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Contrapontos

versão On-line ISSN 1984-7114

Contrapontos vol.21 no.1 Florianopolis jan./dez 2021  Epub 20-Maio-2022

https://doi.org/10.14210/contrapontos.v21n1.p116-130 

Artigos

OS SABERES DA PRÁTICA PEDAGÓGICA CONSIDERANDO O CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19

KNOWLEDGE OF THE PEDAGOGICAL PRACTICE CONSIDERING THE CONTEXT OF THE COVID-19 PANDEMIC

CONOCIMIENTO DE LA PRÁCTICA PEDAGÓGICA CONSIDERANDO EL CONTEXTO DE LA PANDEMIA COVID-19

Susana Soares Tozetto1 

Franciele Stefanello Stefanello1 

1Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, PR, Brasil.


Resumo:

Este estudo surgiu com a necessidade de pensar a prática pedagógica, a partir de um olhar crítico, entendendo-a como fundamental na atuação do professor que busca proporcionar a aprendizagem significativa dos alunos, guiando-os para a emancipação e a autonomia. Os objetivos consistem em abordar conceitos e discorrer sobre a prática pedagógica do professor, com vista à aprendizagem dos educandos. Ao conceituar prática pedagógica, são enfatizados reflexão, intencionalidade e planejamento, pois são condições para a prática pedagógica em uma perspectiva crítica. O texto traz ainda algumas reflexões sobre as transformações e as dificuldades da prática pedagógica no contexto da pandemia de Covid-19. Realiza-se uma explanação sobre os saberes docentes na perspectiva de Tardif (2014), pois se entende que esses saberes constituem a prática pedagógica dos professores. Por meio de um estudo bibliográfico pautado nos pressupostos da abordagem qualitativa, as referências selecionadas para compor a discussão foram: Freire (2018, 2019, 2020), Martins (2003), Sacristán (1999), Santos (1997), Souza (2016) e Tardif (2014). Os resultados oportunizam compreender melhor o conceito de prática pedagógica e mostram características desta prática que objetivam a aprendizagem dos alunos. Nesse sentido, entende-se que a atuação do professor é importante em todos os níveis de ensino, da Educação Infantil ao Ensino Superior.

Palavras-chave: prática pedagógica; professor; trabalho docente

Abstract:

This study arose with the need to think about the pedagogical practice from a critical perspective, understanding it as fundamental in the performance of the teacher who seeks to provide meaningful learning to students, guiding them towards emancipation and autonomy. The objectives are to address concepts and discuss the pedagogical practice of the teacher with a view to students’ emphasized, as they are conditions for pedagogical practice in a critical perspective. The text also brings some reflections on the transformations and difficulties of the pedagogical practice in the context of the COVID-19 pandemic. An explanation about the teaching knowledge in the perspective of Tardif (2014) is made, as it is understood that this knowledge constitutes the pedagogical practice of teachers. Through a bibliographic study based on the assumptions of the qualitative approach, the references selected to compose the discussion were: Freire (2018, 2019, 2020), Martins (2003), Sacristán (1999), Santos (1997), Souza (2016) and Tardif (2014). The results provide an opportunity to better understand the concept of pedagogical practice and show characteristics of the pedagogical practice that aim at the students’ learning. In this sense, it is understood that the teacher’s performance is important at all levels of education, from Early Childhood Education to Higher Education.

Keywords: pedagogical practice; teacher; teaching work

RESUMEN:

Este estudio surge de la necesidad de pensar la práctica pedagógica desde una perspectiva crítica, entendiéndola como fundamental en el rol del docente que busca brindar a los estudiantes un aprendizaje significativo, orientándolos hacia la emancipación y la autonomía. Los objetivos son abordar conceptos y discutir la práctica pedagógica del docente con miras al aprendizaje de los estudiantes. Al conceptualizar la práctica pedagógica se enfatiza la reflexión, la intencionalidad y la planificación, ya que son condiciones para la práctica pedagógica desde una perspectiva crítica. El texto también trae algunas reflexiones sobre las transformaciones y dificultades de la práctica pedagógica en el contexto de la pandemia COVID-19. Se realiza una explicación del conocimiento docente desde la perspectiva de Tardif (2014), ya que se entiende que este conocimiento constituye la práctica pedagógica de los docentes. A través de un estudio bibliográfico basado en los supuestos del enfoque cualitativo, las referencias seleccionadas para componer la discusión fueron: Freire (2018, 2019, 2020), Martins (2003), Sacristán (1999), Santos (1997), Souza (2016) y Tardif (2014). Los resultados brindan una oportunidad para comprender mejor el concepto de práctica pedagógica y mostrar características de la práctica pedagógica que apuntan al aprendizaje de los estudiantes. En este sentido, se entiende que el rol del docente es importante en todos los niveles de la educación, desde el jardín de infancia hasta la educación superior.

Palabras clave: práctica pedagógica; maestro; trabajo docente

Introdução

Discutir sobre a prática pedagógica de professores não é tarefa simples, devido às contradições e às mudanças constantes que ocorrem nesse processo, visto que a prática está inserida em um contexto repleto de influências e de interesses mercadológicos. Com o efeito dos meios de comunicação e do rápido avanço das tecnologias digitais, as mutações em todos os campos, inclusive no educacional, são contínuas. Assim sendo, exige-se uma troca de postura na atuação docente. Nesse sentido, Santos (1997) enfatiza:

Surgem novas formas de relações sociais, novas instituições sociais, novas formas de inserção dos indivíduos no mercado de trabalho, novos valores, novas categorias, novos conceitos, novos princípios e novos parâmetros. Vive-se uma nova Revolução. Revolução que pode ser sintetizada em uma só expressão: a procura por maior produtividade. (SANTOS, 1997, p. 84).

O autor ressalta que a instituição escolar não fica imune às transformações, pois, segundo Santos (1997), a força de trabalho que o docente vende no interior da escola servirá para formar os futuros trabalhadores. Desse modo, é preciso cautela para que a função social das instituições educacionais não seja negligenciada, e o professor realize o trabalho docente de forma intencional e direcionado à aprendizagem do aluno, consciente de que seu papel não se baseia apenas em “dar aulas”, e que, no processo educativo, é indispensável levar em conta a realidade dos educandos.

Seguindo o processo de reflexão inicial, este estudo pretende abordar uma prática pedagógica intencional e reflexiva, a qual se contrapõe ao ensino verticalizado e reconhece o aluno como sujeito detentor de conhecimentos prévios e de individualidades, os quais precisam ser respeitados e considerados no ambiente educacional em todas as etapas de ensino. Assim, as novas formas de relações sociais que Santos (1997) discute necessitam de uma análise propositada, de modo a enfatizar as características da atuação docente crítica, pois são requeridas novas maneiras de ensinar, principalmente porque as práticas conservadoras anulam a autonomia do aluno e não mais respondem ao contexto da modernidade.

O texto aponta os saberes docentes, de acordo com Tardif (2014), pois se acredita que a prática pedagógica dos professores ocorre a partir de um apanhado de saberes, os quais são constituídos ao longo do desenvolvimento profissional docente. Nesse sentido, a prática pedagógica conserva-se em uma constante interlocução com os saberes docentes.

Nesse momento, é importante salientar que, durante a pandemia de Covid-19 , doença que “[...] foi declarada como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e impôs medidas restritivas de circulação às pessoas, tendo afetado diretamente diversos setores em todo o mundo, entre os quais a educação” (OLIVEIRA; PEREIRA JUNIOR, 2020, p. 720), a prática pedagógica dos professores tornou-se ainda mais complexa e vem se modificando com o objetivo de atender às necessidades de aprendizagem dos alunos de maneira a garantir a segurança de todos. Diante desse contexto, todas as áreas da sociedade, inclusive o campo educacional, procuram caminhos para moldar-se às novas condições. É importante ressaltar que, neste momento, meados de 2021, não é possível determinar quando essa adversidade será superada. Por isso, algumas reflexões sobre os aspectos que dificultam e transformam a prática docente diante de situações de ensino remoto são abordadas brevemente neste estudo.

O texto está organizado em duas partes: “Conceitos de prática pedagógica em uma perspectiva crítica”, quando são apresentadas perspectivas de autores em relação ao conceito de prática pedagógica; e “A prática pedagógica do professor com vista à aprendizagem dos alunos”, em que são abordadas características de uma prática que leva em conta as especificidades de aprendizagem dos alunos, modelo que se contrapõe a uma perspectiva reprodutora de desigualdades e alienação. São descritos os saberes docentes, de acordo com Tardif (2014), inferindo-se que eles fazem parte da rotina docente, ocorrem em um constante movimento de ir e vir, na busca de novas aprendizagens para o sucesso do trabalho docente.

Conceitos de prática pedagógica em uma perspectiva crítica

O termo “prática pedagógica” vai além de um mero roteiro didático de realização de uma aula. Seu significado é amplo e supera aquilo que é visível no trabalho docente, pois ela pode ocorrer em diferentes espaços, não se limitando apenas ao ambiente escolar. Souza (2016) diferencia os conceitos de prática educativa e prática pedagógica da seguinte forma:

[...] toda prática social é educativa, no sentido amplo da palavra educação. Para prática ser pedagógica ou educacional ela necessita de intencionalidade, sujeitos, relações e conteúdos pensados, planejados, definidos de modo consciente. A prática pedagógica pode servir para conservar ou para transformá-la. (SOUZA, 2016, p. 48).

Ao enfatizar que a prática pedagógica é sempre uma ação consciente e participativa, que emerge da cotidianidade que cerca o ato educativo, a aula constitui-se como uma prática pedagógica quando está organizada de forma intencional, tem significado e é consequência de reflexões e de problematizações. Da mesma forma, a prática pedagógica sofre influência de diversos fatores sociais, políticos e econômicos que se tornam determinantes no sucesso da atividade docente. Uma prática pedagógica crítica propicia ao aluno a compreensão histórica, social e cultural do meio em que está inserido, pois possibilita o desenvolvimento das potencialidades e de sua conscientização.

No ponto de vista de Sacristán (1999), a prática pedagógica é entendida como o conjunto de ações realizadas pelo professor no espaço de sala de aula, as quais requerem intencionalidade e reflexão. O autor contrapõe-se a um ensino pragmático, que contemple a necessidade de práticas pedagógicas conscientes, como fica evidenciado neste excerto:

A ação do ensino não pode ser considerada como um mero recurso instrumental, uma técnica para conseguir metas abstratamente, porque essas metas não podem ter qualquer fim e porque os meios para consegui-las operam em contextos incertos, sobre seres humanos que impõe critérios ao que se faça com eles: os fins não justificam os meios, muito menos na educação, em que os frutos são efeitos das ações avaliados como valiosos. (SACRISTÁN, 1999, p. 44).

Para Sacristán (1999, p. 45), a reflexão é uma qualidade da boa prática, “[...] resgata o ensino do âmbito das práticas improvisadas, da técnica de valor universal para qualquer situação prática”. O autor entende que a reflexão sobre a prática está pautada em duas dimensões, uma que supõe a capacidade de análise, esboço e avaliação das ações, e outra, a sua utilidade moral, a qual proporciona a apreensão de valores e de significados. Em outros termos, é primordial a reflexão de forma ampla, que analisa e problematiza o sentido da instituição em um contexto político, econômico e social. Para Sacristán (1999, p. 51), “[...] pensar sobre o que se faz é uma manifestação da condição reflexiva das pessoas em todas as suas atividades conscientes”.

Freire (2019, p. 39) concorda com a importância da reflexão sobre a prática: “É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que se confunda com a prática”. Evidencia-se, então, a importância da reflexão crítica sobre o processo educacional, sendo indispensável ao docente transpor os limites dos questionamentos e ir em busca de resoluções apenas para os problemas que ocorrem dentro de sala de aula, ou no interior da instituição. Freire (2018) discorre sobre a importância desse processo:

[...] a realidade não pode ser modificada, senão quando o homem descobre que é modificável e que ele pode fazê-lo. É preciso, portanto, fazer desta conscientização o primeiro objetivo de toda a educação: antes de tudo provocar uma atitude crítica, de reflexão, que comprometa a ação. (FREIRE, 2018, p. 40).

O pensamento pedagógico de Freire (2018) demonstra que a dimensão política está intrínseca ao processo educativo. Para ele, ensinar vai muito além da mera transmissão de conhecimentos, pois a prática pedagógica necessita estar pautada em criar possibilidades para a construção e a produção do conhecimento (FREIRE, 2019, p. 47).

Freire (2019) aponta que a reflexão é uma atividade concretizada entre o fazer e o pensar, entre o pensar e o fazer, ou seja, no pensar para o fazer e no pensar sobre o fazer. Assim, é a partir da curiosidade sobre a prática que surge a reflexão, a qual é ingênua inicialmente, mas, quando se torna constante, se transforma em crítica e aprendizado.

A reflexão pode acontecer em três níveis diferentes: a técnica, a prática e a crítica. De acordo com Romanowski (2010), a reflexão técnica refere-se à análise daquilo que está explícito, daquilo que se faz e se consegue observar. Já a reflexão prática consiste em planejar a ação, sobre o que foi concebido e o que foi efetivado. Por fim, a reflexão crítica tem como base “[...] considerações éticas e políticas da prática e suas repercussões para o desenvolvimento de uma consciência crítica” (ROMANOWSKI, 2010, p. 142). Assim, existem três formas distintas de reflexão sobre a prática: a introspecção, o exame realizado após uma ação docente e a indagação. “A reflexão por si só [...] é insuficiente para resolver os problemas educativos, além disso, a banalização dos processos reflexivos, pela sua simplificação, promove limitação da identidade epistemológica dos processos de formação docente” (ROMANOWSKI, 2010, p. 146).

Os processos de reflexão não devem ser despretensiosos; pelo contrário, a reflexão, na prática pedagógica docente, assume sua devida importância ao ser efetivada de forma consciente e intencional. Além da reflexão, a intencionalidade é um ponto crucial que compõe o conceito de prática pedagógica. A intencionalidade consiste em ações direcionadas, frutos da reflexão, compreendendo que o ensino vai além da mera transmissão de conhecimentos.

A pandemia da Covid-19 acarretou mudanças drásticas no campo educacional e, consequentemente, na prática pedagógica, que necessitou passar por rápidas adaptações com a preocupação de que fosse mantida a relação professor-aluno, e a aprendizagem pudesse continuar sendo construída em um contexto totalmente novo. Com o distanciamento social e a necessidade de que a população permanecesse em suas casas, evitando a disseminação do novo coronavírus, o ensino presencial foi subitamente retirado dos alunos em todos os níveis de ensino. Segundo o Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente (Gestrado), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),

[...] os docentes foram convocados, na maioria dos casos, a realizarem seu trabalho de outra maneira, em outros contextos, inclusive virtual, adaptando suas atividades, desenvolvendo habilidades para lidar com novas ferramentas e metodologias para responder a essa situação inteiramente inusitada. Essas adaptações exigiram esforços que não podem ser desprezados. A maioria desses profissionais não recebeu qualquer formação para o desenvolvimento dessas atividades. Entretanto, percebe-se que o compromisso desses professores(as) com seus estudantes tem orientado a busca de meios para tornar a oferta educativa possível. Essa experiência pode significar um importante crescimento e amadurecimento profissional, mas ela também é geradora de tensões e angústias para os docentes (UFMG, 2020, p. 21).

A pesquisa do GESTRADO (UFMG, 2020) demonstra que a prática pedagógica dos professores no contexto pandêmico tornou-se ainda mais intensa e precária, pois, da maneira como vem ocorrendo, “[...] desconsidera as condições sociais, históricas e concretas em que a educação se efetiva” (DOURADO; SIQUEIRA, 2020, p. 845). Nesse sentido, entende-se que, ainda que haja um fazer intencional e reflexivo do professor, as condições de trabalho em determinadas conjunturas impossibilitam que haja êxito na prática pedagógica.

A intencionalidade envolve atitudes, por meio das quais é possível produzir um efeito positivo na aprendizagem dos alunos. No entanto, ela não se realiza de forma isolada, mas deriva de relações que são estabelecidas no contexto educacional. É importante, assim, que haja diálogo sempre aberto entre os sujeitos do processo, como destaca Nadal:

A intencionalidade é o amalgama da coletividade e, fundada nos pressupostos das diferentes teorias que tratam da educação, exige negociação para que o grupo possa compactuar-se e associar-se quanto ao “o que”, “porque”, e “como” fazer o processo educativo, conduzindo-o ao pedagógico (NADAL, 2016, p. 27).

A autora salienta ainda que a intencionalidade “[...] é o fundamento do caráter pedagógico e se constitui por movimentos de uma dialética crítica que busca captar, compreender e encaminhar o trabalho educativo em sua relação teórico-prática” (NADAL, 2016, p. 27).

A prática pedagógica em um entendimento crítico é baseada na intencionalidade, a qual tem papel fundamental no sucesso do trabalho do professor. Ela é resultado do pensar e idealizar na coletividade, e as instituições de ensino, na qualidade de espaços político- pedagógicos, necessitam realizar práticas que imprimam direção às suas ações, delineando o trajeto e o fim que os docentes pretendem alcançar.

Um dos aspectos fundamentais para a prática pedagógica de sucesso é o planejamento das ações, em todas as atividades que se desempenha. O planejamento é, assim, elementar. O professor necessita delinear um plano de trabalho para fomentar suas ações. Com objetivos estabelecidos é que o docente poderá percorrer caminhos capazes de levar ao sucesso uma prática pedagógica que realmente contemple as necessidades da escola e da sociedade como um todo e atenda democraticamente às necessidades dos alunos em relação à aquisição do conhecimento.

A intenção é estar presente, já que educar é um ato de vontade, e o fazer pedagógico é passível de possibilidades e escolhas, reproduzindo ou transformando realidades. No exercício da profissão, os professores deparam-se com situações nas quais não sabem como agir, como é o caso da pandemia, que vem sendo vivenciada no Brasil desde 2020. O campo educacional encontra-se em uma situação desafiadora, pois, desde o início da pandemia, iniciou-se uma corrida em busca de estratégias que possibilitem tornar o ensino exequível em uma situação tão atípica. Por isso, é importante a reflexão constante sobre a prática nesse contexto, devido aos desafios e às particularidades dos docentes, dos alunos e das famílias.

No processo em que os docentes caracterizam e problematizam suas práticas, na reflexão, na criação de possibilidades, na produção de novos conhecimentos, eles realizam, então, a atividade de pesquisa. É no decorrer do trabalho docente, na concretização da prática, que os professores “[...] passam a criar e a produzir novos conhecimentos, são atores e autores que se ensinam a si próprios e vão aprendendo num processo coletivo, redefinindo a prática” (MARTINS, 2003, p. 9).

A prática pedagógica é complexa quando estudada em uma vertente crítica. Ela demanda reflexão incessante sobre os processos políticos e sociais, além de intencionalidade para contrapor-se à alienação. A prática pedagógica é repleta de instigações, e é na busca de alternativas para resolver os problemas, na reflexão crítica, na intencionalidade e na consciência de que, enquanto atua nos processos formativos na escola, também aprende, que o professor concebe uma forma inovadora de atuar a favor de uma educação de qualidade, que caminhe na contramão de um modelo educacional voltado somente a interesses das classes dominantes.

Diante desse fato, no decorrer da pandemia e da indispensabilidade da continuidade de propostas de atividades escolares por meio das tecnologias digitais, a desigualdade social do Brasil ficou ainda mais evidente. Os números demonstram que o acesso à internet, por exemplo, ferramenta indispensável para o ensino nesse período, ainda é muito limitado, tanto para uso de alunos, quanto dos docentes. De acordo com Duarte e Hypolito (2020):

Se o acesso às TIC, essencial para a mediação didático-pedagógica proposta no contexto emergencial de ensino, mostra alguns limites da sociedade e de uma parcela dos discentes, quando analisados os dados referentes ao corpo docente da educação básica, tal realidade apresenta-se mais branda, porém, não menos preocupante (DUARTE; HYPOLITO, 2020, p. 743).

Os autores levantaram dados quantitativos relevantes sobre o acesso às Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) por professores da Educação Básica no Brasil e evidenciaram que as dificuldades de acesso à internet, com qualidade de conexão, e a equipamentos eletrônicos ainda é uma realidade de uma grande parte de docentes brasileiros (DUARTE; HYPOLITO, 2020). Os autores mencionam: “Embora quase 2/3 dos respondentes informem utilizar uma conexão com a internet de alta velocidade (banda larga), ainda é recorrente o acesso via conexões mais instáveis ou de baixa velocidade” (DUARTE; HYPOLITO, 2020, p. 746).

As instituições públicas e privadas atravessam, de maneiras muito distintas, pela realidade atual, visto que o alcance às tecnologias não é a realidade de uma grande parcela da população, impossibilitando-se, assim, que o direito à educação de qualidade não se cumpra de maneira igualitária. Oliveira e Pereira Junior (2020) afirmam:

Do que se conhece até o momento, é possível afirmar que a pandemia não só colocou em evidência as já conhecidas desigualdades sociais, raciais, regionais e educacionais que o País comporta, como também tem aprofundado as disparidades entre as classes sociais e aumentado o fosso entre ricos e pobres. A situação é complexa e desafiadora, envolve desde a falta de acesso e suporte tecnológico dos profissionais e dos estudantes, a pouca experiência dos professores e a falta de capacitação prévia para o uso de tecnologias para a realização do trabalho remoto, até a situação vulnerável de muitas famílias de estudantes. (OLIVEIRA; PEREIRA JUNIOR, 2020, p. 733).

Assim, para além da falta de equipamentos e de recursos para o desenvolvimento do trabalho pedagógico de maneira remota, alguns docentes não se encontram preparados para utilizar a tecnologia, tendo em vista a sua falta de capacitação para atuar nesse contexto. Em síntese:

A situação é complexa e desafiadora, envolve desde a falta de acesso e suporte tecnológico dos profissionais e dos estudantes, a pouca experiência dos professores e a falta de capacitação prévia para o uso de tecnologias para a realização do trabalho remoto, até a situação vulnerável de muitas famílias de estudantes (OLIVEIRA; PEREIRA JUNIOR, 2020, p. 734).

Para os autores, neste momento tão desafiador, é primordial o incentivo à pesquisa, pois é a maneira de se vislumbrarem caminhos, que possam auxiliar nas demandas dos professores. Os autores mencionam que, além do conhecimento científico, é indispensável o envolvimento de todos os sujeitos que fazem parte desse contexto. Assim sendo, o diálogo “[...] é o único meio de o poder público encontrar caminhos para seguir adiante, respeitando os limites e as condições que a situação impõe” (OLIVEIRA; PEREIRA JUNIOR, 2020, p. 734).

A prática pedagógica do professor com vista à aprendizagem dos alunos

Ao conceituar prática pedagógica, surge a necessidade de discorrer sobre as características presentes na prática do professor, o qual ambiciona a aprendizagem dos alunos. Contudo, entende-se que, somente partindo de uma reflexão crítica e constante sobre o contexto educacional, social e político, esse objetivo é possível de ser alcançado. Sacristán (1999) compartilha da ideia de que a intencionalidade é elementar na composição de práticas pedagógicas.

A intencionalidade é condição necessária para a ação, e compreender esse elemento dinâmico e motor é fundamental para qualquer educador, especialmente em um contexto de valores imprecisos e de rotinas estabelecidas diante de desafios importantes que exigem respostas comprometidas. O papel da intenção na ação é decisivo a tal ponto que, para entender o que é qualquer delas, mais que indagar pelas causas, o que necessitamos é interpretar a intenção ou o propósito do agente. Ao nos movermos nesse ponto, logo ficam excluídas as ações mecânicas e involuntárias as quais, para o nosso propósito, não tem a categoria de ser plenamente humanas. (SACRISTÁN, 1999, p. 33).

Ao negar o modelo reprodutor de desigualdades e alienação, Freire (2018, p. 42) propõe um ensino problematizador, o qual “[...] não deve e não pode servir aos interesses do opressor”. O autor descreve a educação problematizadora como crítica aos modelos estabelecidos, que não reconhecem o homem em seu caráter de inacabamento. Freire (2018) contrapõe-se à lógica do ensino bancário. Em sua visão, a maneira tradicional de ensino não favorece a aprendizagem do aluno; pelo contrário, reproduz seus princípios. No modelo criticado por Freire (2018, p. 41), “[...] o conhecimento é um dom concedido por aqueles que se consideram como seus possuidores àqueles que eles consideram que nada sabem”. Nessa perspectiva, os alunos ficam alienados. Freire (2018) descreve o movimento do ensino bancário da seguinte forma:

a) o professor ensina, os alunos são ensinados; b) o professor sabe tudo, os alunos nada sabem; c) o professor pensa para si e para os estudantes; d) o professor fala e os alunos escutam; e) o professor estabelece a disciplina e os alunos são disciplinados; f) o professor escolhe, impõe sua opção, os alunos submetem-se; g) o professor atua e os alunos têm a ilusão de atuar graças à ação do professor; h) o professor escolhe o conteúdo do programa e os alunos - que não foram consultados - adaptam- se; i) o professor confunde a autoridade do conhecimento com sua própria autoridade profissional, que ele opõe à liberdade dos alunos; j) o professor é sujeito do processo de formação enquanto que os alunos são simples objetos dele. (FREIRE, 2018, p. 41).

Partindo da contribuição de Freire (2019), entende-se que a prática pedagógica para a produção do conhecimento é baseada no respeito aos sujeitos e às suas individualidades, para atuar em uma perspectiva emancipatória. O professor planeja suas ações, as quais são embasadas na democracia, no conhecimento da realidade do educando e na reflexão constante. Entretanto, a prática pedagógica dos professores, em todos os níveis de ensino, sofre diversas influências no contexto contemporâneo, visto que há a presença de um sistema educativo passível de ser dominado por ideologias das classes dominantes e de preparar tecnicamente a classe trabalhadora para exercer uma função meramente produtiva.

Assim sendo, faz-se necessário que as práticas pedagógicas dos docentes estejam pautadas em levar o aluno a transpor os limites e as influências, guiando-os a uma visão crítica de sociedade, de mundo, de homem. Isso é possível quando o professor, em sua prática, propõe situações desafiadoras, considera os conhecimentos prévios dos alunos e articula-os ao saber sistematizado da instituição, tendendo, então, para o desenvolvimento integral do educando.

As práticas pedagógicas não têm de agir como reprodutoras dos interesses ideológicos. Desse modo, é importante o professor atuar no combate às ideologias, formar cidadãos autônomos e independentes intelectualmente. A ideologia é silenciosa; dessa maneira, é preciso criticidade e reflexão para combatê-la. Como enfatiza Freire (2019):

A capacidade de amaciar que tem a ideologia nos faz às vezes mansamente aceitar que a globalização da economia é uma invenção dela mesma ou de um destino que não poderia se evitar, uma quase entidade metafísica e não um momento do desenvolvimento econômico submetido, como toda produção econômica capitalista, à uma certa orientação política ditada pelos interesses de quem detêm o poder. (FREIRE, 2019, p. 126).

Ao negar a ideologia dominante comentada por Freire (2019), a prática pedagógica necessita prever a produção do conhecimento e não a sua distribuição. Ao atuar de maneira intencional e planejada, o docente cria possibilidades de levar o aluno a aprender, mas o caminho até à aprendizagem não é linear. Nesse sentido,

[...] a prática pedagógica pode assumir um caráter de prática repetitiva, utilitarista e espontânea, sem reflexão e sem intenções claramente definidas. Ou, por outro lado, assumir uma relação de indissociação entre a teoria e a prática, com intenções pedagógicas conscientes que desejam a renovação, a transformação e as mudanças na construção do conhecimento. (BEZERRA, 2017, p. 111).

A ação docente manifesta valores, ideologias, concepções de mundo e princípios norteadores, e isso é formalizado a partir do currículo. O trabalho do professor necessita interromper com disposições e relações de poder alojadas nas instituições, para evitar a reprodução das desigualdades. É preciso, desse modo, organizar um trabalho articulado e democrático na escola.

No exercício da profissão, o professor depara-se com situações nas quais não sabe como agir, por isso a importância da reflexão constante sobre a prática. Martins (2003) relata que, no processo em que o professor caracteriza e problematiza sua prática, ao refletir, ao criar possibilidades, ao produzir novos conhecimentos, ele está realizando uma atividade de pesquisa. Para a autora, é no decorrer do trabalho docente, na concretização da prática, que os professores “[...] passam a criar e a produzir novos conhecimentos, são atores e autores que se ensinam a si próprios e vão aprendendo num processo coletivo, redefinindo a prática” (MARTINS, 2003, p. 9). Freire (2019, p. 29) contribui ao escrever que “[...] não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino”, e complementa dizendo: “[...] ensino porque busco, porque indaguei porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo”. Percebe-se, então, a característica de um ensino emancipatório: a pesquisa.

Freire (2020) aponta que os educadores precisam renovar constantemente a forma de ensinar. Para ele, é importante o professor reinventar-se, de acordo com as demandas que provêm das dificuldades dos alunos, tendo compromisso com a profissão. Disso decorre a relevância de o professor estar em contínuo processo de formação e pesquisa. A formação contínua do docente tem a contribuir com a qualidade do ensino, o desenvolvimento intelectual e a emancipação do educando.

Atribui-se aos professores grandes responsabilidades. As transformações sociais e a sociedade contemporânea solicitam o rompimento com o velho modelo conservador, conteudista e tecnicista. Nesse sentido, faz-se necessária uma nova maneira de pensar e de fazer ensino, com base no paradigma em ascensão. O aluno deve ser visto como sujeito nos processos de ensino e de aprendizagem, com opiniões próprias, com iniciativas e com a capacidade de enfrentar e resolver problemas. Freire (2019) destaca a indispensabilidade de os docentes olharem para a singularidade dos seus alunos, reconhecendo-os como sujeitos com necessidades e características específicas. O autor ressalta que “[...] o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceber uns aos outros” (FREIRE, 2019, p. 59). Seria esse o primeiro obstáculo a ser superado na busca de uma prática pedagógica emancipadora com vista à aprendizagem dos alunos?

Ao refletir sobre os dilemas da prática pedagógica, os desafios decorrentes das interferências no trabalho docente e as mudanças que a maioria das práticas atuais em educação necessitam, vale citar Freire (2019, p. 98): “[...] a educação é uma forma de intervenção no mundo”. Para o autor, o exercício da docência exige rigorosidade metódica, pesquisa, respeito aos saberes dos educandos, criticidade, ética e estética; corporificar as palavras pelo exemplo; assumir riscos; aceitar o novo; rejeitar qualquer forma de discriminação; refletir criticamente sobre a prática; reconhecer e assumir a identidade cultural; ter consciência de seu inacabamento; reconhecer-se como um ser condicionado; respeitar a autonomia do ser educando; ter bom senso, humildade, tolerância, convicção de que mudar é possível, curiosidade e competência profissional.

Freire (2019), ao descrever esses requisitos para o exercício da docência, traduz uma visão de práxis educativa, a qual contempla princípios de uma educação libertadora e emancipadora, inerente ao processo educativo. Caminhos devem ser traçados para que mudanças significativas aconteçam. A prática pedagógica do professor vai além do cumprir o ensino de um currículo pré-determinado, pois ela está inserida em todo o contexto educativo, nas ações intencionais que buscam a superação de um discurso ideológico.

Diante do exposto, percebe-se que o professor que realiza seu trabalho com a finalidade de alcançar a aprendizagem e a emancipação dos alunos seria aquele que, em meio às suas atribuições, reflete, intenciona e planeja sua prática pedagógica para processos de humanização e de conscientização, de forma a valorizar o diálogo e a autonomia dos educandos, guiando-os à consciência crítica.

Compreende-se que a prática pedagógica dos professores é construída em diferentes momentos e espaços, por meio de experiências e de momentos de formação. Tardif (2014) apresenta quatro pilares basilares dos saberes docentes, a saber: saberes curriculares, saberes das disciplinas, saberes da formação profissional e saberes experienciais. Silva (2013) indica que os saberes docentes se relacionam entre si, em um processo de interdependência. O autor apresenta os saberes sobre a óptica dos estudos de Tardif (2014), conforme apresentado na Figura 1. Tardif (2014) aponta que os saberes docentes são provenientes de diversas fontes, são variados e heterogêneos e utilizados de maneira integralizada. Faz-se uso dos saberes, de maneira personalizada, no cotidiano de trabalho docente, e eles também são “[...] construídos e utilizados em função de uma situação de trabalho particular, e é em relação a essa situação particular que ganham sentido” (TARDIF, 2014, p. 266).

Fonte: Silva (2013, p. 31)

Figura 1 Os saberes docentes, conforme Tardif 

Para Tardif (2014), o saber é um construto social, é heterogêneo e fruto de diversas vivências formativas. Disso decorre a importância de o professor manter-se em constante formação e utilizar-se dos saberes adquiridos ao longo da carreira docente e dos estudos frequentes para obter sucesso nos processos de ensino e de aprendizagem. De acordo com Tardif (2014), todos os saberes são utilizados pelos docentes, os quais não são produzidos individualmente, pois vários deles são provenientes de aspectos exteriores. Para o autor, quando os saberes são utilizados no ambiente de trabalho docente, é impossível identificar de imediato suas origens.

Tardif (2014) explana que os saberes curriculares têm relação com as várias propriedades que compõem o trabalho do professor. Eles “[...] correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados como modelos da cultura erudita e de formação para a cultura erudita” (TARDIF, 2014, p. 38). Assim, para o autor, os saberes curriculares referem- se desde os objetivos educativos constituídos nos planos de ensino até os instrumentos de avaliação e consideram todas as etapas e todos os elementos integrantes ao processo educativo escolar formal.

A ação docente manifesta valores, ideologias, concepções de mundo e princípios norteadores, os quais são formalizados a partir do currículo. Assim sendo, o trabalho do professor necessita interromper as disposições e as relações de poder alojadas nas instituições e planejar um trabalho coletivo no ambiente escolar que vise a novas condutas. Ainda que a formação inicial, por vezes, não contemple e não possibilite todo o conhecimento necessário para que o professor consiga perceber as relações de poder manifestadas no interior da sala de aula a partir do currículo, faz-se necessária a tomada de consciência. Nesse sentido, tão relevante quanto a atenção para os processos de ensino e de aprendizagem, está o olhar para o currículo escolar.

A necessidade de ter conhecimentos de currículo é essencial para que o professor consiga exercer seu papel desafiador, já que o currículo é um campo de disputas e de confrontação entre poderes. Da mesma forma, os saberes das disciplinas, ou saberes disciplinares:

São saberes que correspondem aos diversos campos do conhecimento, aos saberes de que dispõe a nossa sociedade, tais como se encontram hoje integrados nas universidades, sob a forma de disciplinas, no interior das faculdades e de cursos distintos. (TARDIF, 2014, p. 38).

De acordo com Tardif (2014, p. 38), os saberes disciplinares são aqueles definidos e selecionados pelas universidades; eles integram a prática docente, seja por meio da formação inicial ou da formação continuada. “Os saberes das disciplinas emergem da tradição cultural e dos grupos sociais produtores de saberes” (TARDIF, 2014, p. 38). O conhecimento específico de cada área contribui para que o professor relacione e estabeleça conexões entre as diferentes áreas do saber.

Os saberes da formação profissional, também nomeados como saberes profissionais, são aqueles transmitidos por meio das instituições formadoras. Os conhecimentos adquiridos na formação transformam-se em “[...] saberes destinados à formação científica ou erudita dos professores, e, caso sejam incorporados à prática docente, esta pode transformar-se em prática científica, em tecnologia da aprendizagem” (TARDIF, 2014, p. 37). Portanto, é no transcorrer dos processos formativos que os docentes entram em contato com as Ciências da Educação.

Quando se trata dos saberes experienciais, eles são conhecimentos que decorrem do exercício da função e da prática na profissão docente, os quais se desenvolvem a partir do trabalho cotidiano (TARDIF, 2014). “Esses saberes brotam da experiência e são por ela validados. Eles se incorporam à experiência individual e coletiva, sob a forma de habitus e de habilidades de saber-fazer e de saber-se. Podemos chamá-los de saberes experenciais ou práticos” (TARDIF, 2014, p. 39).

Tardif (2014) explica que os saberes da experiência possuem raízes no processo de ensino, que se desenvolvem em um contexto de múltiplas relações, as quais representam condicionantes diversos para a prática docente. Esses condicionantes surgem associados a circunstâncias concretas que “[...] não são passíveis de definições acabadas e que exigem improvisação e habilidade pessoal” (TARDIF, 2014, p. 49). Os saberes experienciais configuram- se como um “núcleo vital do saber docente” (TARDIF, 2014, p. 55), que se constituem a partir da relação com os demais saberes.

Os saberes docentes estão, assim, interiorizados na prática cotidiana do professor. Cabe a esse profissional articular tais saberes, conseguindo utilizá-los nas diversas demandas do ambiente de sala de aula. A atuação do docente requer o domínio dos diversos saberes, pois, ao buscar, constantemente, meios para a aprendizagem efetiva dos alunos, o professor necessita lançar mão dos diversos saberes adquiridos ao longo da construção de sua carreira profissional.

Considerações finais

Os elementos dispostos neste texto ainda são insuficientes para conceituar a prática pedagógica em toda sua abrangência e, também, para estabelecer conclusões. A prática pedagógica é complexa quando estudada em uma vertente crítica; ela demanda reflexão constante sobre os processos políticos e sociais, além de intencionalidade para contrapor-se a práticas alienadas que não visam à transformação e à superação das desigualdades sociais.

Com este estudo, foi possível perceber que a prática pedagógica é repleta de interferências e interesses mercadológicos, ideologias que impedem a construção de uma sociedade mais democrática. Os estudos de Freire estiveram bastante presentes neste texto, por haver um entendimento de que uma proposta de prática pedagógica do professor, permeada com seus ensinamentos, seria um passo extremamente significativo em direção a uma educação libertadora e emancipadora, que tem como objetivo negar a formação de indivíduos acomodados, não questionadores e que se submetem à estrutura do poder vigente, por mera alienação.

Independentemente da etapa de atuação, a prática do professor será sempre repleta de desafios, e é na busca de alternativas para resolver os problemas, na reflexão crítica, na intencionalidade e na consciência de que enquanto ensina também aprende, que o professor concebe uma forma inovadora de educar de forma emancipatória o aluno. Disso decorre a importância de o professor ter consciência dos saberes necessários para a sua atuação e de como eles se constituem de maneira conexa e contínua.

Diante de situações desafiadoras, como a pandemia da Covid-19 que se está vivenciando, o professor necessita reinventar-se para que, por meio dos seus saberes já constituídos e da busca constante de formação, possa intervir na realidade, de modo a superar os dilemas e a questionar situações que lhe são impostas e que tornam a aquisição da educação tão desigual - como é o caso da falta de acesso dos alunos às tecnologias e da efetivação da aprendizagem de maneira remota.

Entende-se que as dificuldades educacionais resultantes da crise pandêmica da Covid-19 podem envolver questões diversas, sejam elas sociais, psicológicas, ou outras, que não estão obrigatoriamente relacionadas à transmissão de conteúdos curriculares, ou ao uso de ferramentas de avaliação as quais os alunos são frequentemente sujeitados. Nessa perspectiva, os debates acerca de estratégias viáveis a serem praticadas para a garantia de acesso à educação, até mesmo por meio de políticas públicas, estão ocorrendo. É necessário levar em consideração que as políticas públicas, concebidas neste momento de tensão, precisam apreciar as distantes realidades sociais brasileiras. Para tanto, com urgência, é necessário que se alcance a efetuação de métodos consistentes e que os debates sejam fortalecidos.

Por fim, aspira-se a uma prática pedagógica reflexiva que caminhe na contramão do ensino, que atende somente a interesses das classes dominantes, que contemple, em seu bojo, as características de uma prática com perspectiva crítica e deslumbre um fazer docente intencional, planejado e refletido a partir da realidade, seja aquela que se conhecia antes da pandemia da Covid-19, seja esta do presente, a qual demanda pesquisas e busca perseverante pelo fazer acontecer, de maneira que todos tenham o direito de aprender garantido.

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Recebido: 19 de Julho de 2021; Aceito: 16 de Novembro de 2021

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