dissertação problematizou modos de subjetivação funcionando nos discursos curriculares de Escolas de Surdos.

2Trata-se de três escolas de surdos situadas no estado do Rio Grande do Sul, cujos nomes não serão divulgados, com a finalidade de preservar a identidade das escolas.

3A aula em questão foi ministrada em 2 de dezembro de 1970, e em seguida transcrita e publicada. Esse artigo faz referência à edição brasileira de 2014, publicada pela editora Edições Loyola.

4Aqui nos referimos a uma entrevista também publicada na coletânea Ditos e Escritos, volume IV. Intitulada Poder e Saber, trata-se de entrevista com S. Hasumi, gravada em Paris em 13 de outubro de 1977 e publicada em dezembro deste mesmo ano.

5A obra original é do ano de 1969, mas a edição que trabalho foi publicada no Brasil em 1972, pela editora Vozes, traduzido por Luiz Felipe Baeta Neves.

6O termo Escola Bilíngue para surdos é utilizado, de forma geral, para referir-se a instituições que tem como primeira língua, como língua de instrução, a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, e como segunda língua, a Língua Portuguesa, em sua modalidade escrita.

7O governo, nestes cursos, não é tomado por Foucault como sinônimo do Estado. O governo está atrelado a modos de se conduzir a conduta dos indivíduos. Neste sentido, o Estado não é um universal, ele pode assumir várias formas, correlativa a diferentes modos de governo.

Recebido: 14 de Junho de 2021; Aceito: 09 de Novembro de 2021

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