INTRODUÇÃO
O Programa de Estudos Pós-graduados em Educação: Psicologia da Educação (PED), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), pode ser considerado um marco da pós-graduação em nosso país, por ter sido o terceiro curso de pós-graduação em Educação a ser criado e o primeiro em Psicologia da Educação (Gandra, Nunes & Martins, 2018). Tendo iniciado suas atividades, em nível de mestrado em 1969 e de doutorado em 1982, completa agora, em 2019, 50 anos de existência. Várias facetas do PED podem ser focalizadas, porém no presente texto será abordada a trajetória de sua produção acadêmica, a partir de um momento de reestruturação curricular.
No I Plano Nacional de Pós-graduação - PNPG (Brasil, 1975), foram realizadas análises que serviriam "[...] como referência para as medidas a serem tomadas em todos os níveis institucionais de coordenação, planejamento, execução e normalização das atividades de pós-graduação, durante 5 (cinco) anos, a partir de 1975.¨ (p. 119).
Tendo como referência dados de 1973, no I PNPG indica-se que o ensino em nível de pós-graduação ampliou-se visivelmente, havendo cursos em "[...] cerca de 50 instituições de ensino superior [...]", das quais 15 particulares.
Nestas instituições, encontramos atualmente 158 áreas de concentração em mestrado e 89 áreas de concentração em doutorado, reconhecidas pelo Conselho Federal de Educação; e 195 núcleos de mestrado e 68 de doutorado estão indicados como centros de excelência pelo Conselho Nacional de Pesquisas. [...] O sistema titulou, até 1973, cerca de 3.500 mestres e 500 doutores, dos quais cerca de 50% foram absorvidos pelo magistério e os demais pelo mercado de trabalho profissional. (Brasil, 1975, p. 121)
A partir de meados dos anos de 1980, diferentes autores passaram a apresentar reflexões sobre a. Pós-graduação, tecendo críticas em relação a vários aspectos. Referindo-se às críticas direcionadas especificamente à atuação da Pós-graduação em Educação, Mahoney, Almeida, Moroz, Silva, Targino e Gioia (1995) fizeram referência às realizadas por Cunha (1991), Gatti (1987), Grzybowski (1987) e Warde (1990), que indicavam que, sem um projeto com a consequente organização da estrutura curricular, o ensino ministrado não poderia cumprir a função de formar profissionais de alto nível, particularmente a de formar pesquisadores.
O currículo, composto de inúmeras disciplinas, não desenvolvia e possibilitava a realização de pesquisas (Gatti, 1987), usualmente ficando a elaboração da dissertação postergada para quando as disciplinas fossem cumpridas. Permitia-se, ainda, que os professores definissem as disciplinas que lecionariam, além de haver a inserção de alunos das mais diferentes áreas (Cunha, 1991). A ênfase nas disciplinas e não na pesquisa, característica do modelo de Pós-graduação implantado no Brasil, favorecia o aprofundamento de facetas do conhecimento já produzido e não a formação do produtor de conhecimento (Grzybowski, 1987).
Inserido nesse contexto, o PED também apresentava estrutura curricular com foco em disciplinas e não na realização de pesquisa. Grande parte da formação era realizada no cumprimento das mesmas, ficando postergada, para após seu término, a realização da pesquisa de mestrado (ou de doutorado), quando era atribuído um orientador; consequentemente, o tempo de titulação era muito elevado. Conforme destacado por Mahoney, Almeida, Moroz, Silva, Targino e Gioia (1995):
A independência destes cursos, temporal e funcionalmente, do problema de pesquisa do aluno promove o que Beiguelman (1988, p. 38) chamou de verdadeira caça aos créditos, porque só após seu cumprimento o mestrando poderia dedicar-se à sua Dissertação. O Mestrado do PED não fugiu à regra. (p. 93)
Tal qual outros programas em Educação, o PED também apresentava características que eram alvo dessas críticas, às quais poder-se-ia acrescentar a elevada evasão, conforme detectado no estudo de Mahoney, Almeida e Moroz (2000). Indicando a quase ausência de estudos focalizando a evasão na Pós-graduação, as autoras estudaram a evasão de alunos de mestrado do PED, focalizando o período entre 1969 (ano de implantação do mestrado no PED) e 1990, além da turma de 1992.
As autoras verificaram que houve evasão de 641 alunos, correspondendo a 71,22% dos matriculados no mestrado, nesse período. Dos 641 alunos evadidos, 26,8% apenas se matricularam no curso, não frequentando sequer uma disciplina, sendo a evasão imediata. Foram 73,2% que frequentaram alguma disciplina, sendo que 36,8% haviam realizado no mínimo 13 créditos, equivalentes à metade dos créditos do mestrado. Focalizando o tempo de permanência no PED, as autoras verificaram que 44% permaneceram até dois semestres, tendo 54,4% permanecido entre três e 17 semestres (41,14% permaneceram no mínimo cinco semestres). Ainda, detectou-se que, até o momento da evasão, a grande maioria (79,3%) não tinha orientador. Portanto, um aluno evadido podia até ter realizado o conjunto de disciplinas da grade curricular, sem que tivesse um orientador e estivesse realizando sua dissertação.
Nesse contexto de críticas à pós-graduação em Educação, começaram a surgir propostas de reformulação desse modelo de pós-graduação. Em 1992, foi realizada a reformulação curricular do PED na direção da formação do pesquisador.
Mahoney, Almeida, Moroz, Silva, Targino e Gioia (1995, p. 92) destacam que essa proposta, abarcando o mestrado e o doutorado, teve por objetivos:
1. Fornecer elementos necessários para a formação de professor de 3º grau, a partir das contribuições da Psicologia da Educação, e; 2. Propiciar condições para o planejamento e realização de pesquisa em Psicologia da Educação, com a finalidade de preparar pesquisadores.
Na estrutura curricular então implantada (Programa de Estudos Pós- Graduados em Educação, 1992), além de disciplinas básicas (Seminários de Pesquisa I e II, Psicologia da Educação e Fundamentos do Conhecimento Científico, para o mestrado; Seminários I e II, para o doutorado) e eletivas (duas obrigatoriamente, para o Mestrado), a estrutura curricular passou a ser composta por créditos em Núcleos ou Projetos de Pesquisa, esclarecendo-se que Projetos definiam-se pelo desenvolvimento de atividades de pesquisa, sob coordenação de professores; o orientador era designado durante o 1º ano letivo. Dava-se, pois, ênfase à formação do pesquisador, não apenas por meio de disciplinas, mas também pela participação efetiva do aluno, durante o curso, em pesquisas realizadas por professores.
Com o objetivo de obter a avaliação dos pós-graduandos do PED sobre os efeitos da participação em Projetos de Pesquisa para sua formação, foi realizado estudo por Almeida, Mahoney, Moroz, Gioia e Silva (1997). Os alunos indicaram efeitos positivos dos Projetos de Pesquisa, focalizando diferentes aspectos, como:
- o exercício do pesquisar como forma de aprender
Entendo agora, mais do que antes, da impossibilidade de se aprender a pesquisar, sem efetivamente pesquisar. Os manuais de metodologia científica indicam os passos, discutem os pressupostos, expõem implicações teóricas e práticas, mas tudo isso é insuficiente para a execução de uma pesquisa. (Aluna B- doutoranda) (p. 173)
- a importância do trabalho em grupo
A ideia de grupo que traz o Projeto é excelente. A troca é fundamental e, no fim, nós assumimos o projeto como nosso e o nosso trabalho [a dissertação] faz parte do grupo e o grupo faz parte do nosso projeto. (Aluna F - mestranda) (p. 174)
- a possibilidade de mudança de objeto de estudo na trajetória do pesquisador
E aí mudei até o caminho de minha dissertação, deixando de fazer um trabalho isolado, mas retirando do próprio projeto minha dissertação. (Aluna I, mestranda) (p. 173)
Como visto, a nova estrutura visava a dar apoio ao discente para prepará-lo como pesquisador. Com tal formação, atuava-se em relação a um dos pontos críticos da pós-graduação, qual seja, superar a ênfase em disciplinas, e se favorecia a elaboração da dissertação ou tese. Essa estrutura previa, no máximo, o prazo de cinco anos para a titulação do doutorado e para o mestrado dois anos e meio; assim, foram criadas as condições para que houvesse redução do tempo de titulação, outro aspecto crítico da pós-graduação.
Reduzindo-se o tempo de titulação, mantidas as matrículas dos alunos, ter-se-ia aumento na produção de teses e dissertações. Portanto, seria esperado que a redução do tempo de titulação impactasse a produção do PED. O trabalho focalizando 25 anos de produção do PED, de Moroz, Rubano, Der, Carvalho, Hornke e Garcia (1999), permite ter indícios sobre a relação entre tempo de titulação e produção.
As autoras analisaram dissertações e teses defendidas entre 1971 (data da primeira dissertação) e 1995. Foram localizados, ao todo, 322 trabalhos (286 de mestrado e 36 de doutorado, com produção média de 12, 88 por ano). Focalizando a produção por quinquênios, constataram que o número de dissertações e teses aumentou, de forma evidente, nos anos de 1991 a 1995, como pode ser observado na Figura 1.
Se a baixa produção do primeiro período podia ser atribuída ao início da pós-graduação, a elevada produção do último período, embora não possa ser tomada como resultado da reformulação curricular, já indicava algum efeito positivo.
Em adequações posteriores, a estrutura curricular, que permanece até o momento, passou a ser composta por disciplinas básicas obrigatórias (Seminários de Pesquisa I e II, Psicologia I e II, Bases Históricas da Psicologia da Educação, para o mestrado; Seminários Teórico-Metodológicos I e II, para o doutorado) e Projetos de Pesquisa (dois semestres para o mestrado e quatro para o doutorado, no mínimo); as disciplinas eletivas (duas para o mestrado e 1 para o doutorado) deixaram de ser obrigatórias, podendo ser substituídas por Projetos; a atribuição do orientador passou a ser feita no início do curso. No Doutorado, o prazo máximo para a titulação foi reduzido para quatro anos.
Assim, o PED continuou a busca pela superação dos entraves apontados pela literatura; a pesquisa de Tozzato (2016) fornece novos dados indicativos do efeito positivo desse movimento de reestruturação curricular, ao focalizar a produção de dissertações e teses pelo PED, entre 1996 e 2014, ano da celebração dos 45 anos de existência do PED.
Tendo como referência esse período de 19 anos, a autora verificou que houve a produção de 612 trabalhos, sendo 409 mestrados e 203 doutorados (com produção média de 32,15 por ano). Verifica-se quantidade muito superior à apresentada no período entre 1971 e 1995, que apresentava produção média de 12,88 por ano, sendo mais compatível com a média do último quinquênio (1991-1995), que já tinha efeitos do primeiro momento de reestruturação.
Complementando as informações sobre a produção do PED, a seguir são fornecidos os dados relativos ao período de 2015 a 2018. A Figura 2 apresenta, ano a ano, o número de titulados.
Nesses últimos quatro anos, foram produzidos, ao todo, 163 trabalhos (111 mestrados e 52 doutorados), com média anual de 40,5 titulações. Verifica-se, portanto, que a produção do PED continuou elevada, como já detectado por Tozzato (2016). Os dados apresentados evidenciam que foram criadas condições para que os pós-graduandos do PED elaborassem o produto esperado, as dissertações e teses, e que o fizessem em tempo mais reduzido; dentre essas condições, pode ser considerada a reestruturação curricular.
Nesse ponto, três observações merecem ser feitas:
Durante os primeiros anos da pós-graduação não havia uma política de ajuda financeira aos pós-graduandos. À medida que a pós-graduação foi se consolidando, as agências financiadoras (CAPES e CNPq) passaram a, sistematicamente, disponibilizar bolsas de estudo para os discentes. Com isso, houve possibilidade de os alunos disporem de tempo, muitos deles dedicando-se exclusivamente para a realização do curso e finalização do mesmo com a titulação, reduzindo-se o tempo necessário para tal. Essa é uma variável que deve ser considerada em interação com a reestruturação do PED no efeito positivo identificado.
No que se refere a esse efeito, o aumento da produção e a diminuição do prazo de titulação são claramente detectados; possivelmente, um outro efeito é a diminuição da evasão. As informações dos últimos quatro anos permitem sugerir que houve redução da evasão, comparativamente aos anos 1969 a 1990 e 1992 (Mahoney, Almeida e Moroz, 2000). No entanto, a coleta sistemática de informações é necessária para que se possa fazer afirmação definitiva a esse respeito, sugestão para próximas pesquisas.
Ainda, embora o efeito positivo na produção tenha sido claramente evidenciado, permanece a questão: houve efeito sobre a atividade de pesquisar, fora do âmbito da pós-graduação? Essa é uma questão que não foi respondida e que merece ser pesquisada, já que a eficácia de qualquer processo de formação é dada, não apenas pela atuação do indivíduo no contexto escolar, mas principalmente pela aplicação do aprendido em novas situações, fora do ambiente de ensino.
Em 2019, o PED chega aos 50 anos de sua implantação com grande contribuição na formação de mestrandos e doutorandos, já que teve 1096 trabalhos defendidos (dados até o 2º semestre de 2018). É uma produção expressiva que atesta a importância do PED na pós-graduação em Educação. Futuras pesquisas permitirão indicar em que medida a formação recebida no PED contribuiu para a vida profissional do titulado, bem como que efeitos a formação desse contingente produziu para o contexto social brasileiro.