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Contrapontos

On-line version ISSN 1984-7114

Contrapontos vol.22 no.1 Florianopolis Jan./June 2022  Epub May 24, 2022

https://doi.org/10.14210/contrapontos.v22n1.p97-116 

Artigos

EDUCAÇÃO DO CORPO, DOPING E ESPORTE NO FILME “O PROGRAMA: A VERDADEIRA HISTÓRIA DE ARMSTRONG”

BODY EDUCATION, DOPING AND SPORT IN THE FILM “THE PROGRAM: THE TRUE STORY OF THE GREATEST DECEPTION OF OUR TIME”

EDUCACIÓN CORPORAL, DOPAJE Y DEPORTE EN EM LA PELÍCULA “EL PROGRAMA: LA VERDADERA HISTORIA DE ARMSTRONG”

Fabio Zoboli1 

Elder Silva Correia1 

Hamilcar Silveira Dantas Junior1 

1Universidade Federal do Sergipe, Aracaju, SE, Brasil.


Resumo:

O presente escrito tem como objetivo interpelar a educação do corpo, na obra cinematográfica “O programa: a verdadeira história de Lance Armstrong” (2015), a fim de reflexionar os usos do corpo no esporte moderno, sob a política do doping. A crítica que se quer sustentar, com esta análise, é que a técnica é o meio pelo qual o humano reingressa no devir da própria natureza, de tal modo que o humano é uma expressão de tal atividade. Isso implica considerar que os limites do doping não podem ficar presos a uma ontologia, na qual o corpo é dado como algo puro e que sua natureza é oposta ao que se entende por artificial. No entanto, isso não significa dizer, necessariamente, que se é favorável ao doping no esporte. Conclui-se que o esporte está tão imerso a códigos morais, a juízos preexistentes, que é pouco sensível e capaz de perceber que, na prática, as performances dos corpos dos atletas na sua estreita relação com tecnologias, expressam a natureza e sua lógica da mútua inclusão.

Palavras-chave: educação do corpo; doping; esporte; técnica; filme O programa: a verdadeira história de Armstrong

Abstract:

This paper aims to question the education of the body through the film “The program: the true story of the greatest deception of our time” (2015) in order to reflect on the uses of the body in modern sport under the politics of doping. The critique we want to sustain is that technique is the means by which the human re-enters the becoming of nature itself, in such a way that the human is an expression of its activity. This implies considering that the limits of doping cannot be locked into an ontology where the body is given as something pure and that its nature is opposed to what is understood as artificial. However, this does not necessarily mean that we are in favor of doping in sports. We conclude that sport is so immersed in moral codes, in pre-existing judgments, that it is not sensitive and capable of perceiving that in practice, the performances of athletes’ bodies in their close relationship with technologies, express Nature and its logic of mutual inclusion.

Keywords: body education; doping; sport; technique; film The program: the true story of the greatest deception of our time

Resumen:

Este escrito tiene como objetivo desafiar la educación del cuerpo a través del trabajo cinematográfico “El programa: la verdadera historia de Lance Armstrong” (2015) con el fin de reflexionar sobre los usos del cuerpo en el deporte moderno bajo la política de dopaje. La crítica que queremos sostener es que la técnica es el medio por el cual el humano reingresa al devenir de la naturaleza misma, de tal manera que lo humano es expresión de su actividad. Esto implica considerar que los límites del dopaje no se pueden vincular a una ontología donde el cuerpo se da como algo puro y que su naturaleza es opuesta a lo que se entiende por artificial. Sin embargo, esto no significa necesariamente que estemos a favor del dopaje en el deporte. Se concluye que el deporte está tan inmerso en códigos morales, juicios preexistentes, que es poco sensible y capaz de darse cuenta de que en la práctica, el desempeño del cuerpo de los deportistas en su estrecha relación con las tecnologías, expresa la Naturaleza y su lógica de mutuo inclusión.

Palabras clave: educación corporal; dopaje; deporte; técnica; película El programa: la verdadera historia de Armstrong

Introdução

O presente ensaio parte do pressuposto de que nas ciências humanas e sociais - logo, na Educação - não se pesquisam corpos, mas sim o corpo no contexto de suas práticas, no contexto dos seus usos sociais. Pretender investigar “corpos” em detrimento de suas práticas significa reduzi-lo ao seu lado natural e físico, é colocar sua biologia à frente do social incorporado, é confundir o natural com o naturalizado (GALAK, 2014). Ou seja, o corpo só pode ser objeto de estudo da Educação, a partir de suas práticas, que o tomam como campo empírico, sob a forma de fenômenos recortados destas práticas culturais humanas.

Por isso, pensar o conceito de “educação do corpo” se faz central na interpelação que será feita ao corpo, neste texto. Para compreender o sentido de educação do corpo, é preciso revisitar o clássico conceito de técnicas corporais de Marcel Mauss. Por “técnicas corporais”, Mauss (2015, p. 385) entende “as maneiras como os homens, de sociedade a sociedade, de uma forma tradicional, sabem servir-se de seu corpo”. Nas técnicas do corpo, culturalmente transmitidas, estão inscritos discursos políticos e sentidos estéticos, assim, “educar um corpo” é transmitir a ele modos políticos e sentidos estéticos (GALAK, 2014). Quando se pensa o educar do corpo no campo específico da escola, o que se chama de processo de escolarização, os signos modernos de ciência, racionalização e civilização terminam por ser basilares de todas as ações humanas, normatizando todas as instituições a esses parâmetros.

Pretende-se, com este escrito, interpelar a educação do corpo, por intermédio da obra cinematográfica “O programa: a verdadeira história de Lance Armstrong”, dirigida por Stephen Frears, em 2015, a fim de reflexionar os usos do corpo no esporte moderno sob a política do doping. A crítica que se quer sustentar, aqui, é que a técnica é o meio pelo qual o humano reingressa no devir da própria natureza, de tal modo que o humano é uma expressão da atividade natural. Isso implica considerar que os limites do doping não podem ficar presos a uma ontologia que o corpo é dado como algo puro e que sua natureza é oposta ao que se entende por artificial, pois como argumenta Massumi (2017), paradoxalmente, talvez não haja nada mais artificial do que a própria natureza e sua atividade autoprodutiva. De igual modo, a análise sobre o doping não pode ficar balizada aos limites legais, instituídos pelos órgãos reguladores, nem pelos moralismos essencialistas que advogam uma natureza “pura” do esporte. No entanto, isso não significa dizer, necessariamente, que se é a favor do doping no esporte.

O filme do diretor britânico Stephen Frears é propício para tal debate, na medida em que narra as estratégias utilizava pelo maior ciclista de todos os tempos, Lance Armstrong, para fazer uso de doping. Pensar a diegese fílmica desta película, a partir do esporte moderno, é também pensar no corpo moderno, no corpo da ciência. A revolução iluminista buscou, como ícone da modernidade, arrancar o corpo da mítica divina e colocá-lo na mesa para dissecá-lo e desmontá-lo em partes, via postura da ciência cartesiana.

Assim, quando se pensa nos usos do corpo no esporte, sob a perspectiva do doping, a anatomia do corpo do atleta passa a reger toda uma anatomia política, de modo que a biologia passa a ser a métrica para se medir a moral. A ideia de doping está totalmente presa a uma visão naturalista de corpo que, ao fazer uso de produtos tecnológicos, acaba por deslocar a compreensão do que a ontologia clássica caracterizada como de ordem humana - com uma natureza imutável. Tal dimensão desdobra-se em duas vias: uma legal e uma de senso comum. Pela via legal, o doping é demarcado pelas normativas da WADA (World Anti-Doping Agency), agência fundada em 1999, para regular e dar consistência às políticas de controle de doping entre as organizações esportivas e os governos nacionais. Sua ação não é apenas de definição, regulação, testagem e punição, posto que apresenta uma intencionalidade educativa: “Métodos preventivos, como programas de educação baseados em valores voltados para jovens atletas, treinadores, médicos e pais sobre os perigos e consequências do doping, bem como as ramificações legais e sociais, são cada vez mais prevalentes em programas antidoping” (WADA, 2020)3. Porém, são as regulações, definições do que é permitido ou não, as punições aos atletas infratores que demarcam a ação da WADA.

Na dimensão do senso comum, os julgamentos obedecem a três perspectivas que geram uma conclusão. Segundo Costa et al. (2005), argumenta-se que: se existe uma legislação proibindo o uso de substâncias que potencializam a performance, então, cabe respeitá-la; como são elementos não-naturais, são prejudiciais à saúde; tornam a competição desigual privilegiando o atleta infrator. Donde se conclui que, sob pretextos legais, físicos e morais, o atleta que faz uso dessas substâncias comete uma infração legal e ética, o que justifica sua punição.

Ante tais complexidades, buscando um caso real notório na comunidade esportiva e carregado de julgamentos morais do senso comum, este texto traz a aposta no cinema como ferramenta pedagógica, dado que se entende o mesmo como símbolo e representação de uma cultura que, por meio do contato com seus signos, tem a capacidade de “re-criar” significados e traçar novas compreensões das representações normalizadas ou pré-estabelecidas até então (DUARTE 2002). Somos consonantes a Bettoni (2011), que defende a importância de estudar o cinema da mesma forma que se estuda literatura, ou seja, como meio de expressão artística, estética, verbal e como linguagem. No entanto, devemos estar atentos, pois o cinema não deve ser aproveitado nas escolas somente como um recurso para explicar temas específicos nas disciplinas, mas também como experiência instauradora de sentido, como instrumento de comunicação, como meio de obter conhecimentos, ou seja, é necessário compreender o cinema como fonte de informação e formação humana.

A fim de apreender as questões e os argumentos deste texto, organizamos o escrito a partir de três outras partes para além dessa introdução: num primeiro momento, apresentamos o diretor Stephen Frears, o ciclista protagonista da película e o filme “O programa: a verdadeira história de Lance Armstrong” (2015) como campo de tensão para pensar o corpo sob a perspectiva do doping no esporte; na segunda seção, interpelamos a visão naturalista de corpo, frente aos usos das técnicas de dopagem, a fim de desarticular o entendimento da ontologia como natureza imutável; na terceira e última parte, tecemos nossas considerações finais.

O filme “o programa...”: uma versão da história de Lance Armstrong

O filme “O programa: a verdadeira história de Armstrong” (2015) foi dirigido pelo britânico Stephen Frears (1941) que tem em sua filmografia mais de trinta longas-metragens, dos quais podem-se destacar os premiados: “Ligações perigosas” (1988), “Os imorais” (1990), “O segredo de Mary Reilly” (1996) e “A Rainha” (2006) - seu filme mais laureado. Além disso, também merecem destaque: “O amor não tem sexo” (1986), “A van” (1996), “Terra das paixões” (1998), “Liam” (2000), “Coisas belas e sujas” (2003), “Sra. Henderson apresenta” (2005) e “Chéri” (2009).

O filme aqui suspenso para diálogo narra as estratégias utilizadas pelo ciclista estadunidense Lance Armstrong para fazer uso de doping. Neste sentido, pode-se afirmar que o filme não é uma biografia de Armstrong, mas sim, um recorte da vida do ciclista reduzindo o roteiro do filme a um tratado acusatório do uso de doping do ciclista. O script do filme é tão centrado em Armstrong que, sequer, amplia as reflexões sobre a utilização ilegal de drogas no ciclismo4. Nesse sentido, reitera-se que o foco é exclusivo a toda uma organização política de manipulação de doping que gira em torno de Lance Armstrong - daí o título do filme: “O programa”.

O filme narra a frustração de Lance quando se percebe limitado corporalmente frente a seu organismo/natureza, por não conseguir vencer, enquanto atleta de ciclismo. Seu espírito competitivo o leva em direção ao uso de drogas, para potencializar seu corpo para as competições. Essa trajetória é percebida pelo jornalista David Walsh, que conviveu com Armstrong desde o início de sua carreira. Vale mencionar que foi o livro de Walsh “7 pecados mortais” que serviu de base para o filme. O jornalista - mocinho - (encenado por Chris O’Dowd) é o protagonista que passa o filme investigando “o programa” e enfrentando todo um sistema que estrutura e encobre o uso do doping por parte de Armstrong - o vilão - (interpretado por Ben Foster). A sinopse do filme o apresenta da seguinte forma: “Um jornalista está convencido do doping do ciclista Lance Armstrong. Ele começa a investigar e buscar provas para trazer à luz a verdade” (O PROGRAMA: A VERDADEIRA HISTÓRIA DE ARMSTRONG, 2015).

Lance Edward Gunderson (1971) é o nome de nascimento de Lance Armstrong que ficou famoso no cenário esportivo por ter vencido sete vezes consecutivas (de 1999 a 2005) o Tour de France - a maior de todas as competições do ciclismo. Este feito estrondoso ganha ares de superação ainda maiores, já que Lance voltava a competir após ter se curado de um câncer5 nos testículos diagnosticado em 1996. O Tour de France é uma lendária competição de ciclismo realizada anualmente na França, desde o ano de 1903, sendo considerada a competição mais importante no mundo do ciclismo. O Tour carrega uma mítica também por ser a competição mais difícil do ciclismo, pois são percorridos 3640 km de prova, organizados em 21 etapas, em dias consecutivos. Como se não bastasse a longa distância, a prova é composta por 26 montanhas que reportam aos ciclistas o apelido de “escaladores”.

Após as acusações e comprovações da existência de toda uma engrenagem organizada em torno da equipe que gestava o “programa” de uso de doping de Lance, a Federação Internacional de Ciclismo, em 22 de outubro de 2012, retirou as sete vitórias do Tour de France de Armstrong e o proibiu, permanentemente, de competir em provas oficiais da federação. Em janeiro de 2013, haveria a confissão pela própria boca do ciclista sobre o uso de doping durante sua carreira. A United States Anti-Doping Agency (USADA) acusou Lance de ter gerenciado e formado parte da rede de dopagem mais sofisticada da história do ciclismo. Apesar disso, Lance Armstrong continua dividindo opiniões.

Existe uma vasta filmografia ligada ao Tour de France, desde documentários que narram as glórias do evento e seus casos trágicos ou polêmicos, passando por cinebiografias laudatórias, até animações. Todas com amplo potencial para tensionar reflexões sobre o esporte, sua aura de pureza e suas contradições insanáveis. Aqui apontam-se alguns filmes que trazem o Tour de France à cena: “Vive le tour!” (Claude Lelouch e Louis Malle, 1962), “Road to Paris” (Nike, 2001), “As bicicletas de Beleville” (Sylvain Chomet, 2003), “Höllentour” (Pepe Danquart e Werner Schweizer, 2004), “Chasing Legends“ (Jason Berry, 2009), “Rising from Ashes” (T.C. Johnstone, 2012), “Espírito limpo - no coração do Tour” (Dirk Jan, 2013), “A grande volta” (Laurent Tuel, 2013), “A mentira de Armstrong” (Alex Gibney, 2013), “Stop at Nothing: The Lance Armstrong Story” (Alex Holmes, 2014), “Pantani: a morte acidental de um ciclista” (James Erskine, 2014), “Le ride” (Phil Keoghan, 2017).

No caso específico de “O Programa: a verdadeira história de Armstrong”, trata-se de um filme que se vincula às narrativas hollywoodianas do herói trágico: o sujeito que se esforça, tem tudo para construir uma trajetória vitoriosa, mas que, diante das imposições da vida social e econômica, opta por burlar as regras e ser um vencedor. Tal mecânica narrativa está nas bases da trajetória do diretor Stephen Frears.

Segundo Ewald Filho (2002), Stephen Frears construíra um sólido trabalho na televisão, ao longo de todo o período dos anos 1970, através de curtas-metragens e filmes para consumo interno da população inglesa. Em 1986, o lançamento, nos cinemas, de “Minha adorável lavanderia”, narrando a trajetória de uma família paquistanesa, inebriada pelo discurso empreendedor e neoliberal de Margaret Thatcher, que sobrevive de pequenos negócios ilegais, cujo filho responsável pela lavanderia se apaixona por um empregado inglês punk subverteu valores e acirrou os ânimos da Londres conservadora, assim como dos imigrantes paquistaneses e suas tradições, que condenam a homossexualidade. O filme foi um grande sucesso de público e crítica, frequentando festivas internacionais e amealhando indicações e prêmios.

Seus projetos cinematográficos passam a ser incentivados e Frears seguiu provocando as comunidades suburbanas inglesas até dirigir, em 1988, “Ligações perigosas”, baseado no romance epistolar do século XVIII, escrito por Chordelos de Laclos. Com brilhante reconstituição cenográfica, artistas renomados na interpretação como Glenn Close, John Malkovich e Michelle Pfeiffer, o filme demonstra a hipocrisia e corrupção da elite aristocrata francesa, inebriada em seus jogos de sedução e poder, enquanto a França afundava em miséria e prepara sua revolução. A ambientação histórica e o deslocamento geográfico foram os mecanismos encontrados por Frears para continuar provocando a hipocrisia da sociedade europeia do século XX. O estrondoso sucesso do filme, vencedor de três prêmios Oscar e indicado a outros quatro, rendeu a Frears a oportunidade dirigir em Hollywood.

O diretor seguiu, então, uma certa tradição de crítica aos valores sociais ocidentais que pregam a ética, o esforço individual, o respeito às regras e convenções sociais e econômicas, mas que se sustenta em uma lógica competitiva predatória que demarca os sujeitos entre vencedores e perdedores.

Seu primeiro projeto nos Estados Unidos foi “Os imorais”, em 1991, narrando a relação familiar entre três vigaristas que ganham muito dinheiro manipulando uma rede de apostas. Os pequenos esquemas vão se avolumando, à medida em que a solidez das relações familiares vai se dissolvendo. Novamente, o filme foi aclamado, por conta da acidez e ironia da crítica social de Frears.

Desde então, o diretor seguiu realizando filmes que provocavam essas hipocrisias das sociedades estadunidense e europeia. Desde “Herói por acidente” (1992), passando por “O segredo de Mary Reilly” (1996), “Terra das paixões” (1998), “Alta fidelidade” (2000), “Liam” (2000) e “Coisas belas e sujas” (2003), Frears continuou um permanente provocador. Em 2005, retorna à Inglaterra para produzir “Sra. Henderson apresenta”, outra ambientação histórica na Inglaterra Pré-Segunda Guerra Mundial, expondo um show de nudez em um tradicional teatro vitoriano, chocando o conservadorismo dos britânicos.

No ano seguinte, Frears produziu a segunda grande guinada em sua carreira. Continua a questionar os valores hipócritas da sociedade ocidental, notadamente anglo-saxã, mas direciona-se às figuras históricas reais. Não para fazer cinebiografias, mas recortar momentos importantes de trajetórias individuais e as contradições entre os interesses dos sujeitos e a opressão do contexto social. Essa fase se inicia com seu maior sucesso de público e crítica: “A Rainha” (2006), acompanha as angústias da Rainha Elizabeth II, jogada no turbilhão emocional popular dos funerais da Princesa Diana. Emoção que ela mesma não sentia e distanciava cada vez mais a Família Real de seus súditos. As angústias da vida reclusa em Buckingham e a necessidade de negociação política com o então novato Primeiro-Ministro Tony Blair, demonstra que a Rainha precisa se adaptar aos novos tempos midiáticos.

A assombrosa atuação de Helen Mirren, vencedora de todos os prêmios de interpretação daquele ano, e sua mordaz crítica às bases do sistema monárquico britânico, ainda que reconheça seu valor simbólico, fizeram do filme um grande sucesso internacional.

Não obstante o sucesso, essa guinada para os filmes pautados em figuras reais, teve apenas mais um sucesso de crítica: “Philomena” (2015), desta feita apontando para as ações hipócritas e criminosas das instituições religiosas britânicas. Seus filmes seguintes continuaram essa tendência com “Florence - quem é essa mulher?” (2016), baseado na trajetória de Florence Foster Jenkins, uma mulher milionária que cismara de ser cantora de ópera apesar de não possuir nenhum talento para tal, e “Victoria e Abdul” (2017) que acompanha o jubileu de ouro da Rainha Victoria, em 1887, e sua relação com um jovem indiano que passa a ser seu conselheiro, despertando a indignação da nobreza britânica. Todavia, essa tendência da cinematografia de Stephen Frears, apesar de manter a coerência de seu trabalho e seu olhar mordaz sobre a sociedade britânica e estadunidense, vem perdendo força e representatividade para a crítica cinematográfica especializada. É nesse movimento que se insere “O Programa: a verdadeira história de Armstrong”.

Educação do corpo, doping e esporte: entre míticas e paradoxos de uma ontologia naturalista

A modernidade, como projeto de ciência, veio retirar do corpo sua mítica pautada pelas leis divinas, para, a partir de então, passar a ser compreendido pelas leis mecânicas oriundas da matemática e da física. Tudo isso aliado ao cartesianismo, que tinha como método a fragmentação do todo para estudá-lo a partir das partes. Foi neste contexto que a anatomia emerge como ciência, mãe do corpo, desmembrando-o e tornando-o um conjunto de peças para explicar o todo pela soma das partes. O conhecimento anatômico também inaugurou a biologia como argumento científico primeiro do corpo. Esse corpo ficou assim condicionado a Assim, parte-se da premissa de que o corpo humano está preso a uma condição de organismo e, por assumir tal característica, fica submisso a ela. A tríade ciência/técnica/ tecnologia é dispositivo que afeta o organismo e o potencializa para além de suas condições naturais - ou seja, coloca sua natureza em variação. O corpo do atleta, visto sob a égide da ciência, aos poucos, vai se transformando num corpo técnico, objeto da política, visto que a racionalidade científica e técnica começa a desenvolver nele as forças produtivas que dele são exigidas no âmbito esportivo (GALAK, ZOBOLI e MANSKE, 2020).

Desse modo, visualiza-se que há, portanto, entre ciência e técnica, uma estreita interdependência. A técnica depende da ciência, da qual há somente uma aplicação: o ser humano só pode atuar sobre o mundo, se conhece as leis que o regem (do conhecimento das leis, faz uso delas). Porém, a ciência depende da técnica e, em certo sentido, é engendrada por ela: o humano se esforça para saber, para poder atuar (RAYNAUD, 2018, p. 31). O corpo sob a égide do esporte sofre e é atravessado por esta ciência/técnica, que tira dele tirar o máximo de performance, potencializando as debilidades desse organismo.

No filme analisado, a debilidade do corpo de Armstrong aparece em vários momentos na sua dupla batalha: vencer como atleta e vencer o câncer. A primeira vez que ele procura o médico esportivo Michele Ferrari6, ele o avalia pedindo para que tire a camisa. Ferrari, então, olha para o corpo de Armstrong com ar de reprovação e Lance questiona: “O que foi?”. O médico diz a ele: “Sua proporção está toda errada, a sua proporção entre força e peso não é boa”. Lance, então, indaga: “Como assim?”. E o médico diz: “Sua forma, Lance, não é a melhor para as montanhas. Você pode ser um bom ciclista, mas nunca será excelente. Sinto muito, você sabe disso” (O PROGRAMA: A VERDADEIRA HISTÓRIA DE ARMSTRONG, 2015).

Depois desse episódio, Lance é acometido por um câncer nos testículos e por metástases no cérebro. Diante disso, ele passa por uma orquiectomia - retirada do testículo afetado -, além de outra cirurgia para remover as metástases. Ato contínuo, Armstrong é submetido a várias rodadas de quimioterapia. No pós-cirúrgico, Lance aparece ainda meio grogue da sedação e seu oncologista lhe diz: “O tratamento é mesmo punitivo, agora você praticamente não tem glóbulos brancos, a contagem de plaquetas está próxima a zero. Estamos fazendo o possível com transfusões e antibióticos, não sei quem vai ceder primeiro: o tumor ou seu corpo” (O PROGRAMA: A VERDADEIRA HISTÓRIA DE ARMSTRONG, 2015).

Após a recuperação do câncer, Armstrong volta a procurar Ferrari, o médico esportivo que apontou sua debilidade corpórea para ser um campeão no ciclismo. Ferrari o recebe e Lance já vai dizendo: “Fiz o que você queria, minha ‘forma’ mudou, a dieta de quimioterapia é boa para nos tirar a ‘forma’”. Lance faz alusão a sua estrutura, modificada pelo violento tratamento quimioterápico. Em ato contínuo, o médico interroga: “O que importa para você, Lance?”. Ele responde: “Vencer!”. O médico pergunta: “E mais o quê?”. E Armstrong diz: “Eu amo minha mãe”. Novamente, Ferrari pergunta: “Você ama sua mãe mais que o querer vencer?”. Lance fica em silêncio e não responde nada. O médico muda o tema e pergunta: “Lance, qual é seu VO2 máximo?”. Ele, então, diz: “84”. O médico indaga: “Sabe o que isso significa?”. Lance responde: “É meu consumo máximo de oxigênio”. O médico diz: “Literalmente sim, mas, realmente, significa que você nasceu para perder. Quando seu compatriota Greg LeMond ganhou o Tour de France, o VO2 máximo dele era 93. Em uma competição entre você e alguém como ele, você vai sempre perder, pois ele sempre libera mais combustível que você. E quando você escala uma montanha sobre rodas, precisa de combustível para gerar força, erguer peso”. Lance diz: “Eu faço o que for preciso” (O PROGRAMA: A VERDADEIRA HISTÓRIA DE ARMSTRONG, 2015).

A partir desse momento, subentende-se, na diegese fílmica, que Lance Armstrong começa o seu “programa” de uso de potencializadores de performance. Percebe-se, na narrativa fílmica, tanto no que tange a debilidade corpórea de Lance para ser um campeão de ciclismo, como na sua luta orgânica para vencer o câncer que os aparatos das ciências aliados à tecnologia se fazem presentes para potencializar o Lance atleta e o Lance acometido pelo câncer. Importante mencionar que, nessas cenas, o quadro fílmico e o figurino são sempre compostos por instrumentos e aparelhos tecno-científicos que servem para “medir” o corpo biológico de Armstrong. Além, é claro, de todo um aparato farmacológico - drogas.

No campo específico do doping, que é foco deste escrito, de tal relação da técnica com a ciência surgem os mais variados tipos e manifestações de doping: bioquímico, genético e os ligados à dopagem tecnológica, pautada em materiais de uso esportivo. A WADA define

o doping “como el avance científico y médico en pos de mejorar el rendimiento físico de los seres humanos, y de los deportistas en particular” (SOLANES e VALERO, 2014, p. 54). O termo doping, no seu sentido tradicional, faz alusão a tudo que o atleta faz uso para aumentar o seu rendimento, ultrapassando os limites estabelecidos pelas agências que regulam o esporte.

As drogas que compunham “o programa” são descritas por Lance, quando recebe, em sua equipe, o ciclista Floyd Landis: “Este é o programa: adesivos de testosterona (use à noite, a cada dois ou três dias); microdoses de dez unidades por quilo intravenoso, o corpo elimina em 12 horas, não seja testado na hora errada”. Abrindo a geladeira onde se encontram bolsas de sangue, Lance explica: “Os testes para EPO tornam-se mais difíceis, agora tiramos

o sangue quando está bom, guardamos na geladeira e reinjetamos quando precisamos, são glóbulos vermelhos, é tudo que precisamos, quanto mais oxigênio, maior a velocidade. É assim que ganhamos, é um trabalho duro” (O PROGRAMA: A VERDADEIRA HISTÓRIA DE ARMSTRONG, 2015). Sob o uso de potencializadores de performance, é possível observar um litígio, pois o ser humano, preso a um corpo biológico da ciência, fica refém de uma ontologia, que possui, em seu âmago, a ideia de que esse corpo, ao ser modificado pelo uso das tecnologias, fica descaracterizado de sua condição humana, ou seja, ele passa a ser visto como uma entidade “não-humana”, “trans-humana” - artificial. O esporte se caracteriza, historicamente, como um dos territórios de maior expressão e conservação cultural da redução do ser humano à condição de matéria biológica com a finalidade de transformá-lo em um objeto da técnica, a fim de melhorar seu rendimento. Por tal motivo, talvez o esporte seja a prática na qual mais se utiliza a metáfora do corpo como máquina (GALAK, ZOBOLI e MANSKE, 2020).

Isso quando não atravessado por uma episteme fundamentalista que vincula o corpo a algo transcendental - criado por Deus, logo, inviolável. A ideia de corpo ligado a uma metafísica divina é constante no filme. Essas relações acontecem na manipulação do corpo pela ciência/logos, a fim de descobrir a verdade das leis de sua natureza criadas por um suposto “deus/mythos”, bem como na moralização do uso do doping como sendo algo transgressor e pecaminoso. Ironia ou não, o nome do livro que fundamenta o filme é “7 pecados mortais”, do jornalista David Walsh.

Quando Ferrari conta a história de como começaram suas pesquisas, é possível presenciar a relação ciência/deus: “O professor e eu tínhamos interesse em esportes, em fisiologia, em como um atleta se aperfeiçoa, a questão mais simples de todas, mas que ninguém sabe a resposta. Então, usamos a ciência para acabar com os treinos sem lógica. Fizemos testes e analisamos os resultados. E, então, fazemos tudo de novo. Afinal, ciência é isso. Mas chegou um tempo que pensamos ter esgotado a ciência. Foi como se eu tivesse tido uma visão, uma visão celestial, tipo quando Deus falou a Paulo, foi como me senti. ‘Lacrima Christi’” (O PROGRAMA: A VERDADEIRA HISTÓRIA DE ARMSTRONG, 2015).

Para Canguilhem (2012), seria necessário, primeiro, que o homem tivesse sido concebido como um ser transcendente à natureza e à matéria para que seu direito e seu dever de explorar a matéria, sem levá-la em consideração, fossem afirmados. Por isso, a ontologia humana, ligada ao transcendente, é central para se pensar o corpo moral do doping. Subsequente a isso, o autor menciona que seria preciso que os homens fossem concebidos como radical e originalmente iguais para que, uma vez condenada a técnica política de exploração do homem pelo homem, a possibilidade e o dever de uma técnica de exploração da natureza pelo homem aparecesse (CANGUILLHEM, 2012). Aqui, a biologia tem papel central, pois ela universaliza os corpos pela métrica e serve como dispositivo político da norma.

Quando um ciclista da equipe de Lance decide parar de correr, os gestores vão em busca de um substituto e, então, Floyd Landis entra em cena. Floyd tem uma família muito religiosa e ele conserva estes valores. Com ligação ao personagem de Floyd, um quadro pendurado na parede aparece várias vezes no filme, com os seguintes dizeres: “O justo se elevará à vida eterna com deus, e o injusto ao inferno separado de deus”. Floyd é sempre muito incomodado com o uso de doping, se sente constantemente injustiçado com o trabalho que a equipe faz para que Lance vença todas as competições. No ano de 2006, o primeiro ano do Tour de France sem Armstrong, Floyd vence a competição, porém, é pego no exame antidopagem. Isso teve uma carga moral muito grande em Floyd, por conta de sua religião, tanto que, em 2012, ele procura a USADA (Agência Antidoping dos EUA) e confessa não só seu uso, mas também desmascara todo o “programa” de dopagem da equipe de Lance. Incluso, quando Floyd se aposentou do ciclismo, ele vira assessor do governo contra Lance Armstrong.

O esporte, ao mesmo tempo em que exige a máxima e o aumento constante da performance - pautado na quebra dos limites “naturais” do corpo humano - opera, paradoxalmente, com uma ontologia tradicional de ser humano que freia seu próprio adágio. Mencionamos isso pautados nos sistemas de antidopagem, que nada mais são que freios colocados frente ao uso de tecnologias que potencializam o corpo do atleta a melhores performances. O esporte é uma das manifestações modernas em que o processo de potencialização do corpo, via técnica associada à ciência e tecnologia, acontece - e, ainda mais, poderia ser sua prática arquetípica (GALAK, ZOBOLI e MANSKE, 2020).

O doping é um elemento constitutivo do esporte moderno e produto da ciência, relacionando-se diretamente com outras práticas e tecnologias que expandem os limites do desempenho humano, mas que são, arbitrariamente, vinculadas ao “puro”, ‘natural’ e ‘autêntico’, e que não se apresentam contra as suas regras. Essa é uma questão bastante controversa, afinal, a utilização de drogas no esporte de alto rendimento parece ser imprescindível para que ele continue existindo como espetáculo lucrativo e espetacular. Além disso, não existe algo “natural” no que se refere à relação com o corpo e o treinamento (SILVEIRA e VAZ, 2014, p. 453-455).

O conceito de ambivalência proposto por Zygmunt Bauman é central para que se pense nos litígios esportivos do doping, a partir de uma ontologia tradicional naturalista, enquanto ele é gerido, na sua totalidade, pelas tecnologias oriundas de um sem-fim de ciências. A ambivalência entre esporte e ciência - trazida ao filme sob a perspectiva do uso do doping - parece ser um dos maiores paradoxos na modernidade, nesse contexto.

Esta ambivalência entre esporte e drogas é muito bem reflexionada no texto de Vaz (2005), quando o autor menciona que a questão do doping no esporte é muito controversa “se considerarmos que o uso de drogas de algum tipo parece ser imprescindível para o esporte de alto rendimento e que nele há pouco do que poderia se chamar ‘natural’, no que se refere à relação com o corpo” (VAZ, 2005, p. 26). Vaz interpela muito bem as contradições do doping, enquanto técnica de manipulação do corpo para a superação de recordes e o discurso axiológico que se tenta sustentar. Aqui, entende-se ambivalência a partir de Bauman (1999, p. 9), que a conceitua da seguinte forma:

A ambivalência, possibilidade de conferir a um objeto ou evento mais de uma categoria, é uma desordem específica da linguagem, uma falha da função nomeadora (segregadora) que a linguagem deve desempenhar. O principal sintoma da desordem é o agudo desconforto que sentimos quando somos incapazes de ler adequadamente a situação e optar entre ações alternativas. É por causa da ansiedade que a acompanha e da consequente indecisão que experimentamos a ambivalência como desordem - ou culpamos a língua pela falta de precisão ou a nós mesmos por seu emprego incorreto. [...] Classificar, em outras palavras, é dar ao mundo uma estrutura: manipular suas probabilidades, tornar alguns eventos mais prováveis que outros, comportar-se como se os eventos não fossem causais ou limitar ou eliminar sua causalidade.

Tensionar o uso de tecnologias no esporte, sob a ótica da ambivalência, é tentar desmobilizar a ontologia tradicional que encerra o humano na noção clássica de natureza sempre fixa, bloqueando o acesso a problemáticas filosóficas do ser, inevitavelmente, sujeito e indeterminado às dinâmicas de seu contexto/historicidade. Nesse sentido, o filme “O programa: a verdadeira história de Armstrong” (2015) é extremamente limitado, na medida em que não tensiona e não abre fissuras para compreender o doping para além de uma moralidade imposta. Em vista disso, o filme é muito unilateral e demostra a política sob a qual o diretor elegeu filmar. Fruto dessa unilateralidade limitante, o personagem de Armstrong também se resumiu a um ser sem escrúpulos, disposto a toda e qualquer trapaça para vencer.

Essa dimensão proposta por Frears, coerente com sua proposta de demarcar a hipocrisia da sociedade ocidental e seus convívios sociais, no entanto, resvala para uma crítica, que desconsidera o entorno social de Armstrong e categoriza as ações humanas como escolha somente dos indivíduos. Assenta-se, então, uma crítica rasa que criminaliza o sujeito e não percebe os impactos sociais que o esporte de rendimento provoca sobre os indivíduos, as instituições esportivas, midiáticas e os poderes estatais constituídos.

Tal opção narrativa de Frears incorre, a nosso ver, no que Oliveira e Vaz (2004) atestam como a grande expectativa da modernidade sobre o esporte, qual seja, que o mesmo represente uma peça fundante na “formação das almas”, no domínio dos desejos e das pulsões, sobretudo um marco civilizatório de uma sociedade ordeira, ética e disciplinada. Esse aspecto de amor- ódio sobre o corpo, seus limites, suas possibilidades de avanço e subversões, está demarcado por uma dada perspectiva de educação do corpo: “esse movimento de glorificação e repulsão ao corpo não é unívoco nem linear, mas se apresenta como expressão de um pilar central de nossa vida subjetiva e social, qual seja, o domínio de nossa condição de natureza que nos habilita e impele à historicidade” (OLIVEIRA; VAZ, 2004, p. 15).

A reflexão aqui proposta busca adentrar às raízes motivadoras do filme de Stephen Frears, a partir da demarcação de sua trajetória como cineasta. No entanto, as motivações expressas pelo diretor são carregadas de moralismo e desconhecimento das engrenagens sociais do esporte. Em entrevista ao jornal espanhol “20 minutos”, Frears atesta que:

Ya sabemos todo sobre él: que es un mentiroso! [...] No sé nada de ciclismo ni me interesa, pero leí sobre ello y pensé que era una fantástica narración sobre un gran crimen, sobre un ladrón que robó el Tour de Francia durante siete años seguidos. Es fantástico! (MARTÍNEZ, 2016).

O destrato que o diretor teve ao reduzir seu filme sobre Armstrong e sobre doping a um jogo de “mocinho” e “vilão” é tão somente o reflexo do ataque que o esporte também tem para com as questões da ciência e da técnica. Sendo assim, a proposição de Haraway (2009), no seu manifesto ciborgue, talvez ajude a ampliar os horizontes do humano na sua relação com a ciência e com o esporte.

[...] somos todos quimeras, híbridos - teóricos e fabricados - de máquina e organismo; somos, em suma, ciborgues. O ciborgue é nossa ontologia; ele determina nossa política. O ciborgue é uma imagem condensada tanto da imaginação quanto da realidade material: esses dois centros, conjugados, estruturam qualquer possibilidade de transformação histórica (HARAWAY, 2009, p. 39).

No entanto, entende-se que pensar a relação entre biológico e cultural, corpo e tecnologia, pela via da mútua inclusão (MASSUMI, 2017), em detrimento da hibridização é mais produtivo, pois, como assinala Massumi (2017), lida-se, assim, com formas já dadas, possuindo uma lógica combinatória. Nesse sentido, o autor adverte que o conceito de híbrido, acarreta duas vias: 1) traz consigo as diferenças genéricas, como a separação entre espécies, ou entre natural e artificial, 2) mas se algo excede às categorias genéricas, é invocada uma onda de indiferença. Isso significa que o híbrido apresenta uma lógica de mútua-exclusão, pois lida com entidades mutuamente exclusivas, o que origina uma distinção muito rígida (primeira via) ou uma indistinção (segunda via) (MASSUMI, 2017).

O conceito de mútua inclusão, em uma perspectiva deleuzo-guattariana, por sua vez, é uma alternativa que possibilita não cair na armadilha da escolha entre identidade e indiferenciação, tal como quer o conceito de hibridização, pois a mútua inclusão envolve “[...] a lógica paradoxal daquele que interpenetra sem perder sua distinção [...]” (MASSUMI, 2017,

p. 98) - pode-se dizer, também, que seria uma lógica ambivalente, ao se adotar os termos de

uma perspectiva baumaniana.

Ao invés de pensar a relação entre corpo e tecnologia, por exemplo, a partir da indiferença, a mútua inclusão irá avaliar termos de zonas de indiscernibilidade. Nesta zona de idiscernibilidade, o humano e a tecnologia fazem parte do continuum da natureza, isto é, “[...] um espectro de variação contínua - um campo mutante de diferenciações reciprocamente pressupostas, complexamente imbricadas umas às outras ao longo de toda a linha” (MASSUMI, 2017, p. 15). Desta forma, na zona de indiscenibilidade, ou seja, uma imbricação recíproca de diferenças, tais diferenças performativamente se fundem sem se unir, se comunicam sem se apagar, pois, ao invés da indiscernibilidade ser uma indiferença, é justamente nela que as diferenças se unem ativamente (MASSUMI, 2017).

Essa diferença é qualificada como modal. Segundo Massumi (2017), em tal diferença, as distinções são feitas, não entre elementos já formados, mas entre modos de atividade, isto é, formas dinâmicas qualitativamente distintas. Assim, “[...] a lógica da mútua inclusão é, em última análise, uma lógica modal de variação contínua [...]” (MASSUMI, 2017, p. 70).

Ora, essa perspectiva da mútua inclusão permeada por uma lógica modal, só é possível graças a uma compreensão de natureza bem distinta daquilo que se entende como tal, uma “natureza pura”, portanto, contrária a tudo que é dito “artificial”. Deleuze (2002, p. 129) explica isso, quando destaca que, na filosofia do holandês Baruch Spinoza,

[...] o plano de Natureza que distribui os afetos, não separa absolutamente coisas que seriam ditas naturais e coisas que seriam ditas artificiais. O artifício faz parte completamente da Natureza, já que toda coisa, no plano imanente da Natureza, define-se pelos agenciamentos de movimentos e de afetos nos quais ela entra, quer esses agenciamentos sejam [ditos] artificiais ou naturais.

Diante disso, pode-se dizer que a atividade da Natureza representa uma lógica de diferenciação modal, de tal forma que, como lembra Deleuze (2002), as coisas não são definidas por sua forma, ou função, mas a partir dos afetos que são capazes. Em Spinoza (2013), o afeto é definido como a variação intensiva do corpo, ou seja, o aumento ou diminuição da capacidade de o corpo afetar e ser afetado. No entanto, o afeto não diz respeito, propriamente, ao corpo isolado, mas às suas relações, sua atividade, pois, conforme adverte Massumi (2020), o afeto não é um conceito individualizante, já que, na perspectiva de Spinoza, o afeto constitui parte do dinamismo de um campo relacional. O afeto então, “[...] é um modo de falar sobre as ‘capacidades de afetar e ser afetado’ que são diferencialmente distribuídas em encontros dinâmicos por todo o campo relacional” (MASSUMI, 2020, p. 17).

Destarte, concretamente tratar um corpo, ou qualquer coisa, a partir de sua capacidade de ser afetado e de afetar, muda muitos aspectos: irá se definir, diz Deleuze (2002), um animal ou um ser humano, não a partir de seus órgãos, funções ou como sujeito, mas a partir dos afetos que é capaz, de suas variações intensivas, no sentido de um limiar máximo e um limiar mínimo. Para abordar isso, Deleuze (2002) exemplifica: há enormes diferenças entre um cavalo de lavoura e um cavalo de corrida, e entre um boi e um cavalo de lavoura, pois do ponto de vista do afeto, o cavalo de corrida e o de lavoura não têm o mesmo poder de serem afetados; assim como um cavalo de lavoura apresenta mais afetos em comum com um boi.

Isso significa que cada coisa só pode ser avaliada, no continuum da Natureza, de forma legítima, de acordo com suas próprias potencialidades e possibilidades (seus afetos), no conjunto das relações que está inserida (ESPOSITO, 2017), no dinamismo de seu campo relacional (MASSUMI, 2020) que o faz variar continuamente. Assim, do ponto de vista da noção de Natureza spinoziana, se existe uma normatividade que possibilite a avaliação das coisas, dos corpos, dos sujeitos, é a “[...] equivalência ilimitada para todas as formas de vida singulares” (ESPOSITO, 2017, p. 236). Em outros termos, da mirada da Natureza, todo modo de existência, desde o considerado mais “natural” até o mais “artificial”, se equivalem, pois são expressões da variação contínua da própria Natureza, de sua atividade diferencial modal. Apesar dessa equivalência, as coisas se diferenciam do ponto de vista de sua própria atividade singular, ou de seus afetos, que está sempre inserido em campos relacionais. Em suma, de um ponto de vista ontológico há uma equivalência entre as coisas, mas há uma diferenciação do ponto de vista de seus afetos - tal equivalência e diferenciação estão mutuamente inclusas. A avaliação se dá, justamente, diante daquilo que possibilita um campo relacional aumentar sua dinâmica afetiva, isto é, possibilitar aos corpos o aumento de sua capacidade de afetar e ser afetados.

Retornando ao esporte e à forma como o filme abordou o caso de Armstrong, percebe- se que, do ponto de vista de uma noção de Natureza e sua lógica de mútua inclusão, tal como apresentou-se acima, no lugar do julgamento moralista operado no filme, pode-se ensaiar uma caminhada por uma via que, ao invés de julgar, faça existir novos afetos no território esportivo. O juízo, de acordo com Deleuze (2007), supõe critérios e normas preexistentes, e deste modo, não consegue apreender o que surge de novo em um campo relacional, um novo corpo, um novo modo de afetar e ser afetado, um novo modo de existência, o que significa que o juízo impede a chegada do novo. A partir disso, Deleuze (2007) supõe que talvez o segredo esteja em não julgar, mas fazer existir.

O esporte, como bem expresso no filme aqui suspenso para análise, está tão imerso a códigos morais, a juízos preexistentes, que é pouco sensível e capaz de perceber que, na prática, as performances dos corpos dos atletas na sua estreita relação com tecnologias, expressam a Natureza e sua lógica da mútua inclusão. Independentemente do modo como o esporte julga os casos considerados como doping, conforme o de Lance Armstrong, é inegável que há uma mútua inclusão entre humano e tecnologia que, não somente está presente no território esportivo, mas que o funda, de tal modo, que o doping é aquilo que, apesar de ser julgado como antinatural, imoral, portanto, ilegal, jamais será extinto.

O território esportivo é propriamente um campo relacional que é traçado, justamente, na potencialização do corpo, ou no aumente de sua capacidade de afetar e ser afetado junto à tecnologia, como já citado com Vaz (2005). É preciso insistir que a análise não pode centrar- se no indivíduo, como na narrativa do filme é centrada em Armstrong, mas se deve analisar as tendências que constituem o campo relacional do esporte, que, continuamente, antecipa a questão spinozista “o que pode o corpo?”.

Talvez, o início para tal deslocamento de análise esteja na consideração de que o esporte, na contemporaneidade, é um território privilegiado para se perceber a inserção do humano no movimento de devir da natureza, em que a relação entre humano e tecnologia não opera um dualismo entre natural e artificial, entre humano e artifício, mas que ambos expressam a autoprodução dessa própria natureza.

Ora, isso significa dizer, então, que tudo se equivale, que tudo é válido, inclusive o doping? Não necessariamente. De um ponto de vista spinoziano, um corpo não pode ser avaliado tendo como parâmetro outro corpo, a avaliação é em relação à sua própria potência em variação. No entanto, no esporte é inevitável a comparação entre as performances dos corpos, afinal, caso isso não ocorresse, seria impossível mensurar um vencedor, logo, não existiria competição, algo fundamental para a lógica esportiva. Neste sentido, é evidente que se torna imprescindível a criação de normas e regras que demarquem uma performance como válida, ou não. Aqui, não se questiona isso.

Apostar em uma equivalência ontológica entre humano e tecnologia a partir de uma lógica da mútua inclusão, tal como se insiste aqui, direciona a questionar-se o privilégio no esporte de normas e regras que demarcam, supostamente, o que podem os corpos dentro das performances esportivas, sobretudo no que tange sua interação com a tecnologia. E se pensarmos também em uma normatividade que envolva a própria capacidade afetiva do corpo? A esse respeito, Deleuze (2007, p. 125-126) indica uma via:

[...] a constituição dos modos de existência ou dos estilos de vida não é somente estética, é o que Foucault chama de ética, por oposição à moral. A diferença é esta: a moral se apresenta como um conjunto de regras coercitivas de um tipo especial, que consiste em julgar ações e intenções referindo-as a valores transcendentes (é certo, é errado...); a ética é um conjunto de regras facultativas que avaliam o que fazemos, o que dizemos, em função do modo de existência que isso implica. Dizemos isto, fazemos aquilo: que modo de existência isso implica?

Nesta perspectiva, pode-se questionar: se o esporte privilegia regras coercitivas, conforme casos de doping, como o de Lance Armstrong, o que traria de possibilidades para o esporte pensar mais a partir de regras facultativas? Acredita-se que elaborar uma normatividade no esporte, a partir da prevalência de regras facultativas, inicialmente, evita que um discurso moral tome conta de todo e qualquer debate acerca, por exemplo, da mútua inclusão humano-tecnologia e do doping. Se, como destaca Deleuze (2007), o julgamento moral impede a emergência de novos modos de existência, no esporte significa que, a partir de regras coercitivas, não há nada a fazer com o doping, por exemplo, além de sua própria proibição, não há nada a aprender, muito menos, a ser criado. As regras facultativas seriam uma via alternativa ao julgamento, pois garante “[...] o direito à variação, ou seja, uma saída criativa para a dominação política e o assujeitamento moral, a invenção de novas possibilidades de vida [...]” (BARBOSA, 2015, p. 70). Como lembra Barbosa (2015), as regras facultativas rompem com a ideia de que ter de escolher entre as regras coercitivas, ou a ausência de regras (tudo vale), na medida em que possibilita critérios que são imanentes ao processo da experiência e que surgem ao longo desta. Em outros termos, ao esporte, abriria maior garantia de que casos que, a partir das regras coercitivas são considerados doping, sem o julgo da moral, poderiam ser não somente discutidos, mas considerados como possibilidades reais de criação de novos modos de existência dentro do esporte, mediante a mútua inclusão humano-tecnologia.

Esposito (2017), ao questionar acerca da resistência da filosofia jurídica ao pensamento de Spinoza, identifica que um dos principais motivos de tal resistência se passa na incapacidade que a filosofia do direito teve em pensar a norma e ao mesmo tempo a vida, e destaca o autor: “[...] não sobre a vida e nem a partir da vida, mas na vida [...]” (ESPOSITO, 2017, p. 236). O que autor invoca aí é um pensamento na imanência da vida, no continuum da Natureza e seu devir, afinal tudo está ao longo deste continuum que entra continuamente em variação. Uma normatividade no esporte diante daquilo que se destacou aqui, a partir de Deleuze (1992), como regras facultativas, pode abrir percepção para a imersão do humano nesse devir da Natureza, possibilitando o pensamento da mútua inclusão humano-tecnologia, abrindo vias criativas para o debate do doping no esporte, para além de uma lógica do julgamento e da moral. E, se o caso de doping de Armstrong fosse apreendido a partir de tal perspectiva, para além do julgamento, o que poderia surgir daí? E, se o esporte estivesse à altura de apreender as intuições spinozistas acerca da mútua inclusão, Lance Armstrong seria ainda um vilão, ou se aprenderiam novos modos de habitar o território esportivo?

À guisa de conclusão ou do esporte como educação do corpo

Em sua obra intitulada Ética, Spinoza (2013) demonstra que a condição natural e mais básica de nossa existência se passa por um conhecimento inadequado das coisas, ao que o autor chama de conhecimento de primeiro gênero. Na filosofia do autor holandês, a realidade é constituída por corpos (humanos e inumanos) e suas relações. No primeiro gênero de conhecimento, são conhecidos os efeitos destas relações, porém desconhecem- se suas causas. Ao longo de sua obra, Spinoza (2013) constrói um percurso que vai do primeiro gênero de conhecimento, no qual se percebem apenas os efeitos dos encontros entre corpos, passando pelo segundo, em que já não se conhecem apenas os efeitos, mas também as causas, chegando até o terceiro, finalmente, com a percepção e o reconhecimento de que, inevitavelmente, estamos imersos no continuum da Natureza. Não é interessante, aquia desenvolver essa dimensão epistemológica da filosofia de Spinoza, mas apontar uma de suas implicações: como nos lembra Teixeira (2015), os gêneros de conhecimento em Spinoza apontam desafios cognitivos-afetivos e ético-políticos (o que seria equivalente a dizer que são desafios educativos), pois já é dado de antemão que todo ser humano está no primeiro gênero de conhecimento, entretanto, não está dado que se possa sair dele, e passe pelo segundo e terceiro gênero de conhecimento. Se, como ensina Deleuze (2002), os gêneros de conhecimento em Spinoza são modos de existência, pois se tratam de modos de habitar a realidade e de tecer relações mais potentes e expansivas com outros corpos, não poderia ser esse, propriamente, o desafio para a educação: possibilitar ao humano maneiras de compor relações que aumentam sua capacidade de agir e pensar no mundo? Seria um compromisso ético, mas sobretudo ontológico da educação.

Mas o que isso tem a ver com doping e esporte? O que um compromisso ético e ontológico da educação, como insistimos, tem a ver com esporte? Retomando o principal argumento do nosso texto: se a mútua inclusão humano-tecnologia no esporte acena para a imersão do humano continuum da Natureza, o esporte não teria, então, um potencial educativo, não no sentido moral, mas no sentido ético e ontológico, na medida em que aguçaria a percepção humana para abertura a outros modos de existência?

Ora, tanto para aquele que assiste, como para aquele que pratica, o esporte é um campo de possibilidades para a educação do corpo, na medida em que ali são produzidos modos políticos e sentidos estéticos que atravessam o modo como se produzem as relações com outros corpos. A partir deste ponto de vista, o esporte teria, assim como a educação, um compromisso ético e ontológico em não julgar, pois, como aponta Deleuze (2007), o julgamento moral impede a emergência de novos modos de existência. O que interessa é, de fato, a possibilidade de avaliação ética que é permitida pelas potências dos corpos (humanos, tecnológicos, etc.) em seus ininterruptos encontros, sem perder de vista a imanência, pois estão inseridos no continuum da Natureza. Insiste-se que, aqui, não se trata de uma avaliação moral, isto é, regras coercitivas, mas de sempre saber o quanto de vida há em cada encontro que se produz, em cada experimentação que acontece, ou seja, uma normatividade, a partir de regras facultativas. A bússola é sempre a vida, o corpo, e o que o atravessa deve sempre servir para a intensificação da vida, esse é o ensinamento spinoziano. Pergunta-se, pois, novamente: o esporte, incluímos também, a educação, estão suficientemente abertos para uma inspiração spinoziana?

Referências

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1O texto aqui apresentado é a ampliação de um fragmento publicado no texto “Pensadores sociais e o esporte no cinema: contribuindo com a ampliação do repertório cultural na Educação Física” (MEZZAROBA, et al., 2020), publicado na Revista Novos Olhares Sociais da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB.

2Este artigo foi apoiado com recursos do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED) da Universidade Federal de Sergipe (UFS), do Programa de apoio ao Pesquisador à Pós-Graduação (Proap) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Su perior (Capes).

3No original, “Preventative methods such as values-based education program tar geted at young athletes, coaches, doctors, training and parents on the dangers and conse quences of doping, as well as the legal and social ramifications, are increasingly prevalent in anti-doping programs”. Disponível em: https://www.wada-ama.org/en/what-we-do Acesso em: 6 nov. 2020.

4Sobre este tema, sugerimos o documentário “ÍCARO” (2017) que aborda a te mática do doping no ciclismo. O ciclista amador Bryan Fogel faz um experimento para comprovar a incompetência do método de controle de doping dos atletas. Outro docu mentário sobre este tema é o “BIGGER, STRONGER, FASTER” (2008) que trata do uso de anabolizantes de um modo mais ampliado que o desportivo, fazendo alusão à cultura do homem másculo. Sob este pressuposto, o documentário sustenta o argumento de que usar anabolizantes é somente um efeito colateral de ser norte americano.

5A partir da cura de seu câncer, Armstrong passa a ser uma referência, não só dentro do mundo esportivo, mas também um referente moral para âmbito das “pessoas comuns”, principalmente a partir da criação, em 1997, da Fundação Livestrong contra o câncer.

6Michele Ferrari foi o mentor do “programa” de Lance, mas sua atuação enquan to médico italiano especializado em medicina e fisiologia esportiva não está reduzida ao ciclismo. Ele atuou com atletas de elite de outras modalidades (atletismo, tênis e futebol). Ferrari fez pesquisas junto ao renomado professor e cientista esportivo Francesco Conconi na Universidade de Ferrara (Itália).

Recebido: 15 de Setembro de 2021; Aceito: 22 de Outubro de 2021

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