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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psic. da Ed.  no.50 São Paulo  2020  Epub 09-Out-2020

https://doi.org/10.5935/2175-3520.2020010 

ARTIGOS

Distúrbios de aprendizagem e fracasso escolar na visão de professores e licenciandos

Learning disorders and school failure in the view of teachers and graduates

Distúrbios de aprendizaje y fracaso escolar en la visión de docentes y estudiantes universitários

Débora Cristina Fonseca1 
http://orcid.org/0000-0001-8427-5973

Paula Emmerich Maldonado1 
http://orcid.org/0000-0003-2980-1410

1 Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" - UNESP - Rio Claro - São Paulo - SP - Brasil; dcfon10@gmail.com

2 Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" - UNESP - Rio Claro - São Paulo - SP - Brasil; p.emmerichmaldonado@gmail.com


RESUMO

O estudo teve por objetivo conhecer a visão e a prática de professores de ciências e alunos de curso de licenciatura em Ciências Biológicas em relação aos distúrbios de aprendizagem e ao fracasso escolar, de modo a compreender os sentidos e significados construídos por eles em relação à crescente atribuição de responsabilidade biológica ao suposto fracasso no ensino. Trata-se de pesquisa qualitativa, que se utilizou de aplicação de questionário e entrevista semiestruturada com professores de escolas pública e particular e com alunos de um curso de graduação/licenciatura de uma universidade pública. Como resultados, é possível identificar a sobreposição em relação ao entendimento e uso de terminologias como "distúrbios", "problemas" e "dificuldades" de aprendizagem, sendo utilizadas pelos professores e estudantes participantes da pesquisa, como sinônimos para designar um processo análogo. Verificou-se a atribuição de causa biológica a qualquer dificuldade ou problema de aprendizado do aluno, ainda que a causa seja, de fato, devido a fatores sociais ou psicológicos. Evidenciou-se o despreparo para com a realização do diagnóstico, bem como desconhecimento em relação às formas de se fazer, atribuindo esse papel a outros profissionais que acreditam estar mais preparados para lidar com esses casos, considerando-se que o tratamento medicamentoso possa ser o mais efetivo. Desse modo, os resultados obtidos demonstram a importância de investigações e elucidações mais profundas a respeito do cotidiano escolar no que se refere às questões atreladas ao processo ensino-aprendizagem e à crescente medicalização de crianças e adolescentes.

Palavras-chave: Distúrbios da percepção; Aprendizagem; Medicalização, Fracasso escolar; Professores

ABSTRACT

The purpose of this study was to understand the vision and practice of science teachers and students of a licentiate degree course in Biological Sciences in relation to learning disorders and school failure, in order to understand the senses and meanings they constructed in relation to the increasing attribution of biological responsibility to the supposed school failure. It is a qualitative research, in which was used a questionnaire application and a semi-structured interview with public and private school teachers and with students of a undergraduate/licentiate course from a public university. As results it is possible to identify the overlap in terms of understanding and use of terminologies such as "disturbs", "problems" and "difficulties" of learning, by teachers and students participating in the research, as synonyms to designate the same process. The attribution of biological cause to any difficulty or learning problem of the student has been verified, even if the cause is, in fact, due to social or psychological factors. The lack of preparation for diagnosis was evidenciated, as well as lack of knowledge about the ways of doing it, attributing this role to other professionals who believe that they are better prepared to assist these cases, considering that drug treatment may be the most effective. Thus, the results obtained demonstrate the importance of investigations and more profound elucidations about the school daily life in relation to the issues linked with the teaching-learning process and the increasing medicalization of children and adolescents.

Keywords: Disturbances of perception; Learning; Medicalization; School failure; Teachers

RESUMEN

El estudio tuvo como objetivo conocer la visión y la práctica de los profesores de ciencias y los estudiantes de la licenciatura en Ciencias Biológicas en relación a los trastornos de aprendizaje y fracaso escolar, con el fin de comprender los significados construidos por ellos en relación al crecente aumento de la asignación de la responsabilidad biológica al supuesto fracaso en la enseñanza. Se trata de una investigación cualitativa, en la cual se utilizo la aplicación de cuestionarios y entrevistas semiestructuradas a maestros de escuelas públicas y privadas y a estudiantes en un curso de grado / licenciatura de una universidad pública. Como resultado, es posible identificar la superposición en relación con la comprensión y el uso de terminología como "trastornos", "problemas" y "dificultades" de aprendizaje, siendo utilizados por los profesores y estudiantes que participaron de la encuesta, indistintamente para describir un mismo proceso. Se encontró la asignación de causa biológica a cualquier dificultad o problema de aprendizaje de los estudiantes, aun que la causa sea de hecho, debido a factores sociales o psicológicos. La falta de preparación para realización de diagnóstico se hizo evidente, así como el desconocimiento de formas de hacer, asignando ese papel a otros profesionales que creen estar mejor preparados para hacer frente a estos casos, teniendo en cuenta que el tratamiento farmacológico puede ser más eficaz. Por lo tanto, los resultados demuestran la importancia investigaciones y mejores esclarecimiento sobre el cotidiano de la escuela cuando se trata de cuestiones relacionadas al proceso de enseñanza-aprendizaje y la creciente medicalización de niños y adolescentes.

Palabras clave: Disturbios de la percepción; Aprendizaje; Medicalización; Fracaso escolar, Profesores

INTRODUÇÃO

Na história recente da educação, é comum ouvir a respeito de distúrbios, transtornos, dificuldades ou problemas de aprendizagem. Em geral, esses signos são utilizados no meio educacional e médico para designar os alunos que apresentam problemas com relação ao seu processo de aprendizado, que não apresentam desenvolvimento esperado ou não equiparado com o de outros alunos. A introdução de tais termos no cotidiano das pessoas tem gerado uma crescente banalização deles, de modo que, apesar de serem quase que universalmente utilizados, as pessoas que deles se valem nem sempre têm conhecimento de seu significado.

Moysés e Collares (1992) se propuseram a delinear o significado do termo distúrbio de aprendizagem. Segundo as autoras,

"A palavra distúrbio compõe-se do radical turbare e do prefixo dis. O radical turbare significa 'alteração violenta na ordem natural' e pode ser identificado também nas palavras turvo, turbilhão, perturbar, conturbar, etc. O prefixo dis por seu significado - 'alteração com sentido anormal, patológico' - possui, intrinsecamente, valor negativo. É exatamente por esse significado que é um prefixo muito usado na terminologia médica. Assim, retomando a palavra distúrbio, pode-se traduzi-la por 'anormalidade patológica por alteração violenta na ordem natural'" (Moysés & Collares, 1992, p. 31).

De acordo com as autoras, a expressão distúrbios de aprendizagem se refere claramente a uma anomalia patológica gerada por uma alteração drástica na ordem natural do processo de aprendizagem, estando o problema diretamente centrado no aluno, ou seja, naquele que aprende ou, nesse caso, deveria aprender. A utilização desse e de termos semelhantes, atribui um problema médico, um diagnóstico de doença e de cunho unicamente biológico ao aluno que apresenta dificuldades em relação ao seu processo de aprendizado, excluindo os demais fatores que podem, muitas vezes, estar presentes e interferir no processo de ensino e aprendizagem. Patto (2008) argumenta que os processos e dificuldades que acometem os alunos não podem ser visualizados de forma independente e isolada, devendo ser levados em consideração os aspectos históricos e sociais que permeiam e contribuem para a instauração dos quadros de dificuldades de aprendizagem. Ressalta a importância de se considerar os aspectos sociais e históricos não apenas dos alunos, mas também de familiares, professores e corpo docente escolar para a elucidação dos verdadeiros sentidos da classificação dos alunos como "incapazes de aprender" ou portadores de distúrbios e, inclusive, de deficiências mentais.

Pino (2005) indica a importância de se considerar os aspectos biológicos do desenvolvimento humano, pois é a partir dessa construção que ele se torna capaz de interagir com o meio que o cerca. Entretanto, ressalta que tais aspectos são suscetíveis a serem moldados e influenciados por esse mesmo meio, e que a "internalização" das funções superiores e culturais, de acordo com Vigotski (2001), ocorre através de um processo de conversão das funções biológicas em culturais. Assim sendo, fica claro que nenhuma característica biológica pode ser considerada e interpretada isoladamente, visto que está sujeita a constantes influências de âmbito social, histórico e cultural.

Em 1990, foi estabelecida uma definição de distúrbios de aprendizagem pelo National Joint Committee on Learning Disabilities, nos Estados Unidos, considerado nacionalmente como órgão com experiência e competência para normatizar o assunto. Segundo este comitê, "distúrbio de aprendizagem" seria um termo genérico, referindo-se a um grupo heterogêneo de alterações que se manifestariam através de dificuldades significativas na aquisição e utilização da fala, audição, leitura e escrita, habilidades matemáticas ou raciocínio. Tais alterações seriam intrínsecas ao indivíduo, devendo ser atribuídas a disfunções no sistema nervoso central dele.

Apesar da evidente atribuição de caráter biológico aos chamados problemas de aprendizado, pesquisas recentes têm problematizado essa explicação. Para Moyses e Collares (1992), é mais cômodo para uma escola atribuir o fracasso de um aluno a uma dessas disfunções do que procurar rever seus critérios pedagógicos. Ainda, para os pais, essa constatação também pode ser mais cômoda, pois acaba por reduzir a responsabilidade referente à disciplina familiar (Lefèvre; Reed, 1985, p. 692 apud Moysés & Collares, 1992, p. 43).

Segundo Garrido e Moyses (2010) a "essência desse discurso consiste em naturalizar as desigualdades socialmente produzidas e considerar que sua origem está naquilo que é exclusivamente de cada indivíduo" (p. 171), tendo em vista que os diagnósticos são imprecisos e sem qualquer comprovação científica, como se pode evidenciar em matéria divulgada na revista Pais e Filhos (2009) "Esse monte de nomes difíceis se refere a uma doença tão nova, que nem os médicos sabem muito bem como definir e diagnosticar" (apud Garrido & Moyses, 2010, p.172)

O uso de expressões como distúrbio, problemas ou transtornos de aprendizagem tem se tornado cada vez mais comum entre professores. O emprego desmedido dessas expressões no dia a dia escolar seria um reflexo do processo de patologização da aprendizagem concomitantemente à biologização das questões sociais (Moysés & Collares, 1992).

Além da instauração da biologização e patologização afetar diretamente os sujeitos do processo de ensino e aprendizagem, para as autoras, elas encobrem os fatores políticos e pedagógicos que contribuem para o fracasso escolar; é mais vantajoso atribuir a "culpa" pelo fracasso em aprender especificamente a um aluno do que admitir que existem falhas profundas em todo um sistema, o que acaba por isentar de responsabilidades tanto o sistema social em vigor quanto a instituição escolar que nele se insere.

É evidente, contudo, como aponta Moysés (2010) e Machado (2010), que não se pode excluir a existência de algumas doenças comprovadas, que são facilmente detectadas e que podem comprometer, em muitos aspectos, a vida de uma pessoa, com consequências claras, dificultando, inclusive, a aprendizagem dessas pessoas. Além disso, existem pessoas com extrema facilidade em aprender, e outras que, ao contrário, apresentam muitas dificuldades nesse processo. O que se propõe à discussão é se a heterogeneidade e diversidade de possibilidades dentro do processo ensino-aprendizagem, particularmente com relação às dificuldades em aprender, se devem à diversidade inerente ao ser humano ou a doenças neurológicas e questões de caráter biológico, como o que se propõe com a utilização de termos como distúrbios de aprendizagem.

Consideramos importante investigar o papel que o professor tem nesse processo, por ser ele o integrador entre escola, família e aluno, é ele que atua diretamente com essas três esferas e que, efetivamente, pode interagir de forma benéfica ou errônea perante elas. Nesta perspectiva, o presente estudo teve por objetivo compreender a visão dos professores da área de biologia em relação aos distúrbios de aprendizagem e ao fracasso escolar, analisando como agem diante da perspectiva de lecionar para um aluno considerado com "distúrbios de aprendizagem".

MÉTODO

Participantes

Trata-se de pesquisa qualitativa realizada com professores em formação acadêmica, cursando o 3º ano no curso de Ciências Biológicas e com professores das Redes Pública e Privada de ensino, que lecionam a disciplina de Ciências para o ensino Fundamental II (do 6º ao 9º ano).

Procedimentos

A pesquisa foi desenvolvida em duas etapas. A primeira consistiu na aplicação de um questionário, o qual objetivava conhecer os sentidos e significados de distúrbios de aprendizagem construídos por professores. Para os que ainda estavam em formação acadêmica, o questionário foi aplicado a todos os alunos de uma classe escolhida aleatoriamente, totalizando 21 alunos, e que cursavam o 3º ano em Ciências Biológicas em uma universidade pública. Com os que já lecionam Ciências, foram escolhidas, também aleatoriamente, escolas da Rede Pública e da Rede Particular de ensino de uma cidade do interior paulista, com professores que lecionavam para uma ou mais séries, totalizando uma amostragem de oito professores de escolas públicas e sete professores de escolas particulares.

Para a realização da segunda parte da pesquisa, foram selecionados os questionários mais pertinentes ao estudo proposto, sendo realizadas entrevistas individuais e semiestruturadas com os participantes, de modo a obter dados e informações acerca de valores, de atitudes e de opiniões.

A análise dos resultados buscou a mediação entre sentidos e significados. Pretendeu-se analisar e interpretar o que de significação existe nas falas, ou seja, "[...] conteúdos instituídos, mais fixos, compartilhados, que são apropriados pelos sujeitos, configurados a partir de suas próprias subjetividades" (Aguiar & Ozella, 2006, p.226), em relação à subjeção de sentidos que as mesmas expressam ou pretendem expressar.

O questionário e a entrevista foram realizados a partir do consentimento livre e esclarecido de todos os participantes (aprovado pelo CEP). Entretanto, neste texto, focaremos a análise e discussão dos dados levantados na segunda etapa, ou seja, nas entrevistas realizadas com professores e estudantes.

RESULTADOS

Foram entrevistados 3 professores, sendo 2 de escolas públicas e 1 de escola particular e 3 estudantes de Biologia em formação. A faixa etária dos estudantes entrevistados se concentrou dos 20 aos 30 anos, e os professores estavam entre 30 e 50 anos. A maior parte dos entrevistados eram mulheres, sendo os dois homens estudantes de Biologia. A maioria dos entrevistados indicou instituições públicas em sua graduação, mas esse percentual pode ser justificado pelo fato dos alunos de Biologia cursarem uma instituição pública de ensino. A experiência profissional variou entre 1 e 15 anos lecionando. O elevado percentual de entrevistados que ainda não lecionam é representado pelos estudantes de Biologia, que apresentam experiência apenas pelos estágios de prática de ensino.

DISCUSSÃO

Foram estabelecidas 4 principais categorias de análise: 1) Concepções acerca de distúrbios / problemas / dificuldades de aprendizagem; 2) Causas dos Distúrbios de Aprendizagem; 3) Diagnósticos; 4) Experiências com casos de Distúrbios de Aprendizagem.

Concepções acerca de distúrbios/ problemas/ dificuldades de aprendizagem

A análise revelou que os professores apresentaram dificuldades em expressar uma definição para Distúrbios de Aprendizagem; foi possível perceber uma confusão no uso de determinadas terminologias, bem como para os significados que eles atribuem ao termo. Os professores utilizaram a expressão "Eu acho que..." com significativa frequência, o que pode ser um indicativo de que os educadores se sentem pouco confortáveis ao tentar definir o termo, ou por não possuírem grandes conhecimentos em relação a ele e, assim, não se sentirem confiantes para afirmar sua posição em uma definição mais concreta, ou por lhes faltar informações mais objetivas, que não incluam apenas seu conhecimento cotidiano, de modo a proporcionar uma maior assertividade em suas respostas. Essa utilização de termos sem clareza de definição já foi apontada por Moojen (1999), que identificou o fenômeno tanto na literatura especializada como na prática clínica e escolar.

Todos os professores entrevistados mencionaram características que os alunos com dificuldades apresentam como decorrentes da possível existência de um Distúrbio de Aprendizagem, características estas que foram utilizadas para as tentativas de definição do termo, como ilustrado pelo trecho a seguir:

[...] distúrbio de aprendizagem é tudo aquilo que o aluno não consegue memorizar tá, não só memorizar, como tem a parte motora né, de entendimento mesmo, tudo relacionado a falta que ele tem (D.); Alguma dificuldade que a pessoa apresente em relação a construção do conhecimento, não conseguir expressar, seja escrito, seja verbalmente. Acho que é uma falha aí nesses processos da cognição e expressar. (L.).

Quando indagados a respeito da existência de diferenças entre as terminologias empregadas, todos responderam afirmativamente. Entretanto, ao longo de suas falas, revelaram sobreposições de significados, confusões de termos empregados para diferenciar os signos e uma grande dificuldade de delimitar as diferenças previamente afirmadas. As respostas revelam o desconhecimento dos professores a respeito do assunto, uma vez que não conseguiram expressar a diferença que inicialmente sustentaram existir. Na explicação de um dos participantes da pesquisa:

O distúrbio eu acredito que seja o problema ou genético, né, ou durante a gestação ali, algum... falta de nutrientes, né, a mãe pode não ter se alimentado bem. Daí faltou vitaminas, faltou nutriente para o bebê, então aí causaria um distúrbio. A dificuldade eu acredito que ela é em algumas questões, pode ser uma dificuldade só em matemática, só em português, só interpretação, uma dificuldade só em... em... gravar né, e em decorar alguma coisa. Então eu acho que ela não é assim, ahn, muito ligada a genética, ela pode ser mais assim, ligada ao, como eu posso dizer, ao nervosismo da criança, ela pode ser uma criança muito nervosa que não tem facilidade para aprender alguma matéria só, então é uma dificuldade. Problema... de aprendizagem. Eu acho que, ai, agora problema de aprendizagem é que seria um problema, né? Aí eu acho que ele é mais pro lado da (da...), como que eu posso dizer... não da dificuldade, mas da, do distúrbio. (C.);

Considerando as dificuldades em definir, fica evidente que todas as possibilidades centram o problema na criança, desconsiderando outros aspectos do processo ensino-aprendizagem, como fica evidente nos trechos abaixo.

Dificuldade, problema e um distúrbio? Eu acho que um distúrbio ele pode englobar o que for fisiológico, o que for humano, por exemplo, dislexia ou outras que eu não conheço o nome e a dificuldade eu acho que dificuldade então seria a dificuldade que ele tem, por exemplo, de aprender a somar, mas não que ele não vá conseguir somar. Problema? Acho que sim, tem diferença. (L.)

Os licenciandos também apontaram existir diferenças entre os termos, mas ao delimitar os significados relativos a cada vocábulo, acabaram por sobrepor terminologias e confundir nomenclaturas.

É, eu acho que tem, eu acho que cai em tudo o que eu falei, assim, basicamente, que nem, você falou distúrbio, problema e? Bom, distúrbio... é, é que são palavras bem, não sei, complicadas, o distúrbio talvez relacionaria uma coisa mais mental, psicológica, problema poderia entrar na questão do social, e tal... "ele tem um problema de aprendizagem?". Não sei, qual a diferença entre distúrbio, problema e? Dificuldade... Nossa! Bom, não, não sei, na verdade eu não, não... me confundi, não consegui relacionar essas palavras... distúrbio, problema e dificuldade... (E.)

É eu acho que, de repente que esses termos devem ter algum significado diferente, alguma coisa mais técnica, mas eu acho que no fundo é, deve ser meio que tratado parecido, assim, né (T.).

Foi possível constatar uma grande sobreposição em relação ao entendimento e uso de terminologias como "distúrbios", "problemas" e "dificuldades" de aprendizagem. Isso parece evidenciar falhas na formação dos professores em relação a este tema, tanto daqueles que já se formaram quanto os que ainda estão em formação.

É relevante mencionar que alguns estudantes levantaram questionamentos com relação à definição do que seriam distúrbios de aprendizagem.

[...] mas é que eu não sei o que é considerado realmente um déficit de atenção, porque às vezes eu penso que as pessoas, na verdade o menino ele só é distraído, sabe, tal, e só porque ele tá fora do padrão, que tipo as pessoas, é, tipo a mãe dele dá pra ele, "Ah, o moleque é agitado", então dá pra ele pra ele ficar quieto e ser igual aos outros, mas na verdade pode ser a escola que, ou o modelo que a escola trabalha que ele não se encaixa. (E.)

Esses questionamentos indicam a necessidade de se refletir acerca das consequências dessa forma de se conceber e explicar as dificuldades de adaptação de crianças ao modelo escolar vigente e às expectativas em relação ao modo de aprender. Uma dessas consequências é o alarmante processo de medicalização de crianças, cada vez mais presente no cotidiano escolar (Meira, 1998; Machado, 2010).

Causas dos Distúrbios de Aprendizagem

Os professores apresentaram uma forte inclinação em atribuir uma causa biológica para a ocorrência de alunos com dificuldades no processo ensino aprendizagem.

[...] por algum motivo neurológico ele não consegue entender, interpretar (C.);

[...] algo que ele ainda não conseguiu formar no cérebro ou na cabeça. (L.)

Entretanto, alguns participantes atribuíram outras causas que não somente biológicas aos problemas de aprendizagem dos alunos, embora as causas biológicas tenham sido frequentemente apontadas e constituíssem o principal fator apresentado pelos entrevistados. Foi possível constatar o grande número de "diagnósticos" realizados por professores e equipe escolar, além do fato de as experiências pessoais e os processos de formação desses educadores poderem influenciar suas perspectivas acerca dos distúrbios de aprendizagem. Professores das redes pública e privada de ensino apresentaram visões semelhantes a respeito do tema.

Em contrapartida, nem todos os alunos de biologia demonstraram, inclinação à atribuição somente às causas biológicas. Indicaram que as dificuldades de aprendizagem ou distúrbios de aprendizado podem ter vários motivos, como o método de ensino que está sendo empregado, alguma incapacidade física, por problemas sociais pelos quais o aluno pode estar passando em outros aspectos de sua vida ou por situações emocionais diversas. Entretanto, em todas as falas, também é mencionada a dimensão biológica que o distúrbio de aprendizagem pode apresentar, podendo ser indicativa da falta de conhecimentos a respeito do assunto, já que abrangem uma ampla gama de situações em suas respostas, que se sobrepõem como pertinentes a outras implicações no processo de aprendizagem, como ilustra o trecho a seguir:

Quando o aluno tem alguma dificuldade de aprender alguma coisa. Agora, essa dificuldade pode ter vários motivos, né, daí eu não sei falar, depende do aluno, pode ser ou o método que o professor tá passando, ou ele pode ter até um distúrbio mental, assim, alguma coisa que atrapalhe, ou até mesmo físico [...] então também tem toda essa coisa emocional, social também, tipo, você não sabe o que o aluno passa na casa dele, os pais, sabe (E.).

O uso de expressões como "Eu acho que..." e outras demonstrativas de incertezas também foi feito com grande frequência, o que pode evidenciar o desconforto dos alunos ao tentar definir o termo e indicar as causas.

A crescente generalização dos problemas biológicos tem instaurado, ainda, um quadro de mercado muito promissor e em expansão, que se mostra economicamente atraente, de modo que é possível notar o surgimento de novas profissões baseadas nos problemas de aprendizagem e, o que é muito mais preocupante, o crescimento de uma indústria farmacêutica que lucra cada vez mais à medida que crianças são medicalizadas para seus possíveis distúrbios (Moysés & Collares, 1992, p. 41).

Fala-se, na manifestação com muita frequência dessas doenças, de modo que cerca de 5% de todas as crianças em idade escolar necessitariam de algum tipo de medicamento para esses fins (Coles, 1987 apud Moysés; Collares, 1992, p. 41). Assim sendo, é possível constatar que essas rotulações e atribuição de causa e efeito, além de serem cômodas para a escola, são também vantajosas economicamente para muitas empresas do ramo farmacêutico.

Diagnósticos

Foi possível perceber que a prática de realização de diagnósticos está presente e é comum no cotidiano escolar. Os entrevistados afirmaram que, apesar do professor não estar preparado, em termos de sua formação, para identificar qual distúrbio de aprendizagem em específico um aluno apresenta, a primeira percepção de que algo naquele aluno não se enquadra no normal é feita pelo professor:

[...] na primeira semana de aula, quando já tem as primeiras lições de casa, aí a gente já percebeu já que ele não conseguia formar uma frase, não tinha sentido a frase dele, ele escrevia pedaços, aí de cara a gente já percebeu que tinha alguma coisa diferente. (C.);

No olhar você já sabe, no dia a dia a gente sabe (...) procura descobrir o que está acontecendo para depois mandar ele para médico, psicólogo e essas coisas (D.).

Parece existir a necessidade, por parte dos professores, de desvendar o problema que um aluno possa apresentar, isto é, uma tendência a explicar o comportamento de um aluno que não se enquadra nos padrões apresentados pela maioria dos que compõe uma sala de aula. É comum, no ambiente escolar, entre os professores, haver comentários acerca dos seus alunos considerados diferentes, passando suas impressões e percepções a respeito deles para outros professores, que podem acabar assumindo aquelas opiniões como verdades absolutas e inquestionáveis, pautando suas ações perante aquele aluno pelas informações advindas de outros professores, o que Patto (2008) nomeou por "profecias auto-realizadoras".

Patto (2008) alerta que a comunicação dos professores agrava o processo de diagnósticos feitos por eles, pois as experiências partilhadas muitas vezes são tendenciosas e acabam por influenciar e serem incorporadas na fala dos outros educadores, embora não concordem com o diagnóstico:

[...] E aí ele se recusou a fazer a prova, aí e acabei ficando brava com ele (...) e depois, conversando com os professores, na sala de reunião, né, dos professores, aí um me contou que ele não sabia ler, tinha dificuldade pra ler e escrever (...) Aí que eu percebi que a recusa dele em fazer a prova tava em eu não saber que ele não sabia escrever perfeitamente. E aí foi que eu comecei a ter um outro olhar pra esse aluno (L).

Somando-se ao despreparo, os professores se amparam na crença de que exista um diagnóstico específico e um profissional, que esteja apto a esta função. Os entrevistados apontaram que os profissionais mais indicados para essa tarefa são psicólogos, pedagogos e psicopedagogos. Ainda, afirmaram não saber exatamente como são feitos os exames ou testes, mas acreditam que esses profissionais conseguem identificar com precisão os problemas dos alunos e confiam nos laudos realizados. Foi possível observar também que, apesar dos laudos, eles não sabem dizer o nome específico do distúrbio que o aluno apresenta; sabem que o laudo se trata de um distúrbio de aprendizagem, mas não conseguem especificar:

[...] deve existir pessoas na área da educação e da, nas interfaces, aí, educação e medicina, pedagogia e medicina, alguém que estude e que avalie dentro dessa área (L.);

[...] a Delegacia de ensino ano passado mandou uma pedagoga, é pedagoga que fala? [...] uma pedagoga e eles foram avaliados e aí deu o laudo (D.);

[...] eu não sei dizer para você os nomes. Tem, é com problema mental alto, médio e baixo, às vezes tem muito problema com a família que acaba afetando, você entendeu? Então eles passam por psicólogo, até resolver, então a psicóloga acompanha eles. Eu não sei dizer como é que chama aquilo. (D.).

Os licenciandos entrevistados revelaram acreditar que a prática de realização de diagnóstico é comum nas escolas, por parte dos professores, para alunos com distúrbios de aprendizagem. Acreditam que, muitas vezes, os professores tendem a rotular os alunos como tendo distúrbios de aprendizagem, sem que, na verdade, a dificuldade que eles possam apresentar seja de fato um distúrbio.

Para os alunos e professores participantes das entrevistas existe a crença de que um profissional habilitado possa oferecer um laudo, certificar a existência de distúrbio de aprendizagem no aluno e apontam que esses profissionais seriam psicólogos, pedagogos, psicopedagogos, terapeutas, psiquiatras e médicos. Ao serem questionados a respeito de algum conhecimento acerca de como são feitos os diagnósticos, todos afirmaram desconhecer tais práticas, mas sugeriram, generalizando, a possibilidade de serem realizados testes e exames para avaliação e, a partir dos quais, esses profissionais poderiam supor a existência de um distúrbio de aprendizagem.

A inquestionabilidade dos laudos realizados por outros profissionais parece se amparar na crença de que existam testes precisos para se estabelecer um diagnóstico, principalmente com o avanço da tecnologia. O que não se discute abertamente em relação aos problemas de aprendizagem é que o diagnóstico se baseia em observações comportamentais.

Como exemplo, pode-se observar o diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDHA). Sendo definido como um transtorno neurobiológico de causas genéticas que aparece na infância, persistindo a vida toda; segundo a Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA, 2017), o diagnóstico é definido a partir de um questionário (SNAP-IV) construído com base no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (BATISTA, 1995) que indica sintomas característicos de TDHA. Ao observarmos as questões, grande parte das perguntas diz respeito a comportamentos cotidianos, comuns aos alunos, sendo o diferencial indicado pela frequência ou quantidade de comportamentos observados. Nesta perspectiva, partilhamos dos questionamentos apresentados por MEIRA (2012), que indica que tanto a descrição do transtorno como dos sintomas que embasam o diagnóstico " revelam a falta de uma análise crítica sobre as relações entre os fenômenos que ocorrem na educação e o contexto histórico-social que a determina" (p. 138).

Desconsiderando o contexto educacional, social e histórico, a culpabilização da criança, individualizando os sintomas, patologiza ao se estabelecer um diagnóstico, abrindo espaço para a medicalização, sem qualquer consistência científica de sua necessidade. Este desconhecimento por parte da escola e dos professores com relação à forma de se efetuar o diagnóstico, os coloca também como corresponsáveis pelas consequências da medicalização da vida de crianças rotuladas precocemente. Também indica a desresponsabilização da escola por sua tarefa fundamental de ensinar, haja vista que, se a criança não aprende, logo, não houve ensino, o que pragmaticamente é sua função primeira.

Moysés e Collares (1997) ressaltam, ainda, que as falas de professores, médicos, psicólogos e pais são fundamentadas em opiniões genéricas e sem embasamento científico, refletindo preconceitos estabelecidos, de modo que seus discursos se confundem, se espelham, se interpõem, não se diferenciando. Essa realidade é muito bem demonstrada por Patto (2008), ao relatar nos estudos de caso que muitas mães, apesar de não concordarem totalmente com o parecer de médicos e educadores, acabam sucumbindo a esse discurso e o projetando para seus filhos. Além disso, fica clara a aceitação dessa rotulação quando provém de pessoas consideradas mais bem informadas e escolarizadas, como é o caso de professores, médicos e psicólogos em relação aos pais de alunos.

Experiências com casos de Distúrbios de Aprendizagem

Todos os professores entrevistados responderam que já tiveram, ou ainda têm alunos com distúrbios de aprendizagem para os quais devem lecionar. Revelaram casos de alunos com problemas mais ou menos graves e, até mesmo, alunos que compõem uma classe inteira, que nela estão inseridos pelo fato de apresentarem, segundo o corpo docente e direção da escola, déficit de aprendizagem:

[...] aqui nós temos alunos com déficit de aprendizagem, nós temos alunos semianalfabetos, ele sabe, às vezes, ler e escrever muito pouco e entendimento quase nada (...). O aluno que tem laudo, ele foi deixado numa classe especial, numa classe separada com 20 alunos (D.).

Nos casos citados pelos professores, as dificuldades, que alunos com supostos distúrbios de aprendizagem apresentam, estão mais relacionadas à leitura e à escrita e, isso, os impede de acompanhar o aprendizado do restante da turma. As dificuldades na leitura e escrita, entretanto, podem não ser decorrentes de um distúrbio de aprendizagem, mas sim de uma defasagem no ensino nas séries iniciais, nas etapas de alfabetização. As dificuldades dos alunos nesses quesitos, pode confirmar que eles apresentam apenas uma dificuldade, possivelmente por não terem tido uma boa alfabetização, e não necessariamente devido a um distúrbio.

As experiências retratadas, apesar de se diferenciarem quanto à gravidade ou à intensidade, foram trabalhadas de maneira semelhante, independentemente de ser a escola particular ou pública, surgindo o relato de classes especiais, termo e prática superados na legislação. Em todos os casos, os professores apontaram a utilização de um trabalho diferenciado para esses alunos, com atividades à parte para os que apresentavam tais dificuldades, com um conteúdo semelhante sendo abordado de maneiras diferentes:

[...] tanto na minha parte de ciências como de matemática, português, qualquer disciplina, todos os professores faziam uma prova especial (C.).

Os professores também indicaram que alunos com síndromes genéticas, como Síndrome de Down, ou com problemas de retardo mental, podem ser considerados como tendo um distúrbio de aprendizagem, já que suas condições os impede de aprender. Contudo, essas especificidades dos alunos preveem a dificuldade deles em aprender, devido às suas características intrínsecas, resultantes de suas limitações, muitas vezes, em outras capacidades que não as de aprendizado, mas que por consequência acabam afetando também esse campo da cognição.

Os estudantes demonstraram não ter muitas experiências com alunos com distúrbios de aprendizagem, a não ser em alguns casos isolados, quando estagiaram em salas que tinham algum aluno indicado com o diagnóstico.

[...] tinha um aluno que era, bom, as outras professoras tratavam ele como hiperativo e totalmente falta de atenção. E era bem difícil, principalmente as professoras que já davam aula lá nem, nem davam atenção pra ele, deixava ele de lado e falava: "Ah, esse daí não tem jeito, tal, não dá" (T.).

Ao serem indagados a respeito de possíveis medicações, os professores relataram que alguns dos alunos se valem da medicação, mas os exemplos mencionados se concentram, principalmente, em remédios de controle de violência, de forma a torná-los mais calmos, tranquilos, demonstrando a confusão que os docentes fazem em termos de distinguir o que de fato pode ser uma dificuldade de aprendizagem de uma dificuldade que pode ter surgido por conta de comportamentos dos alunos, sejam eles oriundos de situações sociais ou emocionais pelas quais possam ter passado.

[...] esse menino, ele não precisava tomar medicamento. Já a menina que foi até o terceiro ano, o terceiro ano do ensino médio já tomava medicamento. E tem a outra que era mais fraquinha, que tomava medicamento. Medicamento pra controlar o lado emocional dela, o humor dela. Então, aí eu não sei dizer se, né, se eu não vou saber diagnosticar se ele precisa ou não de medicamento. (...) Ele não tem problema de aprendizagem, problema de comportamento. Tem aluno que é bipolar (C.);

Com relação à ação da medicação na melhora do quadro de dificuldades, um dos professores respondeu que acredita que a medicação não auxilie na resolução do problema de aprendizagem. As incertezas demonstradas pelo professor confirmam a falta de informações deles a respeito do uso de medicações para alunos que, supostamente, apresentam distúrbios de aprendizagem.

Já os graduandos, se mostraram divididos quanto a ponderar a respeito dos efeitos que os medicamentos poderiam surtir nos alunos, não só com relação aos distúrbios de aprendizagem, mas também por se tratar da medicalização de crianças, em fase de desenvolvimento e que poderia gerar consequências.

Medicados? É, bom, só se for feito algum diagnóstico de algum profissional, de algum médico, né, algum psicólogo, algum psiquiatra na verdade, né, mas isso daí teria que fazer, teria que ser pela família, né, a família decidir isso, nada da escola intervir nisso (...) mas eu acho que sim, se usa-se remédio pra criança pra isso, acho que dá, acho que tem efeito sim. (T.)

Os professores mostraram opiniões divergentes a respeito do preparo da escola para dar suporte educacional ao aluno que, supostamente, possua um distúrbio de aprendizagem. Dois professores apontaram a escola regular como não estando preparada para atender um aluno com distúrbio de aprendizagem, devendo esta ser um espaço de inclusão social do aluno, onde ele possa desenvolver relações interpessoais, sendo que, para eles, uma escola especializada e com profissionais capacitados para lidar com esses alunos seria a melhor opção. Essa fala é recorrente, possivelmente, pelo mesmo motivo dos professores acreditarem que o distúrbio de aprendizagem deixa de ser um problema de âmbito educacional e entremeia a esfera de tratamentos e diagnósticos devido a condições biológicas desses alunos.

No meu entender, eles teriam que ter uma escola, um lugar com pedagoga e psicóloga para trabalhar com eles. Porque o professor mesmo, nós não fomos, vamos dizer assim, educados né, para trabalhar. (D.)

Fica evidente que as dificuldades no processo ensino aprendizagem têm sido comumente patologizadas, com a defesa de segregação daqueles não adaptados ao modo de funcionamento da escola e de sua expectativa de aprendizagem.

Interessante observar que, tanto na prática de professores como na formação dos futuros professores de biologia, não apareça o questionamento com relação à imprecisão dos diagnósticos para uma pretensa patologia de ordem genética, conforme defende a Associação Brasileira de Déficit de Atenção.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível constatar a sobreposição em relação ao entendimento e uso de terminologias como "distúrbios", "problemas" e "dificuldades" de aprendizagem, sendo utilizadas pelos professores e alunos participantes da pesquisa, como sinônimos para designar um igual processo. Indicaram sentirem-se despreparados e desamparados diante da possibilidade de lecionar para um aluno diagnosticado com "distúrbios" de aprendizagem, levando-os a indicar a necessidade de atuação de outros profissionais que acreditam estar mais preparados para lidar com esses casos, o que evidenciou um déficit na formação desses professores.

Outro ponto verificado a partir dos dados, refere-se à atribuição de causa biológica a qualquer dificuldade ou problema de aprendizado do aluno, ainda que a causa seja, de fato, devido a fatores sociais ou psicológicos. Inclusive aqueles que mencionaram outras causas, atrelaram os fatores biológicos como um dos componentes do problema. Desse modo, os resultados obtidos demonstram a importância de investigações mais profundas acerca do tema proposto, tão recorrente aos dias atuais, com a crescente medicalização.

Também apontam a necessidade de reflexões constantes com os professores formados e em formação com relação às práticas excludentes ainda presentes nas escolas, tais como a colocação em sala de aula diferenciada, com aglutinação de alunos com dificuldades. Essa prática relatada por eles, não se baseia simplesmente em laudos, mas sim em diagnósticos de senso comum e preconceituosos. Finalizando, podemos apontar que, inclusive para os profissionais que detêm um maior conhecimento do aparato biológico, as dificuldades em lidar com comportamentos inadequados às expectativas escolares, tendem a ser explicadas por fatores intrínsecos e não contextualizados, ainda que sem evidências claras e científicas de determinação biológica, haja vista a superficialidade e ausência de recursos para tal diagnóstico.

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Recebido: 02 de Maio de 2017; Aceito: 10 de Novembro de 2019

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